Presidenciais 2007: A caverna do cego?

Georges Labica

25 de janeiro de 2007


Fonte: http://resistir.info/

Tradução Rita Maia

HTML: Fernando Araújo.


A conjuntura actual

A conjuntura actual caracteriza-se por um deslizar à direita das principais forças políticas. Consequentemente, nunca os eleitores tiveram à escolha tantas opções de direita: Le Pen, De Villiers, Sarkozy, Bayrou, Royal.

O discurso securitário, tornado ideologia dominante, legitima todos os dispositivos do liberalismo, derradeira fase do capitalismo mundializado, ao declará-los inultrapassáveis.

O sistema

Quando este não é pura e simplesmente ignorado, o sistema pode ser objecto de alusões (VI República?), mas nunca de declarações programáticas precisas.

Ora, é necessário lembrar que o sistema não é democrático: sectores inteiros da opinião, verdadeiras forças sociais, são excluídas de toda e qualquer representação, por um lado, através do jogo da recolha de assinaturas para se ser candidato (situação agravada ainda pela decisão de interdito do PS), e do mecanismo eleitoral; por outro lado, pelo papel figurativo/consultivo do parlamento e a sua submissão a um governo, ele mesmo, constituído com o apoio das campanhas eleitorais; pelo plebiscito de um indivíduo investido de poderes monárquicos.

O sistema produz dois efeitos: a existência de organizações partidárias cúmplices do jogo eleitoral, a fim de preservar ou de melhorar as suas posições adquiridas – políticas, morais e financeiras; o número de abstencionistas, que não cessou de aumentar, ao ponto de formar a maioria do eleitorado, e que, no entanto, é tratado à parte da compatibilidade dos sufrágios. Ora, esta situação tem duas consequências comuns a todas as nossas democracias "modelo" ocidentais: o bipartidarismo que se vem afirmando, em França, de eleição em eleição e que arrisca fortemente em se consagrar no próximo escrutínio; os eleitos, incluindo o presidente, minoritários, logo, em bom princípio "republicano", inaptos a exercer funções do executivo. Vemos já, nos dois casos, o fosso confirmado, colossal, entre "elites" e povo.

Este empecilho (será preciso repeti-lo?) assegura a domínio das potências monopolistas, através dos media que elas próprias controlam. A sua associação (de malfeitores) já distribui os papéis para a próxima consulta popular.

Os postulantes/concorrentes

Sabe-se bem que a dupla Sarkozy/Royal foi impulsionada para a linha da frente da cena eleitoral através de certas manipulações vindas de longe. E, doravante, parece que só resta fazer o luto da alternativa que lhe poderia ter feito oposição. Só para lembrar: ela consistia em definir um programa antiliberal apoiado pela união de todas as forças sociais que se tinham comprometido nas lutas contra a constituição europeia e o CPE, em particular, os motins nos subúrbios que não encontraram abrandamento nem porta-voz. Podemos especular sobre as razões do falhanço, sem nos privarmos, obviamente, de identificar os culpados. Eu diria mais directamente que face ao desafio de constituir a força unitária (trans-partidária e apartidária), necessária à réplica que o recusava, o sistema, mais uma vez, afastou-a. Estavam em jogo, coragem, invenção, e talvez aventura. E o que é que se viu? As incoerências da AG sem bases políticas reais, as reflexões superficiais e no que toca ao actor principal, essa maioria PS que tinha escolhido o não, as grandes goelas, de Fabius a Emmanueli e outros Montebourg, fundindo-se no nevoeiro de um congresso sem asperezas doutrinais. Traidores? Eu diria antes, arrependidos, tendo em conta que a lógica de classe não foi para eles senão uma recreação sem consequência. E o homem de convicções (de ideias ou de princípios), Chevènement, vinha, por sua vez, em busca de um prato de lentilhas e de conforto para a sua boa consciência. Nada mais restava à criança desse nevoeiro, a Senhora Royal, do que federar os fantasmas.

E assim se repartiam entre as velhas cantilenas do voto "útil" e do voto "bloqueio", em que se desgastaram gerações inteiras de militantes de esquerda, até à palhaçada dos 80% de Chirac, em 2002.

Hipóteses

Deveremos votar em Royal? Várias atitudes são possíveis: a mola no nariz; a resignação, o realismo, a confiança, a esperança. Em nome de que argumentos?

