Marx e os Sindicatos
O Marxismo Revolucionário e o Movimento Sindical

A. Losovski


Capítulo V - Marx e o Movimento Proletário Francês


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É notório que uma das fontes do marxismo é o socialismo francês. Que terá Marx tomado do socialismo francês e que lhe deu ele?

Marx ocupou-se detidamente das revoluções francesas, a começar pela grande revolução de 1789. E persistiu, acompanhando as greves, insurreições, combates de massas do proletariado francês e o reflexo que a luta de classes, e de todos os movimentos das massas operárias e camponesas, teve sobre os sistemas socialistas (socialistas utópicos, comunistas, utopistas, blanquistas, mutualistas, possibilistas, marxistas, etc.). já na introdução das Revelações sobre o processo dos comunistas de Colônia, Engels escreve que, ele e Marx, quando dirigiam a “Liga dos Comunistas”, inspiravam-se nos exemplos de Marat. Este revolucionário burguês, o mais coerente de todos, atraía Marx e Engels pela expressão de sua vontade férrea, por sua intransigência e intrepidez revolucionárias. Desse modo formavam-se os revolucionários proletários, aproveitando a experiência dos melhores revolucionários burgueses.

Ao estudar os revolucionários burgueses de França, Marx demonstrou em suas obras, com a energia que o caracteriza, como a burguesia faz dos trabalhadores, carne de canhão, e como, depois da revolução atira contra a classe proletária todas as forças, quer do antigo, quer do novo Poder do Estado. Marx vislumbrou logo o caráter utópico do programa de Babeuf, Saint-Simon, Charles Fourier e Cabet, porém, apreciava-os muito como precursores do socialismo científico. Sabia distinguir entre o sincero socialismo utópico e a politiquice socialista pequeno-burguesa de Luís Blanc e companhia. Marx criou o socialismo científico, mediante a negação dialética do socialismo utópico, e a elaboração viva da história e da obra revolucionária das massas trabalhadoras de França. A experiência revolucionária das massas é precisamente a fonte fundamental e principal do marxismo.

A conspiração dos “Iguais” foi a resposta das massas desiludidas da Grande Revolução, devido ao triunfo da reação termidoriana. Os “babeufistas” como é sabido, expuseram suas concepções em quatro documentos:

  1. Manifesto dos Iguais;
  2. Análise da doutrina;
  3. O ato de insurreição;
  4. Os decretos.

Os “babeufistas” propunham-se organizar a revolução dos pobres contra os ricos, e ao compenetrarem-se de que todo mal residia na propriedade, lutaram pelo estabelecimento da igualdade econômica. O Manifesto dos Iguais proclama que “a Revolução Francesa é somente a precursora de outra revolução maior, mais imponente, que será a última”.

Para o seu tempo, o programa dos “babeufistas” representa um formidável salto à frente. Mas embora Babeuf e os “babeufistas” não possuíssem a força social capaz de pôr em prática o seu programa, (e nisto consistia o seu utopismo), este programa comunista foi o reflexo das modificações profundas, que se produziram no seio das grandes massas, às quais, tantos anos de agitação revolucionária, nada haviam dado.

A repressão da conspiração dos Iguais, e a vitória de Napoleão sobre o inimigo externo e interno, provocou certa depressão nas massas. As ideias socialistas começam a aparecer sob forma de teorias semirreligiosas e semi-socialistas. O aristocrata Saint-Simon e o desqualificado Charles Fourier surgem com os seus planos de remodelação da sociedade. A parte positiva destas ideologias consiste, não nos planos de um futuro feliz, mas na crítica do presente, e no cuidado em apontar o antagonismo entre os que possuem os que nada possuem. Porém, por mais distintas que fossem suas origens e seus planos, ambos dirigiram-se “a pessoas de coração”, esperançosos de atrair os capitalistas progressistas, e transformar pacificamente a humanidade transviada do caminho da razão.

Como Saint-Simon nem Fourier possuíam a força social necessária para concretizar seus sonhos, dirigiam-se às forças do além, à religião, que ocupa papel saliente em suas doutrinas.

Os seus discípulos desenvolveram, no entanto, mais amplamente, a parte mística e doutrinária destes grandes utopistas. Bazard, Enfantin, Victor Considerant, Pierre Leroux, etc., cujas tentativas limitavam-se a desenvolver, dentro das novas condições, a parte mística-utópica da doutrina utopista.

Por isso foram atacados vigorosamente no “Manifesto Comunista”. Após assinalarem que a obra de Babeuf exprime as reivindicações proletárias, Marx e Engels escrevem sobre os utopistas:

“Os inventores deste sistema compenetram-se do antagonismo das classes, assim como da ação dos elementos dissolventes, na mesma sociedade dominante. Não reconheceu, porém, no proletariado, nenhuma independência histórica, nenhum movimento histórico que lhe seja próprio.

Como o desenvolvimento do antagonismo das classes acompanha, passo a passo, o desenvolvimento da indústria, não pressentem de antemão as condições materiais da emancipação do proletariado, e aventuram-se em busca de uma ciência social, de leis sociais, com o fim de criar essas condições.

Mas a forma rudimentar da luta de classes, assim como sua própria posição social, leva-os a considerarem-se muito acima de todo antagonismo de classes. Desejam melhorar as condições materiais da vida para todos os membros da sociedade, mesmo para os mais privilegiados. Consequentemente, não cessam de apelar para a sociedade inteira, sem distinção, e mesmo assim dirigem-se de preferência à classe dominante.

Repudiam, pois, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucionária. Mas propõem-se alcançar seu objetivo por meios pacíficos, ensaiando abrir caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, pelas experiências em “pequeno grau”, que, naturalmente, sempre fracassam.”(1)

Muito interessante é a precisão de Engels sobre os utopistas franceses, em seu famoso livro “Anti-Dühring”. Depois de destacar o atraso das relações econômicas na França, nos primórdios do século XIX, Engels escreve:

“Saint-Simon destaca com maior frequência o seguinte: — Sempre, e em toda parte, interessa-lhe antes de mais nada ‘o destino da classe mais numerosa e mais pobre’...

Já nas cartas de Genebra, de Saint-Simon, encontramos a afirmação de que “todos os homens devem trabalhar”. Na mesma obra afirma que o reino do Terror na França, foi o reino das classes despojadas.

Pois bem, em 1802 era uma descoberta absolutamente genial conceber a Revolução francesa como uma luta de classes, entre a nobreza, a burguesia e as massas despojadas.

Em Fourier, encontramos uma crítica do regime social existente, que além de ser de espírito profundamente francês, não é menos penetrante e profunda.”(2)

O que acima está dito, mostra as razões da estima de Marx e Engels pelos utopistas. O que lhes importava era o fato deles terem lançado ao mundo palavras até então inéditas sobre os interesses dos despojados, reconhecendo as contradições de classes, etc.... Outra atitude, porém, foi assumida por Marx e Engels em face dos discípulos dos utopistas, que fizeram retrogradar o movimento, procurando paralisá-lo na etapa já franqueada.

