A Cência da Logica

Georg Wilhelm Friedrich Hegel


Prefácio para a segunda edição


Para este novo processo a ciência da lógica, cujo primeiro volume aqui aparece, estou confortável com toda a consciência de ambas as dificuldades: tanto do próprio assunto e da imperfeição de sua representação que o assunto comporta, na primeira edição. Por mais que tenha me esforçado, após muitos anos de estudo dessa ciência, para remediar essa imperfeição, sinto que ainda tenho motivos suficientes para reivindicar a indulgência do leitor. A título de tal afirmativa, no entanto, pode muito bem ser baseado na circunstância de que, para o conteúdo, somente o material externo foi encontrado na Metafísica e Lógica anteriores. Não obstante, estas terem sido tratadas, geralmente e mais amplamente, e a última até nossa época, pouco se preocupou com o lado especulativo do problema; pois bem, em tudo se reitera o mesmo material, às vezes diluído até a superficialidade mais banal, às vezes arrastando consigo à luz todo o velho e pesado lastro. Por isso, deste trabalho amiúde apenas mecânico, o patrimônio filosófico não pode tirar nenhum benefício. Para expor, portanto, tanto o renovado pensamento de uma maneira filosófica, quer dizer, em sua própria atividade imanente, ou o que dá no mesmo, em seu desenvolvimento necessário, havia de impregnar-se já desde o começo, um novo procedimento; porém esse material adquirido que consiste em formas conhecidas do pensamento, deve considerar-se um modelo sumamente importante, ou ainda uma nova condição necessária, e tem que ser aceito com gratidão como uma premissa, ainda esta só ofereça, às vezes, só um fio exíguo, ou os ossos sem vida de um esqueleto, dispostos em desordem.

As formas do pensamento estão, antes de tudo, expostas e consignadas na linguagem do homem. Em nossos dias nunca se repetirá demais que o homem só se distingue pelos animais pelo pensamento. Em tudo aquilo que se converte em algo interior, e principalmente na representação, na que faz sua, penetrou na linguagem e expressa com ela, contêm escondida, misturada e elaborada, uma categoria; tão natural é ao homem o elemento lógico, ou para dizê-lo melhor, tão própria é de sua própria natureza. Mas se opomos, em geral, a natureza em si, como o físico, ao espiritual, diríamos que o lógico é melhor que o sobrenatural, que penetra em toda a sua religião – a atividade natural do homem, em sua maneira de sentir, considerar, desejar, necessitar, em seus impulsos e o converte, sobretudo em algo humano, mesmo quando só fosse de maneira formal, proporcionando representações e fins. É uma vantagem que a linguagem possua abundância de expressões lógicas, quer dizer, peculiares e diferenciadas, para expressar determinações do pensamento; a estas relações, que se baseiam no pensamento, permanecem já intactas, pertencem muitas preposições e os artigos. O idioma chinês, em sua formação, não chegou até aí ou, pelo menos, o conseguiu de forma muito insuficiente; mas estas partículas se apresentam absolutamente subordinadas, só um pouco, mais independentes que os aumentos silábicos, sinais de flexão e outros elementos análogos. Muito mais importante é que em um idioma as determinações do pensamento se haja destacado como substantivos e verbos e tenham assim a marca de formas objetivas, nisto o idioma alemão tem muitas vantagens sobre os outros idiomas modernos; muitas de suas palavras não somente têm a propriedade de se prestar a diferentes significados, como também têm até significados opostos; de modo que tampouco nisto possa deixar-se de reconhecer um espírito especulativo da linguagem. Pode ser uma alegria para o pensamento encontrar tais palavras e ver na presença da união de contrários, contida de forma ingênua e segundo o léxico em uma só palavra de significado opostos, cuja união é um resultado da especulação apesar de ser contraditório para o intelecto. Por isto a filosofia não precisa, em geral, de uma terminologia especial; certamente é preciso aceitar algumas palavras de línguas estrangeiras, as quais hajam adquirido direito de cidadania pelo uso, e neste caso, onde o que importa é o conteúdo, estaria completamente fora do lugar um purismo afetado. O progresso da cultura em geral e das ciências em particular, mesmo das empíricas e sensíveis, enquanto se movam em geral nas categorias habituais (por exemplo, a de um todo e suas partes, de um objeto e suas características e outras) semelhantes, particularmente promove também relações do pensamento mais elevado, ou, pelo menos, as exalta a uma maior universalidade, fazendo-as assim um objeto da mais esmerada atenção. Enquanto, por exemplo, na Física, o conceito de força chegou outrora a ser predominante, agora nos tempos modernos, desempenha o papel principal a categoria de polaridade (que, além disso, penetrou bastante a ton et à travers, até na teoria da luz, quer dizer determinação de uma diferença da qual os termos diferentes estão vinculados individualmente. Contudo, tem uma importância infinita que desta maneira se proceda mais além da forma da abstração e da identidade, por meio da qual uma determinação (por exemplo, como a força) consegue uma independência de outras determinações, e que se chega assim a por em destaque a forma de determinar ou da diferença, que ao mesmo tempo fica como algo insuperável da identidade, e que se converte em uma representação comum.

