Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo VI - O Empirocriticismo e o Materialismo Histórico


39. Ernst Haeckel e Ernst Mach


Analisemos as relações entre a doutrina de Mach como corrente filosófica e as ciências naturais. A doutrina de Mach combate até o fim a "metafísica" do naturalismo nome que dá ao materialismo das ciências naturais, ou, noutros termos, à convicção instintiva, inconsciente, difusa, filosoficamente intuitiva, própria da grande maioria dos naturalistas, da realidade objetiva do universo exterior refletida pela nossa consciência. Nossos discípulos de Mach silenciam hipocritamente sobre esse fato, atenuando ou dissimulando as relações indissolúveis entre o materialismo instintivo dos naturalistas e o materialismo filosófico, há muito reconhecido como corrente e confirmado centenas de vezes por Marx e Engels.

Vede Avenarius. Em sua primeira obra, A filosofia, concepção do mundo segundo o princípio do menor esforço, publicada em 1876, combate a metafisica do naturalismo, isto é, o materialismo das ciências naturais, e isso, como ele mesmo confessou em 1891 (aliás, sem ter retificado suas opiniões), colocando-se do ponto de vista da teoria idealista do conhecimento.

Vede Mach. Desde 1872, e mesmo antes, até 1906, não deixou de combater a metafisica do naturalismo; teve a boa fé de concordar que "inúmeros filósofos" (entre os quais os imanentes) o seguem, mas que entre eles há "bem poucos naturalistas" (Análise das sensações, p. 9). Mach reconhece de boa fé, em 1906, que "a maioria dos naturalistas se atêm ao materialismo" (Conhecimento e erro, 2.ª edição, p. 4).

Vede Petzoldt. Ele afirma, em 1900, que

"as ciências naturais estão inteiramente (ganz und gar) penetradas de metafisica". "Sua experiência precisa ainda ser depurada" (Einführung in die Philosophie der reinen Erfahrung, t. I, p. 343).

Avenarius e Petzoldt, nós o sabemos, "depuram" a experiência de toda admissão da realidade objetiva que nos é dada na sensação. Em 1904, Petzoldt afirma:

"A concepção mecanicista do naturalismo contemporânea não possui, no fundo, um valor superior ao dos antigos hindus... É absolutamente indiferente supor que o mundo repousa sobre uni elefante lendário ou acreditá-lo constituído de moléculas e átomos, se essas moléculas e esses átomos são concebidos como reais do ponto de vista da gnoseologia, em vez de não passarem de simples metáforas (blosse bildlich) usuais" (t. II, p. 176).

Vede Willy, o único dos discípulos de Mach suficientemente honesto para se envergonhar do seu parentesco com os imanentes. Também ele afirmou em 1905:

"As ciências naturais constituem, afinal, sob muitos aspectos, uma autoridade da qual não nos devemos esquivar" ("Gegen die Schulweisheit", p. 158).

E tudo isso, do começo ao fim, não é mais do que evidente obscurantismo reacionário. Considerar os átomos, as moléculas, os eléctrons, etc., como imagens aproximadamente exatas, formadas em nosso espírito, do movimento objetivamente real da matéria é o mesmo que acreditar que um elefante suporta o universo! É compreensível que os imanentes estejam agarrados com unhas e dentes na aba do casaco desse obscurantista, ridiculamente enroupado com o cômico farrapo do positivismo em moda. Não há um imanente que não ataque, com a boca espumante, a "metafísica" do naturalismo e o "materialismo" dos naturalistas, precisamente porque esses últimos reconhecem a realidade objetiva da matéria (e de suas partículas), do tempo, do espaço, das leis naturais, etc., etc. Bem antes das novas descobertas da física que deram origem ao "idealismo físico", Leclair, apoiado em Mach, combateu a "corrente materialista dominante (Grundzug) do naturalismo contemporâneo" (título do § 6 de Der Realisme, etc., 1879; Schubert-Soldern guerreou contra a "metafísica do naturalismo" (título do capítulo II dos Fundamentos da teoria do conhecimento (Grundlage der Erkenntnistheorie), 1884); Rehmke desancou o "materialismo" das ciências naturais, essa "metafisica da rua" (Philosophie und Kantianismus, 1882, p. 17), etc., etc.