No “Manifesto Comunista”, lemos, a respeito destes, o seguinte:

“Se em muitos casos os autores destes sistemas eram revolucionários, o mesmo não acontece com as seitas formadas por seus discípulos, que são reacionários, pois seus sequazes obstinam-se em opor as velhas concepções de seus mestres à evolução histórica do proletariado. Procuram, pois, e nisto estão lógicos, entorpecer a luta de classes e conciliar os antagonismos...

Pouco a pouco, caem na categoria dos socialistas reacionários ou conservadores, descritos mais acima, e só se fazem notar por um pedantismo sistemático e uma fé supersticiosa e fanática na eficácia de sua ciência social.

Opõem-se, com disposição, a qualquer ação política da classe proletária, pois semelhante ação só pode proceder, a seu juízo, da cega falta de fé no novo evangelho.”

O comunista-utopista Etienne Cabet também se parecia pouco com o seu antecessor Babeuf. Se este preparava a insurreição, e pretendia levantar as massas contra os que exploravam a revolução para se enriquecerem, Etienne Cabet sonhava com a instauração pacífica da sociedade comunista. Sua “Viagem à Icária” termina com as seguintes palavras:

“Se tivesse a revolução em minha mão, eu a manteria cerrada, mesmo que tivesse de morrer no desterro.”

Aí, o medo da revolução provém das decepções causadas pelas revoluções anteriores, que terminaram todas desfavoravelmente para a classe proletária. Que relação, pois, têm todos estes pensadores da primeira metade do século XIX, com Marx e o marxismo? Alguns escritores pensam que o marxismo é a súmula das ideias de Saint-Simon, Fourier e seus discípulos. A esta conclusão chega o socialista francês Paul Louis, que escreveu o seguinte:

“Louis Blanc e Vidal indicaram a necessidade de recorrer ao poder do Estado, e patrocinaram o princípio da conquista do poder público, como condição prévia indispensável a qualquer revolução. Pecquer e Cabet foram os primeiros a nos dar uma exposição detalhada do coletivismo e do comunismo. Finalmente, Proudhon expôs com relevo as contradições de classe, mostrou os defeitos da propriedade privada, a constante exploração do operário assalariado pelos capitalistas, descobriu as contradições internas do regime econômico, que gera tanto mais infelizes quantas riquezas produz. Se reunirmos tudo isto num só quadro, obteremos a expressão quase completa do marxismo.”(3)

Somente um eclético típico, um homem que procurava contemporizar sua permanência no Partido Comunista, colaborando na imprensa amarela, pode chegar à conclusão de que o resumo das concepções de Louis Blanc, Vidal, Pecquer, Cabet e Proudhon, é quase marxismo.

Paul Louis nivela tudo, a ponto de afirmar que todos estes pensamentos estavam impregnados de idealismo, embora não tivessem chegado ao materialismo histórico. Isto, aliás, não lhe parece importante, porque o “materialismo histórico não forma um todo único, ligado a todas as leis da teoria marxista”.

Pode-se afirmar que o resumo das concepções dos socialistas utópicos, comunistas utópicos e socialistas pequeno-burgueses, como Proudhon e Louis Blanc, forma um “quase marxismo”? De modo algum! Isto seria um “teste” flagrante de ignorância da distinção entre o marxismo e as teorias francesas daquela época. É certo que Marx organizou criticamente tudo o que fora criado no domínio das ideias socialistas na França. Portanto, que trouxe ele de novo?

  1. Marx demonstrou ser o proletariado a única força capaz de lutar vitoriosamente pelo socialismo.
  2. Traçou um limite político, nitidamente marcado, entre o proletariado e as demais classes.
  3. Considerou a revolução violenta e a instauração da ditadura do proletariado como único caminho possível, que conduz ao socialismo.

De todos os socialistas que começaram a sua ação na primeira metade do século XIX, um só era considerado por Marx como revolucionário proletário: Augusto Blanqui. Este sentiu profundo ódio contra os opressores. Estava longe, porém, de compreender o socialismo científico, e construía seus planos baseando-se, não nas ações das massas, e sim nas de um pequeno grupo conspirador. Marx, porém, considerava Blanqui como o maior revolucionário depois de Babeuf, chamando-o chefe do partido proletário.

Marx via a dinâmica interna das relações de classe nas revoluções francesas:

“Nas jornadas de julho de 1830 — escreve Marx — os proletários conquistaram a monar quia burguesa. Nas jornadas de fevereiro de 1848, conquistaram a república burguesa. Assim como em julho a monarquia foi obrigada a proclamar-se monarquia, cercada de instituições republicanas, a república de fevereiro viu-se forçada a proclamar-se república, cercada de instituições sociais.

O proletariado de Paris conseguiu igualmente esta concessão.”(4)

Os trabalhadores, porém, haviam recebido uma satisfação puramente formal.

“Em 23 de fevereiro, cerca de meio-dia — relata Daniel Stern — grande número de corporações, compreendendo cerca de 12.000 pessoas, saiu à praça de Greve e alinhou-se em forma, sob um profundo silêncio. Seus estandartes levavam estas inscrições: — “Organização do Trabalho”, “Ministério do Trabalho”, “Abolição da exploração do homem pelo homem.”(5)

As duas primeiras reivindicações dos proletários, formuladas por socialistas tipo Louis Blanc, provocaram a seguinte observação irônica de Marx:

“A organização do trabalho! Mas o trabalho assalariado é apenas a organização burguesa do trabalho. Sem ele não há capital, nem burguesia, nem sociedade burguesa. Ministério do Trabalho especial? Por acaso o Ministério das Finanças, do Comércio, de Obras Públicas, não são o ministério burguês do trabalho?

O governo provisório manobrou habilmente. Respondeu a todas as reclamações dos trabalhadores, com a nomeação da Comissão de Luxemburgo, onde Louis Blanc e Albert foram pródigos em longos discursos sobre o futuro, distraindo a atenção dos proletários, do presente. Na Comissão de Luxemburgo, Marx vê as reivindicações elementares dos trabalhadores e o reflexo da luta de classes.

“O direito ao trabalho é a fórmula ainda primitiva das reivindicações revolucionárias do proletariado.”(6)

“À Comissão de Luxemburgo cabe o mérito de haver proclamado, do alto de uma tribuna europeia, o segredo da revolução do século XIX: a emancipação do proletariado.”(7)

O proletariado de Paris foi derrotado nas jornadas de junho, por não estar ainda, sob o ponto de vista político e de organização, à altura de suas tarefas históricas. Após haver analisado brilhantemente a disposição das forças de classe na revolução de 1848, escreve Marx:

“Quando uma classe, onde se concentram os interesses revolucionários da sociedade, subleva-se, encontra diretamente em sua situação o conteúdo e o material para a sua atividade revolucionária: aniquila o inimigo, toma as medidas ditadas pela luta, enquanto as consequências de suas próprias ações impelem-na para a frente. Uma classe tal não se ocupa de investigações teóricas sobre suas próprias tarefas. A classe proletária da França não se encontrava em semelhante situação, e por isso ainda não estava apta para realizar a revolução.”(8)

Para que a classe proletária, porém, faça uma revolução para si, é preciso um determinado nível político e de organização, como também uma distribuição especial das forças de classe.

