Marx e os Sindicatos
O Marxismo Revolucionário e o Movimento Sindical

A. Losovski


Capítulo IV - Marx e o Movimento Sindical na Inglaterra


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A primeira metade do século XIX caracterizou-se por um impetuoso crescimento e propagação do movimento sindical na Inglaterra. Imediatamente após a supressão do decreto proibitivo das coalizões, em 1824, as trade-unions perdem a sua clandestinidade e começam a alastrar-se por toda a Inglaterra. As trade-unions inglesas eram organizações estritamente gremialistas, que se propunham apenas finalidades práticas, como a diminuição da jornada de trabalho, aumento dos salários, etc. Marx e Engels estudaram durante anos a disseminação do movimento proletário na Inglaterra. A primeira grande obra de Engels, dedicada à situação da classe proletária na Inglaterra, e “O Capital”, obra genial de Marx, estão baseadas no estudo da economia inglesa e do seu movimento proletário. Ambos atribuíram grande importância a essas trade-unions, justamente porque sustentavam uma luta ininterrupta pelo melhoramento das condições proletárias, partindo da seguinte ideia: a situação da classe proletária é o verdadeiro fundamento e o ponto de partida de todos os movimentos sociais da época contemporânea. (Engels).

Marx e Engels verificavam o caráter estritamente gremialista das trade-unions e seus horizontes restritos, mas consideravam-nas, sem dúvida, um passo para diante no desenvolvimento proletário inglês, e não somente inglês.

“Para romper o poder da burguesia, escrevia Engels, são necessários algo mais que sindicatos e greves. Porém, esses sindicatos e as greves que originam, são importantes, principalmente por representarem a primeira tentativa dos trabalhadores, para suprimir a concorrência. Sua existência obriga à compreensão de que o predomínio da burguesia baseia-se unicamente na concorrência entre os trabalhadores, isto é, na ausência de solidariedade proletária ou na oposição de interesses de uma parte dos proletários contra os interesses de outra. E precisamente porque todos os seus esforços (sindicatos e greves) estão orientados, ainda que unilateral e estreitamente (sublinhado por A. L.), contra a concorrência, contra o nervo vital do regime social vigente, são um perigo para este regime. Dificilmente o proletário poderia encontrar uma parte mais vulnerável no regime da burguesia, e em todo o regime social contemporâneo.”(1)

O mal fundamental do movimento sindical inglês, já naquele período, consistia nas concepções socialistas ainda vagas e confusas, dos chefes mais avançados. O socialismo inglês da época era extraordinariamente magro e anêmico. Eis como Engels descreve os socialistas de sua época:

“O pai do socialismo inglês foi o fabricante Owen. Seu socialismo, por isso, ainda que excedendo no fundo aos limites das contradições entre a burguesia e o proletariado, guarda, não obstante, por sua forma, atitude muito benevolente para com a burguesia, e muito injusta para com o proletariado. Os socialistas são completamente servis e pacíficos, e reconhecem como justificadas as condições existentes, por pior que sejam, já que negam para a sua modificação qualquer caminho que não seja o da prédica pública... Os socialistas queixam-se frequentemente da desmoralização das classes inferiores. Compreendem, sem dúvida, a causa do ódio dos proletários contra a burguesia, porém consideram que este ódio, único meio de levar avante os trabalhos, é estéril, e pregam uma filantropia e amor universais, muito mais estéreis para a realidade da Inglaterra moderna. Não reconhecem senão o desenvolvimento psicológico, o desenvolvimento do homem abstrato, completamente isolado do seu passado, enquanto todo o mundo, e com ele cada indivíduo, brota do terreno desse passado. São por isso demasiadamente científicos, exuberantemente metafísicos, e não produzem grande coisa.”(2)

Engels acompanha essa, brilhante descrição do socialismo inglês com uma análise do “cartismo” e das modificações que nele se processaram, após os impetuosos e sangrentos sucessos dos anos 1839-1842. Engels esperava que o verdadeiro socialismo surgisse do cartismo.

“Sem dúvida, os ‘cartistas’ são muito atrasados, pouco instruídos; porém, ao menos, são de corpo e alma verdadeiros proletários, representantes do proletariado.”(3)

Mas estas previsões de Engels não se realizaram, conforme ele mesmo reconheceu mais tarde. O socialismo inglês continuou sendo, durante todo o século XIX, tão abstrato e estéril como o socialismo de 1850-1860. Marx, analisando a economia e a luta de classe na Inglaterra, “ocupou-se detidamente do movimento proletário”, que surgiu instintivamente da situação econômica, em ambos os lados do Oceano Atlântico.(4)

As trade-unions constituem uma arma de luta contra os capitalistas, e, por conseguinte, a criação de sindicatos significa, para os trabalhadores, um evidente progresso.

