Polônia 1939


Capítulo III. Um regime de terror e de polícia


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Vejamos agora o que foi a política interna desses malsucedidos imperialistas megalomaníacos.

Seu objetivo era evidente: tratava-se de exceder em velocidade a maré montante revolucionária, de controlá-la e mudar seu curso, de quebrar a resistência das massas populares (assunto do qual trataremos de maneira mais ampla no capítulo seguinte); tratava-se de fazer com que as massas suportassem as consequências trágicas e pagassem as custas da crise de uma economia capitalista deficitária e atrasada. Tratava-se, enfim, de suprimir (muito simplesmente….) a União Soviética, primeiro e único Estado operário e camponês que, segundo julgavam os tolos (e sejamos justos, não somente os tolos da Polônia) seria uma presa fácil.

Este último fato tem uma importância particular. Cada ano de existência da União Soviética contribuía, com efeito, para reforçar o movimento revolucionário em todo o mundo.

É claro que todas estas soluções, cujo objetivo era quebrar e barrar a vaga revolucionária, implicavam inelutavelmente na fascistização da política interna. Já em 1928, no VI Congresso da Internacional Comunista, demonstrava-se que, “sob uma forma mais ou menos desenvolvida, as tendências fascistas e os germes do movimento fascista mantinham-se quase que por toda parte”.

Aos olhos da burguesia, que então se encontrava no poder na Polônia, a fascistização do país não correspondia somente a seus interesses de classe, mas à ideologia do “chefe” (o fuehererprinzip) tão caro à Sanatzia. Eis por que a política de aproximação com o III Reich encontrava tanto apoio e tantas afinidades ideológicas nas diretrizes antissoviéticas comuns aos dois Estados.

Essa aproximação, ao lado de seu conteúdo, exigia algo mais que a simples conclusão de pactos com o governo nazista. A criação no país de um clima novo, de um clima abertamente fascista, tornava-se necessária. Para a Polônia, portanto, a fascistização não significava senão uma verdadeira nazificação. Daí esse tom de admiração pelas “realizações magníficas” do hitlerismo, que mencionamos acima, no segundo capítulo.

A aproximação ideológica com o nazismo foi por outro lado favorecida pelo fato de que as duas principais correntes da política da burguesia polonesa — a Nacional-Democracia com seu aliado extremista, o O.N.R.(1) e o pilsudskismo — se apresentavam cada vez mais aparentadas; embora, anteriormente, fossem divididas, agora sua rivalidade era no sentido de ver quem atingiria mais depressa os ideais com que Hitler ofuscava os olhos dos fascistas de todos os quilates. O clube 11 de Novembro, fundado sob as graças de Rydz-Smigly, foi uma prova evidente dessa aproximação. Dirigido pelo Ministro da Justiça, Grabowski, esse clube foi organizado como uma escola de quadros do futuro Estado fascista, que deveria agrupar a Sanatzia, a Nacional-Democracia e o O.N.R.

Ao lado de Grabowski, mais uma personagem desempenhava papel de primeiro plano do clube “11 de Novembro”; era o rico industrial varsoviano de nome Karso-Siedlewski, um dos homens de confiança de Rydz-Smigly. No clube organizavam-se reuniões e conferências com debates, exclusivamente para os associados. Era, em suma, uma academia de nazismo em funcionamento na Polônia. Um oficial do serviço de espionagem do Exército, chamado Mierzynski, depondo no processo de Doboszynski, assim caracteriza as conferências do diretor do clube, Ministro Grabowski:

“Suas conferências eram tão odiosas que às vezes tornavam, mesmo em círculos restritos, impossível qualquer discussão. As conferências de Grabowski eram verdadeiros hinos à glória do nazismo e à Alemanha nazista. Pode-se classificar assim, sem temor de exageros. Isto ainda se tornou mais chocante quando de sua volta da Alemanha, onde esteve como convidado de Frank, o futuro governador do ‘Governo Geral’. Ele não cessava de elogiar. Mesmo para aquela época, era muito chocante.”

