Discurso por ocasião da posse como Presidente da República Popular de Moçambique

Samora Machel

25 de Junho de 1975


Primeira Edição: Primeiro Discurso de Estado proferido por Samora Moisés Machel, Presidente da FRELIMO, por ocasião da sua tomada de posse como Presidente da República Popular de Moçambique

Fonte: https://basiliomuhate.com/2017/06/25/%E2%80%8Bprimeiro-discurso-de-estado-proferido-por-samora-moises-machel-presidente-da-frelimo-por-ocasiao-da-sua-tomada-de-posse-como-presidente-da-republica-popular-de-mocambique/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Maputo, 25 de Junho de 1975

Moçambicanas, Moçambicanos;

Operários, Camponeses, Combatentes, Compatriotas:

Às zero horas de hoje nasceu a República Popular de Moçambique, Estado que nasceu do combate multissecular do nosso povo pela liberdade e independência. Estado em que pela primeira vez no nosso país se implanta o poder da aliança dos trabalhadores.

A nenhum moçambicano, a nenhum cidadão de qualquer país, livre ou ainda oprimido, escapa a profunda significação histórica deste momento na vida do nosso povo, como não escapa também a dimensão internacional deste facto em relação à Comunidade das Nações da qual passamos a fazer plenamente parte integrante.

Mas é menos sobre o presente, embora exaltante que vivemos e que transparece nas nossas faces, nas nossas casas, nas nossas ruas, mas que existe mais profundamente ainda nas nossas consciências, é menos sobre esse presente imediato de alegria, de entusiasmo e de euforia que queremos falar. Queremos sobretudo recordar o passado para melhor poder projectar o futuro.

Queremos recordar antes de mais a memória dos nossos heróis. Aqueles que tombaram na luta contra o invasor estrangeiro, aqueles que pereceram nas fábricas de morte do colonialismo português, seja na deportação e no comércio de escravos, no trabalho forçado, aqueles que o colonial-fascismo condenou à morte lenta, à desagregação familiar, à desagregação espiritual, à despersonalização. Queremos honrar a memória dos gloriosos combatentes caídos no decurso da luta armada de libertação nacional e antes de todos e para lembrar todos citar a recordação imperecível do Primeiro Presidente e fundador da FRELIMO, Eduardo Chivambo Mondlane. Foram eles os alicerces de sangue da nova Nação Moçambicana que se afirmou ao longo destes dez anos, nas nossas zonas de luta e de trabalho clandestino, que se materializava já nas zonas libertadas e que antes de se transformar na realidade nacional que hoje celebramos já vivia nas nossas consciências.

Em sua memória nós pedimos a todos os moçambicanos do Rovuma ao Maputo, que se associem a nós observando um minuto de silêncio.

Nasce a República Popular de Moçambique como fruto da vontade inquebrantável, da determinação férrea do Povo Moçambicano de reconquistar a liberdade, gozar do direito supremo e inalienável de todos os povos a independência nacional.

No momento em que conquistamos essa independência devemos reflectir sobre a realidade que recobria a situação anterior, a dominação colonial.

Porque matava o colonialismo? Porque prendia, deportava, massacrava? Por que eram violadas as nossas mães e mulheres, humilhadas as nossas tradições, negada a nossa civilização, presos os moçambicanos à mínima manifestação de patriotismo? Por que era difundido o alcoolismo, encorajada a prostituição e a desagregação familiar? Por que eram deslocadas famílias inteiras das suas regiões de origem, forçadas a abandonar as terras ancestrais, o gado, a casa, os poucos haveres? Por que acontecia tudo isto em vários lugares do nosso país, como marca inconfundível do colonialismo português? Seria isso a manifestação sádica de mau génio de um povo, fruto da maldade bestial de um homem ou de um grupo de homens?

Não nos enganemos. O colonialismo português é a forma que assumiu no nosso país a dominação imperialista, a exploração de todo um povo e das suas riquezas pelo capitalismo estrangeiro, português e de outros países. Foi para explorar a nossa força de trabalho que milhões de moçambicanos foram transformados em escravos e levados para outros continentes onde os raros que chegavam eram vendidos como mercadorias. Foi para explorar o nosso suor que o administrador colonial nos prendia e nos levava para o «shibalo».

Foi para se apropriar da riqueza do nosso solo que zonas inteiras foram destinadas a certas culturas como o algodão que as populações eram obrigadas a cultivar, morrendo de fome enquanto as grandes companhias concessionárias acumulavam lucros fabulosos.

Foi para pilhar o nosso subsolo que as grandes multinacionais obtiveram concessões e facilidades de exploração de que se serviam para drenar o nosso país das suas riquezas.