Esta ideia predomina em todo “O Capital”. Assim, por exemplo, ao desenhar um amplo quadro da luta dos proletários pela diminuição da jornada de trabalho, Marx escreve:

“A Constituição, em fins de 1865, de uma trade-union dos trabalhadores agrícolas, primeiramente na Escócia, é um acontecimento histórico.”(5)

Uma prova da grande importância atribuída por Marx às trade-unions, é ter sido ele o iniciador da incorporação das mesmas à I Internacional, fazendo quanto lhe era possível para pôr-se em contacto com as seções locais das trade-unions inglesas.

As seguintes notas extraídas das atas do Conselho Geral testemunham a atitude de numerosas trade-unions, com respeito à I Internacional:

“Em 28 de fevereiro de 1865 foi lida no Conselho Geral uma carta dos operários de ladrilhos, onde expressam seu desejo de aderir à I Internacional. Em 28 de março do mesmo ano, uma delegação do Conselho Geral informa que assistiu à conferência dos sapateiros que se declararam de acordo com os princípios da Associação Internacional de Trabalhadores, e prometeram envidar todos os esforços para difundir entre seus membros, suas ideias magníficas e liberais.”

Em 1.° de abril de 1865 uma delegação é convidada pelos carpinteiros de Chelsey, para explicar-lhes os fins da Associação. Weston apresenta um relatório sobre a delegação junto aos sindicatos dos mineiros. Em 3 de abril de 1866, o Congresso Executivo dos sindicatos de alfaiates ingleses manifesta seus sentimentos cordiais para com a Associação Internacional de Trabalhadores, e promete ingressar nela. Nesta ocasião o Conselho Geral é informado dos desejos dos fiandeiros de Coventry de ingressarem na Internacional. Em 10 de abril do mesmo ano é lida a comunicação de que a sociedade de sapateiros de West-End fez um donativo de uma libra para o Conselho Geral, e propõe-se enviar o companheiro Odger como delegado ao Congresso. Em 1.° de abril é aceito este sindicato. Na mesma data comunica-se que Weston e Young seguiram como delegados à Assembleia do Comitê dos gesseiros. Em 1.° de maio deste ano, Young lê o relatório do seu comparecimento, e de Lafargue, à seção local da sociedade de ladrilheiros. Foram recebidos com grande entusiasmo, obtendo promessas de apoio. Em 15 de maio de 1866, a seção do sindicato unificado dos alfaiates de Darlington é aceita pela Internacional. Em 17 de junho de 1866, é lida a comunicação da sociedade de tanoeiros “Mão à Mão”, impondo a todos os seus membros a quota de um xelim por pessoa, para o financiamento do Congresso de Genebra. Nesta mesma reunião anuncia-se que uma assembleia de trabalhadores carpinteiros, que recebeu a delegação da Internacional, resolveu contribuir com uma libra para as despesas do Congresso. Em 17 de agosto de 1866, a sociedade dos tipógrafos de Londres delibera enviar seu secretário ao Congresso de Genebra. Em troca, a Associação Unificada dos trabalhadores de construção de máquinas nega-se a enviar um delegado ao Congresso e a admitir delegações nas seções locais de sua Associação.(6)

Estas atas são muito valiosas, porque refletem o interesse existente numa parte das trade-unions pela Internacional. No jornal de Johann Phillipe Becker, “Vorbote”, do mês de maio de 1866, lê-se uma nota referente a cinco grandes sindicatos que ingressaram na Internacional (até então só se filiavam a ela sindicatos individuais). Os sindicatos aderentes foram:

O sindicato dos tecedores de cintas de seda, com 10.000 membros; o sindicato de alfaiates, 8.000 membros; o de sapateiros, 9.000 membros; e a seguir, o sindicato de mecânicos e os operários de fabricação de grades. No número de julho, o “Vorbote” informa que a Assembleia dos delegados dos carpinteiros da Inglaterra, reunida em Manchester, sob a presidência de Applegarth, concordou unanimemente em propor aos seus sindicatos locais a adesão à Internacional.

