Características da Estrutura da Atividade Humana

Alexei Nikolaevich Leontiev

1975


Primeira Edição: Publicado originalmente em Lektsii po obshchey psikhologii: Ucheb. posobiye dlya vuzov po spets. “Psikhologiya”. Esta obra foi publicada postumamente a partir de transcrições e gravações das palestras que A. N. Leontiev pronunciou no Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Moscou M. V. Lomonosov, entre 1973 e 1975.

Fonte: https://medium.com/katharsis/leontiev-estrutura-atividade-humana-16de26a07861

Tradução: Bruno Bianchi

HTML: Fernando Araújo.

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A questão de saber qual é a natureza daquela forma superior, especificamente humana de reflexão psíquica, que geralmente é designada pelo termo “consciência”, pressupõe, antes de tudo, uma abordagem histórica do problema.

- O que dá origem a essa forma particular de reflexão psíquica?

- Qual é a necessidade do surgimento e desenvolvimento desta forma de reflexão especificamente humana?

Ao estudar a história do surgimento e desenvolvimento do psiquismo, revela-se o fato fundamental de que o surgimento e o desenvolvimento do psiquismo se fundamentam na complexificação do modo de vida dos sujeitos, na complexificação de suas atividades, que realiza suas conexões com o mundo exterior. Uma conclusão geral pode ser tirada de que o que é o modo de vida de um sujeito, também é sua forma de reflexão psíquica. Ou, em outras palavras, o que é a estrutura de sua atividade, é a estrutura da reflexão psicológica da realidade. Disto se segue que a consciência, como a mais elevada e importante, mas não a única forma de reflexão do ser humano, é gerada por aquela mudança radical no modo de vida e, consequentemente, uma mudança radical na própria estrutura da atividade que ocorre durante a transição do homem para uma sociedade baseada no trabalho.

A atividade humana específica que ocorre durante a formação de uma sociedade baseada no trabalho é caracterizada pelo fato de ser uma atividade duplamente mediada. A atividade de trabalho é mediada pelos instrumentos do trabalho, ou seja, os meios para realizar esta atividade e, ao mesmo tempo, é mediada por aquelas relações que a pessoa estabelece com outras pessoas no processo de trabalho, sobretudo no processo de produção material.

A transição para um trabalho mediado por instrumentos e relações com outras pessoas leva a uma série de mudanças muito importantes. A primeira e mais importante delas é que, nas condições de vida em uma sociedade baseada no trabalho, a atividade se torna produtiva. Isso significa que ela encontra sua expressão em algum produto material da produção. A natureza inerentemente produtiva da atividade laboral introduz mudanças fundamentais na estrutura desta atividade.

O surgimento de processos orientados por instrumentos marca a transição para um novo tipo de atividade, ou seja, uma operação cujo desenvolvimento se dá de uma forma particular. No nível de uma sociedade baseada no trabalho, a experiência dos métodos de realização das atividades não é fixada por meio de mecanismos especiais internos transmitidos pela hereditariedade biológica, mas é fixada e transmitida de geração em geração de uma forma externa, exotérica. O que significa “forma externa” neste contexto? Quando falamos em transferência de experiência, métodos de atividade de forma externa, queremos dizer que os instrumentos que medeiam a atividade de trabalho, por assim dizer, se cristalizam, personificam as formas de agir com esses instrumentos. Na verdade, chamamos de instrumentos os objetos que carregam em si, incorporam em si certas formas de ação socialmente desenvolvidas. Consequentemente, os instrumentos não são apenas objetos físicos. Os instrumentos adquirem uma nova qualidade — eles são objetos sociais. É bastante fácil ver que os instrumentos têm uma nova qualidade. Para isso é necessário apenas remover qualquer instrumento criado pela mão do homem do processo social do trabalho e ele, embora permanecendo exatamente o mesmo em suas características físicas, perde sua qualidade especial como objeto social, ou seja, deixa de existir na forma de um instrumento. Portanto, um instrumento trazido para uma gaiola com macacos, embora possa ser submetido a alguma manipulação por um animal, é simplesmente transformado em um objeto material com algumas qualidades físicas. Para os humanos, entretanto, mesmo aqueles objetos que não são feitos especificamente para executar uma função instrumental podem adquirir a qualidade de um instrumento. Por exemplo, uma pessoa pode usar como ferramenta, digamos um martelo, qualquer corpo sólido que seja tal em suas propriedades físicas que possa realizar uma determinada função do instrumento (martelar um prego ou algo parecido). Em geral, qualquer objeto adequado nas mãos humanas pode, como resultado de operações especialmente desenvolvidas e socialmente fixas, atuar em uma variedade de funções instrumentais. Por exemplo, um bastão pode ser usado tanto como alavanca para levantar pesos quanto como ferramenta para limpar tapetes.