“Os proletários franceses estavam impossibilitados de avançar um só passo, não podiam tocar, sequer, em um só cabelo do regime burguês, enquanto a marcha da revolução não erguesse contra este regime, contra o domínio do capital, a massa que se achava entre o proletariado e a burguesia — os camponeses e pequenos-burgueses — obrigando-os a aderir ao operariado e a reconhecer nele seu lutador de vanguarda. Somente com o preço da terrível derrota de junho, os operários conseguiram obter a vitória.”(9)

É essa disposição particular das forças de classe, que tem determinado o caráter dos sistemas socialistas. Daí o socialismo burguês e pequeno-burguês; daí o “socialismo doutrinário”, que foi a expressão teórica do proletariado, até o momento em que este amadureceu bastante para possuir um movimento histórico independente. (Marx). Desde o momento em que este socialismo doutrinário transfere-se do proletariado para a pequena-burguesia,

“o proletariado passa a agrupar-se cada vez mais, em torno do socialismo revolucionário, do comunismo, que esta mesma burguesia batizou com o nome de Blanquismo. Este socialismo é apenas a revolução permanente, a ditadura de classe do proletariado, etapa indispensável para a abolição de todas as diferenças de classe, para a abolição das relações de produção, sobre as quais descansam estas diferenças, para a abolição de todas as relações sociais correspondentes às relações de produção, e para a subversão de todas as ideias que delas surgem.”(10)

Foi desse modo que Marx apresentou, já em 1848, a questão das correntes socialistas e da sua situação na luta do proletariado francês, assim como as causas da derrota de junho. Muito mais tarde, no ano de 1890, Engels, na introdução ao “Manifesto Comunista” observou que antes já da revolução de 1848, acentuava-se profunda separação entre socialistas e comunistas:

“Em compensação, a parte dos proletários, que convencida da ineficácia dos simples transtornos políticos, batia-se por uma transformação fundamental da sociedade, era chamada então comunista. Era um comunismo apenas elaborado, muito instintivo, às vezes um pouco grosseiro, mas assaz pujante para produzir dois sistemas de comunismo: — na França, a Icária, de Cabet, e na Alemanha, o de Weitling. O socialismo representava, em 1847, um movimento burguês, o comunismo, um movimento proletário.”(11)

O esmagamento da ação de Paris, em 1848, foi o ponto de partida para um largo período de reação, não só na França, mas em todo o continente europeu. A derrocada política fez surgir a reação ideológica, donde se inicia o êxito de renúncia à luta política e da volta ao mutualismo. Em que consiste o mutualismo político de Proudhon? Na substituição da luta de classe por “serviços mútuos”, precisamente o que a burguesia queria obter da classe proletária na França, “desmoralizada” por várias revoluções.

Após a repressão sangrenta de junho, o movimento proletário da França reergueu-se com dificuldade. A esperança de uma solução ao problema social no mutualismo, nos bancos proletários e na organização de colônias comunistas nos Estados Unidos, desenvolveu-se paralelamente ao recrudescimento da luta econômica pelas reivindicações e necessidades imediatas dos operários. O início da sétima década, marca uma ascensão. O governo de Napoleão II tenta aplicar a demagogia, embora sem abandonar a repressão. O governo estimula a participação dos representantes operários nas exposições internacionais, e esforça-se por controlar a grande variedade de tipos de organizações proletárias (sindicatos, sociedades de auxílio mútuo, sociedades operárias de resistência), que, apesar de todo o seu programa político primitivo, e da debilidade de organização, constituíam centros de reunião das forças da classe proletária.

Em 1862, dois candidatos proletários participam das eleições; em 1864, aparece o manifesto-plataforma eleitoral, assinado por sessenta operários, representantes de diversas organizações de classe. O governo acompanha estas manobras, concordando em cobrir despesas de viagem de 200 operários à exposição internacional de Londres. O Estado começa a facilitar subsídios às sociedades de auxílio mútuo, e finalmente a lei de 25 de maio de 1864 dá aos trabalhadores o direito de coalisão. Aliás, isto não era mais que uma concessão pró-forma, pois continuaram as perseguições aos grevistas. Até 1864 havia anualmente cerca de 70 processos de grevistas, e, após a promulgação da lei “sobre a liberdade de greve”, havia outros 51 processos anuais por “infração à liberdade de trabalho”.(12)

A viagem à Inglaterra, em 1862, produzia forte impressão nos delegados, e seus relatórios representaram grande papel político e organizador. O que, sobretudo, teve excepcional importância, foi o intercâmbio de saudações entre os operários franceses e ingleses, motivado por esta viagem. Iniciavam-se assim, de modo real, as relações internacionais entre os trabalhadores. Se, em 1862, teve lugar o primeiro contacto, a viagem de 1864 foi o ponto de partida para a fundação da Associação Internacional de Trabalhadores, que muito concorreu para a difusão das ideias de Marx e Engels, servindo de orientadora, durante 9 anos, (1864 e 1872), das massas trabalhadoras da Europa e América, e de espantalho da burguesia internacional.

Como já me referi, Marx foi a alma da I Internacional. Apreciava melhor que ninguém o nível teórico e prático das seções nacionais, especialmente da seção francesa. Porém, a Internacional foi criada especialmente para elevar o nível de seus integrantes. Os operários franceses trouxeram à Internacional suas riquíssimas tradições revolucionárias, mas, ao mesmo tempo, fizeram penetrar nela as ideias pequeno-burguesas, socialistas, semi-socialistas e proudhonianas (das quais Bakunin apoderou-se), e que provocaram finalmente a destruição da Associação Internacional de Trabalhadores.

A fundação da Internacional foi acolhida com enorme interesse pelos trabalhadores franceses. De 1860 a 1870, a Internacional transformou-se numa força, em França. Suas seções multiplicavam-se e aumentavam em todo o país; porém, sua composição era extremamente heterogênea. De todas as partes da França, sindicatos locais aderiram à Internacional, caixas e sociedades de resistência, sociedades de auxílio mútuo, grupos políticos e operários, e operários em greve. “O progresso da Associação ultrapassou todas as esperanças aqui, em Paris, na Bélgica, na Suíça e na Itália”, escreve Marx a Kugelmann, em 23 de fevereiro de 1865. Ouçamos, primeiramente o eco do movimento proletário na França, apreciando-o nas atas da Associação Internacional de Trabalhadores. Eis o que lemos nas atas do Conselho Geral:

“20 de junho de 1865: — Lê-se uma comunicação, anunciando que a Sociedade dos Tecelões de Lille ingressará, provavelmente, na Associação Internacional de Trabalhadores.

