Lição cubana

Guillermo Lora


II - Natureza da Revolução Cubana


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"Pedem-nos ideias, uma doutrina, previsões, disse-me Che Guevara, mas esquecem que somos uma revolução de contra-golpe”. ("Furacão sobre o açúcar." Sartre). A única cousa que esta suposta definição da revolução cubana faz é definir as tremendas limitações dos líderes do Movimento 26 de Julho, que o 1º. de janeiro de 1959 assume o poder, depois de ter avançado vitoriosamente sobre os ombros do povo cubano, o que é uma consequência obrigatória da sua filiação pequeno-burguesa.

De um modo geral, a falta de princípios e as oscilações do governo Castro-Guevara apenas confirmam um dos princípios clássicos do marxismo: a pequena burguesia não tem capacidade para desenvolver de forma consistente uma política de classe independente e é obrigada a seguir a burguesia ou o proletariado, extremos polares da sociedade contemporânea.

Quando Guevara se refere à revolução do contra-golpe, revela duas questões de alguma importância:

Primeira.- A surpresa dos dirigentes do Movimento 26 de Julho com os resultados e as medidas da revolução, cujo desenvolvimento e projeções não foram previstos por eles em momento algum. Essa deficiência teórica e política do movimento dirigente se admitiu mais tarde para convertê-la num princípio revolucionário.

Segunda.- Estas palavras testemunham que os políticos que atualmente detêm o poder desconhecem as leis segundo as quais se realiza a revolução. Pode-se dizer que os Castros e os Guevaras são elementos inconscientes da história. A conclusão emerge imediatamente: a ausência duma verdadeira vanguarda revolucionária (o estalinismo não conseguiu cumprir esse papel porque se situou na trincheira reacionária, de forma cínica, a partir dos anos 1930) da classe trabalhadora levou a este lamentável estado de cousas. Confirma-se - certamente de forma negativa - a tese de que a crise da sociedade nos nossos dias se reduz em última instância à crise da direção revolucionária.

Tampouco Castro penetra na raiz do problema (por isso mesmo e para escândalo dos seus detratores, diremos que não é radical) quando diz que a revolução cubana "é um processo". Toda revolução é, é sobre o seu traço genérico e não está em disputa. A frase destaca a tremenda surpresa do caudilho com a direção inesperada tomada polas forças desencadeadas no redemoinho revolucionário. Alguém duvida que uma revolução tem muitas etapas? E cada uma está conectada à anterior e representa uma nova. A primeira cousa que se destaca é que a revolução cubana está se radicalizando cada vez mais, fenómeno que ocorre a partir de 1º de janeiro de 1959. O que é preciso estabelecer com clareza é que essa radicalização se opera de acordo com as próprias leis das revoluções. que ocorrem neste período de indiscutível desintegração do capitalismo.

Nos primeiros momentos da revolução, era comum dizer que se tratava dum fenómeno excepcional (como se os mesmos fenómenos não tivessem ocorrido em países atrasados ​​e como se não fossem o signo dominante do nosso), que desmentia todos os esquemas marxistas.

Esse absurdo teórico encontrou adeptos nas fileiras do estalinismo e, não por acaso, a burocracia do Kremlin deu provas irrefutáveis ​​do seu reformismo extremo. O suficiente para lembrar os discursos de Khrushchev.

Não foram poucos os que argumentaram teimosamente que uma revolução tipicamente camponesa havia ocorrido em Cuba, e apenas para confirmar isso foram invocadas algumas características da transformação social que tem como teatro a China. Surge a questão: uma revolução camponesa no século XX, quando o proletariado se tornou a única classe social essencialmente revolucionária?

Na época das revoluções burguesas clássicas (em que não era possível falar do proletariado como classe diferenciada) - séculos XVII e XVIII - os camponeses já manifestavam, de forma indiscutível, a sua incapacidade de assumir a direção do processo. de transformação social e menos para desenvolver consequentemente uma política da sua própria classe: Os camponeses levaram a burguesia ao poder e não o conquistaram para si. Um dos pilares básicos da revolução "democrática" reside precisamente na liquidação das grandes propriedades e na constituição duma ampla camada de pequenos proprietários (produtores independentes) na agricultura. É verdade que o desenvolvimento posterior do capitalismo, dentro das regras da livre concorrência, também precipitará a concentração da propriedade da terra nas mãos da burguesia.