Aderiram também os sindicatos dos canteiros de Londres e Stradford, muitas sociedades pequenas, e, por último, a União unificada dos mecânicos ingleses, possuindo 32.000 membros. O número do “Vorbote” de novembro informa da adesão dos sindicatos dos cesteiros (300 membros), e da União dos Peões, com 28.000 membros.(7)

O relatório do Congresso de Basileia, escrito por Marx, anuncia que o Congresso Geral das Trade-Unions inglesas, recém-reunido em Birmingham, adotou a seguinte resolução:

“Considerando que a Associação Internacional de Trabalhadores se propõe unificar as massas trabalhadoras e defender seus interesses, que em toda a parte são idênticos, o Congresso recomenda aos trabalhadores do Reino Unido, e especialmente às corporações proletárias organizadas, que apoiem esta Associação, e sugere-lhes insistentemente que adiram a ela. O Congresso está convicto, desta vez, de que a realização dos princípios da Internacional, conduzirá à instauração de uma paz sólida entre todos os povos do mundo.”(8)

Não obstante, é necessário notar que grande parte das trade-unions negou-se a aderir à Internacional. Assim, por exemplo, quando o Conselho Geral se dirigiu em 1866, ao Congresso das trade-unions de Londres, convidando-o a aderir à Internacional, e em caso de uma resposta negativa, a admitir em sua assembleia um representante desta, para expor as concepções da Associação Internacional de Trabalhadores, o Congresso das trade-unions respondeu negativamente em ambos os casos. Apesar disso, havia no Conselho Geral da A. I. T. um elevado número de ingleses: Odger, Applegarth, Weston, Lookfort, etc., ocupando Odger a presidência do Conselho.

É interessante assinalar que Sidney e Beatriz Webb, historiadores do trade-unionismo inglês, não dedicaram nos dois tomos de sua obra “Teoria e Prática do trade-unionismo Inglês”, uma só página à posição das trade-unions em relação à Internacional, e em sua história do trade-unionismo dedicaram a este problema somente uma nota de rodapé de página.(9)

Sem dúvida, o descaso acima apontado tem uma importância semelhante aos estatutos de qualquer união, ou à opinião dos economistas ou dos párocos ingleses sobre o mal que causa o trade-unionismo, e o caráter antirreligioso das greves. Porém, estes historiadores “objetivos”, que exumaram os estatutos! de todas as uniões e os regulamentos de aprendizagem de vários séculos, que retiraram dos arquivos dos sindicatos os materiais mais insignificantes, passaram por alto sobre a I Internacional, que tem sua sede em Londres, de 1864 a 1872. Semelhantes cegueiras científicas revestem um caráter político demasiado visível. Os historiadores fabianos do trade-unionismo acreditavam, evidentemente, que essa atitude desdenhosa para com Marx e a Associação Internacional dos Trabalhadores diminuiria os méritos de ambos. Equivocaram-se, porém. Sua maneira de agir prova mais uma vez que Marx e a Internacional inspiram verdadeiros terrores aos intelectuais socializantes.

Engels acompanhou durante longos anos o desenvolvimento das ideias socialistas e semi-socialistas na Inglaterra. Em sua carta a Sorge, 18 de janeiro de 1893, lemos a seguinte brilhante definição do socialismo fabiano:

“Aqui em Londres, os fabianos são um bando de ‘batoteiros’ que têm, apesar de tudo, bastante bom senso para compreender que a revolução social é inevitável; mas como não querem confiar este gigantesco trabalho unicamente ao ‘grosseiro’ proletariado, manifestam o ‘benévolo’ desejo de colocar-se na sua vanguarda. O temor à revolução é seu princípio fundamental. São ‘intelectuais’ por excelência. Seu socialismo é um socialismo municipal; é o município e não toda a nação que deve ser, pelo menos no começo, o dono de todos os meios de produção. Apresentam seu socialismo como a consequência extrema, porém inevitável, do liberalismo burguês. Daí a sua tática: — Não combater energicamente, como a inimigos, os liberais, mas conduzi-los a conclusões socialistas, isto é, enganá-los para impregnar o liberalismo de socialismo; não opor candidatos socialistas aos liberais, mas sim fazê-los aceitar com mil manobras... Mas não compreendem que, entregando-se a este jogo, serão eles os enganados, ou, por outra forma, ludibriarão o socialismo que ostentam.

