Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás

Vladimir Ilitch Lénine


p) Depois do Congresso. Dois Métodos de Luta


A análise dos debates e votações do congresso que acabamos de traçar explica propriamente in nuce (em embrião) tudo o que se passou depois do congresso, e podemos ser breves ao assinalar as etapas seguintes na crise do nosso partido.

A recusa por Mártov e Popov das eleições criou logo uma atmosfera de querela mesquinha na luta dos matizes de partido no seio do partido. O camarada Glébov, considerando inverosímil que redactores não eleitos tivessem decidido seriamente voltar-se para Akímov e Martínov, e explicando o facto apenas por irritação, propôs-nos, a Plekhánov e a mim, no dia a seguir ao fim do congresso, acabar com isso amigavelmente, «cooptando» todos os quatro na condição de se assegurar uma representação da redacção no Conselho (ou seja, que, de dois representantes, um pertencesse necessariamente à maioria do partido). Esta condição pareceu-nos razoável, a Plekhánov e a mim, porque a sua aceitação equivalia ao reconhecimento tácito do erro cometido no congresso, significava o desejo de paz e não de guerra, o desejo de estar mais perto de Plekhánov e de mim do que de Akímov e Martínov, Egórov e Mákhov. A cedência em matéria de «cooptação» revestia-se assim de um carácter pessoal, e não valia a pena recusar uma cedência pessoal que devia acalmar a irritação e restabelecer a paz. Assim, Plekhánov e eu demos o nosso assentimento. A maioria da redacção recusou esta condição. Glébov partiu. Nós esperámos as consequências: conservar-se-ia Mártov no terreno leal em que se tinha colocado (contra o representante do centro, o camarada Popov) no congresso, ou os elementos instáveis e propensos à cisão que ele seguiu levariam a melhor?

Estávamos perante o dilema seguinte: desejaria o camarada Mártov considerar a sua «coligação» no congresso como um facto político isolado (tal como a coligação de Bebel com Vollmar em 1895 - si licet parva componere magnis(1)), ou desejaria consolidar essa coligação e empregaria todos os esforços a demonstrar o erro cometido por mim e por Plekhánov no congresso tornando-se então um verdadeiro chefe da ala oportunista do nosso partido? Por outras palavras, este dilema formulava-se assim: querela mesquinha ou luta política de partido? De nós os três, que éramos no dia a seguir ao congresso os únicos membros presentes dos organismos centrais, Glébov inclinava-se mais para a primeira solução e dedicou-se ao máximo a reconciliar os meninos zangados. O camarada Plekhánov inclinava-se antes para a segunda solução, mostrava-se por assim dizer inabordável. Quanto a mim, desta vez, representava papel de «centro» ou de «pântano» e tentava usar de persuasão. Tentar hoje reproduzir os argumentos verbais seria empresa desesperada e intrincada, e não seguirei o mau exemplo do camarada Mártov nem do camarada Plekhánov. No entanto, faço questão de reproduzir aqui certas passagens de uma tentativa de persuasão escrita dirigida a um dos iskristas da «minoria».

... «A recusa de Mártov de fazer parte da redacção, a sua recusa, assim como a de outros literatos do partido, a colaborar, a recusa de várias outras pessoas a trabalhar para o CC, a propaganda da ideia de boicote ou de resistência passiva, tudo isso conduzirá inevitavelmente, mesmo contra a vontade de Mártov e dos seus amigos, a uma cisão no partido. Ainda que Mártov se mantenha no plano da lealdade (no qual se colocou tão decididamente no congresso), os outros não se manterão nele, e o fim que indiquei será inevitável...

«E assim pergunto-me agora: por que razão, ao certo, temos de separarmos? ... Revejo todos os acontecimentos e todas as impressões do congresso e reconheço que muitas vezes agi e me comportei dominado por uma extrema irritação, “freneticamente”; de boa vontade estou pronto a reconhecer o meu erro perante quem quer que seja, se erro se pode chamar ao que foi naturalmente suscitado pela atmosfera, a reacção, a réplica, a luta, etc. Mas, encarando hoje sem nenhum frenesi os resultados obtidos, o que se realizou nessa luta frenética, decididamente não posso ver nesses resultados nada, absolutamente nada, de prejudicial ao partido, nem absolutamente nenhuma afronta ou ofensa à minoria.

«Claro, o que não podia deixar de causar-me pena era o facto de ficar em minoria, mas protesto categoricamente contra a ideia de que teríamos “manchado a honra” de quem quer que seja, teríamos querido ofender ou humilhar quem quer que seja. Nada disso. E não se pode tolerar que uma divergência política leve a interpretar os factos acusando a outra parte de má fé, vilania, intrigas e outras coisas simpáticas de que cada vez mais se ouve falar numa atmosfera de cisão que se avizinha. Não se pode tolerar isto, porque isso seria, pelo menos, o nec plus ultra(2) da irracionalidade.

«Estou em desacordo com Mártov no terreno político (e no da organização) como já o tinha estado antes dezenas de vezes. Batido na questão do § l dos estatutos, eu não podia deixar de procurar com o máximo empenho uma desforra nos problemas que restavam para mim (e também para o congresso). Não podia impedir-me de aspirar, por um lado, a um CC rigorosamente iskrista, e, por outro, a um grupo de três na redacção... Considero este grupo de três o único capaz de ser um organismo de funcionários e não um organismo de direcção baseado no espírito de família e de negligência, o único centro autêntico onde cada um pode levar e defender sempre o seu ponto de vista de partido, nada mais, e irrespective(3) de tudo o que seja pessoal, de qualquer ideia de ofensa, de retirada, etc.