Na verdade, os imanentes tiravam dessa concepção do caráter "metafisico" do materialismo das ciências naturais, própria dos discípulos de Mach, conclusões nítida e diretamente fideístas. Se as ciências naturais não nos dão, em suas teorias, senão metáforas, símbolos, formas da experiência humana, etc., e não uma imagem da realidade objetiva, é indiscutível que a humanidade tem o direito de criar, noutro domínio, concepções não menos "reais": Deus, etc.

A filosofia do naturalista Mach é para as ciências naturais o que o beijo do cristão Judas foi para Cristo. Reduzido, no fundo, ao idealismo filosófico, Mach abandona as ciências naturais ao fideísmo. Sua rejeição do materialismo das ciências naturais é reacionária sob todos os pontos de vista, e já o vimos claramente, quando tratamos da luta dos "idealistas físicos" contra a maioria dos naturalistas acastelados nas posições da velha filosofia. Nós o veremos mais claramente ainda comparando o célebre naturalista Ernst Haeckel com o célebre filósofo (célebre entre os pequenos burgueses reacionários Ernst Mach. .

A tempestade desencadeada nos países civilizados pelos Enigmas do universo, de E. Haeckel, evidenciou de maneira singular, de um lado, o espírito de partido da filosofia em nossa sociedade contemporânea e, de outro, o verdadeiro alcance social da luta do materialismo contra o idealismo e o agnosticismo. A difusão de centenas de milhares de exemplares desse livro, imediatamente traduzido para todas as línguas e propagado em edições populares, atesta eloquentemente que essa obra "ganhou o povo" e seu autor, Haeckel, conquistou rapidamente multidões de leitores. Esse pequeno livro popular tornou-se uma arma na luta de classes. Em todos os países, os professores de filosofia e teologia puseram-se a contestar e desancar Haeckel de mil maneiras diferentes. O sr. Khvolson, físico russo, trasladou-se para a Alemanha, para aí publicar um triste libelo reacionário contra Haeckel e certificar aos muito respeitáveis senhores filisteus que nem todos os naturalistas professam o "realismo ingênuo"(1). Os teólogos em guerra contra Haeckel são incontáveis. Não há injurias revoltantes que os professores da filosofia oficial não lhe tenham dirigido(2). É interessante ver, nessas múmias ressecadas por uma escolástica morta, os olhos se animarem e as faces tomarem cor sob os golpes generosamente distribuídos por Ernst Haeckel. Os pontífices da ciência pura e da abstrata teoria, parece-lhe, se enfurecem, e, nesse coro dos velhos auroques da filosofia (o idealista Paulsen, o imanente Rehmke, o kantista Adickes e tantos outros dos quais somente tu, Senhor, conheces os nomes!), o ouvido distingue este motivo essencial: contra a "metafisica" do naturalismo, contra o "dogmatismo", contra o "exagero do valor e da importância das ciências naturais", contra o "materialismo das ciências naturais". Ele é materialista, eia! Fale o materialista! Ele está ludibriando o publico, não se declarando francamente materialista. Eis o que exaspera sobretudo os senhores professores mais veneráveis.

O mais característico em toda essa tragicomédia(3) é que o próprio Haeckel repudia o materialismo e repele o qualificativo de materialista. Mais ainda: longe de repudiar toda religião, imagina uma religião à sua moda (qualquer coisa como a "fé ateísta" de Bulgákov ou o "ateísmo religioso" de Lunatcharski) e defende, em princípio, a união da religião e da ciência! Então, de que vem tudo isso? Que "fatal mal-entendido" desencadeou essa tempestade?