A contemplação da natureza, devido à realidade com que se manifestam os objetos, traz consigo a necessidade de fixar aquelas categorias que já não podem ser ignoradas nela, ainda que fosse com a maior incoerência com relação às outras categorias que tampouco devem ser consideradas válidas; e não permite que – tal como se acha com maior facilidade no espiritual – se passe à abstração de oposições e às generalizações.

Mas, enquanto os objetos lógicos, assim como suas expressões, são talvez conhecidas – por todo o mundo da cultura, o que é conhecido, como eu disse em outro lugar(1), não é por isso reconhecido; e ainda pode causar insuficiência o ter de ocupar-se do conhecido; e, existe algo mais conhecido que os conceitos que empregamos em toda a oportunidade, que nos saem da boca em cada frase, que pronunciamos? Este prefácio está destinado à exposição dos momentos gerais do caminho do conhecimento a partir do conhecido, e as relações do pensamento científico com este pensamento natural; isto junto com o conteúdo da primeira Introdução será suficientemente para dar uma representação geral (a que se requer, como premissa da ciência, antes de entrar no âmago do argumento) do sentido do reconhecimento lógico.

Antes de tudo deve-se considerar como um progresso imenso que as formas de pensamento hajam sido libertas da matéria em que estão fundidas numa intuição e representação conscientes de si mesma, assim como em nosso desejo e vontade, ou melhor, na representação do desejo e da vontade (posto que não existe desejo ou vontades humanas sem representação); que estas generalidades tenham sido destacadas por si, e que, como fizeram magistralmente Platão e depois Aristóteles, tenham tomado objeto de contemplação por si; isto marca o começo de seu reconhecimento. “Tão só depois de haver alcançado todo o necessário”, afirmou Aristóteles, “e o que pertence a comodidade e as relações – da vida, começou o homem a preocupar-se com o conhecimento filosófico”(2). “No Egito”, tinha observado antes, “as ciências matemáticas desenvolveram-se cedo, por ali a casta dos sacerdotes encontrou-se logo em condições de ter tempo livre”(3) – com efeito, a exigência de ocupar-se dos pensamentos puros supõe um largo caminho, que o espírito humano deve ter percorrido, e pode dizer-se que esta exigência que surge da necessidade já tenham sido satisfeitas; - porque a exigência precedente da falta de toda necessidade, que já tem de ser alcançada pela exigência de abstrair a matéria da intuição, da imaginação, etc., dos interesses concretos do desejo, dos impulsos, da vontade, na qual as determinações do pensamento estão entrelaçadas nas regiões silenciosas do pensamento que se voltam sobre si e que existe só em si mesmo, calam-se os interesses que movem a vida dos povos e indivíduos. Aristóteles, referindo-se sempre ao mesmo tema, disse: “a natureza do homem em muitos aspectos é dependente, mas esta ciência, que não se busca por utilidade alguma, é a única livre em si e por si, e por isto não parece ser uma propriedade humana”(4). A filosofia em geral tem conteúdo que ocupar-se de objetos concretos – Deus, a natureza, o espírito – em seus pensamentos; mas a lógica trata deles só por si, em sua total abstração. Esta lógica costuma por isto pertencer antes de tudo ao estudo próprio da juventude, porque esta não se iniciou nos interesses da vida concreta, com relação aos quais vive no ócio, e tem de ocupar-se primeiramente, para seu fim subjetivo – e também só teoricamente, em