As revoluções na época da desintegração do capitalismo têm como pano de fundo a rebelião camponesa, característica comum a todos os países atrasados ​​(atrasados ​​porque apresentam formas socioeconômicas pré-capitalistas). Os explorados agrícolas sustentam e promovem, nos nossos dias, a actividade do proletariado. A liderança corresponde a esta última classe, que inevitavelmente tem que resolver o problema da terra e que para se emancipar como classe tem que emancipar toda a sociedade.

Dadas essas condições, não pode haver uma revolução camponesa (liderada polos camponeses e entregando-lhes o poder, para que possam realizar as tarefas burguesas do comando do Estado) no actual período de desenvolvimento capitalista. Os que falam da revolução camponesa em Cuba nada dizem sobre a mecânica das classes sociais naquele país e se contentam em descrever as características formais do processo, embora não queiram reconhecê-las, isso nada mais é do que um simples esquematismo.

Mariátegui -que detém com razão o título de introdutor do marxismo na América Latina-, na ânsia de explicar o fenómeno revolucionário em países onde o campesinato é a maioria demográfica e o sector social mais explorado, chamou aos servos da gleba, aos membros da comunidade e os produtores independentes de proletários. É, sem dúvida, um erro, que se baseou no esforço de justificar a revolução das projeções socialistas nos países atrasados, mas está mais próximo do verdadeiro processo revolucionário do que os extremos contidos na tese sobre a vigência da "revolução camponesa" no nosso tempo.

O continente americano mostra exemplos que confirmam as conclusões marxistas sobre o assunto. A de maior importância, pola sua magnitude e por ocorrer quando o proletariado como classe ainda não havia aparecido no cenário social e político, é a rebelião indígena liderada polo grande Tupac Amaru no final do século XVIII.

O fracasso do colossal movimento (cuja falta de perspectivas se descobre ao revelar que os seus dirigentes defendiam o retorno ao passado incaico, definitivamente enterrado pola história) e que abalou praticamente todo o regime colonial, deveu-se ao feito de não encontrar a direção da classe revolucionária da cidade (que não pode ser imputada ao líder indígena), já que todos os sectores deste cooperaram incondicionalmente com a Coroa espanhola, ou seja, com o poder opressor.

Em Cuba, o movimento revolucionário irradiou-se da Sierra Maestra através das camadas camponesas; As tropas de Castro (riam-se do facto de que sábios professores e jornalistas, todos eles na meia-idade, discutem tão apaixonadamente sobre quantos guerrilheiros operavam na Sierra Maestra, como se a história pudesse ser reduzida a pura aritmética) marcharam do campo a cidade, fenómeno que ocorreu também durante a terceira revolução chinesa (exemplos que, no entanto, não negam a lei de que no nosso tempo o campo está subordinado, política e economicamente, à cidade) e os guerrilheiros não tinham mais remédio do que colocar a reforma agrária na ponta das baionetas como uma bandeira de agitação.

Naquela época, Castro não tinha ideia de onde poderiam vir as colossais forças elementais que a sua atividade ajudou a desencadear. O movimento castrista foi impulsionado polos lavradores, mas é um absurdo concluir que a revolução foi camponesa apenas por esse motivo. Também não era a reforma agrária nem o extrativismo social dos que o cercavam e cooperavam com a guerrilha.

A questão-chave não foi respondida: quem estava liderando o movimento e com que programa? O apotegma de que o programa define o partido deve ser aplicado também ao castrismo. Tratava-se da mobilização camponesa, em torno duma ideologia democrática burguesa e liderada por uma equipe de classe média. O Movimento 26 de Julho, que não queria ir além dos limites democráticos, colocou as massas em pé.

A declaração da Sierra Maestra (12 de julho de 1957) diz:

“1) Liberação imediata de todos os presos políticos, civis e militares.

2) Garantia absoluta da liberdade de informação, tanto de imprensa como de rádio, e de todos os direitos políticos e individuais do homem garantidos pola Constituição (refere-se à Constituição de 1940, que Castro prometeu cumprir, G. L.)

3) Nomeação de prefeitos interinos em todos os municípios, após consulta às instituições cívicas da localidade.

4) Eliminação do peculato em todas as suas manifestações e adoção de medidas que tendam a aumentar a eficiência de todas as organizações do Estado.

5) Criação duma carreira Administrativa.

6) Democratização da política sindical, realizando eleições livres em todos os sindicatos e federações industriais.