«Este grupo de três, depois dos acontecimentos no congresso, legitimava indubitavelmente uma linha política e de organização em certo sentido dirigida contra Mártov. Isto sem qualquer dúvida. Provocar uma ruptura por isso? Cindir o partido por isso?? Mas não estiveram contra mim Mártov e Plekhánov na questão das manifestações? Não estivemos, Mártov e eu, contra Plekhánov na questão do programa? Não volta qualquer grupo de três sempre um dos lados contra um dos seus membros? Se a maioria dos iskristas tanto na organização do Iskra como no congresso julgou errado este matiz particular da linha de Mártov, no terreno político e de organização, não serão de facto loucas as tentativas de querer explicar isso por “maquinações” e “incitamentos”, etc.? Não seria louco furtar-se a este facto insultando a maioria da “gentalha”?

«Repito: tal como a maioria dos iskristas no congresso, tenho a convicção profunda de que Mártov seguiu uma linha falsa e que era necessário corrigi-lo. Considerar-se ofendido com esta correcção, deduzir dela um insulto, etc., é insensato. Nós em nada “manchámos a honra?”, não “manchamos a honra” de ninguém, e não afastamos ninguém do trabalho. Mas provocar uma cisão porque se é afastado de um centro seria uma loucura, para mim incompreensível.»(4)

Considerei necessário reproduzir agora estas declarações minhas, feitas por escrito, porque mostram exactamente a vontade da maioria de traçar de uma vez uma linha divisória precisa entre, por um lado, as possíveis (e inevitáveis numa luta acalorada) ofensas pessoais, a irritação pessoal devida à violência e ao «frenesi» dos ataques, etc., e, por outro, determinado erro político, determinada linha política (a coligação com a ala direita).

Estas declarações mostram que a resistência passiva da minoria tinha começado imediatamente a seguir ao congresso e provocou logo da nossa parte a advertência de que isso era um passo para a cisão do partido, que isso contradizia manifestamente as declarações de lealdade feitas no congresso e que dela resultaria uma cisão devida unicamente à exclusão de alguém dos organismos centrais (isto é, em consequência de uma não eleição), porque nunca ninguém pensou sequer em afastar do trabalho nenhum membro do partido; que a divergência política entre nós (inevitável, enquanto não estiver esclarecida e resolvida a questão de qual foi no congresso a linha errada: a de Mártov ou a nossa) cada vez mais começa a degenerar em querela mesquinha, com injúrias, suspeitas, etc., etc.

As advertências não serviram de nada. A conduta da minoria mostrava que os seus elementos menos estáveis e que menos estimam o partido se impunham nela. Isso obrigou-nos, a Plekhánov e a mim, a retirar o nosso assentimento à proposta de Glébov: com efeito, se pelos seus actos a minoria dava provas de instabilidade política, não só no domínio dos princípios mas também no da mais elementar lealdade ao partido, que importância podiam ter as palavras sobre a famosa «continuidade»? Ninguém como Plekhánov ridicularizou com tanto espírito todo o absurdo de exigir a «cooptação» para a redacção do órgão do partido de uma maioria de pessoas que proclamavam abertamente as suas novas e crescentes divergências! Em que parte do mundo já se viu a maioria de um partido nos organismos centrais transformar-se ela mesma em minoria, antes de ter esclarecido na imprensa, perante o partido, as novas divergências? Que se exponham antes as divergências, que o partido examine a sua profundidade e significado, que o partido corrija ele próprio o erro que cometeu no segundo congresso, se se demonstra que houve algum erro! O simples facto de formular este pedido em nome de divergências ainda desconhecidas revelava a total instabilidade dos que o faziam, o total esmagamento das divergências políticas pelo peso das querelas mesquinhas, o total desrespeito para com todo o partido e as suas próprias convicções. Não houve ainda, nem haverá nunca no mundo, pessoas de convicções de princípios que renunciem a convencer antes de obter (por via privada) a maioria no organismo que se propõem convencer.

Enfim, a 4 de Outubro o camarada Plekhánov declara querer fazer uma última tentativa para acabar com este absurdo. Reúnem-se os seis membros da antiga redacção na presença de um novo membro do CC(5). Durante três horas inteiras, o camarada Plekhánov empenha-se em demonstrar o absurdo de querer exigir a «cooptação» de quatro da «minoria» por dois da «maioria». Ele propõe a cooptação de dois, para afastar, por um lado, qualquer receio de que queiramos «atropelar», esmagar, rejeitar, executar e enterrar alguém e, por outro lado, para proteger os direitos e a posição da «maioria» do partido. A cooptação de dois é igualmente rejeitada.