adquirir, meios e possibilidades para exercer sua atividade sobre os objetos daqueles interesses. Entre esses meios e possibilidades em contraste com a concepção de Aristóteles já citada encontra-se a consistência lógica; o ocupar-se dela é um trabalho preparatório, e seu lugar é a escola, a que logo tem de seguir com seriedade da vida; e a atividade para os verdadeiros fins. Na vida se passa do emprego de categorias, a fim de que sirvam a atividade espiritual do conteúdo vivente, na criação e intercâmbio das representações que a elas se referem. Em parte as categorias servem como abreviaturas pela sua universalidade; com efeito, que infinidade de particularidades próprias, da existência exterior e da atividade compreende em si a representação, por exemplo, da batalha, a guerra, povo, e também de mar, animal, etc.! como se sintetiza na representação de Deus, ou do amor, etc., isto é, na simplicidade de outras representações, atividades, condições, etc.! Essas partes servem também para a mais exata determinação e achado de relações objetivas, em cujo caso, contudo, o conteúdo é o fim, a exatidão e a verdade do pensamento que se mistura com elas, fazem depender inteiramente do próprio existente, sem atribuir às determinações do pensamento em si influencia alguma determinação do conteúdo. Tal uso das categorias, que se chamava antes lógica natural e inconscientemente; e quando, na reflexão científica se atribui a ditas categorias no espírito a condição de servir de meio, então o pensamento em geral converte-se em algo subordinado com relação as outras determinações espirituais. Não dizemos que nossas sensações, nossos impulsos, interesses nos serem, mas que os consideramos como forças e poderes independentes, de modo que nos somos mesmos esta maneira de sentir, desejar e querer, este colocar nelas nossos interesses. Mas podemos adquirir consciência de que estamos melhor a serviço de nossas sensações, impulsos, paixões, interesses – prescindindo de hábitos - , em vez de possuí-los e que muitos menos poderes em nossa íntima unidade com eles, servir-nos dele como meios. Semelhantes determinações do ânimo e do nosso espírito apresentam-nos logo como particulares, em oposição à universalidade cuja consciência alcançamos e na qual achamos nossa liberdade; e por isso estimamos que nos encontramos melhores aprisionados nestas particularidades e dominados por elas. De acordo com isto estamos muito menos convencidos de que estejam a nosso serviço as formas do pensamento, que passam através de todas as nossas representações sejam elas somente teóricas, ou contenham uma matéria, consistente na sua sensibilidade, o instinto, a vontade, melhor acreditamos que estamos em seu poder, e não elas no nosso.

O que nos resta diante dessas particularidades? Como poderíamos , como eu poderia, superar a elas como mais universal como tal? Quando nos pomos em um sentido ou um fim, ou um interesse e nele nos sentimos limitados, sem liberdade, então o lugar em que podemos, saindo de tal posição, encontrar de novo a liberdade é o lugar da certeza de si mesmo, da pura abstração, do pensamento. Ou igualmente quando queremos falar de coisas, chamamos à natureza ou essência das mesmas seu conceito; mas muito menos conteúdo poderemos dizer que dominamos os conceitos das coisas, o que as determinações do pensamento, cujo complexo eles representam, estão a nosso serviço; ao contrário, nosso pensamento deve limitar-se a eles e a nosso arbítrio. Ou liberdade não podem dirigi-los a nosso gosto.

