Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro quinto: O capital comercial e o lucro comercial
Capítulo X - O lucro e o preço de produção na economia capitalista
52. Natureza do lucro da cooperação na URSS


capa

Devemos, para nos capacitarmos de que natureza é o lucro da cooperação na URSS, examinar as diversas formas da cooperação conforme as camadas da população que elas sirvam, bem como suas relações com a economia estatal e privada. Em primeiro lugar, detenhamo-nos na cooperação de consumo. Ela serve principalmente aos operários, empregados e camponeses. No regime capitalista, ela realiza as mercadorias criadas nas empresas capitalistas e se apropria, em beneficio de seus membros, de parte da mais-valia.

A cooperação de consumo da URSS realiza a produção das empresas estatais e apropria-se de uma parte do seu produto suplementar que distribui também entre seus membros. Sendo seus membros operários, o lucro da cooperação não difere do lucro comercial estatal senão porque o primeiro serve para satisfazer as necessidades de um número determinado de operários cooperadores, enquanto o segundo é consagrado às necessidades do Estado proletário, isto é, da classe operária em conjunto. Uma outra diferença é que o lucro da cooperação, caindo nas mãos dos operários cooperadores, aumenta a capacidade de consumo individual da classe operária, ao passo que o lucro comercial vindo para o Estado proletário pode servir para o desenvolvimento da produção e para satisfação de outras necessidades sociais.

Se a cooperação de consumo abrangesse toda a classe operária da URSS, a primeira diferença desapareceria; a segunda, entretanto, subsistiria.

O produto suplementar criado pelos operários das empresas estatais, apropriado pela cooperação para o consumo individual dos mesmos operários, pode ser considerado como sinal de exploração?

A classe operaria não pode explorar a si mesma. Ainda quando ela não se encontre toda organizada na cooperação, ainda quando não se beneficie com todas as vantagens desta, não se poderia falar de exploração dos operários não cooperadores pelos operários das cooperativas. Ninguém impede a todos os operários da URSS de aderir à cooperação e de participar assim da repartição desta parte do produto suplementar.

Na pior das hipóteses, poderia falar-se de uma certa desigualdade no seio de uma única classe, mas absolutamente de exploração e de mais-valia, que pressupõem a existência de duas classes de interesses opostos, vivendo uma da exploração da outra. Notemos, por fim, e a parte do produto suplementar entregue aos operários sob a forma de lucro de cooperação, não pode influenciar, na URSS, o salário até determinar uma baixa nominal, o que pode acontecer no regime capitalista.

Todas estas considerações sobre a natureza do lucro da cooperação continuam em vigor no que se refere ao camponês pobre ou médio tornado cooperador. Para bem compreender isto, basta que se tenha em conta o que dissemos sobre as relações entre a classe operária e o campesinato, na URSS.

Examinamos a cooperação de consumo. Examinaremos mais tarde, em relação com os problemas de acumulação capitalista e socialista, a cooperação de produção. Vejamos, agora, as outras formas de cooperação agrícola.

Na verdade, não nos resta examinar senão uma: a cooperação de venda dos produtos da agricultura e de compra de matérias primas e de meios de produção. Qual é sua natureza e qual é a natureza do lucro que ela distribui aos seus membros? Quais são as camadas do campesinato que ela serve? Quem arrecada os lucros? Eis aí o que é preciso saber. O campesinato não constitui na URSS uma classe única. Há relações sociais de classe a classe quando se encontram em presença duas classes antagónicas de interesses opostos, decorrente da exploração de uma pela outra. Não há na URSS classe oposta ao campesinato. Este está, aliás, longe de constituir um todo homogéneo e divide-se em camponeses pobres, médios e ricos. O camponês pobre é o semiproletário dos campos, que não possui meios de produção nem ferramentas em quantidade suficiente para seu trabalho individual; o camponês rico – o kulak - já é um burguês, que vive da exploração do trabalho dos camponeses pobres e dos jornaleiros agrícolas; o camponês médio é um pequeno produtor que possui seus instrumentos de produção e vive de seu próprio trabalho; é tipo característico do pequeno produtor de mercadorias. Nossa economia camponesa está, portanto, na imensa maioria dos casos, dominada pelo camponês médio. Conforme prevaleça na cooperação uma destas três camadas da população rural, modifica-se a natureza desta e do lucro cooperativo.

Quando o camponês médio organiza pela cooperação agrícola a venda de seus produtos, ele afasta o comércio capitalista e conserva, sob a forma de lucro cooperativo, a parte do rendimento de seu trabalho que constituiria o lucro do capital, se ele tivesse recorrido ao serviço de um comerciante. Pelo contrário, quando o camponês rico escoa suas mercadorias com a ajuda da cooperação, ele guarda a parte de mais valia que, de outro modo, teria de entregar ao capitalista comerciante.

Evidentemente, a cooperação não tem, no primeiro caso, um caráter capitalista; no segundo caso, ela adquire este caráter. O kulak que fica, graças ao armazém cooperativo, com uma parte da mais-valia, pouco se distancia do capitalista industrial, que vende seus produtos em seus próprios armazéns, ficando assim ele próprio com a parte da mais-valia que de outra maneira teria de entregar ao capital comercial.

A cooperação toma, portanto, um caráter capitalista ou não capitalista, conforme a categoria social do camponês que ela organizou. Já indicámos que no regime capitalista a cooperação agrícola, órgão de defesa do pequeno produtor contra a exploração do capital comercial tende a se transformar numa organização comercial de camponeses ricos.

A cooperação agrícola soviética é, portanto, na imensa maioria dos casos, a organização dos camponeses médios e, parcialmente, a dos camponeses pobres. Ela tem, pois, em geral, um caráter não capitalista. Torna-se, pelas consequências da ditadura do proletariado, um meio de transformar a pequena produção camponesa em grande produção socialista; em outros termos, torna-se o caminho da agricultura para o socialismo. Mas nós voltaremos a este assunto no capítulo da acumulação socialista na URSS.


Inclusão 20/09/2018