A 6 de Outubro Plekhánov e eu escrevemos uma carta oficial a todos os antigos redactores do Iskra e ao colaborador, camarada Trótski, nestes termos:

«Estimados camaradas! A redacção do OC considera-se no dever de exprimir oficialmente quanto lamenta o vosso afastamento da colaboração no Iskra e na Zariá. Apesar dos repetidos convites a colaborar que fizemos logo depois do segundo congresso do partido e que repetimos mais de uma vez posteriormente, não recebemos nenhum trabalho vosso. A redacção do OC declara julgar não ter feito nada que tenha provocado a vossa recusa de colaboração. Nenhuma irritação pessoal deve, naturalmente, ser obstáculo ao trabalho no Órgão Central do partido. Mas se o vosso afastamento foi provocado por esta ou aquela divergência de pontos de vista entre vós e nós, julgaríamos de extraordinária utilidade para o partido que essas divergências fossem expostas circunstanciadamente. Mais ainda: consideraríamos desejável que o carácter e a profundidade dessas divergências fossem elucidados o mais rapidamente possível perante todo o partido nas páginas das publicações que editamos.»(6)

Como o leitor vê, ainda não nos apercebíamos claramente se era uma irritação pessoal que predominava nos actos da « minoria», ou se era o desejo de dar ao órgão (e ao partido) um rumo novo, qual e em que sentido. Penso que se mesmo agora se encarregasse 70 exegetas de proceder à clarificação deste problema, com base na literatura e testemunhos que se quiser, também eles não conseguiriam nunca desembaraçar-se nesta confusão. Muito poucas vezes se pode esclarecer uma querela mesquinha: deve-se cortá-la pelo são ou afastar-se(7).

À carta de 6 de Outubro, Axelrod, Zassúlitch, Starover, Trótski e Koltsov responderam-nos em breves linhas dizendo que os abaixo assinados não participavam no Iskra desde que ele tinha passado para as mãos da nova redacção. O camarada Mártov foi mais explícito e honrou-nos com a seguinte resposta:

«À redacção do OC do POSDR. Estimados camaradas! Em resposta à vossa carta de 6 de Outubro, declaro o seguinte: Considero que todas as nossas explicações sobre trabalho em comum num mesmo órgão terminaram depois da reunião realizada a 4 de Outubro, na presença de um membro do CC, na qual vos recusastes a responder à pergunta sobre as razões por que retirastes a proposta que havíeis feito no sentido de que Axelrod, Zassúlitch, Starover e eu entrássemos para a redacção, com a condição de nos comprometermos a eleger o camarada Lénine nosso “representante” no Conselho. Depois de na referida reunião terdes fugido repetidas vezes a formular as vossas próprias declarações, que tínheis feito na presença de testemunhas, não acho necessário explicar numa carta dirigida a vós os motivos da minha recusa de trabalhar no Iskra nas actuais condições. Se for necessário, pronunciar-me-ei sobre isso pormenorizadamente perante todo o partido, que já saberá pelas actas do segundo congresso a razão por que rejeitei a proposta, que hoje renovais, de ocupar um lugar na redacção e no Conselho...(8) L. Mártov»

Esta carta, juntamente com os documentos anteriores, explica irrefutavelmente a questão do boicote, da desorganização, da anarquia e dos preparativos da cisão, questão que o camarada Mártov evita com tanto zelo (com pontos de exclamação e reticências) no seu Estado de Sítio: questão sobre os meios de luta leais e desleais.

Oferece-se ao camarada Mártov e aos outros que exponham as divergências, pede-se-lhes que digam francamente do que se trata e quais as suas intenções, exortam-se a acabar os seus caprichos e a analisar tranquilamente o erro relativo ao § l (erro indissoluvelmente ligado à viragem para a direita), e o camarada Mártov e Cª recusam-se a falar e gritam: cercam-nos, atropelam-nos! O sarcasmo de que foi objecto a «palavra terrível» não arrefeceu o ardor destas cómicas lamentações.

Como se pode cercar quem se recusa a trabalhar em comum? perguntámos ao camarada Mártov. Como se pode ofender, «atropelar» e oprimir uma minoria que se recusa a ser minoria?? Porque estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens para quem fica em minoria. Estas desvantagens consistem ou na necessidade de fazer parte de um organismo de direcção no qual a maioria se imporá em certas questões, ou na de permanecer fora do organismo, atacando-o e, por conseguinte, expondo-se ao fogo de baterias bem fortificadas.

Nos seus gritos sobre o «estado de sítio», o camarada Mártov queria dizer que se lutava de modo injusto e desleal contra os que ficaram em minoria, ou que eram dirigidos por nós de modo injusto e desleal? uma tese semelhante podia ter (aos olhos de Mártov) um mínimo de razão, porque, repito, estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens. Mas o cómico está precisamente em que não se podia de maneira nenhuma lutar contra o camarada Mártov enquanto ele se recusasse a falar! Não se podia de maneira nenhuma dirigir a minoria enquanto ela se recusasse a ser minoria!

O camarada Mártov não pôde citar um único caso de excesso ou de abuso de poder da parte da redacção do OC quando Plekhánov e eu dela fazíamos parte. Os militantes práticos da minoria também não puderam citar um único caso deste género da parte do Comité Central. Por mais voltas que dê agora o camarada Mártov no seu Estado de Sítio, é inteiramente incontroverso que não havia absolutamente nada, a não ser «chorosos queixumes», nas lamentações sobre o estado de sítio.

A total carência de argumentos razoáveis por parte do camarada Mártov e Cª contra a redacção designada pelo congresso é ilustrada melhor que por qualquer outra coisa pela palavrinha: «nós não somos servos!» (Estado de Sítio, p. 34). A psicologia do intelectual burguês que se considera entre os «espíritos de elite», colocados acima da organização de massas e da disciplina de massas, surge aqui com notável clareza. Explicar a recusa de trabalhar no partido dizendo «nós não somos servos» é descobrir-se inteiramente, é reconhecer uma completa carência de argumentos, uma incapacidade absoluta para dar explicações, uma ausência total de motivos justificados de descontentamento. Plekhánov e eu declarámos considerar que da nossa parte nada provocou a recusa, pedimos para expor as divergências, e respondem-nos: «nós não somos servos» (acrescentando: ainda não chegámos a um acordo quanto à cooptação).