A explicação aqui está: a ingenuidade filosófica de E. Haeckel, a inexistência nele de uma finalidade de partido, seu desejo de contar com o preconceito geral dos filisteus contra o materialismo, suas tendências pessoais para a conciliação, suas proposições relativas à religião, tudo isso não faz senão acentuar o caráter geral da sua obra, a indestrutibilidade do materialismo das ciências naturais, sua incompatibilidade para com toda a filosofia e a teologia professoral oficial. Haeckel, pessoalmente, não quer romper com os filisteus; mas o que ele expõe com uma convicção tão sincera quanto obstinada é absolutamente irreconciliável com qualquer das nuanças do idealismo filosófico predominante. Essas nuanças a começar pelas mais grosseiras teorias reacionárias de um Hartmann até a pretensa última palavra do positivismo progressista, avançado, de um Petzoldt, ou o empiro-criticismo de Mach têm todas isto de comum: o materialismo das ciências naturais é para elas uma "metafisica"; a admissão da verdade objetiva das teorias e das conclusões das ciências naturais testemunha o "realismo" mais "ingênuo", etc. Essa "sagrada" doutrina de toda a filosofia e de toda a teologia professoral é combatida em cada página da obra de Haeckel. O naturalista que exprime, sem dúvida, as disposições e as mais duradouras tendências, embora insuficientemente cristalizadas, da maioria dos naturalistas de fins do seculo XIX e inicio do seculo XX, logo revela, com desenvoltura e simplicidade, o que a filosofia professoral procurava ocultar ao publico e a si mesma: que existe uma muralha, cada vez mais espessa e mais solida, contra a qual se esboroam os esforços das mil e uma escolas do idealismo filosófico, do positivismo, do realismo, do empiro-criticismo, ou, em suma, de todo confusionismo. Essa muralha é o materialismo das ciências naturais. A convicção dos "realistas ingênuos" (isto é, de toda a humanidade) de que nossas sensações são imagens do mundo exterior objetivamente real, é também a crescente convicção, cada vez mais consolidada, da maioria dos naturalistas.

A causa dos fundadores de novas escolinhas filosóficas, a causa dos inventores de novos "ismos" gnoseológicos, é uma causa perdida, sem perspectivas de vitória. O que lhes resta é debaterem-se em seus pequenos sistemas plenos de "originalidade", é esmerarem-se por divertir alguns admiradores por meio de interessantes discussões em torno da questão de saber se foi o empiro-criticista Bobtchinski ou o empiro-monista Dobtchinski(4) quem primeiro disse: "Ah!"; poderão mesmo criar uma vasta literatura "especial", como fizeram os "imanentes", pouco importa: apesar de todas as suas vacilações e hesitações, apesar da inconsciência do materialismo dos naturalistas, apesar da predileção de ontem pelo "idealismo fisiológico" e de hoje pelo "idealismo físico" em moda, o desenvolvimento das ciências naturais afasta todos os pequenos sistemas, todas as sutilezas, colocando no primeiro plano, ainda e sempre, a "metafisica" do materialismo das ciências naturais.

Eis aqui a prova num exemplo citado por Haeckel. Em As maravilhas da vida, o autor confronta as teorias monista e dualista do conhecimento. Podemos citar as mais interessantes passagens dessa comparação.

Teoria monista do conhecimento Teoria dualista do conhecimento
3. O conhecimento é um fenômeno fisiológico cujo órgão anatômico é o cérebro. 3. O conhecimento não é um fenômeno fisiológico, mas um processo todo espiritual.
4. A única parte do cérebro humano em que o conhecimento tem lugar é um território limitado da superfície (cerebral), o fronema. 4. A parte do cérebro humano que parece funcionar como órgão do conhecimento não é, na realidade, senão o instrumento que faz surgir o fenômeno intelectual.
5. O fronema é um dínamo muito aperfeiçoado, cujas partes componentes, os fronetas, são constituídas por milhões de células (fronetais). Do mesmo modo que para os outros órgãos do corpo, a função (espiritual) desse último é o resultado final das funções das células componentes. 5. O fronema como órgão da razão não é autônomo, mas, através das suas partes componentes (células fronetais), constitui o intermediário entre o espírito imaterial e o mundo exterior. A razão humana é essencialmente diferente da inteligencia dos animais superiores e do instinto dos animais inferiores(5).

Esse trecho tipico da obra de Haeckel mostra que o autor não entra nos pormenores dos problemas filosóficos e não sabe opor uma à outra as teorias materialistas e idealistas do conhecimento. Ridiculariza todas as sutilezas idealistas, ou, antes, as sutilezas filosóficas, não admitindo sequer o pensamento de que possa haver outra teoria do conhecimento que não seja a do materialismo das ciências naturais. Ridiculariza filósofos como materialistas, sem mesmo perceber que se coloca do ponto de vista materialista.

Compreender-se-á o furor impotente dos filósofos diante desse materialismo todo poderoso. Citamos anteriormente a opinião do "verdadeiro russo" Lopatin. Vejamos agora a de Rudolf Willy, o "empiro-criticista" mais avançado, irredutivelmente hostil (falando seriamente) ao idealismo:

"Mistura caótica das leis das ciências naturais, tais como a lei da conservação da energia, etc., e de diversas tradições escolásticas a respeito da substância e da coisa em si" [GEGEM DIE SCHULWEISHEIT (Contra a sapiência de escola), p. 128].