Assim, surge um conteúdo distinto de atividade. Esse conteúdo, que já ao nível dos animais surgia sob a forma de modos de atividade adquiridos na experiência individual e através dos mecanismos da hereditariedade, adquire agora uma existência especial, nomeadamente, uma existência social. Este conteúdo é herdado pelas gerações subsequentes das anteriores, ressaltamos mais uma vez, não na ordem da transmissão da hereditariedade biológica, mas na ordem da assimilação da operação socialmente desenvolvida correspondente, corporificada de forma externa, isto é, fixada em um ou outro instrumento.

A segunda mudança radical que ocorre na transição para uma sociedade baseada no trabalho é que, como o trabalho une os membros da sociedade, a comunicação muda radicalmente. Surge a comunicação pela fala, ou seja, a comunicação por meio da linguagem. A comunicação se torna mediada, assim como a atividade laboral prática. A linguagem atua como um elo mediador na atividade de comunicação.

Há muita controvérsia em torno do problema da origem da linguagem, mas as várias soluções para esse problema não entram em conflito e, em geral, ficam dentro dos limites de hipóteses plausíveis, sem alterar fundamentalmente a essência da questão. Essas hipóteses vinculam a origem da fala humana e, portanto, da linguagem como meio de comunicação verbal, com a mudança na comunicação vocal observada em muitos animais. Uma mudança na comunicação vocal ocorre no sentido de que as reações vocais se tornam relacionadas ao objeto, ou seja, a partir de sinais que expressam um estado emocional ou particular de necessidade, elas se transformam em sinais relacionados a algum conteúdo objetivo. Neste último ponto, as visões de diversos pesquisadores sobre a origem da linguagem são totalmente coincidentes. A relação objetiva dos sinais através dos quais a comunicação ocorre é a principal característica que caracteriza a comunicação através da linguagem. A ideia é bastante clara: quando as pessoas usam palavras de linguagem, elas têm sempre em mente algum evento objetivo. É verdade que se levanta a questão de como os sentimentos são transmitidos. Porém, mesmo ao transmitir sentimentos, que por sua natureza agem como fenômenos subjetivos, a pessoa também aborda o que, sendo representado em sua experiência, surge em bases objetivas. Nas primeiras etapas do desenvolvimento da linguagem, em primeiro lugar, surge a atribuição ao conteúdo objetivo, que só mais tarde (e este é um ponto extremamente importante) se torna uma forma de expressar certos estados psíquicos internos.

Por que existe uma objetivação da linguagem? Isso ocorre porque se inclui na comunicação um processo de trabalho que ocorre objetivamente, em que se inclui tanto o objeto para o qual esse processo é dirigido quanto o instrumento com a qual esse processo é realizado, ou seja, há uma espécie de cruzamento dos vínculos sujeito-instrumento (sujeito social) — objeto de trabalho-sujeito (outro indivíduo). Esse problema é bem analisado em um dos artigos de L. S. Vigotski dedicado às raízes genéticas do pensamento e da fala, a análise da “cognição pré-humana” mesmo nas formas que se manifestam nos macacos antropoides.