O que então podia ser particularmente notado era a simpatia da Sanatzia pelos grupos dos O.N.R. de todos os matizes. Essas preferências terminaram mesmo, segundo Mierzynski, inquietando e exasperando os pilsudskistas da velha guarda. Mas não podia ser de outro modo, pois os O.N.R. e os extremistas da nacional-democracia contavam já, em seu ativo, realizações importantes no plano de nazificação do país.

Não se fizeram esperar os resultados desses estudos “ideológicos” e dessas alianças. Em cadência acelerada, o governo tomou toda uma série de medidas de cunho nitidamente fascista, destinadas a sufocar a opinião pública. Regulamentando o direito de reunião, as prerrogativas das municipalidades ou o regime escolar, essas medidas invariavelmente visavam a limitar ou simplesmente abolir as liberdades democráticas. Quanto à liberdade de opinião, a burguesia polonesa havia acabado com ela desde os primeiros anos da independência nacional; agora a censura era ainda mais draconiana.

No domínio da magistratura, criaram-se os tribunais de exceção autorizando-se o pronunciamento da pena de morte pelos tribunais criminais. Um decreto especial “suspendeu” (para na realidade liquidar) a independência da magistratura. O Ministro Grabowski distinguiu-se particularmente por seu trabalho de uniformização do regime dos presos políticos com o dos presos comuns, deixando em melhor situação estes últimos.

Prova evidente da nazificação do país foi a criação de um campo de concentração sob o nome de “local de isolamento”, em Bereza-Kartuska. Copiado de Dachau, o campo de Bereza foi, sob muitos aspectos, pior que os campos nazistas onde S.S. ainda inexperientes ditavam a lei. Os internamentos em Bereza — é bom lembrar — faziam-se sem julgamento, por simples atos administrativos, à vontade da polícia.

Sob pretexto de “unificar” a legislação social, o governo investiu contra numerosas conquistas dos trabalhadores, tais como o direito aos seguros sociais, a lei de férias, etc. Todas essas vantagens haviam sido conquistadas pela classe operária polonesa através de duras lutas e às vezes de combates sangrentos. Não se tratava de melhorias generosamente concedidas pela burguesia.

Mas o cúmulo da ousadia fascista da Sanatzia foi sem dúvida a fraudulenta promulgação da Constituição de 1935. Essa constituição deveria, com efeito, garantir aos sucessores de Pilsudski o poder político “legal”, concentrado em grande parte nas mãos do Presidente da República.

Para ratificar a Constituição de 1935, o governo precisaria do voto de dois terços do Parlamento. Ora, a Sanatzia não contava absolutamente com essa votação e por isso recorreu a uma velhacaria. Aproveitando a ausência de numerosos deputados da oposição e sem prevenir ninguém sobre esse golpe de estado sui generis, a aprovação da Constituição foi incluída, de surpresa, na ordem do dia e o estatuto promulgado com a rapidez do relâmpago, como se se tratasse de uma lei de proteção às perdizes ou sobre a vacinação obrigatória dos bovinos.

A Constituição de 1935 restringia consideravelmente os poderes da Dieta, ao mesmo tempo que uma lei eleitoral apropriada permitia a eleição, em meio à indiferença geral e com abstenções numerosas, de uma Dieta e um Senado compostos exclusivamente de membros ou de simpatizantes da Sanatzia.

Para facilitar a nazificação do país e também desviar a atenção das massas populares das verdadeiras questões políticas e sociais, fazia-se uma exploração em regra de antagonismos raciais, excitando-se poloneses contra ucranianos, bielorrussos ou judeus. A política em relação às minorias nacionais era digna dos “melhores exemplos” fornecidos pelos nazistas. Lembremo-nos, entretanto, de que se tratava de um problema de muita importância, pois as minorias nacionais constituíam então um terço da população do país (perto de 12 milhões).

A economia polonesa, recuando em toda linha, oferecia aspectos particularmente deploráveis nas regiões fronteiriças do leste, chamadas “confins do país”. A burguesia, admitindo que a Polônia fosse uma colônia dos países capitalistas do Ocidente, por sua vez realizava uma política colonialista nos ''confins”, na chamada Polônia B.