Toda a organização e disciplina proletárias parecem servidão ao individualismo próprio de intelectuais, que já se tinha manifestado nas discussões do §1, mostrando a sua inclinação para os raciocínios oportunistas e a fraseologia anarquista. O público leitor em breve saberá que também o novo congresso do partido parece a estes «membros do partido» e a estes «funcionários» do partido uma instituição feudal, terrível e intolerável para os «espíritos de elite» ... De facto, esta «instituição» é terrível para os que querem aproveitar-se do título de membros do partido, mas que se dão conta de que este título não corresponde aos interesses do partido e à vontade do partido.

As resoluções dos comités, que enumerei na minha carta à redacção do novo Iskra, e que o camarada Mártov reproduziu no seu Estado de Sítio, demonstram de facto que a conduta da minoria foi uma insubmissão constante às decisões do congresso, uma desorganização do trabalho prático positivo. A minoria, formada pelos oportunistas e pessoas que odiavam o Iskra, destroçava o partido, arruinava e desorganizava o trabalho, no seu desejo de se vingar da derrota no congresso, tendo-se apercebido de que por meios honestos e leais (explicando as coisas na imprensa ou perante o congresso) não conseguiria nunca refutar a acusação de oportunismo e de inconsequência própria de intelectuais que lhe fora lançada no segundo congresso. Conscientes da sua impotência para convencer o partido, agiam desorganizando o partido e entravando todo o trabalho. Foram censurados por terem provocado (embrulhando as coisas no congresso) uma fenda no nosso vaso; eles replicavam a esta censura procurando com todas as suas forças quebrar completamente o vaso rachado.

As ideias baralharam-se de tal modo que o boicote e a recusa de trabalhar eram proclamados «meios honestos»(9) de luta. Agora o camarada Mártov não cessa de andar à volta deste ponto delicado. O camarada Mártov é de tal modo um «homem de princípios» que defende o boicote... quando este é praticado pela minoria, e condena o boicote quando ele ameaça o próprio Mártov, quando acontece que ele se encontra na maioria!

Penso que se pode deixar sem exame a questão de saber se se trata aqui de uma querela mesquinha ou de uma «divergência de princípio» sobre os meios de luta honestos no partido operário social-democrata.


Depois das tentativas goradas (de 4 e 6 de Outubro) para obter uma explicação dos camaradas que tinham levantado problemas sobre a «cooptação», só restava aos organismos centrais ver qual seria na prática a luta leal que eles tinham prometido em palavras. A 10 de Outubro, o CC envia uma circular à Liga (ver as actas da Liga, pp. 3-5) informando que está a elaborar os estatutos e convidando os membros da Liga a prestarem a sua colaboração. O congresso da Liga foi então rejeitado pela administração desta (dois votos contra um, cf. ibid., p. 20). As respostas dadas a esta circular pelos partidários da minoria mostraram logo que a famosa lealdade e reconhecimento das decisões do congresso eram apenas frases, que na realidade a minoria tinha decidido terminantemente não se submeter aos organismos centrais do partido, respondendo aos seus apelos para o trabalho em comum com evasivas cheias de sofismas e frases anarquistas. À famosa carta aberta de Deutsch, um dos membros da administração (p. 10.), nós respondemos, Plekhánov e eu, assim como os outros partidários da maioria, com um enérgico «protesto contra as grosseiras infracções da disciplina de partido, pelas quais um funcionário da Liga toma a liberdade de entravar o trabalho de organização de um organismo do partido e convida outros camaradas a infracções semelhantes à disciplina e aos estatutos. Frases como “não me julgo no direito de participar em tal trabalho a pedido do CC” ou “camaradas, nós não devemos de modo nenhum confiar-lhe (ao CC) a tarefa da elaboração de novos estatutos para a Liga”, etc., são métodos de agitação que apenas podem suscitar a indignação de qualquer pessoa que compreenda minimamente as noções de partido, de organização, de disciplina de partido. Métodos deste género são tanto mais revoltantes quanto são usados para com um organismo do partido que acaba de ser criado e constituem, portanto, uma tentativa indubitável para o privar da confiança dos camaradas do partido; além disso, são postos em circulação sob o nome de um membro da administração da Liga e nas costas do CC» (p. 17).

O congresso da Liga, nestas condições, prometia não ser mais do que um escândalo.

O camarada Mártov prosseguiu desde o princípio a táctica que tinha aplicado no congresso de «introduzir-se na consciência alheia», desta vez na do camarada Plekhánov, desvirtuando conversas privadas. O camarada Plekhánov protestou, e o camarada Mártov viu-se obrigado a retirar (pp. 39 e 134 das actas da Liga) as palavras de censura pronunciadas levianamente ou por irritação.

Chega o momento do relatório. Era eu que tinha sido o delegado da Liga ao congresso do partido. Um simples olhar ao resumo do meu relatório (pp. 43 e seguintes)(10) mostrará ao leitor que apresentei um esboço da mesma análise das votações no congresso, análise que, de forma pormenorizada, constitui o conteúdo também da presente brochura. O centro de gravidade deste relatório era a demonstração de como Mártov e Cª, em consequência dos erros que tinham cometido, acabaram por ficar na ala oportunista do nosso partido. Embora o relatório tenha sido feito perante uma maioria dos mais furiosos adversários, eles nada puderam descobrir nele que se afastasse dos processos leais de luta e polémica de partido.