7) Início imediato duma intensa campanha contra o analfabetismo e a educação cívica, com ênfase nos deveres e direitos que os cidadãos têm na sociedade e na pátria.

8) Criação do órgão de reforma agrária para promover a distribuição de terras improdutivas e converter todos os arrendatários, meeiros e colonos usurpados que ocupam pequenas parcelas de terras, sejam públicas ou privadas, com a devida indemnização dos seus antigos proprietários.”

Como se pode ver, este é um programa que qualquer liberal pode assinar. A reforma agrária em abstrato não diz nada. O fundamental é quem e como essa tarefa democrática é realizada.

Há uma reforma agrária de tipo burguês, que está muito longe de ser capaz de resolver o problema da terra, e uma verdadeira revolução agrária liderada polo proletariado e que se torna a premissa da fazenda coletiva altamente técnica e eletrificada. O facto de a burguesia ser incapaz de resolver o problema da terra - o mais profundo de todos os problemas dos países atrasados ​​— obriga o proletariado a chegar ao poder e a tomar a solução das tarefas burguesas-demográticas e transformá-los em socialistas. O Movimento 26 de Julho propôs uma reforma agrária de tipo burguês.

Sartre, fortemente impressionado com os argumentos apresentados a favor da caracterização camponesa da revolução cubana, conta-nos que Sierra Maestra não foi o único núcleo rebelde, que foi sustentado pola oposição clandestina das cidades, fator que tem sido subvalorizado até agora. Não se pode conceber atualmente um abalo persistente e projetado na agricultura, que não tenha ressonância nas cidades e não gere simpatia.

O movimento castrista nos seus primórdios, portanto, não era camponês, mas genuinamente cidadão e pequeno-burguês, como denunciam o seu programa e a origem social dos seus quadros mais importantes. O que é preciso ressaltar é que, naquela época, os desordeiros barbudos seguiam uma orientação indiscutivelmente burguesa e democrática.

Castro resumiu as suas ideias da seguinte maneira:

“Liberdade, com pão sem terror; o capitalismo pode matar o homem com fome e o comunismo mata a fome tirando a sua liberdade ”.

O máximo que lhe ocorreu foi propor uma reforma da democracia, eliminando os seus aspectos negativos e odiosos. Ele se autodenominava democrata e humanista e repudiava expressamente o termo comunista. O leitor deve ter em mente que Castro, fiel à sua condição de intelectual pequeno-burguês, desconhece a firmeza de princípio e surpreende a facilidade com que muda de opinião.

Os castristas entraram em contato com o povo por necessidade, mas a partir do momento em que a guerrilha se fundiu com os camponeses, abriram-se possibilidades dum desenvolvimento inesperado.

A própria mobilização massiva decretou o fim da ideologia burguesa e lançou as bases para a radicalização futura. Essas projeções não foram suspeitadas nem desejadas por Castro. Já indicamos que a tremenda surpresa com a magnitude dos acontecimentos foi posta em circulação sob o título de “revolução do contra-golpe”, tema sobre o qual J. P. Sartre teorizou e elaborou uma boa literatura.

Infelizmente, não estamos discutindo literatura, mas política. Se o assalto ao quartel de Moncada (26 de julho de 1953) teve todas as características dum golpe, o desembarque dos castristas do México (2 de dezembro de 1956) e a ocupação da Sierra Maestra foram o início dum profundo abalo, duma verdadeira revolução.

Esta transformação não se deveu a este ou aquele esquema teórico dos ousados ​​luitadores, nem mesmo à coragem ou à barba dos castristas, mas - eis o fundamental - ao facto de estarem maduras as condições objectivas para a revolução.

O estalinismo estava completamente confuso e a sua atitude era a mesma do Partido Autêntico (até então o partido de Castro). Limitou-se a descrever as ações dos castristas como aventureirismo e não entendia que se modificassem pola conexão com o povo e as massas camponesas e que o Movimento 26 de Julho canalizava todo o descontentamento contra Batista, realidade que flutuava no ambiente.

O castrismo abandonou os métodos golpistas, principalmente os movimentos de surpresa e furtividade e proclamou abertamente o seu desafio ao regime e exibiu a sua bandeira na Sierra Maestra, com a intenção de reunir todo o descontentamento popular, um acto que deveria obrigar a pequena burguesia a satisfazê-lo.