De que provem a grande cólera do respeitável "positivista moderno"? Sim! como não se encolerizaria quando visse que todas as grandes ideias do seu mestre Avenarius por exemplo: o cérebro não é o órgão do pensamento, as sensações não são a imagem do mundo exterior, a matéria ("substância") ou a "coisa em si" não constitui a realidade objetiva, etc. são, do ponto de vista de Haeckel, do princípio ao fim, tão somente confusão idealista? Haeckel não o disse, porque não se dedica à filosofia e não se ocupa com o "empiro-criticismo" como tal. Mas R. Willy não pode deixar de ver que os cem mil leitores de Haeckel equivalem a cem mil cusparadas na filosofia de Mach e Avenarius. É Willy resistindo ao avanço à maneira de Lopatin. E isso porque o fundo dos argumentos do sr. Lopatin e do sr. Willy contra todo materialismo em geral e contra o materialismo das ciências naturais em particular é o mesmo. Para fios, marxistas, a diferença entre o sr. Lopatin, de um lado, e, de outro, os srs. Willy, Petzoldt, Mach & Cia., não é maior do que a diferença entre um teólogo protestante e um teólogo católico.

A "guerra" que se fez contra Haeckel demonstrou que nosso ponto de vista corresponde à realidade objetiva, isto é, à divisão da sociedade contemporânea em classes e às tendências ideológicas dessas últimas.

Ainda outro exemplo. O discípulo de Mach, Kleinpeter, traduziu do inglês para o alemão o livro de Karl Snyder, Quadro do universo segundo as ciências naturais modernas (Das Weltbild der modernen Naturwissenschaft, Leipzig, 1905), obra muito difundida na América. Esse livro expõe com clareza, sob uma forma própria para vulgarização, as diversas descobertas mais recentes da física e das ciências naturais. E o discípulo de Mach, Kleinpeter, acrescentou-lhe um Prefácio em que faz restrições e se refere principalmente à "insuficiência" da gnoseologia de Snyder (p. V). Por que? Porque Snyder não dúvida, nem por um momento, de que o quadro do mundo nos revela a matéria em movimento e a "matéria pensante" (loc. cit., p. 228). Em sua obra seguinte, A máquina do universo (The world machine, Londres, 1907), referindo-se a Demócrito de Abdera, que viveu de 460 a 360 A. C. e a quem dedicou o livro, Snyder escreve:

"Demócrito tem sido chamado frequentemente de pai do materialismo. Essa escola filosófica quase não tem aceitação em nossos dias; entretanto, não é supérfluo observar que todo o progresso moderno das nossas ideias a respeito do mundo se baseia, efetivamente, nas premissas do materialismo. A bem dizer (pratically speaking), as proposições do materialismo são inelutáveis (unescapable) nas pesquisas das ciências naturais" (p. 140).

"Certamente, se com isso se concordar, pode-se sonhar, juntamente com o bom bispo Berkeley, que tudo é sonho aqui em baixo. Mas qualquer que seja a aprovação das mistificações do idealismo etéreo, e apesar da diversidade das opiniões a respeito do problema do mundo exterior, haverá poucas pessoas capazes de duvidar da sua própria existência. Não é necessário acompanhar a fatuidade dos variados eus e não-eus para se convencer que, admitindo a nossa própria existência, abrimos as seis portas dos nossos sentidos às diversas aparências.

A hipótese das massas nebulosas, a teoria da luz, o movimento do éter} a teoria dos átomos e todas as outras teorias semelhantes podem ser consideradas comodas "hipóteses de trabalho"; mas enquanto essas doutrinas não são refutadas, elas se fundamentam, é bom lembrar, mais ou menos na mesma base que a hipótese segundo a qual o ser que chamais de eu, caro leitor, percorre neste momento estas linhas" (pp. 31 e 32).

Imaginai o infortúnio do discípulo de Mach que vê suas queridas e sutis construções reduzindo as categorias das ciências naturais a simples hipóteses de trabalho levadas ao ridículo, como pura confusão, pelos naturalistas das duas margens do oceano! Depois disso, é de se admirar que um Rudolf Willy, em 1905, combata Demócrito como um inimigo vivo, demonstrando admiravelmente o caráter de partido da filosofia e revelando mais uma vez a verdadeira atitude desse autor na batalha dos partidos em filosofia?