O relatório de Mártov, pelo contrário, à parte pequenas «emendas» de pormenor à minha exposição (mostrámos anteriormente a inexactidão dessas emendas), era... como que um produto de nervos doentes.

Não é de espantar que a maioria se recusasse a continuar a luta em tal atmosfera. O camarada Plekhánov protestou contra a cena (p. 68) - era de facto uma verdadeira «cena»! - e retirou-se do congresso, não querendo expor as objecções que já tinha preparado quanto ao conteúdo do relatório. Quase todos os outros partidários da maioria se retiraram também do congresso depois de terem apresentado um protesto escrito contra a «conduta indigna» do camarada Mártov (p. 75 das actas da Liga).

Os métodos de luta da minoria manifestaram-se aos olhos de todos com inteira evidência. Nós acusávamos a minoria de ter cometido um erro político no congresso, de ter efectuado uma viragem para o oportunismo, de se ter coligado com os bundistas, os Akímov, os Brúker, os Egórov e os Mákhov. A minoria tinha sofrido uma derrota no congresso e «elaborou» então dois métodos de luta que englobavam toda uma variedade infinita de sortidas, ataques, agressões, etc.

Primeiro método: desorganizar todo o trabalho do partido, estragá-lo, procurar entravar tudo «sem explicar as razões».

Segundo método: fazer «cenas», etc., etc.(11)

Este «segundo método de luta» aparece também nas famosas resoluções «de princípio» da Liga, na análise das quais a «maioria», claro está, não participou. Vejamos mais de perto essas resoluções que o camarada Mártov reproduziu agora no seu Estado de Sítio.

A primeira resolução, assinada pelos camaradas Trótski, Fomine, Deutsch e outros, contém duas teses dirigidas contra a «maioria» do congresso do partido: 1) «A Liga exprime o seu profundo pesar pelo facto de que, em consequência das tendências que se manifestaram no congresso e que no fundo são contrárias à política anterior do Iskra, se não tenha prestado uma atenção devida, ao elaborar os estatutos do partido, à criação das garantias suficientes para assegurar a independência e autoridade do CC» (p. 83 das actas da Liga).

Esta tese «de princípio» reduz-se, segundo já vimos, a uma frase akimovista, cujo carácter oportunista foi denunciado no congresso do partido até pelo camarada Popov! No fundo, as afirmações de que a «maioria» não pensava em salvaguardar a independência e a autoridade do CC nunca foram mais do que mexericos. Basta dizer que, quando Plekhánov e eu fazíamos parte da redacção, o OC não tinha no Conselho predomínio sobre o CC, ao passo que quando os martovistas entraram para a redacção surgiu no Conselho um predomínio do OC sobre o CC! Quando nós estávamos na redacção os militantes práticos que trabalhavam na Rússia predominavam no Conselho sobre os literatos residentes no estrangeiro; com os martovistas aconteceu o contrário. Quando nós estávamos na redacção o Conselho não tentou uma única vez intervir em nenhuma questão prática, depois da cooptação por unanimidade esta intervenção começou, como o leitor poderá ver em pormenor dentro em pouco.

Tese seguinte da resolução que estamos a examinar: «...o congresso, ao constituir os centros oficiais do partido, não teve em conta a necessidade de manter a continuidade com os centros já formados de facto...»

Esta tese reduz-se inteiramente à questão da composição pessoal dos centros. A «minoria» preferiu eludir o facto de que os velhos centros tinham mostrado no congresso a sua incapacidade e cometido numerosos erros. Mas o mais cómico é a referência à «continuidade» relativamente ao Comité de Organização. No congresso, como vimos, ninguém disse uma só palavra acerca da confirmação de todos os membros do CO. Mártov, num acesso de exaltação, proferiu até exaltados gritos no congresso sobre a vergonha que para ele representava figurar numa lista com três membros do CO. No congresso a «minoria» apresentou a sua última lista com um membro do CO (Popov, Glébov ou Fomine e Trótski), enquanto a «maioria» fez triunfar uma lista com dois membros do CO em três (Travínski, Vassíliev e Glébov). Cabe perguntar: será que esta referência à «continuidade» pode ser considerada uma «divergência de princípio»?

Passemos à outra resolução assinada por quatro membros da velha redacção, com o camarada Axelrod à cabeça. Encontramos nela todas as principais acusações contra a «maioria», depois repetidas mais de uma vez na imprensa. A melhor maneira de as analisar é justamente na formulação que lhe deram os membros do círculo redactorial. As acusações são dirigidas contra o «sistema de direcção autocrático-burocrático do partido», contra o «centralismo burocrático» que, ao contrário do «centralismo verdadeiramente social-democrata», se define do seguinte modo: «põe em primeiro plano não a unidade interna, mas a unidade externa, formal, realizada e defendida por meios puramente mecânicos, esmagando sistematicamente a iniciativa individual e a actividade social independente»; deste modo «pela sua própria essência, é incapaz de unificar organicamente os elementos constitutivos da sociedade».