Essa exploração capitalista — mais implacável que no centro e no oeste do país — marchava pari passu com a pior repressão antinacionalista. Basta dizer que o número das escolas para as minorias nacionais, onde o ensino era feito na língua materna dos alunos, em 1937 era nitidamente inferior ao de 1913, apresentando a tendência de baixar sempre (salvo ironia da sorte para a minoria alemã….).

Era lá, nos “confins do país”, que uma mão de obra miserável e mal paga reclamava trabalho desesperadamente, para ao menos conseguir comer um pouco de pão e uma sopa de batatas em todos os dias do ano. Era lá que o camponês se via obrigado a dividir por quatro cada fósforo, e a tomar emprestado, por economia, ao vizinho, água salgada, para poupar o sal (veja-se o livro Memórias Camponesas). Lá quando se reclamava uma escola, conseguia-se o benefício da “pacificação”, da qual a imprensa progressista da Europa ocidental falava com horror.

Eu mesmo ouvi Kosteck-Biernacki, Governador da Podláquia e carrasco de Brest-sobre-o-Bug e de Bereza-Kartuska, vangloriar-se com cinismo, diante de um grupo de escritores e jornalistas de Varsóvia: “Vejam, senhores, os problemas sociais e os conflitos de classes não existem aqui; em meus domínios não há partidos políticos, nem descontentes, nem políticos.” (Note-se que Kosteck-Biernacki veio à procura desses escritores e jornalistas sem ser solicitado e que demonstrou não ter gostado de que eles tivessem penetrado em seu território sem um pedido antecipado.)

A população judia formava sem dúvida o grupo mais maltratado pela exploração, entre as diversas minorias nacionais. Explorada pela burguesia polonesa e também pela burguesia israelita, jogada na miséria e na ignorância, perseguida desde séculos, a minoria nacional dos judeus era um bode expiratório, toda vez que o governo julgava oportuno desviar o descontentamento econômico e político das massas, provocando violências antissemitas. Como era fácil transformar o pequeno comerciante judeu em responsável por todos os males dos pobres, deixando-se assim de atender às suas reivindicações de classe! Gueto na Universidade, pogroms organizados pela polícia, com ajuda dos absurdos pretextos, sem dúvida primitivos, mas de eficiência provada, como as mortes rituais e as profanações de igrejas. Estes e outros eram os métodos usados na luta contra os operários e camponeses, visando afastá-los, por meio de manobras diversionistas, do caminho da luta de classes.

O antissemitismo ainda apresentava duas outras vantagens para o regime dos coronéis. Desviava a atenção do perigo que o país corria em consequência da política de aliança com Hitler; justificava, mesmo, essa política, aos olhos de pessoas de mentalidade limitada e também arrancava dos grupos nacionalistas o monopólio das palavras de ordem antissemitas, favorecendo a formação de uma plataforma política comum para a Sanatzia, a O.N.R. e a Nacional-Democracia.

Em relação aos que combatiam tal situação, o regime mostrava-se de uma severidade extrema. As prisões do campo de Bereza estavam superlotadas de presos políticos. A imprensa europeia falava frequentemente das prisões polonesas, descrevendo-as como as mais terríveis da Europa, principalmente depois de adotado o regulamento Grabowski. Era suficiente um simples manifesto clandestino, ou, à falta disso, a denúncia de um delator anônimo da polícia, para que uma pessoa presumivelmente pertencente ao Partido Comunista se visse condenada a 5, 10 ou mesmo 15 anos de prisão. Havia um número impressionante de casos em que militantes operários que acabavam de cumprir penas de vários anos, eram presos logo depois de saídos do cárcere e novamente internados em Bereza-Kartuska, sem nenhuma base jurídica para nova condenação, porque se temia deixar elementos subversivos em liberdade.

Como era diferente o tratamento reservado a alguns “prisioneiros políticos” dos setores da direita! Citemos por exemplo o caso clássico, tão conhecido na Polônia, de Adam Doboszynski, esse “nacionalista”, isto é, um nacional-democrata (na verdade simples espião a soldo dos nazistas) que organizou um ataque a mão armada ao conjunto residencial de Myslewice. Correu sangue, houve três mortos; houve saque e incêndio de estabelecimentos comerciais. Até o Sr. Basara, prefeito dedicado à Sanatzia, sofreu as consequências da façanha. Tratava-se de um alto funcionário no exercício de seu cargo e a legislação vigente sabia ser implacável em casos semelhantes.