Os fabianos editaram, ao lado de suas velharias, algumas boas obras de propaganda, que, aliás, são o que de melhor os ingleses produziram neste terreno. Mas só patenteiam a sua tática específica, isto é, dissimular a luta de classes, quando a situação se agrava. Daí seu ódio a Marx e a todos nós.”(10)

Esta crítica mordaz aos fabianos explica-nos também a “imparcialidade” científica dos historiadores do movimento proletário inglês. Se o “temor à revolução” é seu princípio fundamental, não é de admirar que os fabianos odiassem Marx, que foi um incansável batalhador pela revolução proletária. Não foi em vão que a imprensa burguesa crismara-o de “Red Terror Doctor”, o doutor do terror vermelho...”

O Conselho Geral da I Internacional compunha-se de elementos extraordinariamente heterogêneos. Esta era a causa constante da luta desenvolvida em seu seio, sobre os problemas fundamentais econômicos e políticos do movimento proletário. A este respeito, é muito interessante a discussão que se travou no Conselho Geral entre Marx e Weston, sobre a questão do salário, preço e lucros.

Em princípios de novembro de 1864, Marx escreve a Engels:

“Ademais, um velho “owenista”, Weston, homem amável e simpático, atualmente fabricante, apresentou um programa extraordinariamente extenso e terrivelmente confuso.”(11)

Este homem “amável e simpático” ara um grande confusionista, e o Conselho Geral resolveu organizar debates sobre a questão em litígio. Em 20 de maio de 1865, Marx escreve a Engels:

“Hoje à tarde, Assembleia Extraordinária da Internacional. Um velho companheiro, antigo owenista, Weston (carpinteiro), apresentou duas teses, que defendeu incansavelmente:

1) Uma alta geral dos salários não pode favorecer em absoluto aos operários.

2) consequentemente, as trade-unions são prejudiciais.

Se estas duas teses, nas quais ele é o único a crer, fossem aceitas, provocariam um escândalo enorme, tanto junto às trade-unions locais, como também em relação à epidemia de greves que reina atualmente no continente. Durante a discussão (já que nesta Assembleia serão admitidas pessoas não pertencentes ao Conselho Geral) Weston terá o apoio de um inglês que escreveu um folheto no mesmo sentido. O público espera, naturalmente, uma refutação de minha parte. Conheço de antemão, é verdade, os dois pontos fundamentais da discussão:

1 — O salário determina o valor das mercadorias.

2 — Se os capitalistas pagam hoje 5 xelins em lugar de 4, terão que vender suas mercadorias amanhã (devido às exigências crescentes) por 5 xelins em vez de 4.”(12)

A discussão entre Marx e Weston repercutiu deste modo nas atas do Conselho Geral:

“Em 30 de maio de 1865, Weston pronunciou seu discurso sobre os salários. Intervém Marx, formulando concepções contrárias às de Weston. Em 24 de junho de 1865, Marx lê uma parte de suas dissertações sobre os salários, refutando as de Weston. Em 27 de junho, Marx lê o final de sua dissertação sobre os salários. Em 4 de julho, prosseguiram as discussões acerca das posições de Weston e Marx.”(13)

Infelizmente, os debates não chegaram até nós. Não obstante, conhecemos o que Marx proferiu neste assunto. Sua dissertação no Conselho Geral sobre “Salário, preço e beneficio” é uma exposição da parte correspondente ao 1 tomo do “Capital”. Marx expõe aqui, nos dois pontos abaixo, a opinião de Weston:

“A massa da produção nacional é qualquer coisa fixa, uma quantidade ou magnitude constante, como diriam os matemáticos.

2 — O importe dos salários reais, isto é, os salários medidos pela quantidade de objetos de consumo, que com eles se pode adquirir, é uma soma fixa, uma magnitude também constante.”(14)

Esta anêmica teoria provocou grosseiras conclusões políticas. Se as oscilações do salário, em sentido descendente ou ascendente, jamais influíram no nível de vida do proletário, para que então desbaratar forças e dinheiro na organização de sindicatos, no desdobramento das greves, etc.? Encontramo-nos assim de novo ante a “Lei de bronze” de Lassalle, com a roupagem científica da economia política burguesa da Inglaterra.