De que «sociedade» falam aqui o camarada Axelrod e Cª, só Alá o sabe. Pelos vistos o próprio camarada Axelrod não sabia muito bem se redigia uma mensagem de um zemstvo sobre as reformas desejáveis na administração ou se expunha as lamentações da «minoria». Que pode significar isso da «autocracia» no partido, sobre a qual gritam os «redactores» descontentes? A autocracia é o poder supremo, incontrolado, irresponsável e não electivo de uma única pessoa. Pelas publicações da «minoria» sabe-se perfeitamente que sou eu que sou considerado o autocrata, e mais ninguém. Quando se redigiu e adoptou a resolução que estamos a examinar eu estava no OC juntamente com Plekhánov. Por conseguinte, o camarada Axelrod e Cª exprimem a sua convicção de que Plekhánov e todos os membros do CC «dirigiam o partido», não segundo os seus pontos de vista sobre o bem da causa, mas segundo a vontade do autocrata Lénine. A acusação de direcção autocrática leva necessária e inevitavelmente a considerar todos os outros membros da direcção, excepto o autocrata, como simples instrumentos em mãos alheias, como piões, executores da vontade de outrem. E nós perguntamos mais e mais uma vez: será esta de facto a «divergência de princípio» do respeitabilíssimo camarada Axelrod?

Prossigamos. De que unidade externa, formal, falam aqui os nossos «membros do partido» que acabavam de chegar do congresso do partido, cujas decisões reconheceram solenemente como legítimas? Conhecerão algum outro meio de conseguir a unidade num partido organizado em bases mais ou menos sólidas a não ser o congresso? Se sim, porque não têm a coragem de dizer claramente que já não consideram o segundo congresso um congresso legítimo? Porque não tentam expor-nos as suas novas ideias e os novos meios de conseguir a unidade num pretenso partido, pretensamente organizado?

Prossigamos. De que «esmagamento da iniciativa individual» falam os nossos intelectuais-individualistas, que o OC do partido acabava de exortar a expor as suas divergências e que, em vez disso, se puseram a regatear sobre a «cooptação»? E como, em geral, podíamos, Plekhánov e eu, ou o CC, esmagar a iniciativa e actividade independente de pessoas que se recusavam a qualquer «actividade» connosco? Como se pode «esmagar» alguém numa instituição ou organismo, no qual o esmagado se recusou a participar? Como é que os redactores não eleitos podem queixar-se do «sistema de direcção», quando se recusaram a «ser dirigidos»? Não pudemos cometer nenhum erro ao dirigir os nossos camaradas, pela simples razão de que estes camaradas não trabalharam em absoluto sob a nossa direcção.

Parece evidente que os gritos a propósito do famoso burocratismo são apenas um meio de dissimular o descontentamento com a composição pessoal dos centros; são apenas uma parra destinada a ocultar a infracção à palavra solenemente dada no congresso. És um burocrata, porque foste designado pelo congresso não de acordo com a minha vontade, mas contra ela; és um formalista, porque te apoias nas decisões formais do congresso e não no meu consentimento; ages de modo grosseiramente mecânico, porque invocas a maioria «mecânica» do congresso do partido, e não tens em conta o meu desejo de ser cooptado; és um autocrata, porque não queres pôr o poder nas mãos da velha panelinha, que defende a sua «continuidade» de espírito de círculo com tanta mais energia quanto lhes desagrada a desaprovação directa desse mesmo espírito de círculo pelo congresso.

Estes gritos sobre o burocratismo não têm nem nunca tiveram nenhum conteúdo real senão aquele que acabamos de indicar(12). E precisamente este método de luta demonstra uma vez mais a instabilidade própria de intelectuais da minoria. Ela queria convencer o partido de que os centros tinham sido mal escolhidos. Convencer, mas como? Criticando o Iskra, que eu e Plekhánov tínhamos dirigido? Não, não tinham a força para o fazer. Queriam convencer pela recusa de um sector do partido de trabalhar sob a direcção dos odiados centros. Mas nenhum organismo central de nenhum partido do mundo poderá demonstrar a sua capacidade de dirigir pessoas que se recusam a submeter-se à sua direcção. A recusa de submeter-se à direcção dos centros equivale à recusa de continuar no partido, equivale à destruição do partido, não é uma medida de persuasão, mas uma medida de destruição. E precisamente esta substituição da persuasão pela destruição demonstra falta de firmeza de princípios, falta de fé nas ideias próprias.

Fala-se de burocratismo. O burocratismo pode traduzir-se em russo pela palavra «localismo». O burocratismo significa a submissão dos interesses da causa aos interesses da carreira, significa prestar uma atenção constante aos cargos e ignorar o trabalho; bater-se pela cooptação em vez de lutar pelas ideias. Tal burocratismo, de facto, é sem dúvida indesejável e prejudicial ao partido, e tranquilamente deixo ao leitor o cuidado de julgar qual dos dois lados actualmente em luta no nosso partido enferma desse burocratismo... Fala-se de processos de conseguir a unidade grosseiramente mecânicos. Sem dúvida, os processos grosseiramente mecânicos são prejudiciais, mas torno a deixar ao leitor o cuidado de julgar se se pode imaginar um processo mais grosseiro e mecânico de luta entre a nova tendência e a velha que a introdução de pessoas nos organismos do partido antes de se ter convencido o partido da justeza das novas concepções, antes de se ter exposto ao partido essas concepções.

Mas talvez as palavrinhas preferidas da minoria tenham um certo significado de princípio, exprimam certo grupo especial de ideias, independentemente do motivo insignificante e particular que indubitavelmente serviu neste caso de ponto de partida para a «viragem»? Talvez, abstraindo da briga pela «cooptação», essas palavrinhas sejam contudo reflexo de um sistema de concepções diferente?