Então, posto que o pensamento subjetivo é nosso mais próximo ato íntimo, e o conceito objetivo das coisas constitui sua natureza, não podemos sair daquele ato, não podemos superar a ele, e tampouco podemos superar a natureza das coisas. Contudo podemos prescindir desta última determinação. Ela coincide com a primeira contando que só uma relação de nossos pensamentos com a coisa; porém não daria senão algo, vazio, porque por este meio a coisa, contudo, se erigiria em regra de nossos conceitos; a coisa, porém, é para nós os conceitos que temos dela. Quando a meio entre nós e as coisas, no sentido de que este meio melhor nos separa delas, em vez de unirmo-nos a elas, necessário opor a esta maneira de ver a simples observação de que precisamente ditas coisas, que teriam de estar situadas em um mais além na extremidade oposta à que nos achamos e os pensamentos referidos a elas, são em si mesmo objetos do pensamento, mesmo assim de todo os indeterminados, são somente um único objeto de pensamento a chamada coisa-em-si (Ding an sich) – da abstração vazia.

Isto pode ser suficiente do ponto de vista, para o qual desaparece a condição que consiste em tomar as determinações do pensamento só como destinadas ao uso e como meios; porém, mais importante é o ponto de vista relacionado com este, que concebe as determinações do pensamento como forma exterior a atividade do pensamento que entretém todas as nossas representações do pensamento como forma exterior. A atividade do pensamento entretém todas nossas representações, nossos fins, interesses e ações, atua, como se disso inconscientemente (é a lógica natural); o que nossa consciência tem diante de si, é o conhecido, os objetos das representações o que preenche nosso interesse. A este respeito as determinações do pensamento valem como formas, que – como formas, que – estão no conteúdo, mesmo que não sejam do próprio conteúdo. Porém existe outro aspecto relativo ao que se disse antes e que em geral todos concordam, quer dizer, que a natureza, a própria essência aquilo que é verdadeiramente constante e substancial na multiplicidade e conteúdo gerais do aparecer das manifestações transitórias consiste no conceito da coisa, no universal que existe na consciência, do mesmo modo que cada indivíduo humano tem em si , uma peculiaridade infinita, o primado de ser animal: então não poderíamos dizer que coisa seria, entretanto, um indivíduo se deixássemos de lado este fundamento, deixando-lhe ainda alguns outros predicados se quisesse, se o referido fundamento pudesse igualmente ser cercado de predicados como os outros.

O fundamento imprescindível, o conceito, o universal, que é o pensamento enquanto possa fazer abstração, da representação da palavra: “pensamento”, não pode ser considerado só como uma forma indiferente, que esteja num conteúdo. Porem, estes pensamentos de todas as coisas materiais e espirituais, seu próprio conteúdo substancial, são também algo tal que contem múltiplas determinações e que guardam contudo em si a diferença de uma alma e de um corpo, do conceito e de uma relativa realidade o fundamento mais profundo é uma alma em si, o puro conceito, que é o mais íntimo dos objetos, o simples impulso vital, tanto dos objetos quanto do pensamento subjetivo deles. Levar a consciência esta natureza lógica, que anima o espírito, que se agita e atua nele, tal é a tarefa. A ação instintiva se diferencia em geral da ação inteligente e livre em que esta última se realiza conscientemente; enquanto o conteúdo do atuante é separado da unidade direta com o sujeito e levado à objetividade diante do sujeito começa a liberdade de espírito, a qual na atividade instituída do pensamento, submetido a vínculos das suas categorias, se encontra disperso em uma matéria infinitamente múltipla. Nesta rede, se os entretêm, às vezes, elos mais sólidos que são os pontos de apoio e de orientação de sua vida e consciência; devem sua solidez e potência principalmente ao fato de que, levados diante da consciência, são conceitos, em si e para si existentes, de uma essência. O ponto mais importante para a natureza do espírito não consiste somente na relação do que é espírito em si com o que é em realidade, senão em como ele conhece a si mesmo; este conhecimento de si mesmo, portanto, dado que o espírito é essencialmente consciência, constitui a determinação fundamental de sua realidade. Purificar, pois, estas categorias que atuam somente de maneira instintiva, como impulsos, levados ao começo à consciência do espírito isoladamente, e por isso de maneira mutável e confusa, que os outorga assim uma realidade isolada e incerta, purificá-las (dizemos, e elevam por este meio o espírito à liberdade e verdade, esta é a tarefa superior da lógica.