4 de julho de 1865: — Leitura de uma carta de Lyon, que acusa o recebimento de 400 carnês e pede informações concernentes à indústria. Comunica também que a greve terminou desfavoravelmente para os operários, que se viram obrigados a ceder, por falta de meios de resistência.

28 de setembro de 1869: — Uma carta de Marselha informa de “lock-out” dos cesteiros e reclama auxílio. O secretário é encarregado de responder que não há possibilidade de auxílio financeiro. É encarregado de escrever o mesmo aos cesteiros de Londres.

26 de outubro de 1869: — Lê-se um relatório sobre o processo dos delegados de 27 sindicatos de Paris, que haviam protestado contra os acontecimentos de Aubague (34 mortos e 36 feridos). Na mesma carta, um relatório sobre a luta dos mineiros na França.

12 de outubro de 1869: — Carta de Aubry, (Ruão), anunciando a greve dos tecelões de lã de Elbeuf e solicitando auxílio. Os tecelões insistem em que sejam estabelecidas tarifas. Outras cidades apoiavam essa exigência, e, se não fosse satisfeita, começaria a greve dentro de 15 dias.

Em 2 de novembro de 1869, os carpinteiros de um estabelecimento de Genebra declaram greve contra as horas extraordinárias.

O governo francês incumbiu os asilados da assistência pública de substituírem os vendedores dos armazéns de roupa branca, que estavam em greve contra o trabalho dominical.

9 de novembro de 1869: — Young comunica que 2.000 operários douradores de Paris decidiram não trabalhar, em qualquer hipótese, mais de 10 horas diárias. A sociedade de litógrafos parisienses, que conta com 300 membros, é aceita na Internacional.

11 de janeiro de 1870: — Uma carta de Neuville-sur-Somme, pedindo socorro para os estampadores de cretone, em greve. Encarrega-se o secretário de escrever a Manchester, sobre a greve. Os operários das fábricas de instrumentos cirúrgicos de Paris estão em greve e solicitam auxílio. O Conselho resolve prestar auxílio, dirigindo-se aos operários do ramo similar, de Sheffield.

6 de abril de 1870: — Marx expressa o desejo de que se abrevie a impressão do manifesto, que se relaciona com o processo judicial de Creusot. O dinheiro vem de todas as partes, e causaria má impressão, se Londres se limitasse somente a palavras.

10 de abril de 1870: — Uma carta de Varlin, de Paris, comunica que esteve em Lille para organizar uma seção sindical, sob o controle da Internacional. O Conselho Federal poderá dirigir as diversas sociedades sindicais.

Dupont chama a atenção do Conselho para as bárbaras penas a que foram submetidos os mineiros, atirados aos cárceres, por motivo da greve de Creusot. Propõe que o Conselho intervenha com um manifesto. A redação deste fica sob a responsabilidade de Marx e Dupont.

31 de maio de 1870: — A reunião ouve um relatório de um delegado dos fundidores parisienses, em greve. Propõe-se que o Conselho facilite aos delegados o contacto com as sociedades sindicais, mediante a eleição duma comissão, que deve acompanhá-los. Young e Hells são eleitos para esse fim, etc....”(13)

No entanto, o que acabamos de expor está longe de descrever completamente os vínculos que ligavam os proletários de França à I Internacional. Em suas cartas a Engels, Kugelmann e outros, Marx refere-se com frequência ao estado de coisas na França, sem titubear no emprego de termos enérgicos. O trabalho e as intervenções dos proudhonianos muito o inquietavam, porque via neles influência da burguesia sobre o proletariado. Em 9 de novembro de 1866, Marx escreve a Kugelmann:

“Os senhores parisienses têm a cabeça cheia das frases proudhonianas, as mais ocas. Fazem alarde da ciência, sem nada conhecer dela. Desprezam toda ação revolucionária, isto é, toda ação que surge da própria luta de classes, e abdicam de todo movimento social concentrado, isto é, realizável também por meios políticos, como por exemplo: a diminuição geral da jornada de trabalho.

Sob pretexto de liberdade e de antigovernamentalismo ou de individualismo, inimigo de qualquer atividade, estes senhores, que suportaram, e continuam suportando tão pacientemente, durante 16 anos, o despotismo mais vergonhoso, pregam, na realidade, a mais vulgar economia burguesa, idealizando-a à Proudhon.”(14)

Marx odiava os revolucionários fátuos e os heróis de melodrama. Suas cartas fustigam, sobretudo, a seção de Londres, composta de emigrantes franceses. Em sua carta a Kugelmann, em 5 de julho de 1868, Marx afirma que essa seção está cheia de vadios e de toda espécie de canalhas, acrescentando “que ao» olhos destes fura-greves nós somos naturalmente reacionários”. E logo a seguir, esboça um brilhante retrato de Felix Pyat:

“É um infeliz melodramaturgo de quarta ordem, que participou da revolução de 1848 como um “toaste-master” (os ingleses dão este nome às pessoas encarregadas de anunciar os brindes nos banquetes públicos e zelar pela ordem dos mesmos). É presa da monomania de guinchar, fingindo que murmura, e de arvorar-se em conspirador perigoso. Graças a este bando, Pyat queria converter a Associação Internacional de Trabalhadores em camarilha de sua devoção. Tinha especial interesse em comprometer-nos. Certa vez, em um meeting público, anunciado pela seção francesa por meio de cartazes de parede como “meeting da Associação Internacional de Trabalhadores”, Luís Napoleão, aliás Badinguet, foi formalmente condenado à morte... porém, naturalmente, deixando a execução a cargo dos desconhecidos Brutos de Paris...

Causou-nos muita satisfação o fato de Blanqui, por intermédio dum de seus amigos, ridicularizar Pyat no “Cigale”, não lhe deixando outra alternativa senão a de confessar-se maníaco ou agente de polícia.”