Examinemos a questão sob este aspecto. Antes de mais, deveremos observar que o primeiro a tentar este exame foi o camarada Plekhánov, que na Liga assinalou a viragem operada na minoria para o anarquismo e o oportunismo, e que precisamente o camarada Mártov (que se mostra agora muito ofendido porque nem todos querem reconhecer que a sua posição é uma posição de princípio(13)) preferiu ignorar totalmente este incidente no seu Estado de Sítio.

No congresso da Liga levantou-se a questão geral de saber se seriam válidos ou não os estatutos que a Liga ou um comité elaborem para si próprios sem a confirmação do CC ou contra a sua confirmação. Nada mais evidente, poderia parecer: os estatutos são uma expressão formal de organização, e o direito de organizar comités é expressamente reservado ao CC pelo § seis dos estatutos do nosso partido; os estatutos fixam os limites da autonomia do comité, e o voto decisivo na fixação desses limites pertence ao organismo central e não ao organismo local do partido. Isto é o á-bê-cê, e é pura infantilidade afirmar com ar sábio que «organizar» nem sempre implica a ideia de «confirmar estatutos» (como se a própria Liga não tivesse exprimido com toda a independência o seu desejo de ser organizada com base em estatutos formais). Mas o camarada Mártov até esqueceu (temporariamente, esperemos) o á-bê-cê da social-democracia. Na sua opinião, exigir a confirmação dos estatutos significa apenas «substituir o anterior centralismo revolucionário iskrista pelo centralismo burocrático» (p. 95 das actas da Liga); e o camarada Mártov declara no mesmo discurso que é precisamente nisto que ele vê o «aspecto de princípio» das coisas (p. 96), aspecto de princípio que preferiu contornar no seu Estado de Sítio!

O camarada Plekhánov responde imediatamente a Mártov, pedindo-lhe que se abstenha de expressões «atentatórias da dignidade do congresso», expressões como burocratismo, pompadurismo, etc. (p. 96). Segue-se uma troca de observações com o camarada Mártov, para quem essas expressões encerram «uma caracterização de princípio de determinada tendência». O camarada Plekhánov, como de resto todos os partidários da maioria, considerava então essas expressões no seu significado concreto, percebendo claramente o seu sentido não de princípio, mas exclusivamente «cooptacionista», se se me permite usar esta expressão. No entanto, cede à insistência dos Mártov e dos Deutsch (pp. 96-97) e passa a analisar do ponto de vista dos princípios pretensas concepções de princípio. «Se assim fosse - diz (isto é, se os comités tivessem autonomia para criar a sua própria organização, para elaborar os seus estatutos) -, seriam autónomos relativamente ao todo, relativamente ao partido. Isto já não é um ponto de vista bundista, mas simplesmente anarquista. Com efeito, os anarquistas raciocinam assim: os direitos do indivíduo são ilimitados; podem entrar em conflito; cada indivíduo define ele próprio os limites dos seus direitos. Os limites da autonomia devem ser fixados não pelo próprio grupo, mas pelo todo de que esse grupo faz parte. O Bund oferece um exemplo flagrante da violação deste princípio. Por consequência, os limites da autonomia são fixados ou pelo congresso ou pelo organismo superior que o congresso tenha criado. O poder do organismo central deve assentar na sua autoridade moral e intelectual. Com este ponto estou de acordo, bem entendido. Qualquer representante de uma organização deve velar para que ela tenha autoridade moral. Mas não se deduza disto que, se a autoridade é necessária, o poder não o seja... Opor a autoridade do poder à autoridade das ideias é uma frase anarquista que não deve ter lugar aqui» (98). Estas teses são o mais elementares possível, são verdadeiros axiomas que até seria estranho pôr à votação (p. 102) e que só foram postos em dúvida porque «no momento actual as noções se baralharam» (ibid.) Mas o individualismo próprio de intelectuais conduziu inevitavelmente a minoria ao desejo de fazer fracassar o congresso, a não se submeter à maioria; era impossível justificar este desejo, a não ser com frases anarquistas. É sumamente curioso que a minoria não pudesse replicar nada a Plekhánov, a não ser lamentações por ele usar expressões demasiado fortes como oportunismo, anarquismo, etc. Plekhánov, muito justamente, pôs a ridículo estas lamentações, perguntando porque é que «não é conveniente empregar jauressismo e anarquismo, enquanto o emprego de lèse-majesté (lesa-majestade) e de pompadurismo é conveniente». Não houve resposta a estas perguntas. Este qui pro quo(14) original acontece constantemente com os camaradas Mártov, Axelrod e Cª: as suas novas palavrinhas têm uma marca evidente de ressentimento; ofendem-se quando se lhes aponta isto - somos pessoas de princípios; mas se por princípio recusais a submissão da parte ao todo, sois anarquistas, diz-se-lhes. Nova ofensa com uma expressão forte! Por outras palavras: querem bater-se com Plekhánov, mas com a condição de este não os atacar a sério!

Quantas vezes o camarada Mártov e vários outros «mencheviques» de toda a espécie se empenharam, de maneira não menos pueril, em imputar-me a «contradição» seguinte. Extraem uma citação de Que Fazer? ou da Carta a Um Camarada, em que se fala da acção ideológica, luta pela influência, etc., e opõem-lhe o método «burocrático» da acção por meio dos estatutos, a tendência «autocrática» para se apoiar no poder, etc. Gente ingénua! Já esqueceram que antes o nosso partido não era um todo formalmente organizado, mas apenas uma soma de grupos particulares, pelo que entre esses grupos não podia haver outras ligações senão a acção ideológica. Agora somos um partido organizado; e isto implica a criação de um poder, a transformação da autoridade das ideias em autoridade do poder, a subordinação das instâncias inferiores às instâncias superiores do partido. Verdadeiramente, chega a ser desagradável repisar a velhos camaradas o á-bê-cê, sobretudo quando nos damos conta de que tudo se reduz simplesmente à recusa da minoria a submeter-se à maioria quanto às eleições! Mas do ponto de vista de princípios, todas estas intermináveis tentativas para me imputar contradições se reduzem inteiramente a frases anarquistas. Ao novo Iskra não desagrada beneficiar do título e dos direitos de organismo do partido, mas não quer submeter-se à maioria do partido.