Doboszynski foi preso e julgado nos tribunais, em 1936 e 1937. Bastou convencer o tribunal de que se tratava de uma ação anticomunista para que tivesse uma condenação ridícula: três anos e meio de prisão. Em seguida, o Ministro Grabowski, pessoalmente, o indultou. Alguns anos mais tarde, quando o terror dos coronéis ainda não tinha atingido seu apogeu, Alfredo Lampe, Alexandre Zawadzki e outros comunistas foram condenados a quinze anos de prisão; somente em 1939 fugiram por meio de um golpe de força, quando a guerra já havia começado e os nazistas se aproximavam.

Mas o terror mais desumano, as mais severas sentenças, o regime penitenciário mais implacável e as mais requintadas violências não conseguiam liquidar o movimento operário de vanguarda. A Sanatzia estava certa disso: eis por que recorreu à mais covarde das armas para combater o movimento operário: a arma venenosa da provocação.

“Vendo que a repressão mais severa não liquidaria o Partido Comunista Polonês, o inimigo recorreu a essa arma venenosa que é a provocação. Durante anos, lançou seus agentes pilsudskistas para desviar a linha política do Partido, para semear a divisão e diminuir assim a combatividade do Partido.” (Do discurso do Presidente Bolesław Bierut no Congresso de Unificação dos Partidos Operários, a 15 de dezembro de 1948).

Essas tentativas e todas as demais visando a paralisar as massas trabalhadoras na Polônia eram sustentadas por líderes de direita do Partido Socialista Polonês de então (P.P.S.), traidores da causa do socialismo.

“O capitalismo cultiva e mantém a divisão no seio da classe operária. A divisão sustenta o capitalismo. Na Polônia, durante a II República, a burguesia dividia o movimento operário com ajuda e apoio do P.P.S., dirigido pelos Puzak, Zaremba e Arciszewsk.” (Do discurso do Presidente Bierut).

O P.P.S. de antes da guerra, que era, como se vê, um partido socialista de direita, servia de para-raios à Sanatzia. A guerra, que põe a nu as forças sociais em sua plenitude, desmascarou os socialistas de direita. Não é sem motivo que um Zaremba, um Ciolkosz e um Kwapinski se encontram hoje ao lado dos Sosnkowski, Bor-Komorowski e Anders, no mesmo combate contra a Polônia popular.

De resto o papel de agente divisionista entre as massas trabalhadoras era disputado aos líderes do P.P.S. pelos dirigentes de direita do movimento camponês. Pode-se afirmar seguramente que, sem o trabalho de sapa e de provocação levado a efeito pelos dirigentes de direita do P.P.S. e pelos Mikolajczyk e Baginski no movimento camponês, a Sanatzia não teria resistido aos ataques conjuntos da classe operária e dos trabalhadores do campo. Recordemos ainda que foi devido à traição dos social-democratas que Hitler tomou o poder.

Os políticos de Sanatzia acreditavam que, armados com um aparelho poderoso de terror e de provocação, desembaraçados da Constituição de 1921 e partilhando com os nacional-democratas o monopólio do antissemitismo, poderiam imediatamente empreender de maneira ostensiva a nazificação do país. A criação de todas as peças do Campo de Agrupamento Nacional (chamado O.Z.O.N.) na primavera de 1937, foi uma das múltiplas tentativas de fascistização. Seu fundador e animador devia ser o coronel Adam Koc, que se beneficiaria da alta proteção de Rydz-Smigly.

Com um grande reforço de publicidade, através de redobrada censura e por meio da cooperação ativa de um aparelho policial de terror, foi solenemente proclamada a declaração-programa do O.Z.O.N., que não fazia senão temperar com molho polonês os pratos variados da cozinha nazista. Essa proclamação foi acompanhada de um rigor multiplicado da censura. O O.Z.O.N. procurou ganhar partidários com a plataforma de luta sem quartel contra o comunismo. Essa palavra de ordem e mais o antissemitismo deveriam assegurar uma clientela recrutada sobretudo entre os nacional-democratas e os extremistas do O.N.R.