Do meu ponto de vista, uma hipótese um pouco diferente sobre a origem da linguagem parece ser mais significativa, sobre a qual me deterei brevemente. Esta hipótese se baseia não no fato de que, no decorrer do desenvolvimento das reações vocais, ocorre uma mudança nos sinais vocais, que consiste no fato de eles adquirirem referência do objeto e, assim, tornarem-se sinais de linguagem, mas do fato de que as formas iniciais de comunicação, mediadas pela linguagem, são comunicações que ocorrem no próprio processo de trabalho, ou seja, inicialmente, as próprias ações laborais das pessoas e sua comunicação constituem um único processo. Ou seja, na forma inicial, os fenômenos de comunicação atuam como modos peculiares, meios de realização da produção, que depois se transformam, formando uma linguagem. Nesta solução, o problema da origem da linguagem tem que estar ligado a sinais movidos externamente. Este conceito é geralmente denotado pelo termo “discurso cinético”.

Vamos explicar esta hipótese. A questão é que a atividade conjunta com algum objeto material implica a cooperação de esforços e, portanto, a distribuição desses esforços no processo de trabalho. A necessidade de distribuir esforços leva naturalmente ao surgimento de processos motores externos, voltados não para atingir o efeito desejado, por exemplo, mover um objeto pesado, mas direcionados a outros participantes de atividades conjuntas e, assim, desempenhando uma função especial de sinalização. Então, se uma pessoa, em cooperação com outras pessoas, se esforça sozinha para deslocar o obstáculo de uma ação, e é incapaz de fazer isso, então o próprio esforço dessa pessoa atua como um sinal, serve como uma indicação para as pessoas que trabalham com ela sobre a necessidade de se juntar a esse esforço. Assim, neste exemplo, a ação da gravidade em movimento conecta objetivamente o portador dessa ação com outras pessoas. O estabelecimento do fato de que o esforço dirigido a um objeto também afeta os coparticipantes no processo de trabalho de comunicação conduz naturalmente à possibilidade de comunicação, que se realiza através destas ações laborais. Se aceitarmos este pressuposto natural, devemos também aceitar que um participante de um processo de trabalho colaborativo, tendo descoberto por si mesmo o efeito que sua ação em relação a um objeto produz sobre outros membros do coletivo de trabalho, comece a realizar suas ações já especificamente para este fim, ou seja, comece a utilizá-las como meio de comunicação.

Entretanto, usar uma ação como um meio de influenciar os outros não requer usá-la em sua forma desenvolvida, pois para influenciar outra pessoa com um movimento que desloca um objeto, não é de forma alguma necessário realizar a ação em sua forma desenvolvida e exercer o enorme esforço que ela requer. É em decorrência disso que a ação parece encurtada e o movimento desempenha apenas a função única de indicar a necessidade dessa ação e, portanto, de influenciar os participantes do processo de trabalho. Adquirindo a função de influência, o movimento é desvinculado, separado da ação laboral. Essa desvinculação do movimento nada mais é do que o nascimento de um gesto. Um gesto é um movimento separado de seu resultado, ou seja, não aplicado ao objeto para o qual é dirigido.

Já foi observado que um gesto como uma ação separada pode ser reduzido conforme desejado. Nessa forma abreviada, reduzida, o gesto torna-se um meio de transmitir algum conteúdo objetivamente relacionado a outras pessoas, ou seja, essa ação não aparece pelo lado do seu efeito físico, mas age como um significante. Em outras palavras, ele se desenvolve na forma de um sinal motor objetivamente relacionado.

É preciso dizer que a ideia de que inicialmente a linguagem como meio de comunicação aparece na forma de um gesto é extremamente antiga. Ela pode ser encontrada em muitos autores que refletiram sobre o problema da origem da linguagem humana. Em particular, mesmo Helvetius aderiu a um ponto de vista semelhante. Entre os pesquisadores modernos no campo da linguística, podemos citar N. Ya. Marr e outros.