Para onde estava indo o Movimento 26 de Julho? Certamente, não para cumprir rigorosamente a declaração acima transcrita, mas para enfrentar as forças sociais básicas da revolução, o proletariado e os camponeses, que não podiam deixar de conferir um caráter agrário e antiimperialista à sua luita. É este facto que surpreendeu e desorientou os Castros e Guevaras e obrigou-os a se tornarem cada vez mais radicais.

O comportamento observado no assalto a Moncada empalideceu ante os novos métodos de mobilização do castrismo e que os que até agora comentaram os acontecimentos no Caribe não conseguiram se explicar adequadamente.

O mesmo fenómeno que ocorria na agricultura se repetia nas cidades: a revolução mobilizou e aglutinou o descontentamento da população contra os excessos da ditadura e o mal-estar económico, que se agravava a cada dia. Os proletários e as camadas majoritárias da classe média juntaram-se ao sorvedouro e os primeiros começaram a deixar a sua própria marca nele. No entanto, a revolução veio do campo para a cidade e a sua direção era, em certa medida, estranha aos trabalhadores. A confiança das massas não se conquista com a simples enunciação dum programa ou com as promessas que podem ser feitas, é preciso que as lideranças demonstrem primeiro de facto a sua adesão militante às aspirações populares.

O proletariado mostrou uma desconfiança acentuada ao castrismo, que após a tomada do poder foi acentuada polo facto de que era necessário reduzir os salários em alguns ramos da indústria e até mesmo reduzir os benefícios sociais.

Os inimigos da revolução cubana tiveram prazer em descrever a resistência ao novo regime por parte de certas classes trabalhadoras, principalmente dos privilegiados. Como medida prévia aos dias do dia 1º. de janeiro de 1959, Castro declarou uma greve geral, medida que foi resistida e sabotada polo Partido Socialista Popular (os estalinistas de Blas Roca), aberta e publicamente.

Qualquer que seja a primeira reação do proletariado ao Movimento 26 de Julho, a verdade - como os eventos subsequentes demonstraram - é que a sua incorporação ao processo revolucionário permitiu-lhe dar um caráter marcadamente antiimperialista (anti-ianque, se você quiser falar graficamente) e abrir perspectivas novas e imprevistas: a possibilidade de se tornar em socialista, a partir do cumprimento total e pleno das tarefas democrático-burguesas.

As figuras de proa do Departamento de Estado, que desde o primeiro momento cheiraram o perigo representado polo proletariado escondido atrás do castrismo, apressaram-se a chamar a revolução cubana de "comunista", apesar das negativas categóricas dos líderes. Essa reação pode ser explicada se levarmos em conta que a revolução, obedecendo à sua autodinâmica, começou a atacar os interesses imperialistas na ilha e se tornou um perigo para a sua política internacional.

Os observadores superficiais não se cansam de expresar a sua surpresa com o facto de os ianques terem se transformado de amigos fiéis do imprudente Fidel em inimigos jurados do castrismo. O que é evidente é que o Departamento de Estado dos Estados Unidos viu que a direção da revolução cubana se transformava inevitavelmente nas suas próprias mãos.

Deste modo, passou a momentânea oscilação de classe da revolução e voltou a encontrar o seu eixo natural, a classe revolucionária da cidade. A partir deste momento, todo o processo e o castrismo ganharam novas definições em relação ao proletariado, esta é a classe social que conta fundamentalmente.

Um processo revolucionário em que o proletariado está presente como classe, social e politicamente diferenciada, traz nas suas entranhas a possibilidade de se tornar socialista, de marchar para liquidar a grande propriedade privada dos meios de produção e todas as formas de opressão de classe. Não importa que o movimento tenha começado a ser liderado por grupos políticos burgueses ou qualquer outra classe social, a classe revolucionária da cidade estará orientada a assumir a direção e a remodelar todo o processo. Isso significa que o proletariado se torna um líder nacional e, como tal, assume o poder.

Que uma revolução tenha a possibilidade de se tornar socialista, por mais importante que seja, é apenas uma possibilidade, e ainda não o próprio socialismo. Esta é a lei fundamental das revoluções do nosso tempo e que os acontecimentos em Cuba a confirmam plenamente. Essa lei na terminologia marxista é chamada de lei da revolução permanente e é apresentada em contornos tão importantes que até os próprios estalinistas inclinam a cabeça para ela.