O que afirmamos ser o começo da ciência, cujo valor superior por si, e ao mesmo tempo como condição do verdadeiro conhecimento, já fora reconhecida —quer dizer o tratar previamente os conceitos e os momentos dos conceitos em geral, as determinações do pensamento, como formas, diferentes da matéria, e que existem somente aderidas nela—, se manifesta de imediato por si mesmo como um procedimento inadequado para a verdade, que se considera como sujeito e fim da lógica. Pois os conceitos, assim considerados, como puras formas, diferentes do conteúdo, se aceitam como fixados numa determinação que lhes dá uma aparência de algo limitado e os torna incapazes de abarcar a verdade que é em si infinita. Mesmo quando, além disso, o verdadeiro possa voltar a acompanhar-se com limitações e restrições, a qualquer respeito, isto representa seu lado de negação, de falta de verdade e realidade, justamente sua aparência de acabamento, e não sua afirmação, quer dizer, o que é como verdade. Contra a esterilidade das categorias puramente formais, o instinto da razão sadia, por fim, se sentiu tão fortalecido, que abandonou com desprezo o conhecimento delas ao campo de uma lógica e metafísica escolares, se descuidando ao mesmo tempo do valor que tem por si mesma mesmo a consciência isolada destes fios; e sem se dar conta de que, na maneira de atuar instintiva da lógica natural, e ainda mais na recusa a reflexão do conhecimento e reconhecimento das determinações do pensamento, ficava prisioneiro, a serviço do pensamento não purificado e por isso carente de liberdade. A simples determinação fundamental ou determinação formal comum, do conjunto de tais formas, é a identidade, que se afirma na lógica deste conjunto como lei, como A = A, como principio de contradição. A razão sadia perdeu todo o respeito com escola que possui tais leis da verdade, e que continua praticando-as; perdeu-a a tal ponto que se ri dela e considera insuportável um homem que sabe de verdade falar segundo tais leis, quer dizer: a planta é uma — planta, a ciência é — a ciência, e assim ao infinito.

Também com respeito às fórmulas que dão as regras do silogismo, que é em realidade o uso mais importante do intelecto (por injusto que seja desconhecer que têm seu lugar no conhecimento, onde devem valer, e que simultaneamente devem ser consideradas como material essencial para o pensamento racional), criou-se o conceito igualmente correto que estas fórmulas são também o veículo indiferente do erro e do hábito sofistico, e que, de outro lado, qualquer que seja a maneira de determinar a verdade, elas não se podem empregar para as formas superiores desta, por exemplo para a verdade religiosa; e que elas sobretudo se referem a somente à exatidão dos conhecimentos, e não à verdade.

A imperfeição desta maneira de considerar o pensamento, que deixa a verdade ao lado, pode ser corrigida unicamente acrescentando que não somente o que se considera como forma exterior, como também o conteúdo, deve ser compreendido na consideração do pensamento. Rapidamente o resultado é evidente: que o que na primeira reflexão comum se considera como conteúdo, separado da forma, na realidade não pode estar sem forma, indeterminado em si — neste caso seria somente o nada, algo como a abstração da coisa em si—, porém ao contrario tem a forma em si mesmo, e que somente por meio desta tem animação e conteúdo, e que esta forma mesma é a que converte na aparência de um conteúdo, como também na aparência de algo extrínseco a esta aparência. Ao introduzir deste modo o conteúdo na consideração lógica, não são as coisas, senão o essencial, o conceito das coisas, o que se converte no objeto final. Porém em relação a isto é preciso recordar que há uma quantidade de conceitos e uma quantidade de coisas. Em parte já disse como pode se limitar esta quantidade: quer dizer pelo fato de que o conceito, entendido como pensamento em geral, como universal, é a incomensurável abreviação diante da singularidade dos objetos, tais como se apresentam em grande número à intuição e à representação indeterminadas. De outro modo, um conceito é antes de tudo o conceito em si, e este é um só, e constitui o fundamento substancial; porém, diante de outro, é um conceito determinado, e o que nele se apresenta como determinação é o que aparece como conteúdo. Porém a determinação do conceito é uma determinação formal desta unidade substancial, um momento da forma como totalidade, do próprio conceito, que é o fundamento dos conceitos determinados. Este não é intuído ou representado de maneira sensível; é somente objeto, produto e conteúdo do pensamento e é a coisa em si e por si, o logos, a razão do que é, a verdade do que leva o nome das coisas; pois bem, o logos é, de tudo, o que menos deve ser excluído da ciência lógica. Por isso não pode depender do arbítrio introduzi-lo ou exclui-lo da ciência. Quando as determinações do pensamento, que são apenas formas exteriores, são consideradas verdadeiramente em si, pode acontecer tão-somente sua finitude e a falta de verdade de seu dever-ser-por-si; sua verdade tem resultado ser o conceito. Por isso a ciência lógica, enquanto trata das determinações do pensamento, que passam através de nosso espírito de maneira inteiramente instintiva e inconsciente, e que, mesmo quando entram no idioma, ficam carentes de objetividade e despercebidas, será também a reconstrução daquelas que foram postas em relevo pela reflexão e fixadas por ela como formas subjetivas exteriores à substancia e ao conteúdo.