A hipótese acima sobre a origem da linguagem não deve, de forma alguma, ser simplificada. O fato é que a comunicação vocal (por exemplo, comunicação vocal observada em comunidades animais) não é de forma alguma ignorada pelos defensores da hipótese. Com o surgimento de um gesto como meio de comunicação, a comunicação vocal, claro, não é substituída por um gesto, mas, pelo contrário, há uma conexão dos sinais de comunicação de voz com algum conteúdo objetivo. Em termos de nossa hipótese, a função de referir-se ao conteúdo do objeto é realizada inicialmente diretamente pela própria ação de trabalho, enquanto as outras funções, as de comunicar estados emocionais e de necessidade, continuam a ser realizadas por meio de sinais vocais. Vamos dar nomes a estas duas funções diferentes, que sempre aparecem em sua combinação. A primeira função pode ser rotulada como a função de “significação” [oznacheniya], ou seja, de referência a objetos. Outra função, que, sem dúvida, é mais antiga em sua origem, designaremos como função de “expressão” [vyrazheniya], a expressão de um estado. A função de “significação” também é frequentemente chamada de função “nominativa” [nominativnoy], e a função de “expressão” também é chamada de “expressividade” [ekspressivnoy].

Portanto, estamos falando do fato de que no início da comunicação humana, a função expressiva continua a ser realizada por meios vocais, por sinais de voz, enquanto a função nominativa, que ocorre através da modificação, especialização dos movimentos de trabalho, começa a ser realizada no próprio processo de comunicação. Mas a fala cinética, ou seja, a sinalização por meio de movimentos, separada da ação executiva do trabalho, é muito limitada em suas capacidades, enquanto a fala, que retém a forma dos sinais vocais em sua forma original, é muito mais rica em suas capacidades do que a fala cinética.

Qual é o caminho do desenvolvimento da fala? Segue o caminho do enriquecimento da função expressiva ou, ao contrário, segue o caminho do enriquecimento da função nominativa?

Sem dúvida, o desenvolvimento da fala segue o caminho do enriquecimento do conteúdo objetivo refletido nos próprios sinais linguísticos, e não no sentido do enriquecimento da função expressiva. Em decorrência disso, aparentemente, ocorre uma transferência gradual, a transição da função expressiva para a linguagem motora externa, e da função nominativa para o meio de comunicação sonoro, para a linguagem sonora.

A hipótese apresentada é apenas uma hipótese, mas é altamente provável e é sempre confirmada, ainda que indiretamente, por uma série de fatos bem estabelecidos.

A transição da função nominativa de meio externo-motor para meio sonoro de comunicação e a transição inversa da função expressiva de respostas vocais para respostas externas-motoras pode ser facilmente rastreada em línguas modernas desenvolvidas. Note que mesmo aquelas línguas que hoje se caracterizam como pouco desenvolvidas, em relação às etapas iniciais de desenvolvimento da linguagem, são, sem exagero, altamente desenvolvidas. Assim, a partir de observações da língua moderna, a divisão das funções expressivas e nominativas é claramente visível. Assim, por exemplo, quando uma pessoa é rude, o conteúdo objetivo é transmitido, é claro, por meio da linguagem sonora, e a função expressiva vai principalmente para o gesto. A relação se inverte. Um gesto se torna o expoente de uma palavra, o elemento linguístico da fala, e os elementos sonoros reais da fala se tornam portadores do conteúdo sonoro do sujeito.

