Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro segundo: A produção de mais valia
Capítulo III - A mais-valia na economia capitalista
15. Impossibilidade de obter a mais-valia através da troca


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Estudámos a lei do valor da economia mercantil simples, formada por pequenos produtores, proprietários dos meios de produção que vivem da venda do produto do seu trabalho. O objectivo da troca de uma mercadoria por outra, nesta economia, era satisfazer as necessidades do interessado.

Passamos agora ao estudo das leis que regem a sociedade capitalista. Se considerarmos atentamente as trocas existentes na sociedade capitalista, deparamos com um quadro muito diferente do que traçámos para a economia mercantil simples. Uma pessoa que entre num estabelecimento numa cidade capitalista e tente regatear os preços com o vendedor. O primeiro argumento que este invocará não é já o do alfaiate, por exemplo: «os tecidos estão caros»; «há que viver», etc. O vendedor dirá algo parecido com «a venda deste artigo não me dá grande lucro» e, finalmente, dar- lhe-á o argumento supremo: «Não posso vendê-lo ao preço de custo, tenho que ganhar alguma coisa». Vemos que até o objectivo da troca de mercadorias se modificou em relação à época anterior. Se na economia mercantil simples a fórmula era «mercadoria-dinheiro-mercadoria» (M—D—M), esta fórmula já não é válida para a economia mercantil capitalista de hoje. Para o capitalista actual o processo de troca começa no dinheiro e acaba no dinheiro: D—M—D. Mas se a troca de mercadorias acabasse com o mesmo dinheiro com que tinha começado, então não teria sentido algum para o capitalista. Para ele a troca só tem sentido, só se justifica, se lhe traz não a soma de dinheiro empregada, mas sim uma soma maior. Portanto, a fórmula característica de circulação capitalista de mercadorias será: D—M—D+d.

Donde provém o excedente "d"?

Resposta imediata: este excedente em dinheiro, ou, como lhe chama o capitalista, este lucro, obteve- se pelo aumento do preço das mercadorias.

Vejamos em que medida podemos considerar certa esta resposta.

A análise da lei do valor ensinou-nos que os preços das mercadorias tendem a aproximar-se do nível do valor, isto é, do tempo socialmente necessário gasto na produção. A partir do momento que o preço de uma mercadoria se eleva acima do seu valor, os produtores de mercadorias, atraídos por um preço mais alto, começam a produzi-la em maior quantidade, até que o aumento de produção faz cair o preço abaixo do seu valor. Produz-se então um movimento em sentido contrário, e os produtores passam a produzir outro produto. Estas variações dos preços, acompanhadas do fluxo e refluxo do capital, manter-se-ão enquanto não se estabelecer um preço correspondente ao valor. Podemos compreender que um possuidor de mercadorias durante estas variações possa ganhar dinheiro em detrimento dum competidor. Mas este lucro será momentâneo e deixará de existir logo que terminem as variações dos preços. Portanto as oscilações da oferta e da procura não podem explicar os lucros da classe capitalista, podendo apenas explicar as modificações fortuitas da repartição dos lucros entre os capitalistas.

É evidente que a repartição dos valores em circulação não vai modificar o seu total, do mesmo modo que um antiquário não vai aumentar a massa dos metais preciosos num país quando vende por uns dólares uma moeda do século da rainha Ana.

A totalidade da classe dos capitalistas de um país não pode prejudicar-se a si mesma (K. Marx, O Capital, Livro Primeiro, t. I, p. 189, ed. «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1990).

Mas então talvez os lucros sejam o resultado do inexplicável privilégio que os comerciantes têm de vender as suas mercadorias a um preço superior ao seu valor? Não, já que não existem capitalistas que se limitem a vender sem comprar. Consideremos, por exemplo, um capitalista industrial, ou seja, proprietário duma empresa. Uma vez que vendeu a mercadoria que produziu, tem de comprar com o dinheiro obtido artigos de consumo e diversas mercadorias necessárias à continuação da sua produção. Do mesmo modo, o capitalista comercial, que não tem produção própria e se dedica ao comércio das mercadorias que recebe acabadas, tem de comprar outras quando se esgotam. De modo que os capitalistas mudam constantemente de lugar; os que ontem eram vendedores são hoje compradores e vice-versa. Assim, se ganharam como vendedores, perderiam como compradores.

Qualquer tentativa para explicar os lucros através do processo de circulação é estar a perder tempo sem chegar a nenhuma conclusão. A circulação das mercadorias não pode ser a origem dos lucros dos capitalistas.

A explicação do lucro por um aumento nominal do preço das mercadorias, que, ao princípio, nos parecia tão natural e tão convincente, aparece, através da análise, como incapaz de suportar a menor crítica. Todavia não encontrámos o segredo dos lucros da classe capitalista. Encontramo-nos diante do seguinte problema: O nosso possuidor de dinheiro... tem de comprar as mercadorias pelo seu preço e voltar a vendê-las, e, ao concluir a operação, tirar mais valor do que aquele que pôs em circulação(1).


Notas de rodapé:

(1) Marx, O Capital, Livro Primeiro, t. I, p. 193 e seguintes, ed. «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1990. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018