Venezuela: A oposição prepara-se para ignorar o árbitro e provocar uma situação de caos

Marta Harnecker

24 de fevereiro de 2004


Fonte: http://resistir.info

HTML: Fernando Araújo.


1 - Frente à possibilidade cada vez maior de que as assinaturas válidas não sejam suficientes para dar continuidade ao processo revogatório, os líderes da oposição anti-chavista — assessorados pelos seus aliados externos —, anunciam abertamente a sua disposição de não reconhecer o veredicto do Conselho Nacional Eleitoral. Chegaram ao extremo de ameaçar boicotar a vida institucional do país se não se realizar o referendo. O que procuram é criar uma situação de caos que justifique a intromissão estrangeira. Estão dispostos a entregar a Pátria desde que recuperem o poder perdido.

2 - Nesse contexto, as declarações coincidentes com a oposição da parte de altas personalidades do governo estadunidense, a começar pelo próprio Bush,(1) são sintomáticas e muito preocupantes.(2) Não se pode esquecer que o quarto documento de Santa Fé, que orienta a política externa de Bush, assinala como principais inimigos dos Estados Unidos na América Latina o "eixo Cuba, Venezuela e a guerrilha colombiana".(3)

3 - Como os líderes opositores sabem que não contam com uma correlação interna de forças suficiente para retirar Chavez do governo de forma democrática, o seu futuro joga-se no apoio internacional que consigam obter. Os seus grandes aliados, a transnacionais da informação, esforçam-se por semear a dúvida acerca neutralidade do árbitro eleitoral e tentam convencer o mundo de que os autores da fraude não são as forças anti-chavistas e sim o governo em conluio com o Conselho Nacional Eleitoral.

4 - Como se sabe, depois de ter fracassado tanto na sua tentativa de golpe de Estado contra Chávez como na sua tentativa de paralisar economicamente o país para obrigá-lo a abandonar o governo, a maior parte da oposição opta por avançar com um processo de referendo revogatório contra o Presidente da República.

5 - As novas regras do jogo político estabelecidas na Constituição de 1999 assim permitem. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), composto por cinco membros eleitos com a aprovação de dois terços dos membros da Assembleia Nacional, é a entidade encarregada de levar adiante o processo referendário.(4)

6 - Uma vez que os deputados chavistas têm uma escassa maioria na Assembleia Nacional, a oposição pode prolongar durante meses a nomeação dos membros do CNE. Para romper o impasse o governo teve que recorrer ao Tribunal Superior de Justiça, o mesmo que absolveu os militares golpistas de Abril de 2002. Ninguém poderia acusá-lo de parcialidade em favor do governo.

7 - O CNE acabou finalmente por ser composto por dois membros próximos à oposição, dois membros próximos ao governo e um quinto membro e presidente da referida entidade, Francisco Carrasquero, que não só foi considerado por todas as partes como uma pessoa neutra como também recebeu o apoio público de conhecidos membros da oposição. Por fim parecia haver saído o fumo branco.

8 - A entidade reitora do processo revogatório teve que elaborar as normas que regeriam o processo inédito. Ainda que conhecendo a tradição fraudulenta dos partidos tradicionais e para não atolar o processo, os chavistas tiveram que aceitar coisas inauditas como a possibilidade de que nas mesas de colheita de assinaturas existissem as folhas itinerantes, ou seja, a possibilidade de recolher assinaturas fora do espaço onde estava situada a mesa. O regulamento, por outro lado, não obrigava esta mesa a entregar a folhas física e sim apenas as actas onde constava a quantidade de folhas e assinaturas nelas contidas.

9 - A consulta popular transcorreu sem grandes problemas. Centenas de milhares de pessoas apresentaram-se para inscrever as suas assinaturas perante observadores de ambos os lados durante os quatro dias que durou o processo, reflectindo perante o mundo o espírito cívico do povo venezuelano.

10 - Ainda que um grupo de observadores internacionais, dentre os quais encontravam-se vários parlamentares da Europa e da América Latina, e personalidades de diversas latitudes (jornalistas, juízes, professores universitários,(5) dirigentes de movimentos sociais)(6) denunciaram publicamente haver notado certas irregularidades, não foi possível detectar então as manipulações ocultas de personagens da oposição educados em décadas de conduta fraudulenta.

11 - A incompetência e falta de vigilância de muitas das testemunhas simpatizantes do governo juntamente com a perícia da oposição, que soube aproveitar impunemente as debilidades do regulamento eleitoral, criaram as condições para a realização de uma fraude significativa.

12 - Receando não ter conseguido as assinaturas exigidas, tudo parece provar que os quadros políticos opositores, aproveitando-se da possibilidade de manter as folhas nas suas mãos, lançaram-se a reproduzir e preencher centenas de milhares destas com assinaturas fraudulentas e métodos refinados, apostando em que o Conselho Nacional Eleitoral seria muito menos rigoroso na análise das folhas e em que o atraso tecnológico do sistema de inscrição venezuelano faria quase impossível conferir uma por uma as assinaturas. Estavam tão seguros disto que não tiveram sequer o cuidado de mudar a letra de cada novo assinante que incluíam.