Invoca-se, com o apoio de alguns filósofos que se ofereceram para dar credibilidade à causa, ainda que não tenham mais competência na matéria do que quaisquer outros cidadãos, a existência de "contradições" no seio do PS, passíveis de fazer explodir a sua unidade de fachada, e sobre as quais poderiam "pesar" formações associadas cada vez mais orientadas para a esquerda. No entanto, não é necessário lembrar o que se passou, há pouco tempo, com a singular "esquerda plural", nem de remontar às experiências históricas, para enunciar uma série de dúvidas relativamente às capacidades actuais do PS. Este partido está em vias de perder o seu S, e de passar a representar apenas as camadas médias superiores e os quadros (cf. os novos aderentes, mais de 116% no 92, sendo pouco provável que eles pertençam aos "bairros"), enquanto um bando considerável de plebeus vota FN. É evidente que a linha Royal, mesmo que ela não acabe numa espécie de bilhete Sarkozy/Royal, como sugere o cronista italiano, Cesare Martinetti, de La Stampa, estará mais em harmonia com Bayrou do que com Buffet. Para alguns, é precisamente esta ancoragem direitista que abrirá uma via para uma esquerda radical, capaz de vencer onde os comités do não falharam. Mais audaciosamente ainda, apoiando-nos na analogia Royal/Sarkozy, pois que cada um no seu campo tem funcionado como um amante que aglomera granalha, podemos ficar à espera que a força atractiva cesse, e que novas cartas sejam distribuídas… no centro de direita. Enquanto se espera e se deixam de lado compromissos sociais inerentes ao verbo eleitoralista, faltam as garantias no que toca às duas questões distintas, que são a Europa e o conflito do Próximo Oriente, entre outras. Se, a propósito da Palestina, se diz que Royal foi mal aconselhada, é caso para nos inquietarmos seriamente quanto à aptidão da Senhora "Eu quero" para desempenhar a função de primeiro magistrado de França. Se o desejo, e enfim, o prazer de barrar o caminho a um Sarkozy não é em nada ilegítimo, e é preciso escolher, entre dois males, o menor, podemos ainda assim preferir não ficar doentes.

Recorrer a José Bové? Já é tarde demais, a caixa está fechada e o seu resultado, a dispersão de candidaturas, não fará mais do que reforçar a chantagem do voto "útil". Além do mais, a personagem, para quem as revoluções não passam de velharias do século passado (entenda-se, o XIX), não se declara hostil a uma associação com o PS.

Que fazer?

Pois é mesmo aí que reside o problema, a lição da conjuntura actual, que obriga a romper com as ilusões tradicionais, rejeitando mesmo o princípio de uma aliança, ou de um compromisso, com o PS. Vontade, ao votar em branco, de manter as mãos limpas ou, ao abster-se, de deixar correr? Certamente que não, pelo contrário, isso é querer colar-se o mais possível à situação concreta que estamos a viver, que apela, não tenhamos receio de o dizer, a uma agitação revolucionária. O que significa também denunciar o eleitoralismo que se cola à pele, quer o tenhamos ou não, ou dito de outra forma, a redução do cidadão às intermitências dos escrutínios. Há-de chegar o dia em que os boletins em branco e os nulos, juntamente com os abstencionistas e com os não-inscritos, deixem de ser considerados uma merda, e passem a ser reconhecidos como uma expressão política, não mais ecléctica, apesar de tudo, do que os votos anti Europa. Não se trata igualmente de substituir o movimento de massa, que evidentemente, sob os efeitos conjugados da degradação das condições de trabalho e de existência, do condicionamento mediático e dos servilismos sindicais, não está ainda maduro para se comprometer, de forma concertada, no processo de mudança radical, cujas formas serão necessariamente inéditas. Será um sonho vão, a recusa em acreditar que este país foi domesticado ao ponto de ter abandonado a luta de classes, que fez a originalidade da sua história?

A tarefa, desde já, para cada um de nós, consiste em contribuir, seja qual a for a modéstia dos nossos meios e, tratando-se de intelectuais, unicamente das suas palavras tornadas inaudíveis, para a tomada de consciência e para o apoio, contra todos os consensos dominantes, de todas as cóleras e de todas as contestações que trabalham a nossa sociedade.


Inclusão: 24/01/2022