Não há exposição de qualquer objeto em si e por si que seja capaz de ser efetuada de uma maneira plástica tão imanente como o desenvolvimento do pensamento em sua necessidade; nenhum outro objeto leva tão profundamente consigo esta exigência; sua ciência deveria superar a este respeito também às matemáticas, pois nenhum objeto tem em si tanta liberdade e independência. Esta exposição necessitaria (tal como ocorre à sua maneira no curso das deduções matemáticas), que em nenhum grau do desenvolvimento se apresentasse uma determinação do pensamento ou uma reflexão, que não fosse resultado direto deste grau, e não decorresse dos antecedentes.

Todavia é evidente que em geral há que renunciar a esta perfeição abstrata da exposição. Enquanto que a ciência deve começar com o absolutamente simples, quer dizer. Com o mais o mais universal e vazio, esta exposição admitiria somente estas mesmas expressões absolutamente simples, sem acrescentar-se nenhuma outra palavra; e o que se realizaria com isso, seriam reflexões negativas, que se preocupariam de recusar e afastar o que as representações ou um pensamento desordenado pudessem imiscuir-se nelas. Porém incursões como estas, no simples, caminho imanente do desenvolvimento são acidentais, e a preocupação de evitá-las está também relacionada com esta casualidade. Ademais é inútil querer enfrentar todas estas incursões, justamente porque estão fora do objeto, e pelo menos sempre haveria algo de incompleto diante ao que deveria pretender-se aqui para satisfazer as exigências sistemáticas.

Porém, a inquietação e dispersão características de nossas consciências modernas, não nos permitem prescindir de reflexões e inspirações que mais ou menos estão sugeridas diretamente pelo argumento tratado.

Uma exposição plástica requer também um sentido plástico da percepção e compreensão; porém tais jovens e homens plásticos, tão tranquilos em renunciar por si mesmos a suas reflexões e inspirações, com as que o pensamento pessoal se impacienta por manifestar-se, e apenas dóceis ouvintes do argumento, como os imagina Platão, não poderiam apresentar-se num diálogo moderno;

E menos ainda poderia se esperar por tais leitores. Pelo contrario, muito amiúde apresentaram-se a mim violentos adversários de tal tipo, incapazes de refletir simplesmente que suas observações e objeções contivessem categorias, ou seja premissas, que por si próprias necessitem ser submetidas à crítica, antes de ser empregados. A inconsciência a este respeito vai incrivelmente longe; ela constitui a incompreensão fundamental, esse procedimento mau, quer dizer inculto, que consiste em que, ao considerar uma categoria, se pensa em algo diferente e não nesta. Esta inconsciência é tanto menos justificada enquanto que este algo distinto, consiste em outras determinações do pensamento e outros conceitos; entretanto num sistema de lógica essas categorias devem igualmente haver encontrado seu lugar e por isso mesmo devem haver sido objeto de consideração por si.