Mas o que interessava particularmente a Marx era o alastramento do movimento no país. Seguia atentamente o movimento das massas, e trocava sistematicamente suas impressões e ideias com os companheiros. Em 13 de janeiro de 1869, Marx escreve a Engels:

“As greves em Ruão, Viena, etc.... surgiram há seis ou sete semanas. Interessante é que pouco tempo antes realizara-se em Amiens uma assembleia geral dos proprietários das fábricas de tecidos e de fiação, sob a presidência do alcaide de Amiens. Tomou-se aí a resolução de fazer concorrência à Inglaterra. E isto por meio de uma nova redução de salários, pois que já se havia reconhecido que somente salários baixos, (em comparação com os dos ingleses), permitiriam resistir à concorrência inglesa na própria França. E, efetivamente, após. a resolução de Amiens, começou a redução de salários em Ruão, Viena, etc.... Eis a origem das greves. Nós, naturalmente, fizemos sentir aos grevistas o mau estado de coisas que reina, (particularmente na indústria de algodão), e as dificuldades com que tropeçamos, por isso, na arrecadação de fundos. Não obstante, como verás pelas cartas de Viena, que anexo, a greve terminou aqui. Aos camaradas de Ruão, onde o conflito perdura, enviamos uma letra de 20 libras esterlinas, por intermédio dos operários bronzeiros de Paris, que nos devem esse dinheiro, desde seu lock-out. Em geral, os operários franceses têm um procedimento muito mais razoável que os suíços, e, ao mesmo tempo, são muito mais modestos em suas exigências.”(15)

Dia a dia agrava-se a situação na França. A revolução está próxima. Pressentindo-a, os charlatães liberais e democráticos gritam e agitam-se mais que de costume. Em 28 de dezembro de 1869, Marx escreve a Kugelmann:

“Em França, as coisas andam bem por ora. Por um lado, os velhos gritadores demagogos de todas as tendências não cessam de comprometer- -se, e, por outro, Bonaparte é obrigado a ingressar pelo caminho das concessões, onde inevitavelmente quebrará o pescoço.”(16)

Em 3 de março de 1869, Marx escreve extensa carta a Kugelmann, onde faz rigorosa análise da situação francesa. Marx vê a tormenta que se aproxima, através de uma série de sintomas:

“Produz-se na França um movimento muito interessante. Os parisienses puseram-se a estudar com afinco seu passado revolucionário mais próximo, com o fim de preparar-se para uma nova luta revolucionária. E assim ferve a caldeira mágica da história. Quando ocorrerá o mesmo em nosso país?”

Como assinalei antes, Marx preocupava-se, sobretudo, com o fato de saber se as seções da Internacional estariam à altura das circunstâncias. Cada vez que os trabalhadores da França rompiam com as tradições proudhonianas, ele registrava o acontecimento como uma conquista importante. Em 18 de maio de 1870, Marx escreve com satisfação a Engels:

“Nossos companheiros franceses fazem ver, de uma maneira patente, ao governo francês, a diferença que há entre uma sociedade secreta e uma verdadeira associação operária. Mal o governo acaba de encerrar nas masmorras todos os membros dos comitês de Paris, Lyon, Ruão, Marselha e outros (alguns deles fugiram para a Suíça e Bélgica), comitês duas vezes mais numerosos já anunciam aos periódicos, em rudes e francas declarações, acompanhadas, além disso, de suas direções pessoais, que passam a ocupar o lugar dos camaradas. O governo viu por fim aquilo que nós esperávamos há muito tempo, a questão política, Império ou República, transformada em questão de vida ou de morte, para a classe proletária.”(17)

Os acontecimentos que se avizinhavam, desencadearam-se em 19 de junho de 1870. Começou a guerra franco- -prussiana. Nos primeiros dias da guerra, o movimento proletário, que se desenvolvia em linha ascendente, foi reprimido, mas não esmagado.

Uma série de organizações operárias francesas e alemãs manifestou-se contra a guerra. “Le Reveil” publicou um manifesto contra a guerra, dirigido aos trabalhadores de todos os países. Três dias após o desencadeamento da guerra, 22 de junho, a seção da Internacional em Neville-sur-Seine, publicou um enérgico manifesto:

“É justa a guerra? Não! É porventura nacional esta guerra? Não! É uma guerra exclusivamente dinástica. Em nome da justiça, em nome da democracia, em nome dos verdadeiros interesses da França, declaramos nossa solidariedade integral, e com toda a energia, ao protesto da I Internacional contra a guerra.”

Em 23 de julho, o Conselho Geral da I Internacional lançou um manifesto contra a guerra. Este manifesto, escrito por Marx, ataca Napoleão e Bismarck, desmascarando esses organizadores da guerra franco-prussiana. Contém o manifesto uma frase profética:

“Qualquer que seja o desenlace da guerra de Luís Bonaparte contra a Prússia, já soam em Paris os sinos fúnebres do segundo império.”(18)

Essa profecia realizou-se prontamente. Em 2 de setembro de 1870, rendia-se Napoleão com seu exército em Sedan, e, em 4 de setembro, estalava a revolução. Neste dia, uma delegação das seções parisienses da Internacional e da Federação dos Sindicatos Operários, uma delegação que representava pois toda a classe operária de Paris, compareceu perante o “governo de defesa nacional”, composto, segundo Marx, por uma “camarilha de advogados ambiciosos”. A delegação submeteu ao “governo de defesa nacional” um programa, de cuja adoção dependia a confiança do proletariado e seu apoio possível ao novo governo. As exigências fundamentais desse programa foram: — entrega da administração de Paris à população, que deveria organizar com elementos próprios uma guarda nacional; elegibilidade de juízes; completa liberdade de imprensa; anistia; separação da igreja do Estado.(19)

O grupo que se apoderara do poder, Thiers, Jules Favre, etc...., deu a estas exigências uma resposta vaga. Os operários replicaram imediatamente com a organização de um Comitê encarregado de vigiar as atividades do governo. No primeiro instante, estabeleceu-se entre o governo de defesa nacional e os operários uma desconfiança mútua. O instinto de classe dos proletários fê-los pressentir que tinham de se haver com o governo da traição nacional, que temia mil vezes mais os proletários que os prussianos. Em 9 de setembro, a Associação Internacional de Trabalhadores lançou um novo manifesto, onde denuncia as pretensões imperialistas da Prússia, encobertas sob a palavra “segurança” (que palavra atualíssima), e define, ao mesmo tempo, a república de Thiers, Jules Favre e outros corretores de negócios da burguesia francesa.

“Esta república — escreve Marx — não derrubou o trono. Ocupou o lugar vago abandonado por ele. Herdou do império não somente um montão de ruínas, mas também seu medo da classe proletária.”

A brilhante descrição da república de Thiers foi confirmada pouco tempo depois. Mas naquela ocasião, alguns dias após a derrocada de Napoleão, Marx aconselhou aos operários que se abstivessem de derrubar o governo de 4 de setembro. “Qualquer ação para derrubar o governo — escreve Marx — neste momento em que o inimigo quase toca as portas de Paris, seria uma loucura desesperada.” Os blanquistas, apesar de tudo, fizeram algumas tentativas nesse sentido, em 8 e 31 de outubro de 1870, e em 29 de janeiro de 1871, mas fracassaram, porque a massa popular não os apoiara. Somente quando a traição governamental tornou-se patente, quando tentava desarmar a guarda nacional, é que as massas trabalhadoras se ergueram “e a gloriosa revolução proletária torna-se senhora absoluta de Paris”. (Marx).

