Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás

Vladimir Ilitch Lénine


b) O Significado dos Agrupamentos no Congresso


Assim, o congresso reuniu-se depois de preparativos extremamente minuciosos, na base da mais completa representação. O reconhecimento geral da composição regular do congresso e do carácter absolutamente obrigatório das suas resoluções encontrou também a sua expressão na declaração feita pelo presidente (p. 54 das actas) depois da constituição do congresso.

Qual era portanto a tarefa principal do congresso? Criar um verdadeiro partido sobre as bases de princípios e de organização que tinham sido propostas e elaboradas pelo Iskra. Que o congresso devia trabalhar precisamente neste sentido era facto antecipadamente determinado por três anos de actividade do Iskra, aprovada pela maioria dos comités. O programa e orientação do Iskra deviam tornar-se o programa e orientação do partido; os planos do Iskra em matéria de organização deviam ser consagrados nos estatutos da organização do partido. Mas é evidente que tal resultado não se podia obter sem luta: a representação integral no congresso assegurou também a presença nele de organizações que tinham combatido decididamente o Iskra (o Bund e a Rabótcheie Dielo), assim como a de organizações que, embora reconhecendo verbalmente o Iskra como órgão dirigente, prosseguiam de facto os seus próprios planos, e se distinguiam pela sua falta de firmeza no terreno dos princípios (o grupo Iújni Rabótchi e os delegados de certos comités a ele ligados). Nestas condições, o congresso não podia deixar de tornar-se um campo de luta pela vitória da orientação do «Iskra». Que o congresso foi efectivamente um campo de batalha, é um facto que aparecerá claramente para quem quer que leia com um pouco de atenção as actas. E a nossa tarefa consiste agora em estudar detalhadamente os principais agrupamentos que se revelaram no congresso a propósito de diversas questões, e reconstruir, com base nos dados precisos das actas, a fisionomia política de cada um dos grupos fundamentais do congresso. O que eram realmente esses grupos, tendências e matizes que, no congresso, sob a direcção do Iskra, deviam fundir-se num único partido? É isto que devemos mostrar com uma análise dos debates e votações. Esclarecer este ponto é de capital importância para estudar o que são na realidade os nossos sociais-democratas, assim como para compreender as causas das divergências. E por isso que, no meu discurso no congresso da Liga e na minha carta à redacção do novo Iskra, pus precisamente em primeiro plano a análise dos diferentes agrupamentos(1). Os meus adversários, entre os representantes da «minoria» (com Mártov à cabeça), não compreenderam em absoluto o fundo da questão. No congresso da Liga, limitaram-se a fazer emendas de pormenor, «justificando-se» da acusação que lhes faziam de terem virado para o oportunismo, sem mesmo procurarem traçar, para me contradizerem, qualquer outro quadro dos agrupamentos no congresso. Agora, no Iskra (n.° 56), Mártov tenta apresentar todas as tentativas para delimitar com exactidão os diversos grupos políticos no congresso, como simples «politiquice de círculo». São palavras muito fortes, camarada Mártov! Mas as palavras fortes do novo Iskra têm uma propriedade original: basta reproduzir exactamente todas as peripécias da divergência a partir do congresso, para que todas essas palavras fortes se voltem inteiramente e em primeiro lugar contra a actual redacção. Olhai-vos a vós próprios senhores que vos dizeis redactores do partido, vós que levantais a questão da politiquice de círculo!

Os factos da nossa luta no congresso aborrecem agora tanto Mártov que ele tenta apagá-los completamente. «O iskrista - diz ele - é aquele que no congresso do partido e antes dele declarou que se solidariza plenamente com o Iskra, defendeu o seu programa e o seu ponto de vista em matéria de organização e apoiou a sua política neste terreno. Havia no congresso mais de quarenta destes iskristas, tantos quantos o número de votos favoráveis ao programa do Iskra e à resolução que reconhecia o Iskra como órgão central do partido.» Folheai as actas do congresso e vereis que todos (p. 233) aceitaram o programa, excepto Akímov, que se absteve. Com essas palavras, o camarada Mártov quer assegurar-nos que tanto os bundistas como Brúker e Martínov demonstraram a sua «plena solidariedade» com o Iskra e defenderam os seus pontos de vista em matéria de organização! Isto é ridículo. A transformação, depois do congresso, de todos os seus participantes em membros do partido com iguais direitos (de resto, nem todos, já que os bundistas se retiraram) confunde-se nessas palavras com a divisão em agrupamentos que provocou a luta no congresso. Em vez de estudar os elementos que depois do congresso formaram a «maioria» e a «minoria», faz-se uma frase oficial: aceitaram o programa!