Se as frases sobre o burocratismo contêm algum princípio, se não são uma negação anarquista do dever da parte de se submeter ao todo, estamos em presença do princípio do oportunismo que pretende diminuir a responsabilidade de certos intelectuais perante o partido do proletariado, enfraquecer a influência dos organismos centrais, reforçar a autonomia dos elementos menos firmes do partido, reduzir as relações de organização ao seu reconhecimento meramente platónico, em palavras. Vimo-lo no congresso do partido, em que os Akímov e os Líber pronunciavam sobre o «monstruoso» centralismo exactamente os mesmos discursos que os que saíram em torrentes da boca de Mártov e Cª no congresso da Liga. Que o oportunismo, não por acaso mas pela sua própria natureza, e não só na Rússia como no mundo inteiro, conduz ao «ponto de vista» martovista e axelrodista no terreno da organização, vê-lo-emos a seguir, ao examinar o artigo do camarada Axelrod no novo Iskra.


Notas de rodapé:

(1) Se acaso é permitido comparar o pequeno com o grande. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(2) O máximo (N. Ed.) (retornar ao texto)

(3) Independentemente. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(4) Esta carta foi escrita ainda em Setembro (do novo calendário). (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 46, pp. 297-300. - N. Ed.) Omiti nela o que me parecia não vir ao caso. Se o destinatário acha que o que se omitiu é precisamente o importante, pode completá-la sem dificuldade. A propósito. Aproveito a ocasião para autorizar os meus contraditores, de uma vez por todas, a publicar todas as minhas cartas particulares, se o considerarem útil à causa. (retornar ao texto)

(5) Além disso, este membro do CC organizou especialmente uma série de encontros particulares e colectivos com a minoria, desmentindo os mexericos absurdos e exortando-os a cumprir o dever de membros do partido. (Nota do Autor)

(O novo membro do Comité Central: F. V. Léngnik, que chegou da Rússia a Genebra em Setembro de 1903.) (retornar ao texto)

(6) Na carta ao camarada Mártov havia ainda uma passagem em que se perguntava por uma brochura, e a frase seguinte: « Por último, no interesse da causa, comunicamos uma vez mais que estamos ainda prontos a cooptá-lo a si para a redacção do OC, para lhe oferecer todas as possibilidades de exprimir e defender oficialmente todos os seus pontos de vista num organismo superior do partido.» (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 46, p. 306. - N. Ed.) (Nota do autor) (retornar ao texto)

(7) O camarada Plekhánov, provavelmente, teria acrescentado aqui: ou dar satisfação a toda e cada uma das pretensões dos iniciadores da querela mesquinha. Já veremos por que era impossível fazê-lo. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(8) Omito a resposta sobre a brochura de Mártov, que estava então a ser reeditada. (retornar ao texto)

(9) Resolução Mineira (Estado de Sítio, p. 38). (retornar ao texto)

(10) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. cm russo, t. 8, pp. 41-52. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(11) Já assinalei que não seria razoável reduzir a motivos sórdidos as mais baixas formas de manifestação de semelhantes querelas mesquinhas, habituais na atmosfera da emigração e do exílio. Trata-se de uma espécie de doença que se propaga epidemicamente em determinadas condições anormais de vida, em determinados estados de desequilíbrio nervoso, etc. Vi-me forçado a precisar aqui o verdadeiro carácter deste sistema de luta porque o camarada Mártov o repetiu inteiramente no seu «Estado de Sítio». (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(12) Basta lembrar que o camarada Plekhánov deixou, aos olhos da minoria, de ser um partidário do «centralismo burocrático» depois de ter efectuado a benfazeja cooptação. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(13) Nada mais cómico que este ressentimento do novo Iskra, pretendendo que Lénine não quer ver as divergências de princípio ou as contesta. Quanto mais a vossa atitude perante a causa correspondesse aos princípios, tanto mais cedo deveríeis ter examinado as minhas repetidas indicações sobre a viragem para o oportunismo. Quanto mais a vossa posição correspondesse aos princípios, tanto menos poderíeis ter rebaixado a luta ideológica a uma luta pelos cargos. Culpai-vos a vós próprios se fizestes tudo para impedir que vos considerem como homens de princípios. Assim, o camarada Mártov, por exemplo, ao falar no seu Estado de Sítio do congresso da Liga, passa em silêncio o debate com Plekhánov sobre o anarquismo; mas, pelo contrário, conta que Lénine é um supercentro, que basta que Lénine faça um gesto para que o centro adopte uma medida, que o CC entrou na Liga montado num cavalo branco, etc. Estou longe de duvidar que é justamente pela escolha deste tema que o camarada Mártov demonstrou o seu profundo apego às ideias e aos princípios. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

Mal-entendido. (N. Ed.) (retornar ao texto)

Inclusão: 27/12/2002
Última modificação: 05/03/2024