Não separamos uma coisa da outra. Somente no período histórico mais recente, literalmente no momento atual, se você contar com uma escala histórica, é possível separar o gesto da fala. Essa separação ocorreu pelo fato de ser possível reproduzir e transmitir a fala à distância em tais condições quando o gesto do interlocutor, todo o seu comportamento motor, está oculto, ou seja, houve uma abstração, separação, no sentido literal da palavra, do lado sonoro da fala de seu lado gestual, pantomímico. Considere o caso mais comum de uma conversa telefônica. Com a fraca disseminação da comunicação por telefone, gramofone, rádio — em uma palavra, as formas modernas de comunicação usuais, uma pessoa que encontrou essas formas pela primeira vez se encontra em uma situação difícil precisamente por causa da separação entre o lado sonoro da fala e o seu lado gestual. Ele não só não é capaz de iniciar imediatamente uma conversa telefônica, como também é capaz de perceber muito bem a fala separada de seu acompanhamento externo-motor. Este tipo de fenômeno pode ser observado na ontogênese. Normalmente leva algum tempo para que uma criança aprenda a falar ao telefone. Durante as primeiras conversas telefônicas há rigidez e má compreensão da fala, que, no entanto, se resolve depois de um tempo, ou seja, de alguma forma ocorre uma nova unificação das funções desmembradas da fala. Esta amálgama não é mais um retorno à primeira, pois antes de se tornar um todo, as funções de expressão e significação, tendo sido desmembradas, passaram pela consciência. A unificação destas funções em um único todo pode, portanto, ser considerada como uma nova etapa no desenvolvimento da fala.

Finalmente, mais uma observação. Algumas funções expressivas continuam como parte da fala propriamente dita, formando seu lado entonacional, que é completamente abstraído da fala escrita.

Por sua vez, alguma função “significativa” é preservada na composição cinética da fala. Assim, respondendo a uma pergunta ou solicitando uma ação, uma pessoa pode usar não apenas as formas de transmissão da fala, mas também a forma de transmissão por meio de um gesto de apontar. Um gesto de sinalização pode ser diferenciado de outro, e assim cumprir uma função nominativa com um determinado conteúdo de objeto. A função nominativa está naturalmente presente em gestos simbólicos, ou seja, em gestos que significam diretamente algo, como o gesto de um guarda de trânsito. Os gestos simbólicos do guarda de trânsito constituem linguagem no verdadeiro sentido da palavra, mas linguagem realizada não por meio da fala sonora, mas por meio da mímica. Um aspecto curioso da relação entre fala sonora e cinética é que, sob certas condições especiais, a fala cinética continua a existir junto com a fala sonora por um longo período de tempo. Assim, no mesmo grupo étnico, estas duas línguas foram preservados simultaneamente até os últimos dias. Refiro-me à existência de fala cinética e sonora em alguns grupos étnicos norte-americanos — os índios. Muitas vezes, essa coexistência se deve ao fato de que a fala sonora que se diferencia rapidamente não atende às necessidades de uma língua comum que une várias tribos. Há mais uma circunstância que contribui para a preservação dessa forma de fala cinética. O fato é que as relações peculiares dentro da sociedade, decorrentes da divisão do trabalho social, encontram expressão em funções e modos de vida socialmente divergentes sobre o princípio da distinção de gênero. Há casos em que as mulheres usam apenas uma dessas formas de comunicação e os homens usam duas. Tais casos foram descritos no início do século XX, ou seja, literalmente em nossos dias.

Estes casos também são interessantes porque mostram muito claramente que ao lado do instrumento, que é o portador coletivo das operações e, portanto, o portador da experiência das gerações anteriores, está surgindo um novo modo de comunicação — a comunicação mediada pela linguagem. (Para nós agora não faz diferença se essa linguagem existe na forma de designações cinéticas transmitidas de pessoa a pessoa ou designação com a ajuda de uma linguagem sonora. Atualmente, a linguagem sonora é a principal, que é muito mais rica em suas capacidades de designação.)