“As ideias aqui expostas pelo companheiro Weston, podiam ser introduzidas numa casca de noz” — disse Marx, ao começar o seu discurso. E efetivamente, à medida que Marx analisa a teoria de Weston, fica demonstrado que a própria casca de noz estava vazia. Ao analisar os sofismas da economia política burguesa, defendida pelo “bom e amável” Weston, Marx chega às seguintes conclusões teóricas e políticas:

“1 — Uma elevação geral da taxa de salários produzirá uma redução do benefício geral, mas não afetará, em seu conjunto, os preços das mercadorias.

2 — A tendência geral da produção capitalista não é para elevar, mas sim reduzir o salário normal médio.

3 — Os sindicatos demonstram sua eficiência como centros de resistência contra os ataques do capital, mas provam ser em parte ineficazes, devido ao mau emprego de sua força. Em geral tomam um caminho errado, porque se limitam a uma guerra de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em vez de trabalhar ao mesmo tempo para sua transformação, usando da força organizada como dura alavanca, para a libertação definitiva da classe proletária, o que equivale dizer, para a abolição definitiva do sistema de salariato.”(15)

Esta resposta de Marx dispensa hoje, cinquenta anos depois de sua morte, comentários especiais, porque suas ideias tornaram-se patrimônio de milhões de homens. Mas é preciso considerar o estado de ânimo de Marx, quando se viu obrigado, na direção da Internacional, a sustentar discussão sobre um problema, que devia estar bem definido para os dirigentes do movimento proletário. Se ele deu a Weston uma resposta tão científica e tão serenamente fundamentada, foi precisamente porque reinava em torno deste problema uma série de vacilações, confusões e teorias manifestamente errôneas, em todos os países.

Uma grande parte das trade-unions inglesas desinteressava-se dessas questões, e julgava a I Internacional como uma organização destituída de toda força moral. Marx e Engels compreenderam que os líderes dos sindicatos e do movimento cartista fraquejavam, sob o ponto de vista político, e provaram que a burguesia conseguiu dominar os sindicatos, convertendo-os em apêndices dos partidos burgueses. Advém daí sua apreciação tão rude sobre os dirigentes do movimento dos trabalhadores ingleses. Como um dos dirigentes do movimento cartista começasse a pregar a colaboração dos proletários, com a burguesia, escreve Marx a Engels, em 2 de novembro de 1857:

“Jones representa, neste caso, um papel indigno. Sabes que muito antes da crise, e sem outra intenção que a de ter um pretexto para agitar aquele período de calma, Jones havia convocado uma conferência cartista, à qual também deviam ser convidados os radicais burgueses. Mas, presentemente, em lugar de aproveitar a crise, e substituir um pretexto mal escolhido por uma verdadeira agitação, mantém com perseverança seu intuito absurdo e indigno, perante os proletários, pregando a colaboração com a burguesia.”

A “evolução” de Jones preocupava Marx e Engels. Em 8 de outubro de 1858, o segundo escrevia ao primeiro:

“A história de Jones é repugnante. Depois do que fez, é capaz de ser tentado a crer que o movimento proletário inglês, em sua tradicional forma cartista, deve desaparecer completamente antes de desdobrar-se em uma nova forma viável. Parece-me que o novo passo de Jones, ligado com os anteriores, no mesmo sentido, relaciona- -se, na realidade, com o fato de que o proletariado inglês aburguesa-se cada vez mais, de modo que esta nação, a mais burguesa de todas, parece querer chegar a ter ao lado da burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado aburguesado. Para uma nação que explora o mundo inteiro, isto se justifica até certo ponto.”(16)

Já nesta carta, Engels esboça a questão da ação exercida pela burguesia sobre o proletariado, e as causas do aburguesamento dos proletários ingleses. Marx e Engels tornam frequentemente a esta questão. Em 11 de fevereiro de 1878, Marx escreve a Liebknecht:

“Devido ao período de corrupção iniciado a partir de 1848, a classe proletária inglesa foi-se desmoralizando cada vez mais, e chegou por fim ao estado de simples apêndice do grande partido liberal, isto é, do partido de seus próprios opressores capitalistas. Sua direção passou inteiramente às mãos dos chefes venais das trade-unions e dos agitadores profissionais.”(17)

Deste modo, Marx indica o momento preciso em que começa o refluxo do espírito revolucionário nos sindicatos e no movimento proletário inglês. Este momento coincide com o declínio do movimento cartista. Uma série de trade-unions adotara uma atitude de simpatia pela criação da I Internacional; porém, outras a consideraram, desde o primeiro momento, como uma possibilidade de obter determinado auxílio em caso de greve. Em 25 de fevereiro de 1865 Marx escreve a Engels:

“No que respeita às uniões de Londres, diariamente aparece uma nova adesão. Assim é que, pouco a pouco, nos convertemos em uma força. Mas daí surge a dificuldade.” (“Correspondência”).