"Sem dúvida escreve Willy, Demócrito não teve a menor ideia de que os átomos e o espaço vazio não são mais do que concepções fictícias, uteis como auxiliares (blosse Handlangerdienste) e adotadas por motivos de utilidade, enquanto forem comodas. Demócrito não era suficientemente livre para compreendê-lo; mas nossos naturalistas contemporâneos não são mais livres, com poucas exceções. A fé do velho Demócrito é também a sua" (loc. cit., p. 57).

Isso não é desolador! Ele demonstrou, "de maneira inteiramente nova", "empiro-critica", que o espaço e os átomos são "hipóteses de trabalho", enquanto os naturalistas, ridicularizando esse berkeleyismo, caminham nas pegadas de Haeckel! — Nós não somos idealistas, absolutamente; é uma calunia afirmar tal coisa; apenas trabalhamos (com os idealistas) para refutar a corrente gnoseológica de Demócrito, em que batalhamos há mais de dois mil anos sem resultado apreciável! E ao nosso líder, Ernst Mach, resta apenas dedicar sua última obra, o balanço da sua vida e da sua filosofia, Conhecimento e erro, a Wilhelm Schuppe e observar a contragosto que a maioria dos naturalistas é materialista e que "também nós" simpatizamos com Haeckel... por sua "largueza de vistas" (p. 14).

A ideologia da pequena burguesia reacionária, que caminha nas pegadas do obscurantista W. Schuppe e simpatiza com a "liberdade de espírito" de Haeckel, revela-se aqui em toda sua extensão. São todos iguais, esses filisteus humanitários da Europa, com seu amor à liberdade e sua submissão ideológica (tanto em economia como em política) aos Wilhelm Schuppe(6). Em filosofia, a independência em relação a todo partido não passa de servilidade, miseravelmente camuflada, para com o idealismo e o fideísmo.

Comparai ao que precede a apreciação formulada a respeito de Haeckel por Franz Mehring, que não se limita a querer ser marxista mas que o sabe ser. Desde a publicação de Os enigmas do universo, em fins de 1899, Mehring observava que

"o livro de Haeckel, precioso tanto por suas insuficiências como por suas qualidades, contribuirá para esclarecer as ideias tornadas tão confusas sobre o que é para nosso partido, de um lado, o materialismo histórico e, de outro, o materialismo histórico"(7).

A insuficiência de Haeckel consiste em não ter a menor ideia do materialismo histórico e, em consequência, chegar a afirmar clamorosos absurdos, tanto a respeito de política como sobre a "religião monista", etc., etc.

"Materialista-monista, Haeckel professa a materialismo das ciências naturais e não o materialismo histórico" (loc. cit.).

"Quem quer que deseje verificar por si mesmo essa incapacidade (a incapacidade do materialismo das ciências naturais diante das questões sociais), comprová-la de algum modo e adquirir consciência da imperiosa necessidade de ampliar o materialismo das ciências naturais até o materialismo histórico a afim de fazer dele uma arma verdadeiramente insuperável na grande luta da humanidade por sua emancipação, leia o livro de Haeckel.

Aliás, não É somente por esse motivo que se deve ler esse livro. Sua maior deficiência se relaciona indissoluvelmente com sua maior qualidade: a brilhante e tão clara exposição do desenvolvimento das ciências naturais no século XIX, a parte mais extensa e mais importante da obra, parte que é noutros termos uma descrição da marcha triunfal do materialismo das ciências naturais(8).

Conclusão

O marxista deve considerar o empiro-criticismo sob quatro pontos de vista.

Em primeiro lugar, é necessário, sobretudo, comparar os fundamentos teóricos dessa filosofia com os do materialismo dialético. Essa comparação, à qual dedicamos nossos três primeiros capítulos, revela, em toda a série de problemas relativos à gnoseologia, o caráter profundamente reacionário do empiro-criticismo, que dissimula, sob novos subterfúgios, sob novos termos pretensiosos, sob novas sutilezas, os velhos erros do idealismo e do agnosticismo. Somente uma ignorância absoluta do materialismo filosófico em geral e do método dialético de Marx e Engels em particular permite falar de "conciliação do empiro-criticismo" com o marxismo.