Entretanto, apesar dos milhões de zlotys, obtidos de contribuintes e investidos no fundo de propaganda do O.Z.O.N., as tentativas da Sanatzia e do clube 11 de Novembro de se apresentar na cena política redundaram em verdadeiro fiasco. O medo dos métodos hitleristas já estavam muito consolidado nos espíritos — mesmo entre a pequena burguesia — para que os esforços do coronel Koc conseguissem um sucesso.

E como é eloquente o fato de que ainda hoje, quando diversas organizações de provocação e espionagem são fundadas no estrangeiro por emigrados que dispõem de milhões de dólares, o coronel Adam Koc não tenha conseguido senão o lugar de cozinheiro-chefe de uma pensão de Nova York! Seu talento de político, finalmente, foi apreciado na justa medida.

Pretensiosos e cegos, os Rydz-Smigly, Grabowski, Matuszewski & Cia., não souberam tirar nenhum ensinamento do fracasso do O.Z.O.N. O povo polonês rejeitava o nazismo, consciente do perigo que ele apresentava, mas a camarilha do poder continuava colaborando com aqueles que, desde então, em Berlim, preparavam o monstruoso atentado contra nossa independência. Não somente essa colaboração prosseguiu, mas se tornou cada vez mais estreita, durante os dois últimos anos de existência da Polônia dos coronéis.

Os anos que precederam de perto a guerra foram anos de aproximação estreita entre os chefes nazistas e os dirigentes da Sanatzia.

Goering, convidado do Presidente Moscick, caça nas florestas polonesas. Frank faz uma conferência para a “elite” varsoviana; o general Kordian-Zamorski, comandante-geral da polícia polonesa, realiza entendimentos diretos com o comandante-geral dos S.S. e da Gestapo. Os “teóricos” da Polônia-grande-potência, os mitômanos da “Polônia-de-mar-a-mar” tomam lições com os “teóricos” da cruzada antissoviética. Os sonhadores da conquista da Ucrânia confraternizam com os que, sobre os mapas de Estado-Maior, desenham as flechas indicadoras dos caminhos de invasão da Polônia. Os carrascos do campo de concentração de Bereza-Kartuska, os especialistas da provocação política no seio do movimento operário, orgulham-se de suas “realizações” diante dos mestres da tortura, dos doutores em atrocidades, que, satisfeitos com a realização de Dachau, sonhavam, já, o estabelecimento de outros campos de extermínio na Polônia de Auschwitz, Treblinka e Maidanek.

A cooperação era estreita e cordial. Principalmente, como se pode provar hoje, no plano da espionagem. A colaboração dos serviços de espionagem e contraespionagem poloneses (II Birô do G. Q. G.) com os serviços nazistas correspondentes é um assunto especial, que precisa ser estudado de perto.

Qual era, antes de tudo, o verdadeiro papel do II Birô, sob o regime dos coronéis?

Essa questão, conhecida de longa data nos círculos políticos do país, foi definitivamente esclarecida durante o processo de Doboszynski por testemunhas que antes da guerra trabalhavam no II Birô e que eram iniciadas em seus mistérios (Nowinski, Mierzynski e outros).

O II Birô polonês do tempo da Sanatzia não era apenas um organismo de espionagem e contraespionagem. Era, segundo as próprias expressões da testemunha [Mierzynski, verdadeira célula de quadros políticos estagiários. Todos os políticos fornecidos pela Sanatzia, efetivamente, haviam ocupado, em certo momento, um posto de responsabilidade no II Birô. Beck, Pieracki, Matuszewski, Koscialkowski, Slawek, Mierzynski, Schaetzel, Holowko, Scierzynski, foram todos eles, seus chefes ou altos funcionários.(2)

Mas o II Birô tinha uma ramificação muito grande e atuava tanto em superfície quanto em profundidade. De suas fileiras saíam não somente os futuros administradores territoriais dedicados à Sanatzia, mas também os chefes de polícia e até os diretores e chefes de serviço da agência de viagens Orbis.