A situação internacional, caracterizada pola guerra fria entre os blocos imperialista e soviético (que basicamente não é mais do que a preparação e tomada de posse com vista à terceira guerra mundial), nada mais faz do que apressar o surgimento de tendências socialistas que a revolução cubana carrega consigo, mas não as origina, como alguns afirmam irresponsavelmente.

Deste modo, a momentânea oscilação de classe da ilha caribenha tornou-se um factor importante no embate básico que ocorre em nível internacional, entre o imperialismo que luita para sobreviver e resolver as suas tremendas contradições e o socialismo que com dificuldade e por enormes contradições, está sendo estruturado.

Os Estados Unidos da América do Norte, assustados com as projeções da revolução, decidiram esmagar Cuba, considerando que só assim poderiam defender os seus interesses, que estavam sofrendo um sério ataque das massas insurrecionais. O imperialismo, para concretizar o seu objectivo, usa de tudo, desde o boicote económico à invasão armada, passando pola conspiração e sabotagem de elementos reacionários. Quando se trata de defender os lucros dos trustes, o Departamento de Estado não poderia seguir outro caminho. A única cousa que pode estar em discussão é o calendário dessas medidas.

Os ataques norte-americanos obrigaram o governo de Castro-Guevara a se inclinar para o bloco soviético, fenómeno que se definiu gradativa e progressivamente. A URSS, de maneira particular, ficou encantada com a possibilidade de minar as posições do imperialismo na área estratégica do Caribe. A oportunidade se apresentou para usar Cuba como uma cabeça de ponte quase nas costas do seu maior inimigo.

Porém, não são esses altos e baixos da política internacional que geram o carácter antiimperialista da revolução cubana e é um fenómeno indissociável da participação do proletariado no processo. Quando a classe trabalhadora está fisicamente presente, a revolução é antiimperialista, embora a "coexistência pacífica" tenha se transformado dum preconceito típico da pequena burguesia temerosa na realidade. Não apenas a luita dos trabalhadores polos seus próprios interesses, mas as próprias necessidades de desenvolvimento e progresso de todo o país, são o que definem o carácter antiimperialista da revolução. O que a situação internacional faz é imprimir certas modalidades a essa luita. Resumindo: a revolução cubana é agrária e antiimperialista pola sua própria natureza. Esta característica não foi imposta polo castrismo aos acontecimentos. O que aconteceu foi o oposto. A impetuosidade do processo revolucionário transformou os Castros e Guevaras em antiimperialistas e reformadores agrários e até em "bolcheviques leninistas". Observadas desta forma, todas as aparentes contradições da revolução e de seus dirigentes encontram a sua justificativa.

Os amigos “esquerdistas” da revolução cubana (cujas palavras e ações são duvidosas porque se inspiram no salário que recebem) ficam furiosos quando são lembrados de que o castrismo é uma equipe política pequeno-burguesa.

Para eles, em Cuba, existe um governo de obreiros e camponeses. Não se preocupam em nos esclarecer como ocorreu esse milagre (presumimos que ninguém esquecerá facilmente o conteúdo burguês da declaração de Sierra Maestra) e por quais canais o proletariado e os camponeses chegaram ao poder. Tudo sugere que de forma insensível o governo pequeno-burguês se tornou em operário-camponês, em socialista. Por mais nova que seja essa teoria - e ao contrário da teoria e da história - merece ser explicada polos seus autores.

Na Bolívia também há adeptos deste absurdo, mas não os levamos em consideração pola sua nula seriedade política. São os mesmos que argumentaram tão irresponsavelmente que o governo do MNR era operário-camponês, antiimperialista e socialista.

Duas formas podem ser assumidas polo governo operário-camponês:

  1. Ser o equivalente à própria ditadura do proletariado.
  2. Tratar-se da forma intermediária e anterior àquela ditadura, tipificada porque supõe a colaboração momentânea do partido da classe trabalhadora com os de outras classes (como exemplo, China e o período de cooperação governamental dos bolcheviques com os social-revolucionários de esquerda). Os nossos "teóricos" são muito cuidadosos em não nos dizer qual dessas duas formas ocorre em Cuba. Acalentam a suposição de que é uma terceira e nova forma? Ousamos acreditar que ninguém afirma ser um co-governo entre o proletariado e os camponeses.

Um dos primeiros rudimentos do marxismo ensina que as classes sociais chegam ao poder por meio dos seus partidos políticos. O partido é o único instrumento à disposição do proletariado para uma atividade política adequada. Os sindicatos e outras organizações podem cumprir certas tarefas políticas limitadas e defeituosas.