Em segundo lugar, é necessário situar o empiro-criticismo, minuscula escola de filósofos profissionais, entre as outras escolas filosóficas contemporâneas. Partindo de Kant, não caminharam Mach e Avenarius para o materialismo, mas no sentido inverso, para Hume e Berkeley. Acreditando "depurar" a experiência em geral, Avenarius não fez mais, na realidade, do que depurar o agnosticismo, desembaraçando-o do kantismo. A escola de Mach e Avenarius, estreitamente ligada a uma das mais reacionárias escolas idealistas, a dos imanentes, marcha, peso, e cada vez mais nitidamente, para o idealismo.

Em terceiro lugar, é necessário ter em conta a inegável relação entre a doutrina de Mach e uma escola determinada de um dos ramos das ciências naturais contemporâneas. A grande maioria dos naturalistas e, em particular, dos especialistas da física se filia ao materialismo. A minoria dos novos físicos, sob a influência dos vigorosos contragolpes vibrados nas velhas teorias pelas grandes descobertas dos últimos anos e também sob a influência da crise da física moderna que evidenciou claramente a relatividade dos nossos conhecimentos, e por desconhecer a dialética, caiu no idealismo, através do relativismo. O idealismo físico atualmente em moda reduz-se a uma predileção tão reacionária e tão efêmera quanto a do idealismo dos fisiólogos, em moda ainda recentemente.

Em quarto lugar, não é possível deixar de ver, sob a escolástica gnoseológica do empiro-criticismo, a luta dos partidos em filosofia, luta que exprime, no fundo, as correntes e a ideologia das classes inimigas da sociedade contemporânea. A filosofia moderna é tão penetrada do espírito de partido quanto à de dois mil anos passados. O materialismo e o idealismo, dissimulados sob novos rótulos pretensiosos e charlatanescos ou sob uma medíocre imparcialidade, estão efetivamente em luta. O idealismo é apenas uma forma superior, sutil, do fideísmo, que, em todo o seu poder, dispõe de amplas organizações e, tirando proveito dos menores desvios do pensamento filosófico, prossegue em sua incessante ação sobre as massas. O papel objetivo do empiro-criticismo, seu papel na luta de classes, reduz-se, finalmente, a servir os fideístas na campanha que desenvolvem contra o materialismo em geral e, mais particularmente, contra o materialismo histórico.


Notas de rodapé:

(1) O. D. Khvolson, Hegel, Haeckel, Kossuth und das zwölfte Gebot (Hegel, Haeckel, Kossuth e o décimo segundo mandamento), l906, pág. 80. — N. L. (retornar ao texto)

(2) O pequeno volume de Heinrich Schmidt, A luta em torno de "Os enigmas do Universo" (Bonn, 1900), dá um quadro bem construído da campanha dos professores de filosofia e teologia contra Haeckel. Essa brochura é, hoje, antiquada. — N. L. (retornar ao texto)

(3) O elemento trágico foi aí introduzido pelo atentado cometido contra Haeckel em princípios deste ano (1908). O sábio recebeu numerosas cartas anônimas, em que era tratado de "cão", "impio", "macaco", etc.; em Iena, um "bom alemão" jogou em seu gabinete de trabalho uma pedra de grande dimensão. — N. L. (retornar ao texto)

(4) Bobtchinski e Dobtchinski: personagens da comédia O revisor de N. Gogol. Tipos de demagogos e palradores provincianos típicos. Nota do Tradutor (retornar ao texto)

(5) Utilizo a tradução francesa: Les merveilles de la vie, Paris, Schleicher, Quadros I e XVI. — N. L. (retornar ao texto)

(6) Em suas notas contra a doutrina de Mach, Plerrânov procura menos refutar Mach do que prejudicar o bolchevismo com o espírito de facção. A publicação de dois pequenos volumes devidos à pena de mencheviques discípulos de Mach já o puniu, realmente, por ter explorado de modo tão baixo e mesquinho as controvérsias teóricas fundamentais. — N. L. (retornar ao texto)

(7) Fr. Mehring, Die Welträtsel (Os enigmas do universo), em Neue Zeit, 1899-1900, t. XVIII, pág. 418. — N. L. (retornar ao texto)

(8) Loc. cit., pág. 419. — N. L. (retornar ao texto)

Inclusão 03/02/2015