Insurreições ou Revoluções? - O Papel do Instrumento Político

Marta Harnecker

2003


Fonte: CLACSO - Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/otros/20111023054529/revolpo.pdf

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

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1. Os recentes levantamentos populares que sacudiram a Argentina e a Bolívia —, em geral, a história dos múltiplos confrontos sociais que aconteceram na América Latina e no mundo —, demonstraram com veemência que não basta a iniciativa criativa das massas para alcançar a vitória sobre o regime existente.

2. Massas urbanas e camponesas empobrecidas se sublevaram, e sem uma direção política clara, tomaram estradas, povoados, bairros, saquearam centros de abastecimento, conseguiram tomar parlamentos, mas, apesar de ter mobilizado centenas de milhares de pessoas, nem a sua massificação nem a sua combatividade permitiram passar da insurreição popular para a revolução. Conseguiram derrubar presidentes, mas não foram capazes de conquistar o poder para iniciar um processo de transformações sociais profundas.

3. A história das revoluções triunfantes, pelo contrário, ratifica de forma teimosa o que se pode alcançar quando existe um instrumento político capaz, em primeiro lugar, de propor um programa alternativo de caráter nacional que permita canalizar a luta dos diversos atores sociais em direção a um objetivo comum; que ajude a articular entre eles e que seja capaz de promover a elaboração dos passos a seguir, de acordo com a análise da correlação de forças existentes. Somente assim poderia lançar as ações no momento e lugar mais oportunos, procurando sempre o elo mais débil da corrente inimiga.

4. Essa instância política é como o pistão que comprime o vapor de uma locomotiva no momento decisivo e permite que este não seja desperdiçado e se converta em força propulsora.

5. Para que a ação política seja eficaz, para que as atividades de protesto, de resistência e de luta mudem realmente as coisas, para que as insurreições desemboquem em revoluções, se requer uma instância política que ajude a superar a dispersão e “atomização” do povo explorado e reprimido, criando espaços de encontro para aqueles que têm diferenças, mas lutam contra um inimigo comum; que seja capaz de potencializar as lutas existentes e de promover outras, orientando as ações e tendo como base a análise da totalidade da dinâmica política; que sirva de instrumento articulador das múltiplas expressões de resistência e de luta.

6. Reconhecemos que o terreno não é fértil para se fazer ouvir essas ideias. Muitos não aceitam sequer discuti-las. E adotam essa atitude porque as associam às práticas políticas antidemocráticas, autoritárias, burocráticas, manipuladoras que caracterizaram muitos partidos de esquerda.

7. Acredito que é fundamental superar este bloqueio subjetivo e entender que quando falo de um instrumento político, não se trata de qualquer instrumento político. Trata-se de um instrumento político adequado aos novos tempos, um instrumento que temos que construir entre todos.

8. Mas para criar ou modelar o novo instrumento político é preciso mudar primeiro a cultura política da esquerda e a sua visão da política. Esta não pode se reduzir a disputas políticas institucionais pelo controle do parlamento, dos governos locais; por ganhar um projeto de lei ou algumas eleições. Nesta forma de conceber a política, os setores populares e suas lutas são os grandes ignorados. A política também pode limitar-se à arte do possível.

9. Para a Esquerda, a política deve ser a arte de tornar possível o impossível. E não se trata de uma declaração voluntarista. Trata-se de compreender a política como arte de construir força social e política capaz de mudar a correlação de forças em favor do movimento popular, de tal modo que possa tornar possível no futuro o que hoje parece impossível.

10. Temos que pensar a política como a arte de construir forças. Temos que superar o antigo e arraigado erro de pretender construir força política sem construir força social.

11. Por desgraça, entre nossos militantes há ainda muita “fala” revolucionária; muito radicalismo nos pronunciamentos. Estou convencida de que a única forma de poder radicalizar as coisas é mediante a construção de forças. Aos que enchem a boca de exigências de radicalização há que perguntar: O que vocês estão fazendo para construir a força social e política que permita fazer avançar o processo?

12. Mas esta construção de forças não se produz espontaneamente, só se produzem espontaneamente os confrontos sociais. Se requer um sujeito construtor.

13. Imagino este instrumento político como uma organização capaz de lançar um projeto nacional que permita aglutinar e sirva de bússola para todos os setores que se oponham ao neoliberalismo. Como uma instância voltada para a sociedade, que respeite a autonomia dos movimentos sociais e renuncie a manipulá-los, e cujos militantes e dirigentes sejam verdadeiros pedagogos populares, capazes de potencializar toda a sabedoria que existe no povo — tanto a que provém de suas tradições culturais e de luta, como a que se obtêm na sua batalha diária pela subsistência — por meio da fusão destes conhecimentos com os mais globais que a organização política possa aportar. Como uma instância orientadora e articuladora a serviço dos movimentos sociais.


Bibliografia de Marta Harnecker sobre o tema:

— La izquierda después de Seattle, Siglo XXI Espana, 2002.

— La izquierda en el umbral del Siglo XXI. Haciendo posible lo imposible, Publicado en: México, Siglo XXI Editores, 1999; Espana, Siglo XXI Editores, 1a ed., 1999, 2a ed., 2000 y 3a ed., 2000; Cuba, Editorial de Ciencias Sociales, 2000; Portugal, Campo das Letras Editores, 2000; Brasil, Paz e Terra, 2000; Italia, Sperling and Küpfer Editori, 2001; Canadá (francés), Lantôt Éditeur, 2001; El Salvador, Instituto de Ciencias Políticas y Administrativas Farabundo Martí, 2001.

— Hacia el Siglo XXI, La izquierda se renueva, Quito, Ecuador, CEESAL, 1991

— Vanguardia y crisis actual o Izquierda y crisis actual, Siglo XXI Espana, 1990. Publicado en: Argentina, Ediciones de Gente Sur, 1990; Uruguay, TAE Editorial, 1990; Chile, Brecha, 1990; Nicaragua, Barricada, 1990. Con el título Izquierda y crisis actual: México, Siglo XXI Editores, 1990; Perú, Ediciones Amauta, 1990; Venezuela, Abre Brecha, 1990; Dinamarca, Solidaritet, 1992.

 

Inclusão