Onde estão os partidos camponeses e operários em Cuba? Considerar o castrismo como uma vanguarda proletária constitui uma falsificação da realidade, como veremos adiante. Os camponeses estão no poder? Qual é o seu partido? Não encontramos uma resposta para esses problemas nos nossos teóricos.

O governo cubano ainda é pequeno-burguês, além disso é verdade que não é o mesmo de 1959. Atualmente a equipe pequeno-burguesa se radicalizou e é sensível às pressões do proletariado.

Como pode ser visto, o castrismo mudou duma posição pró-imperialista para o pólo socialista. A única garantia de que este é a última oscilação de Castro-Guevara é que ele poderá ser substituído polo partido político do proletariado; - resistimos em acreditar que o estalinismo cubano, um dos mais prostituídos do continente, seja esse partido. Uma série de factores obrigou Castro a se declarar socialista e não deve ser surpresa que outras influências poderosas o obriguem no futuro a adotar posições que são a própria negação do socialismo. Ninguém se assuste com o que dizemos: a versatilidade faz parte do próprio coração dos intelectuais pequeno-burgueses.

A natureza de classe do governo cubano, além de outras características secundárias, constitui o lado mais fraco da revolução cubana. A virtual ausência da vanguarda proletária da cena política pode precipitar a perda de todo o movimento, o que seria, não ignoramos, um sério revés para o movimento revolucionário e antiimperialista mundial. A chave da revolução cubana está no problema do partido.

Não estamos querendo dizer que o governo de Castro-Guevara seja impopular ou algo parecido. Polo contrário, reconhecemos que goza da confiança da esmagadora maioria do país, que ainda vive as últimas horas de euforia revolucionária. No entanto, não é o apoio popular que justifica um regime, já que as massas são obrigadas a experimentar em primeira mão as verdadeiras conquistas revolucionárias de outras classes sociais antes de encontrar o seu próprio partido.

Em 13 de outubro de 1960, 382 empresas foram nacionalizadas, grande parte delas controladas até então polo capital financeiro. Em dezembro de 1962, a nacionalização recaiu sobre o comércio interno. As primeiras medidas de nacionalização tiveram o caráter obrigatório de medidas defensivas contra a investida do imperialismo.

A nacionalização do comércio interno foi resultado da busca desesperada de racionalizar a distribuição de bens essenciais para o dia a dia, ou seja, de racionalizar a miséria. Usamos este último termo não em atitude de censura, porque entendemos que um processo de profunda transformação não pode deixar de vir acompanhado de graves dificuldades económicas. Mas isso ainda não é socialismo? Apressemo-nos a responder que as nacionalizações por si só não são socialismo.

Engels pensava que o caso do capitalismo coletivo poderia ocorrer, por meio da nacionalização dos meios de produção polo Estado burguês. O carácter e a projeção das nacionalizações dependem da classe social que as realiza. Nem é preciso dizer que a nacionalização dos meios de produção constitui um dos alicerces da sociedade futura. É por isso que as nacionalizações nos parecem progressistas, mesmo quando realizadas pola burguesia.

Especificando o caso de Cuba, será o proletariado do poder e a partir da nacionalização dos meios de produção, a classe que materialize o socialismo, isto é, que conduza o processo revolucionário às suas últimas consequências.

Tudo nos permite presumir que nos primeiros momentos Castro e seus amigos pensaram que a revolução nacional deveria se limitar a começar e terminar como uma revolta nacional limitada. Esta conclusão corresponde aos objectivos democráticos que foram propagados a partir da Sierra Maestra. A profunda mobilização das massas e a presença física do proletariado dissipou essas ilusões. A revolução na medida em que se tornou social, agrária e antiimperialista, fundiu-se com o movimento revolucionário mundial e latino-americano.

A partir deste momento tem objetivos e características comuns com as revoluções ocorridas em outros países atrasados. Esta é a base que permite a emergência duma identidade de interesses entre os povos de Cuba e os do bloco soviético.

Já indicamos que o estalinismo concluiu isolando a revolução cubana do movimento de libertação nacional que está se desenvolvendo em todo o mundo. Resta assinalar que este isolamento constitui um dos aspectos negativos da Cuba de hoje. O proletariado no poder teria que modificar radicalmente este estado de cousas.


Inclusão: 28/06/2021