O II Birô também indicava homens para as municipalidades e para as redações dos jornais e periódicos. Era de certo modo um gigantesco birô do pessoal, verdadeira escola de quadros do aparelho estatal da Sanatzia, segundo as próprias expressões de Mierzynski.

Dispondo de máquina tão poderosa, cujas ramificações cobriam o país inteiro, o II Birô tinha meios, naturalmente, de controlar a opinião pública e influir na vida política da Polônia.

Entretanto, a que causa servia, na verdade, essa organização monstruosa, ao mesmo tempo escola de políticos, birô do pessoal estatal e instrumento oculto de propaganda?

Antigo oficial do II Birô, Mierzynski declara, como testemunha, diante do tribunal:

“Posso dizer que o II Birô trabalhava pela aproximação política e militar com a Alemanha, que trabalhava pelo desencadeamento, de acordo com a Alemanha, de uma guerra antissoviética. Ninguém duvidava que essa guerra terminaria em conquistas territoriais. Os propagandistas dessa guerra eram então homens de muita influência. Originários da Ucrânia e tendo perdido seus bens com a revolução, viviam na Polônia e ocupavam, em muitos casos, postos importantes no exército. A guerra antissoviética representava para eles a esperança de retomar a posse de seus bens perdidos. Esta era a única maneira de dar corpo à ideia da “Grande Polônia”, então propagada com fervor.

Para atingir esse objetivo, era necessário, de um lado, conseguir que a opinião pública em seu conjunto adotasse uma atitude resolutamente antissoviética e de outro lado que fosse aceita pelo povo a aproximação com a Alemanha, o que não encontrava grande simpatia na Polônia. Trabalhava-se, então, sem subterfúgios, na preparação do clima propício. Principalmente os detalhes relacionados com a propaganda antissoviética foram articulados com energia; toda a imprensa, o rádio, as editoras de livros foram mobilizados. Tudo isso conduzia a opinião pública polonesa, durante anos, num único sentido: o antissovietismo.”

Essa parte do depoimento de um homem que conhecia bem os bastidores do II Birô não se referia senão aos objetivos essenciais da “elite” que se encontrava no poder na Polônia. É incontestável que o II Birô desempenhava um papel muito importante na orientação da política do Estado, em suas instâncias superiores. É claro, também, que essa política servia aos interesses dos grandes proprietários de terras e dos capitalistas. Isto nós o sabíamos, sem necessidade de auxílio do II Birô. O que é verdadeiramente espantoso é a continuação dessas revelações.

Com efeito, o II Birô contava, durante certo período entre seus funcionários, um oficial superior de nome Sosnowski, na aparência um “ás” do serviço de informações polonês e na verdade vulgar espião alemão. No fim da guerra acabou desmascarado. Mas o que importa observar é que os principais documentos informando o governo sobre questões alemãs provinham precisamente de Sosnowski. Entretanto o que é de pasmar é que o coronel Stefan Majer, chefe do serviço de informações, recebia esses documentos pessoalmente de Sosnowski, considerava-os bons, fazia-se fiador da boa fé do informante e punha nesses papéis fornecidos por um espião nazista, o selo do II Birô do Estado-Maior Polonês, transmitindo-os ao chefe supremo, Josef Pilsudski.

Diante de tais fatos pode-se dizer que os meios de ação escolhidos pelos nazistas eram realmente simples e cômodos. Os serviços de espionagem alemães remetiam a um de seus agentes o material que julgavam útil veicular, depois do que esse agente fazia chegar tais documentos até Pilsudski, que deles se servia para tomar decisões militares de extrema importância.

Pode-se alegar que os nazistas conseguiram simplesmente iludir os serviços de espionagem poloneses, que tal “acidente” pode verificar-se em qualquer país e que não é justo tirar conclusões de um fato isolado — embora tratando-se de um episódio tão intricado e vasto. Mas aqui não se trata de um fato isolado e sim de todo um sistema revelando determinado clima político. Verificavam-se com efeito dezenas de casos em que o espírito nazista impregnava os serviços poloneses de informações.