A dificuldade consiste em que certas adesões não significam, de modo algum, que as trade-unions aceitaram integralmente o ponto de vista da I Internacional.

Marx tinha na devida conta, e atribuía grande importância à adesão das trade-unions à Associação Internacional de Trabalhadores. Em 15 de janeiro de 1866, escreve a Kugelmann:

“Conseguimos atrair ao movimento a única e verdadeiramente grande organização proletária: as trade-unions inglesas, que se ocupavam antes exclusivamente de questões de salários.”(18)

Mas Marx compreendia que as trade-unions estavam longe de haver pronunciado a última palavra, e que os choques com os seus chefes eram inevitáveis. Como entre elas se difundira a notícia de que a Associação Internacional de Trabalhadores poderia auxiliá-los, durante as greves, chefes que nada tinham de comum com o socialismo começaram a invadir a Internacional. Em 11 de setembro de 1867, Marx escreve a Engels:

“Os pássaros ingleses das trade-unions, para os quais voávamos ‘demasiado longe’, chegam correndo a nós.”

Corriam à Internacional por uma razão muito simples: interessava-lhes somente o auxílio que podiam receber. A seguinte carta a Kugelmann é suficiente para demonstrar a ideia de Marx, a respeito dos chefes das trade-unions:

“Na Inglaterra só progride atualmente o movimento dos trabalhadores agrícolas. Os operários industriais têm que se livrar, antes de mais nada, de seus dirigentes atuais. Quando eu ataquei estes indivíduos no Congresso de Haia, sabia que atraía a impopularidade, as calúnias, etc.... Mas isto sempre me deixou indiferente. Aqui e acolá já começam a se convencer de que cumpri meu dever, quando os denunciei.”(19)

Qual era a causa dessa situação das trade-unions inglesas? Onde a raiz da formação de quadros consideráveis de trabalhadores aburguesados na Inglaterra? Nas obras de Engels, encontramos páginas brilhantes, consagradas a definir o movimento proletário inglês. Em 17 de janeiro de 1879, Engels escreve a Berenstein:

“Desde os últimos anos, o movimento proletário inglês gira em torno do círculo vicioso das greves, pelo aumento dos salários e pela diminuição da jornada de trabalho, não as encarando como um meio provisório, de propaganda e ação, mas sim como objetivo final. As trade-unions excluem estatutariamente, e por princípio, toda ação política, e, por conseguinte, excluem a participação, em todas as atividades gerais, da classe proletária, como classe. Sob seu ponto de vista político, a classe opressora divide-se em conservadores e liberais radicais, em partidários do ministro de Disraeli (Beaconsfield) e do ministro Gladstone. Consequentemente, só se pode falar do movimento proletário na Inglaterra, à medida que se reproduzem greves, as quais vitoriosas ou não, não fazem avançar o movimento proletário um passo sequer. Estas greves provocadas conscientemente, nestes últimos anos de paralisação de negócios, por capitalistas, que procuravam pretexto para fechar suas fábricas, greves que crescem até atingir as dimensões de um movimento histórico mundial... em meu modo de ver, não fazem mais do que prejudicar a nossa classe. Ninguém deve dissimular a circunstância de não existir no momento aqui um genuíno movimento proletário, no verdadeiro sentido da palavra.”(20)

Engels volta novamente a esta questão. Respondendo à pergunta de Kautski sobre o que pensam os proletários ingleses da política continental, ele afirma em carta de 12 de setembro de 1882:

“Pensam sobre isto o mesmo que pensam sobre a política em geral, e seu pensamento coincide com o da burguesia. É que aqui não existe um partido proletário, ‘não há mais do que um partido conservador e um partido liberal radical’ . Aliás, os trabalhadores também participam, em escala sensível, do monopólio da Inglaterra sobre o mercado mundial e as colônias.”(21)

As causas que conduziram a Inglaterra a esta situação, não podiam ser eternas. A situação excepcional ocupada pela Inglaterra no mercado mundial tinha que chegar ao fim. Engels afirma que a evolução política do movimento proletário na Inglaterra, depende desta perder primeiramente sua situação monopolista no mercado mundial. Em sua carta de 30 de agosto de 1883, escreve a Bebel:

“Aqui não surgirá nenhum autêntico movimento proletário — salvo imprevisto — enquanto os proletários não sentirem que o monopólio mundial inglês está fracassado. A participação no domínio inglês sobre o mercado mundial, foi e continua sendo a base econômica da insignificância política dos trabalhadores ingleses. Arrastando-se atrás da burguesia, e participando sempre das vantagens da exploração econômica deste monopólio, os proletários, como é natural, seguem politicamente o ‘grande partido liberal’. Este, por sua vez, atira-lhes algumas migalhas, reconhece seu direito sindical e grevista, renuncia à luta pela jornada ilimitada de trabalho, e concede o sufrágio universal aos trabalhadores melhor pagos.

Mas quando os Estados Unidos, e a concorrência unificadas dos demais países industriais, abrirem uma brecha neste monopólio (no que respeita ao ferro está muito próximo, e no concernente ao algodão, ainda não) vereis o que se passará por aqui.”(22)

Engels previu justamente o início da modificação do movimento proletário na Inglaterra, mas não podia prever a profunda raiz que o monopólio plantou nas massas, nem o tributo elevado e prolongado que a classe proletária inglesa teria de pagar pela situação privilegiada que desfrutou no mercado mundial, durante muitas décadas. Os chefes das trade-unions foram, e continuam sendo, apêndices dos partidos burgueses, e acabaram por se transformar nos mais terríveis inimigos do crescente movimento proletário revolucionário. Em sua carta de 8 de dezembro de 1832, Engels comunica a Marx um fato eloquente:

“Quando no meeting dos possibilistas, os franceses começaram a cantar a Marselhesa, em honra da delegação das trade-unions, o respeitável Spiton e seus correligionários, que deviam corresponder dignamente, começaram a entoar uníssonos o ‘God Save the King’, ‘deus salve o rei’”...(23)

Nada de extraordinário, pois, no ódio de Marx e Engels aos chefes das trade-unions, que afastavam cada vez mais estas organizações de sua missão histórica. Aquele que deseja conhecer as causas do atraso do atual movimento sindical da Inglaterra, compreendê-las, e aprender os métodos para combatê-las, deve estudar com a maior atenção o que os fundadores do marxismo escreveram sobre o aburguesamento do proletariado inglês, sobre os primeiros passos e desenvolvimento das trade-unions.


Notas de rodapé:

(1) MARX e ENGELS: T. III. pág. 501. (retornar ao texto)

(2) MARX e ENGELS: T. III. (retornar ao texto)

(3) MARX E ENGELS: T. III. (retornar ao texto)

(4) “O Capital”, T. I. (retornar ao texto)

(5) “O Capital”, T. I. (retornar ao texto)

(6) Gustavo Jaeck: — “A Internacional”. (retornar ao texto)

(7) Gustavo Jaeck: — “A Internacional”. (retornar ao texto)

(8) Atas Conselho Geral. Arquivo do Instituto Marx-Engels-Lenine. Moscou. (retornar ao texto)

(9) Sidney e Beatriz Webb: - História das Trade-Uninons. (retornar ao texto)

(10) "Cartas a F. Sorge". (retornar ao texto)

(11) K. MARX e F. ENGELS: “Cartas”. (retornar ao texto)

(12) K. MARX e F. ENGELS: — “Correspondência”. (retornar ao texto)

(13) K. MARX e F. ENGELS — “Correspondência”. (retornar ao texto)

(14) K. MARX: ‘‘Salário, preço e benefício”. Manuais Elementares de Comunismo. (retornar ao texto)

(15) “Salário, preço e benefício”. (retornar ao texto)

(16) K. MARX e F. ENGELS: “Correspondência” (retornar ao texto)

(17) Arquivo I (VI) pág. 383. (retornar ao texto)

(18) Marx e Kugelmann: Correspondência. (retornar ao texto)

(19) K. MARX e F. ENGELS: Correspondência. (retornar ao texto)

(20) Arquivo Marx-Engels: I-VI. pág. I 136. Instituto Marx-Engels-Lenine. (retornar ao texto)

(21) Arquivo, I, p. 203. (retornar ao texto)

(22) Arquivo I-VI p. 235. (retornar ao texto)

(23) K. MARX e F. ENGELS: t. XXVI pág. 559. (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2019