Reparai na votação do reconhecimento do Iskra como Órgão Central. Vereis que Martínov, a quem agora o camarada Mártov, com audácia digna duma melhor causa, atribui a defesa das concepções e da política do Iskra em matéria de organização, é quem precisamente insiste na separação das duas partes da resolução: o reconhecimento puro e simples do Iskra como Órgão Central e o reconhecimento dos seus méritos. Quando da votação da primeira parte da resolução (reconhecimento dos méritos do Iskra, expressão de solidariedade com ele), obtiveram-se apenas 35 votos a favor, dois contra (Akímov e Brúker) e onze abstenções (Martínov, os cinco bundistas e cinco votos da redacção: os meus dois votos, os dois de Mártov e um de Plekhánov). Por consequência, o grupo dos anti-iskristas (cinco bundistas e três partidários da Rabótcheie Dielo) destaca-se com toda a clareza também aqui, neste exemplo, o mais vantajoso para o ponto de vista actual de Mártov, exemplo escolhido por ele próprio. Vede a votação da segunda parte da resolução: o reconhecimento do Iskra como Órgão Central sem se dar justificação alguma e sem exprimir solidariedade (p. 147 das actas). Houve 44 votos a favor, que o actual Mártov atribui aos iskristas. Houve ao todo 51 votos; subtraindo as cinco abstenções dos redactores, ficam 46 votos; dois votaram contra (Akímov e Brúker); por consequência, fazem parte dos 44 restantes todos os cinco bundistas. Assim, no congresso, os bundistas «exprimiram a sua plena solidariedade com o Iskra» - eis como a história oficial é escrita pelo Iskra oficial! Antecipando-nos ao relato, expliquemos ao leitor os verdadeiros motivos desta verdade oficial: a actual redacção do Iskra poderia ser e seria de facto uma redacção do partido (e não quase-partido, como agora) se os bundistas e os partidários da «Rabótcheie Dielo» não tivessem abandonado o congresso. Por essa razão foi necessário converter em «iskristas» esses fiéis guardiões da actual redacção, que se diz do partido. Mas voltaremos a isto em pormenor um pouco mais adiante.

Põe-se em seguida a pergunta: se o congresso foi uma luta entre elementos iskristas e anti-iskristas, não haveria elementos intermédios, instáveis, que oscilassem entre uns e outros? Quem conheça um pouco o nosso partido e a fisionomia habitual de todos os congressos, inclinar-se-á a priori a responder a esta pergunta com uma afirmativa. O camarada Mártov não sente agora o mínimo desejo de se recordar desses elementos instáveis, e apresenta o grupo do Iújni Rabótchi, com os delegados que gravitam à sua volta, como iskristas típicos, e as nossas divergências com eles como insignificantes e sem importância. Felizmente, temos agora sob os olhos o texto integral das actas, e podemos portanto resolver esta questão - a questão de facto, bem entendido - na base de dados documentais. O que dissemos acima em geral sobre os agrupamentos no congresso não pretende de modo nenhum resolver este problema, mas simplesmente colocá-lo de modo correcto.

Sem uma análise dos agrupamentos políticos, sem traçar um quadro do congresso como luta entre determinados matizes, é impossível compreender as nossas discordâncias. A tentativa de Mártov de escamotear a diferença de matizes, juntando mesmo os bundistas com os iskristas, é simplesmente furtar-se à questão. Mesmo a priori, na base da história da social-democracia russa antes do congresso, desenham-se (para a sua comprovação ulterior e pormenorizado estudo) três grupos principais: os iskristas, os anti-iskristas e os elementos instáveis, vacilantes e inconstantes.


Nota de rodapé:

(1) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 41-52, 98-104. (N. Ed.) (retornar ao texto)

Inclusão: 27/12/2002
Última modificação: 04/03/2024