Lembremos ainda esse outro “ás” da espionagem polonesa que foi o comandante Zychon, também desmascarado antes da guerra como espião alemão. Recordemos a colaboração direta do II Birô com a embaixada da Alemanha nazista em Varsóvia, colaboração que consistia em fornecer e não obter dessa embaixada informações. Citemos os “cursos” de formação de quadros para o II Birô polonês, que funcionaram em 1938 e 1939 em Berlim, nos quais eram revelados “segredos” militares do III Reich a fim de que, de volta à Polônia, esses poloneses pudessem, com eficácia, difundir no Estado-Maior a ideia da suposta invencibilidade da Wehrmacht e testemunhar as intenções pacíficas de Hitler em relação à Polônia.

Vejamos ainda três pontos essenciais do depoimento de Doboszynski. O comandante Zychon, durante a guerra, apareceu em Londres. Um oficial polonês declarou então, publicamente, que considerava Zychon um instrumento consciente da espionagem alemã e dos coronéis Majer e Gano — todos em serviço no território britânico. Apontou-os como responsáveis pela invasão da Polônia pelos bárbaros nazistas. O assunto foi levado à Justiça Militar e o oficial autor da denúncia condenado a três semanas de prisão por insubordinação.

O processo de Sosnowski verificou-se ainda antes da guerra. Revelam testemunhos oculares que durante uma das audiências o coronel Gorecki deixou subitamente a sala e entrando noutra peça onde estavam alguns oficiais do II Birô perguntou violentamente: “Quero saber se os senhores são um bando de canalhas ou um ajuntamento de imbecis!”

Não, os homens do II Birô não eram imbecis. Imbecis eram os que os consideravam poloneses.

Essa apreciação do coronel Gorecki não seria confirmada pelo fato de que, mesmo às vésperas da guerra, o chefe do II Birô, coronel Pelczynski e muitos de seus mais graduados colaboradores foram afastados de suas funções? Não prova esse fato que mesmo do ponto de vista das autoridades da Sanatzia, tais homens, na melhor das hipóteses, não eram considerados capazes de lutar contra a Alemanha?

Apreciemos, porém, o quadro seguinte:

O almirante Canaris, chefe da espionagem alemã, tinha meios de influir nas nomeações de funcionários civis e de membros do exército polonês.

Himmler, comandante dos S.S. e chefe da Gestapo, podia controlar a atividade de membros do governo polonês na frente de luta contra os elementos progressistas e democratas do país, Goebbels controlava o diapasão da imprensa polonesa por meio de homens de sua confiança do II Birô.

Ribbentrop, além de seu contacto direto com o Embaixador Lipski e com o Ministro Beck, estava na posse de um instrumento poderoso para conduzir sua diplomacia em relação à Polônia.

Finalmente, o Estado-Maior do III Reich tinha meios de conhecer os segredos militares poloneses e de influir nos planos de mobilização e de operações do comando polonês.

Tais eram as fontes de inspiração da criminosa camarilha da Sanatzia que, visando lutar mais vantajosamente contra seu próprio povo, ligara-se para a vida e para a morte aqueles que já preparavam um golpe mortal contra a Polônia.

Qual poderia ser a consequência lógica e inelutável dessa política ditada pelo ódio de classe, caracterizada pelo campo de concentração de Bereza-Kartuska e pelas provocações policiais contra os democratas e patriotas?


Notas de rodapé:

(1) O.N.R. (Oboz Narodowo-Radykalny) - Ou seja: o Campo Nacional-Radical, partido abertamente pró-nazismo. (retornar ao texto)

(2) Todos esses homens desempenharam funções Importantes na Polônia de antes da guerra. Pieracki foi Ministro do Interior: Matuszewski, primeiro Ministro das Finanças e depois redator-chefe do jornal oficioso Gazeta Polska; Slawek, colaborador íntimo de Pilsudski, era Presidente do Conselho durante a votação da Constituição de 1935. (retornar ao texto)

Inclusão: 18/03/2024