13 - Certos de pode convencer o CNE da legitimidade das assinaturas entregues, a oposição começou a realizar uma campanha mediática nacional e internacional fazendo crer ao mundo que Chávez desconheceria os resultados da consulta democrática. As declarações categóricas exprimindo a sua decisão de respeitar o veredicto do árbitro tanto do presidente venezuelano como das personalidades políticas que o apoiam lançaram por terra a referida campanha.

14 - Esgotados esses recursos e constatando que o CNE não se deixava amedrontar nem pressionar, a oposição dirigiu agora as setas contra a própria instância arbitral.

15 - Os mesmos que durante meses impediram a nomeação do CNE e a seguir retardaram durante 30 dias a entrega de assinaturas acusam-no agora de atrasar o processo argumentando com o excesso de tecnicismo. Argumentam que se o processo revogatório continuar a prorrogar-se por muitas semanas mais ainda que consigam ir ao referendo e ganhá-lo não haverá eleições presidenciais e o chavismo continuará no governo. Segundo a nova Constituição, se o mandatário for revogado depois de cumprir quatro anos do seu mandato, o que acontece em Agosto, é o vice-presidente que deve assumir o governo durante o resto do período presidencial.

16 - Dizem estar preocupados com o prazos, quando na realidade estão preocupados em que o tempo permita descobrir a magnitude da fraude. Daí o seu esforço para tentar impedir a todo custo uma revisão minuciosa.

17 - Enquanto isso, o CNE não se deixou intimidar e continuou a cumprir consequentemente as suas funções. Perante as contundentes denúncias de fraudes apresentadas por Chávez e seus partidários viu-se obrigada a conferir em pormenor todas as folhas entregues, o que retardou o processo para além do previsto.

18 - A cada dia aparecem mais assinaturas que correspondem a pessoas mortas, estrangeiros não registados, menores de idade ou números de cédulas pertencentes a pessoas que não assinaram.

19 - Segundo anunciou o presidente do CNE, numa entrevista ao Canal 8 da TV, este organismo detectou até agora cerca de 150 mi folhas cujas assinaturas são suspeitas. Dados que acompanham as diferentes assinaturas (nome, direcção, cédula) preenchidos por uma mesma mão contra as instruções dadas de que cada pessoa pusesse os dados com o seu próprio punho e letra (salvo impedimento grave) e impressões digitais pouco nítidas obrigarão à revisão de cerca de 1.400.000 assinaturas.

20 - Em menos de uma semana, no próximo domingo 29, o CNE anunciará oficialmente o que todos sabem: que as assinaturas válidas não são suficientes para avançar como referendo revogatório e a partir daí deve iniciar-se um processo de revisão das firmas duvidosas pelos próprios assinantes questionados para ver se assim se consegue acumular as assinaturas necessárias.

21 - Consciente de que os líderes opositores não reconhecerão a sua derrota e que não renunciarão ao uso de qualquer meio para impedir o avanço do processo revolucionário bolivariano, o processo povo venezuelano prepara-se para defende-lo. Fortalece as suas organizações e prepara-se para realizar uma grande mobilização de todo o país em direcção a Caracas em 29 de Fevereiro próximo.

22 - Em momentos como este, em que a oposição não está só pois conta com o apoio das mais retrógradas forças políticas e mediáticas internacionais, a solidariedade internacional é mais necessária do que nunca. Neste sentido, foi importante a recente declaração feita pelo Fórum Parlamentar mundial realizado em Mumbai, Índia, em Janeiro último, onde parlamentares de todos os continentes exprimiram "o seu mais firme apoio ao processo de transformação social na Venezuela" e recusaram "qualquer tipo de ingerência estrangeira".

23 - É hora de activar os círculos bolivarianos no exterior e criar novos onde não houver. Há que incluir a Venezuela na grande mobilização mundial contra a guerra e contra a intervenção, planeada para 20 de Março. Mobilizemo-nos em 1º de Março próximo junto às embaixadas americanas nos diversos países.


Notas de rodapé:

(1) Sobre este tema ver Declaraciones de los Estados Unidos sobre el proceso revocatorio, Mónica Saiz, 23/Fev/2004. (retornar ao texto)

(2) Hugo Chávez Frías, Extractos del discurso del 17 de febrero 2004 na Presentación del Plan Estratégico de Compras del Estado, III Rueda de negocios, Caracas. (retornar ao texto)

(3) Investigación realizada por IU sobre la participación de España y Estados Unidos en el golpe de estado en Venezuela, http://www.izquierda-unida.es/Actualidad/docu/2002/informegolpevenezuela.htm (retornar ao texto)

(4) Sobre este proceso ver: Francisco Palacios, Breve sinopsis informativa del proceso de referendo revocatorio en Venezuela, documento inédito, 23 febrero 2004. (retornar ao texto)

(5) Ver Informe del Grupo de Observadores Internacionales sobre proceso de recolección de firmas, 30 de noviembre 2003 (Assinado por um grupo de 52 intelectuales, parlamentare, líderes sociais, comunicadores/as, e outras pessoas, de 35 países do mundo). (retornar ao texto)

(6) Ver Pronunciamiento sobre el proceso de recolección de firmas en la República bolivariana de Venezuela, Secretaría Política del Congreso Bolivariano de los pueblos, Caracas, 30/Nov/2003. (retornar ao texto)

Inclusão: 24/11/2021