Isto é mais evidente no assombroso número de objeções e ataques dirigidos contra os primeiros conceitos ou proposições da lógica: o ser e o nada, e o devir enquanto que este, mesmo sendo por si uma simples determinação, contem em si, sem discussão possível (e a mais simples análise o prova) como momentos as outras duas determinações. O desejo de aprofundar a investigação parece requerer antes de tudo se averígue se o principio que serve como fundamento e sobre o qual está edificado todo o restante é exato, e que não se prossiga mais adiante, até que este não se haja mostrado firme. Se, ao contrário, isto não se verifica, melhor haveria de recusar todo o restante.

Este aprofundamento tem também a vantagem de aliviar o trabalho de pensar, tem presente, encerrado nesta semente, todo o desenvolvimento, e opina havê-lo concluído, quando levou a termo isto, que é o mais fácil de efetuar, pois é o mais simples, o simples por si. É o menor trabalho que pode pedir-se, e isso é o que torna essencialmente recomendável este aprofundamento, tão satisfeita de si mesma. Esta limitação ao mais simples deixa margem ao livre arbítrio ou ao pensamento, que por si mesmo não quer permanecer em sua simplicidade, senão terminar suas reflexões sobre o assunto.

Com pleno direito de ocupar-se primeiro apenas de princípio, e sem aventurar-se a considerar o que segue, este aprofundamento efetua em sua tarefa justamente o contrário, a saber, põe no meio o que deveria melhor seguir, quer dizer, outras categorias, que não são o principio, mas outras premissas e juízos preconcebidos. Estas premissas, por exemplo: que o infinito é algo diferente do limitado, que o conteúdo é algo distinto da forma, que o interior é diferente do exterior, que por isso o indireto não é o mesmo que o direto, são apresentados ao mesmo tempo de modo de didático, como si fossem coisas desconhecidas, e não são demonstrados, mas expostos e afirmados. Esta maneira de pôr em série, considerada como procedimento, representa — não se pode defini-la de outra maneira— uma coisa estúpida; porém considerando a coisa em si, há que observar que por um lado é injustificado pressupor semelhantes premissas e aceitá-las francamente; e por outro lado se mostra ignorar o que é exigência e oficio do pensamento lógico averiguar precisamente isto, quer dizer, se o limitado é algo verdadeiro sem o infinito, e se igualmente é algo verdadeiro e também algo real este infinito abstrato, ou um conteúdo sem forma, ou uma forma sem conteúdo, ou algo interior por si mesmo que não é extrínseco, ou uma exterioridade sem interioridade, etc.

Porém esta formação e educação do pensamento, por cujo meio se realiza um comportamento plástico dele, e pelo qual pode sujeitar-se a impaciência das reflexiones que sobrevêm repentinamente, se consegue tão-somente por meio do progresso, o estudo e a produção de todo o desenvolvimento.

Em relação com a mencionada exposição platônica, pode lembrar-se quem trabalha na construção de um novo edifício independente da ciência filosófica nos tempos modernos, a anedota de que Platão revisou e modificou sete vezes seus livros sobre a República.

Esta lembrança —que é uma comparação, enquanto que parece justamente compreendê-la em si— deveria fazer sentir mais forte o desejo de dispor de tempo livre para voltar a elaborar setenta e sete vezes uma obra que, por pertencer ao mundo moderno, tem defronte de si um principio mas profundo, um assunto mais difícil e um material mais vasto por elaborar. Porém o autor, considerando a grandeza da tarefa, teve que se dar por satisfeito com o que pode fazer, na situação de uma necessidade exterior, da inevitável dispersão devida à grandeza da multiplicidade dos interesses da época e inclusive com a dúvida de que de que o tumultuoso ruído do dia e a ensurdecedora loquacidade da imaginação que se locupleta de limitar-se a isto, desse lugar ainda para o interesse dirigido para a serena calma do conhecimento puramente intelectual.

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) Fenomenologia do Espírito, Philo. Bibli., 114, 2ª. Edição, p. 21, o conhecido em geral justamente por ser conhecido, não é reconhecido. (retornar ao texto)

(2) Aristóteles – Metafísica A, 2, 982 b. (retornar ao texto)

(3) Idem – A, 981. (retornar ao texto)

(4) Ibid., A, 2, 982 b (retornar ao texto)

Inclusão 12/08/2018