A Comuna de Paris, precursora do país dos Soviets, não durou mais que dois meses, apesar dos milagres de bravura e abnegação. A Comuna caiu sob os golpes da reação unificada da frente única dos “inimigos hereditários”, que ainda ontem destroçavam-se mutuamente. Caiu, porque os blanquistas e proudhonianos que a chefiavam, caminhavam às apalpadelas e não manifestaram a firmeza e decisão indispensáveis em semelhantes circunstâncias. Em vão a Comuna propôs a Thiers a substituição do Cardeal Darboy por Blanqui. Thiers negou-se, declarando que isso equivalia entregar a Paris insurreta um corpo inteiro do exército. “Thiers não aceitou essa proposta — escreve Marx — porque sabia que, na pessoa de Blanqui, ia dar um chefe à Comuna.”

Proclamada a Comuna, Marx tomou imediatamente a defesa deste governo proletário. Ele, que havia se oposto à tomada do poder, absteve-se de emitir juízo, pois não só tinha ante si uma classe operária sublevada, como também um proletário que tinha o poder em suas mãos. Considerava que seu dever de revolucionário era ajudá-lo, em lugar de discutir! Em carta a Kugelmann, em 21 de abril, Marx expressa sua admiração pelo heroísmo dos comunalistas, que “estão dispostos a tomar de assalto o céu”; critica, porém, por sua vez, seus escrúpulos, afirmando que, “se sucumbirem, a culpa caberá unicamente à sua benevolência”. Marx convenceu-se das debilidades da Comuna, difíceis de corrigir com conselhos. E a Internacional estava impossibilitada de dar-lhe o que lhe faltava.

A Comuna foi esmagada e a ordem triunfou sobre os cadáveres de dezenas de milhares de operários. Devido à guerra civil na França, a Internacional lançou um manifesto. Marx pôs nesse documento todo o seu ódio infinito pelos exploradores, sua grande paixão e devoção revolucionárias. Não foi um simples manifesto. Foi, e é, um documento político, que projeta viva luz sobre a marcha da luta do proletariado pela sua ditadura. Marx considera a Comuna como um novo tipo de Estado, cujo aparecimento está ligado à destruição do antigo regime.

A Comuna deveria ter sido, não uma “corporação parlamentar, mas um corpo de ação”.

Como é sabido, esta maneira de apresentar a questão da destruição do antigo Estado e da criação de um novo tipo, foi a base, não só do trabalho teórico de Lenine (“O Estado e a Revolução”), como também de sua atividade prática na construção do Estado Soviético.

Marx compreendia que não se poderia exigir muito de um poder que se mantivera apenas dois meses. Por isso, replicava a todos que procuravam diminuir a importância da Comuna, ou zombavam (após os fatos consumados) de sua inevitável derrota.

“O grande ato socialista da Comuna — escreve Marx — foi a sua própria existência, foi a sua atividade. Suas medidas diversas só podiam assinalar a direção em que se desenvolve o governo do povo pelo povo.”

Respondendo a uma carta de Kugelmann, onde este escrevia que a Comuna não possuía probabilidades de êxito, e, portanto, não deveria ter começado nessas condições (lembramo-nos de Plekhanov, a propósito da insurreição de dezembro de 1905, em Moscou: “não se deveria ter empunhado as armas” ), Marx escreve, a 17 de abril de 1871:

“Seria mui cômodo descrever a história mundial, se se tentasse a luta só em condições infalivelmente favoráveis. Qualquer que seja o resultado imediato, conquistamos um novo ponto de partida de importância histórica universal.”(20)

Bem caro custou ao proletariado de Paris sua tentativa para implantar o Estado proletário. O esmagamento da Comuna deixou exangue a classe operária, afastando-a temporariamente da política. As seções francesas da Internacional foram destroçadas, e depois, em 1862, dissolvidas por um decreto especial. Foi então que os elementos que se haviam afastado da Internacional, por temor à revolução, e permaneceram na expectativa durante a Comuna, começaram a mostrar-se ativos, Barbaret organizou o “Círculo da União Sindical”. Este tinha por objetivo: “realizar a concórdia e a justiça por meio do estudo, e convencer a opinião pública da moderação dos trabalhadores nas reivindicações de seus direitos.”(21)

Apesar de perseguidos, estes inofensivos círculos e sociedades cresciam e multiplicavam-se. Os proletários recomeçavam a participar das exposições internacionais. Em 1875, já havia na França 135 sindicatos, que começaram a planejar um Congresso Proletário. Um ano depois, realizou-se em Paris o 1.° Congresso Proletário, com um programa muito limitado. A título de antídoto às ideias e ordens revolucionárias da Comuna, discutiram-se neste Congresso as questões do auxílio mútuo, das associações de produção etc. Os delegados não sonhavam sequer com a abolição do regime burguês: queriam melhorá-lo, corrigi-lo um pouco. Queriam “equilibrar as relações entre o capital e o trabalho, tanto na produção como no consumo”. Assim como condenavam a guerra civil, condenaram “as greves que prejudicam o forte e aniquilam o débil”.(22)

O segundo Congresso proletário realizou-se em 1877, em Lyon. Aí já se manifestou um novo estado de espírito. Pronunciaram-se discursos anarquistas e coletivistas, mas a maioria dos delegados manteve uma posição moderada. Um estado de espírito, porém, completamente diferente, dominou o Congresso de Marselha, em 1879. Tornava-se evidente que a classe proletária de Paris começava a refazer-se da derrota da Comuna. A influência do órgão marxista “Égalité”, fundado por Júlio Guesde em 1877, tornou-se mais visível. O secretário da Comissão de Organização para convocar o Congresso de Marselha — Lombard — propôs que “o Congresso tomasse o nome de Congresso Proletário Socialista Francês”, o que foi aceito por unanimidade. Os oradores manifestaram-se abertamente contra Louis Blanc e suas teorias. Se o Congresso de Paris não quis ao menos ouvir mencionar o nome dos comunalistas, o mesmo não aconteceu com o Congresso de Marselha, que respondeu à saudação dos emigrados em Londres, da seguinte forma:

“O Congresso Proletário Socialista congratula-se com a saudação de ânimo que lhe enviastes! Os delegados aqui reunidos declaram concordar, mais uma vez, com os princípios pelos quais lutastes e sofrestes.”(23)

Este Congresso marca o início da ressurreição do movimento. Fundara-se então o Partido Operário, que absorveu elementos heterogêneos. Marx desempenhou um papel muito ativo na elaboração do programa do Partido Operário. Engels relata detalhadamente em carta a Berenstein, como Marx havia ditado a Guesde, em presença dele e de Lafargue, os pontos fundamentais do programa. Que é, pois, fundamental, neste programa aprovado por Marx? E que é que Beneit e seus partidários combateram tão fervorosamente?