Assim, na transição para a sociedade humana, ocorrem duas mudanças fundamentais: 1) o surgimento do trabalho, mediado pelos instrumentos da atividade, que é produtivo, ou seja, que transforma a substância da natureza para que surja determinado produto; 2) O surgimento de uma linguagem que é necessariamente gerada pela relação dos seres humanos com outros seres humanos no processo de trabalho. Estas novas relações exigem o surgimento de novas formas de comunicação no trabalho coletivo — formas de comunicação através de uma linguagem que tem sido transmitida de geração em geração e que são aprendidas pelo indivíduo na forma de domínio de meios de comunicação historicamente desenvolvidos.

Estas duas mudanças fundamentais foram destacadas pelos clássicos do marxismo há mais de cem anos. Eles foram destacados em um famoso fragmento de F. Engels da Dialética da Natureza (“O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”).

Tendo descrito estas duas condições fundamentais de desenvolvimento, podemos passar imediatamente a descrever as mudanças que a própria estrutura da atividade humana sofre em relação a estas condições. Já foi dito que as formas de realizar o trabalho que se originam e se desenvolvem nas condições da vida coletiva assumem uma particular dualidade de existência. Primeiro: o instrumento torna-se portador de um certo modo de atividade socialmente desenvolvido. Segundo: os modos de atividade que encontram sua expressão externa no funcionamento dos instrumentos começam a ocupar um lugar totalmente novo no sistema da atividade humana. Para entender o que, de fato, é a mudança deste lado da atividade, é necessário levar em conta uma circunstância extremamente importante que expressa a mudança mais importante que observamos durante a transição para o ser humano.

Esta mudança reside no fato de que toda atividade coletiva de trabalho requer alguma divisão de trabalho entre seus participantes, ou seja, alguma divisão da atividade laboral como um todo em suas “partes constituintes” individuais. Quando falo da divisão do trabalho, não estou me referindo à divisão do trabalho que surge em uma determinada etapa do desenvolvimento humano. Trata-se da divisão técnica inicial do trabalho: para obter um produto que atenda às necessidades do coletivo humano, é necessário desenvolver a própria forma de obtenção do produto, ou seja, a própria atividade. Esse desenvolvimento segue o caminho do isolamento de elementos individuais, ou, mais precisamente, “unidades” dessa atividade.

Aqui está uma ilustração ingênua. Mesmo antes de qualquer verdadeira divisão social do trabalho, há uma divisão de funções, como a fabricação de instrumentos e o uso de instrumentos. Ela por si só atende à necessidade imediata de ser satisfeita no processo de produção, ou seja, o produto do trabalho, assumindo que a fabricação de ferramentas é o único e principal conteúdo da atividade laboral de uma determinada pessoa? O instrumento em si é incapaz de satisfazer qualquer necessidade humana natural. Entretanto, esta necessidade, como a necessidade de alimentos, é atendida pela participação em alguma proporção do produto que é obtido através do uso de um instrumento produzido por outra pessoa. Desta forma, ocorre uma distribuição que pressupõe que nem todos os membros da sociedade, o coletivo de trabalho, estão diretamente envolvidos na obtenção do produto real da necessidade humana. Este membro do coletivo recebe algum produto intermediário, que é necessário para obter um produto que atenda à necessidade. Portanto, se considerarmos a atividade como um processo que reúne os membros de um único coletivo de trabalho, fica claro que há uma complexificação neste processo de atividade como um todo.

Com esta complicação, surge uma situação paradoxal: a atividade do indivíduo não pode levá-lo diretamente à posse de um objeto que atenda a uma necessidade. Esta necessidade só pode ser satisfeita através de uma atividade conjunta, culminando com a aquisição do objeto da necessidade.

Esta atividade é paradoxal em comparação com as atividades dos animais, que são sempre direcionadas diretamente para objetos de necessidade biológica e são motivadas por estes objetos. Nos animais, não há atividade que não satisfaça uma ou outra necessidade biológica direta, que não seja causada por uma ação que tenha para o animal um significado biológico — o significado de um objeto que satisfaça uma determinada necessidade, e que não seja dirigido com sua última ligação diretamente a este objeto. Nos animais, o objeto de sua atividade e seu motivo biológico são sempre fundidos, coincidindo sempre um com o outro.

Para mostrar ainda mais claramente a notável discrepância de que a atividade de um indivíduo não conduz diretamente por seu último elo ao domínio do objeto de necessidade, consideremos a atividade de um batedor, participante de uma caça coletiva primitiva. Sua atividade é motivada pela necessidade de alimentação ou, talvez, pela necessidade de vestuário, que lhe serve a pele de um animal morto. Mas qual é o seu objetivo direto? Pode ser direcionado, por exemplo, para espantar um rebanho de animais e direcioná-lo para outros caçadores escondidos em emboscada. Isso, na verdade, é o que deve ser o resultado da atividade de uma determinada pessoa. Isto conclui a atividade do participante individual na caçada. O resto é completado por outros participantes na caçada. É claro que este resultado — assustar a caça, etc. — não leva, nem pode, por si só, levar à satisfação da necessidade de alimento do caçador ou, digamos, da pele do animal. A que se dirigem esses processos de sua atividade, portanto, não coincide com o que os incita, isto é, não coincide com o motivo de sua atividade: ambos estão aqui divididos entre si. A atividade do batedor, não voltada diretamente para a captura da presa, justifica-se justamente por sua participação na obtenção dessa presa, que já é um produto social.

Como rotular este tipo de atividade, que por si só, fora do coletivo de trabalho, não leva diretamente à satisfação da necessidade, mas se liga a ela através de laços sociais? Deixe-me lembrar que uma atividade é um processo pelo qual é feita uma ligação com o objeto de uma necessidade, e que geralmente culmina na satisfação de uma necessidade, concretizada no objeto da atividade. De acordo com nossa terminologia, o objeto de uma atividade é seu verdadeiro motivo. No entanto, no exemplo acima, a definição de uma atividade como um processo diretamente dirigido ao objeto da necessidade é violada. Aqui encontramos uma atividade que não é diretamente direcionada ao objeto da necessidade. Portanto, devemos de alguma forma distinguir esta atividade especial, devemos dar-lhe um nome. Não há necessidade de inventar um novo termo para isso, pois ele sempre existiu. Ele já existiu, existe e continuará a existir. E esse termo é “ação”.

Quando digo que uma determinada “ação” foi realizada por uma pessoa, isso não significa de forma alguma que tenha sido realizado um processo que corresponde diretamente ao objeto da necessidade e termina com sua satisfação, ou seja, um processo chamado “atividade.” Não se pode dizer do objeto de ação que ele induz à ação, ao contrário do objeto de atividade, porque o próprio objeto, ou seja, o que a ação visa, pode não levar à satisfação de uma necessidade. O objeto da ação não satisfaz a necessidade por si só, mas apenas por ser incorporado a uma atividade ou, mais precisamente, por se tornar um momento de uma atividade. Esta é a essência da ação. Ao introduzir o conceito de ação, devo agora introduzir outro conceito que dispensamos quando consideramos a história da preparação da consciência humana — as formas pré-humanas de atividade. Este conceito também não precisa ser inventado. É o conceito de objetivo. Se o objeto da atividade é a necessidade do sujeito, então o objeto da ação é o objetivo.

Assim, chegamos à seguinte conclusão: como resultado da transição para uma vida baseada no trabalho e ocorrendo nas condições das relações sociais entre os sujeitos, ocorre uma complexificação muito importante da atividade humana, que se expressa na alocação de processos com objetivos especiais no sistema de atividade, ou seja, processos subordinados não diretamente ao objeto da necessidade, mas a algum objetivo distinto. Assim, introduzimos outra unidade de análise.