Eis aqui a parte fundamental do programa:

“Considerando que a emancipação dos proletários só se torna possível sob a condição única de possuírem os meios de produção e as matérias primas;

Considerando que a posse dos meios de produção não pode ser individual, por duas razões:

1.º — Porque é incompatível com o progresso e com o próprio nível atual da técnica industrial e agrícola, divisão do trabalho, introdução de maquinários, vapor, etc....

2.º — Porque, ainda que não fosse antieconômica, não tardaria a originar todas as desigualdades sociais atuais, a não ser que uma nova distribuição se processe a cada movimento da população, o que é impossível.

Considerando que esta posse tampouco pode ser corporativa ou comunal, sem ocasionar inconvenientes idênticos aos da propriedade capitalista atual, isto é, a desigualdade das possibilidades de ação entre os trabalhadores, a anarquia da produção, a concorrência homicida entre os grupos de produtores, etc....

Considerando, por fim, que só a propriedade coletiva ou social dos meios de produção corresponde simultaneamente às necessidades econômicas e às condições de justiça e igualdade que deve guiar a nova sociedade;

O Congresso declara:

Que todos os instrumentos de produção e toda a matéria prima devem ser restituídos à sociedade, e devem permanecer em seu poder, como propriedade inalienável e indivisível.

Para obter esta restituição, é preciso lutar por todos os meios.”(24)

O problema das eleições era uma questão séria para o movimento proletário francês daqueles tempos. Por um lado, achavam-se entre os operários profundamente arraigadas tendências apolíticas e antiparlamentares, e, por outro, uma ideia exagerada do poder miraculoso da papeleta eleitoral, e a possibilidade de conseguir pacificamente a emancipação da classe proletária.

O programa do Partido Operário contém, por isso, um capítulo especial dedicado ao papel de campanha eleitoral na luta geral de classes do proletariado. Eis o que lemos neste programa:

“Considerando que a falta de liberdades políticas é um obstáculo para a educação social do povo e para a emancipação econômica do proletariado;

Considerando que o trabalhador está disposto a tudo para conseguir sua emancipação, e que deve aproveitar as liberdades já conquistadas pelo sangue das três últimas revoluções; considerando, além disso, que a ação política é útil como meio de agitação, e que a arena eleitoral é um campo de luta que não deve ser abandonado;

Declara:

1) — A emancipação social dos trabalhadores é inseparável da sua emancipação política.

2) — A abstenção política seria funesta por suas consequências.

3) — A intervenção política deve expressar-se na apresentação de candidaturas de classe, para todas as funções eletivas, sem nenhuma aliança com as fações dos velhos partidos existentes.”(25)

Vêm imediatamente depois os programas políticos e econômicos, que contêm as reivindicações para a supressão de todos os obstáculos políticos ao desenvolvimento do movimento proletário, e sobre a jornada de trabalho, os salários e a abolição dos impostos indiretos. É necessário assinalar que, se este programa estava num nível superior ao programa de Gotha da social-democracia alemã de 1875, não deixava de apresentar também pontos duvidosos.

Em sua carta a Berenstein, em 25 de outubro de 1861, Engels escreve:

“Guesde insistiu em incorporar suas tolices sobre o salário-mínimo, e, como a responsabilidade cabia aos franceses e não a nós, cedemos finalmente, embora Marx estivesse convencido da inépcia total dessa teoria.”(26)

O Partido Operário, criado com o concurso direto, político e organizador de Marx e Engels, transformava-se paulatinamente em um campo de luta encarniçada entre marxistas e possibilistas, chefiados por Benois Malen. A luta concentrava-se em torno da importantíssima questão de princípio: socialismo parlamentar ou socialismo revolucionário, luta de classes ou colaboração de classes.

Por outro lado, os blanquistas, chefiados por Vaillant, formaram seu próprio partido. Finalmente as concepções antimarxistas incrementaram-se nos sindicatos, onde as ideias de Proudhon e Bakunin conseguiram ampla difusão.

Marx acompanhava, dia a dia, os trabalhos de Guesde, Lafargue e do Partido Operário. Aproveitou sua visita a Paris, em 1882, para observar mais de perto a vida íntima do movimento socialista e sindical da França. Em uma série de cartas a Engels, expõe seus pontos de vista sobre a política e a tática dos chefes do Partido Operário, Guesde e Lafargue. Marx criticava severamente Lafargue, embora apreciasse altamente a ambos. Lafargue procurava sobrepujar os anarquistas, e, quando certa vez qualificou Fourier de comunista, em um de seus artigos, não soube como livrar-se do embaraço. Marx criticava também suas fanfarronadas infantis, onde se estendia sobre as coisas terríveis que faria na futura revolução, assim como acusava-o de ir “demasiadamente” longe, etc Marx estava particularmente descontente com a maneira por que Lafargue tentava lutar contra Bakunin, visando as posições deste. Longuet, na qualidade de último proudhoniano, Lafargue, na qualidade de último bakuninista! Que o diabo os leve! exclamava Marx em carta dirigida a Engels, em 11 de novembro de 1882.

A situação das organizações socialistas e sindicais na França não cessava de preocupar Marx:

“No que se refere aos sindicatos de Paris, escreve Marx a Engels, em carta de 27 de novembro de 1882, convenci-me, após indagar de pessoas imparciais, que são piores do que as trade-unions de Londres.”(27)

A luta entre marxistas e antimarxistas tornava-se cada vez mais aguda, dentro do Partido Operário. Malen e Brousse dirigiam todos os elementos oportunistas, e no Congresso do Partido Operário de 1882, expulsaram completamente a ala marxista. Esta decisão não foi inesperada para Marx e Engels. Este escreve, em 28 de outubro de 1882, a Bebel.

“Realizou-se na França a separação há muito esperada. A colaboração de Guesde e Lafargue com Malen e Brousse era inevitável, no momento da organização do partido; porém Marx e eu jamais alimentamos ilusões a respeito da duração dessa aliança. A divergência é puramente de princípios: — deve-se persistir na luta, como na luta de classes do proletariado contra a burguesia, ou deve ser permitido renunciar, sob uma forma oportunista (o que em linguagem socialista significa: possibilista), ao caráter de classe do movimento e do programa, em todos os casos em que esta renúncia possa contribuir para reunir mais votos e maior quantidade de partidários. Malen e Brousse pronunciaram-se a favor deste último sentido. Sacrificaram assim o caráter proletário do movimento e tornaram inevitável a ruptura. Tanto melhor. O desenvolvimento do proletariado é acompanhado em todas as partes, por uma luta interna, e a França, onde pela primeira vez se forma um partido operário, não é uma exceção.”(28)

Beneit Malen insinuava aos sindicatos a ideia da formação de um bloco contra os marxistas. Em 23 de novembro de 1882, Engels escrevia a Marx:

“É evidente que, especialmente, para agradar às câmaras de trabalho, Malen & Cia. sacrificaram também o passado do movimento, desde os tempos do Congresso de Marselha. De maneira que sua força aparente é de fato sua debilidade. Rebaixando seu programa até o nível das mais vulgares trade-unions, é sempre possível ter “um grande público”.(29)

Foi cercado por essas circunstâncias, que apareceu em 1872 um partido marxista na França. Examinando o trabalho do marxismo francês, de 1882 a 1914, apresenta-se-nos um quadro mui pouco atraente. Guesde foi, indubitavelmente, por algum tempo, um revolucionário, porém seu marxismo revestia-se sempre de um caráter racionalista. Falava-se frequentemente em Marx e Engels, mas o marxismo não chegou a representar em França uma grande força, embora o Partido Operário tivesse vários deputados no Parlamento e exercesse influência sobre as massas. O marxismo francês caía de um extremo a outro. Guesde continuava a ser sem dúvida, o melhor marxista da França, porém seu marxismo nem sempre era um marxismo de Marx. Agregava-lhe sempre alguma coisa de seu próprio gosto. Isto foi demonstrado pela guerra mundial de um modo irrespondível. Nesta ocasião, o marxismo francês, personificado em Guesde, Bracke e outros, santificou a guerra de rapina, apontando-a como uma luta da democracia contra o militarismo. Se não pôde resistir à prova histórica, é porque existia algo de poder no marxismo francês. É verdade que todos os agrupamentos socialistas, anarquistas e anarco-sindicalistas, foram à bancarrota em 1914. Isto, porém, não diminui em absoluto a importância do fato: — a única organização marxista da França encontrava-se incorporada à frente-única dos inimigos venenosos da classe proletária, em defesa dos interesses do imperialismo francês.

Como se explica isto? Pelo fato do marxismo francês padecer então do mesmo mal que todas as correntes anarquistas e socialistas da França: o exclusivismo. Os socialistas franceses imaginavam-se herdeiros da “Grande Revolução”, e consideravam a França como a coluna mestra do mundo. O marxismo francês, paralelamente ao crescimento do imperialismo, fez-se cada vez mais nacionalista, isto é, deixou de ser marxismo. Este desvirtuamento do espírito revolucionário processou-se sob a influência das mesmas causas, que se fizeram sentir na Alemanha. Contra este desvio, Marx e Engels deram o grito de alarme, muitos anos antes da grande guerra.

Os marxistas franceses e alemães fracassaram no mesmo dia, e rolaram juntos para a mesma posição patriótica. O marxismo francês tornou-se nacional, e quando a nação despreza a classe, já não há mais marxismo.

Significará isto que a guerra conduziu o marxismo à derrota? Não! A guerra colocou em evidência toda a podridão que se introduziu no marxismo, e revelou que, sob a bandeira marxista, se fazia propaganda nacionalista.

Não foi o marxismo que faliu, mas o falso marxismo que se manifestou abertamente em cada país como lacaio imperialista. E ao mesmo tempo que o falso marxismo, e todos os agrupamentos antimarxistas, sofriam um colapso, o partido que conservava as tradições de Marx, o partido que educava seus adeptos no marxismo revolucionário, o partido de Lenine, demonstrou na prática o que é o marxismo revolucionário.

A história não se desenvolve em linha reta. Tem fluxos e refluxos, zigue-zagues e quedas impetuosas e catastróficas. Através do colapso do marxismo oficial e do anarco-sindicalismo o proletariado francês chegou a formar o seu verdadeiro partido marxista revolucionário. Este partido cresceu, combatendo a traição ao marxismo dos que se diziam herdeiros de Marx. Este partido cresceu da negação revolucionária de toda a podridão que havia no marxismo francês de pré-guerra,: desenvolveu-se na luta contra os herdeiros de Proudhon, Malen, Broué, Jaurès e Guesde; na luta contra a falsa democracia francesa, que encobre habilmente suas ambições imperialistas, com O misticismo revolucionário e histórico. O Partido Comunista da França é o único representante dos ensinamentos de Marx, já que fora do Partido Comunista não há nem pode haver marxismo.


Notas de rodapé:

(1) K. MARX e F. ENGELS — “Manifesto Comunista”. (retornar ao texto)

(2) Engels: Anti-Dühring — Edições Cultura Brasileira, 1935. (retornar ao texto)

(3) Paul Louis: “Pensadores e homens políticos franceses do século XIX”. (retornar ao texto)

(4) MARX E ENGELS: “A Luta de classes na França”. (retornar ao texto)

(5) DANIEL STERN: “História da revolução francesa de 1848”. (retornar ao texto)

(6) MARX E ENGELS: “A Luta de classes na França”. (retornar ao texto)

(7) MARX E ENGELS: “A Luta de classes na França”. (retornar ao texto)

(8) MARX E ENGELS: “Obras” VIII. (retornar ao texto)

(9) MARX E ENGELS: “ A luta de classes na França”. (retornar ao texto)

(10) MARX E ENGELS: “A luta de classes na França” (retornar ao texto)

(11) MANIFESTO COMUNISTA. (retornar ao texto)

(12) M. N. POKROVSKY: “França antes, durante e depois da guerra”, 1918, p. 77. O capítulo IV deste folheto sobre o movimento operário na França, de 1769 a 1916, foi escrito em colaboração com o autor deste livro. (retornar ao texto)

(13) Atas do Conselho Geral. Instituto Marx-Engels-Lenine. Moscou. (retornar ao texto)

(14) Cartas de Marx a Kugelmann. (retornar ao texto)

(15) MARX E ENGELS. (retornar ao texto)

(16) Cartas de Marx a Kugelmann. (retornar ao texto)

(17) MARX E ENGELS: “Correspondência”. (retornar ao texto)

(18) Primeira manifestação do Conselho Geral, devido à guerra franco-prussiana. (retornar ao texto)

(19) M. N. POKROVSKY: França antes, durante e após a guerra, cap. IV. (retornar ao texto)

(20) Carta de Marx a Kugelmann. p. 99. (retornar ao texto)

(21) FERDINAND PELLOUTIER: História da Bolsa de Trabalho, P. 6 — 1919. (retornar ao texto)

(22) LEON BLUM: Os Congressos Proletários Socialistas Franceses, de 1876 a 1900. (retornar ao texto)

(23) LEON BLUM e FERDINAND PELLOUTIER: “História da Bolsa de Trabalho”. (retornar ao texto)

(24) “OS GUESDISTAS”, por Alexandre Zevaes. Paris, Livraria Marcel Rivier, 1911. (retornar ao texto)

(25) MARX E ENGELS: “Obras escolhidas”. (retornar ao texto)

(26) MARX E ENGELS: “Obras escolhidas”. (retornar ao texto)

(27) MARX E ENGELS: “Correspondência”. (retornar ao texto)

(28) ARQUIVO-I-VI- p. 209. (retornar ao texto)

(29) MARX E ENGELS: “Correspondência”. (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2019