Além da atividade — um processo que se comunica com o mundo exterior, é estimulado e dirigido pelo objeto da necessidade — distinguimos as ações que são os principais “momentos” das atividades humanas individuais como processos existentes de forma relativamente independente. Chamamos de ação um processo subordinado à ideia do objetivo a ser alcançado, ou seja, um processo subordinado a um objetivo consciente. Assim como o conceito de motivo está relacionado ao conceito de atividade, o conceito de objetivo está relacionado ao conceito de ação.

Por sua vez, as ações têm, como momento interno, formas de realizar essas ações, ou seja, sistemas de operações. Podemos agora falar sobre operações, formas de realizar ações e sobre atividades realizadas na forma de uma ação ou na forma de toda uma série de ações. Em princípio, podemos sempre assumir que uma atividade é realizada por uma única ação. Digo “em princípio” porque a questão de estarmos tratando de uma única ação realizando uma atividade, ou de toda uma cadeia de ações, é uma questão de pesquisa específica, uma vez que esta relação muda dependendo das condições em que a atividade se realiza, de seu nível de desenvolvimento, etc.

Assim, o terceiro momento necessário, que se revela como o momento interior da atividade, é a essência dos modos de realização da ação, a operação. O que determina os modos de realização de uma atividade, com o que elas se relacionam? Para entender isto, devemos notar o fato de que os objetivos não são inventados, não são estabelecidos arbitrariamente pelo sujeito. Eles são dados em circunstâncias objetivas. Qualquer objetivo — mesmo como “atingir o ponto A” — existe objetivamente em alguma situação objetiva. É claro que, para a consciência do sujeito, o objetivo pode aparecer como uma abstração dessa situação. Mas sua ação não pode ser abstraída dele — nem mesmo na imaginação. Portanto, além de seu aspecto intencional (o que deve ser alcançado), a ação também tem seu aspecto operacional (como, de que forma pode ser alcançado), que é determinado não pelo objetivo em si, mas pelas condições objetivas de sua realização. Em outras palavras, a ação que está sendo realizada responde à tarefa [zadacha]. A tarefa é o objetivo dado sob certas condições. Portanto, a ação tem um lado especial, um “momento” especial próprio, ou seja, a forma como ela é realizada. As operações, ou seja, as formas em que a ação é realizada, estão relacionadas com as condições específicas em que ela pode ser realizada.

Finalmente, o quarto e último ponto que deve ser sempre levado em conta na análise da atividade são os mecanismos psicofisiológicos que implementam a atividade em todos os seus momentos, ou seja, que implementam a própria atividade, a ação e a operação. Estes mecanismos psicofisiológicos são formados tanto na filogênese, ou seja, em toda a história do desenvolvimento humano, incluindo a história do estágio de preparação biológica humana, a evolução biológica do homem, quanto na ontogênese. Quando formados na ontogênese, estes mecanismos são tanto subordinados em sua formação à atividade, como realizam e implementam a própria atividade na totalidade de seus momentos.

É extremamente difícil dizer o que realmente caracteriza os mecanismos psicofisiológicos, uma vez que nem todas as funções fisiológicas realizam diferentes momentos de atividade. Os mecanismos psicofisiológicos — realizadores da atividade — é claro, dificilmente incluem tais funções fisiológicas, que I. P. Pavlov caracterizou como “parte interna da fisiologia”, a fisiologia da economia interna do organismo (como peristaltismo de intestinos, homeostase de temperatura, etc.).

Mas existem outros processos que realizam a atividade, a saber, os processos psicofisiológicos superiores, os processos-realizadores [protsessy-realizatory]. Obviamente, se abstrairmos do quarto ponto, muito da realização, do curso da atividade, se torna incompreensível. Por exemplo, algumas operações acessíveis à maioria das pessoas podem se revelar inacessíveis devido ao despreparo, ao “empobrecimento”, ou seja, a patologia de alguns mecanismos que as implementam. Então, tais operações dão lugar a outras que podem ser realizadas com base em outros mecanismos psicofisiológicos “finalizados”.


Inclusão: 05/10/2022