Foi para manter o nosso povo submisso perante a sua dominação que o colonialismo procurou — e em alguns lugares particularmente nas zonas urbanas obteve alguns sucessos destruindo a nossa personalidade, semeando a divisão, criando a mentalidade escrava ao estrangeiro. A assimilação não foi um mero capricho fascinante de um ditador senil mas, constitui realmente a forma mais apurada da escravidão mental ao estrangeiro, um processo deliberado de negação de toda a cultura, de toda a história, de toda a tradição do nosso povo. O homem assim destruído espiritualmente tornava-se uma carcaça viva onde se implantavam docilmente os modos de pensar, de agir, de viver, de colonizador.

A religião e em particular a Igreja Católica contribuiu poderosamente para a alienação cultural e humana do moçambicano, para fazer dele instrumento submisso e objecto de exploração, para quebrar qualquer manifestação de resistência em nome da resignação cristã.

É esta a herança que nós recolhemos hoje. Herança de miséria, de atraso social e económico que a beleza superficial e aparente dos arranha-céus e das colinas relvadas não consegue esconder. Basta percorrer todo o nosso país, basta que a expressão «Rovuma ao Maputo» não seja para nós um mero slogan mas uma realidade sentida na nossa carne para que compreendamos o atraso secular, a doença, a nudez, a fome, a ignorância, que são os frutos pródigos da mesma árvore que cresceu e viveu a par e passo com o colonialismo, e que se chama exploração.

É árvore ruim, é erva daninha que ainda não extirpámos, é a sanguessuga que continua a sugar o nosso sangue, a enfraquecer a nossa resistência, a nossa capacidade, a nossa inteligência. É gibóia que se procura vestir hoje de pele da mesma vítima que ontem engolira.

Não iremos aqui historiar o processo de libertação nacional através dos seus factos. Mas impõe-se uma recapitulação ainda que breve do seu processo político para compreender o nascimento hoje da República Popular de Moçambique e a linha que a orienta. O combate pela linha política revolucionária confunde-se no processo histórico moçambicano com o combate pela unidade.

A luta pela defesa e consolidação da unidade, força motriz do combate libertador, exigiu uma acção permanente de vigilância, neutralização e aniquilamento das manobras inimigas e das forças oportunistas e reaccionárias nacionais. Esta mesma luta requereu um combate constante para clarificar e aprofundar a linha política da FRELIMO, nomeadamente ao nível da definição do inimigo, da natureza, métodos e objectivos do combate.

As sucessivas demarcações operadas no seio da FRELIMO, o processo de purificação instaurado, revelam na prática que as contradições surgidas exprimiam interesses antagónicos, a contradição entre as massas trabalhadoras e o punhado de novos exploradores que pretendiam substituir-se à burguesia colonial enquanto classe exploradora.

A Sessão do Comité Central de Outubro de 1966 ao definir o racismo, o regionalismo e o tribalismo como inimigos que deveriam ser combatidos ao mesmo título que o colonialismo, retirou aos oportunistas um dos seus principais instrumentos para manobras antipopulares; a mesma sessão pondo termo à contradição entre militantes políticos e militantes militares; definindo o combate como uma luta político-militar permitiu às forças de vanguarda de se libertarem do controlo de elementos marginais reaccionários; a decisão histórica de confiar às Forças Populares de Libertação de Moçambique a criação do Destacamento Feminino, instrumento da mulher na sua luta histórica pela emancipação alargou a base de apoio das massas à luta e trouxe novas e decisivas forças para o combate revolucionário.

Estas vitórias ideológicas permitiram um desenvolvimento impetuoso da luta de libertação, a destruição de importantes forças do inimigo, a extensão da luta armada à província de Tete, a transformação das zonas semi-libertadas em zonas libertadas do sistema de exploração e o início do processo de criação de bases de apoio.

As vitórias político-militares tendo tornado o colonialismo português mais desesperado e agravando o isolamento das camadas com vocação exploradora no nosso seio, tornaram mais radicais as contradições entre as massas e o sistema explorador.

As forças colonialistas e reaccionárias numa tentativa desesperada de bloquearem a sua derrota inevitável coligam-se e desencadeiam uma ofensiva de manobras e crimes contra a linha política correcta encabeçada pelo Camarada Eduardo Mondlane.

O II Congresso da FRELIMO realizado em Junho de 1968 nas zonas libertadas da província do Niassa, tendo desmascarado e neutralizado as forças reaccionárias e as suas ideias, permitiu às largas massas consolidarem a sua unidade em torno dos objectivos justos e claros da FRELIMO.

Esta nova vitória desencadeou uma onda de violência reaccionária, em que os novos exploradores nacionais aliados já abertamente às forças coloniais-imperialistas, iniciaram o processo de liquidação física de militantes e dirigentes revolucionários, processo que culmina com o bárbaro assassinato do Camarada Eduardo Chivambo Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969.

O assassinato do dirigente que assumira a dimensão nacional e revolucionária do nosso combate e a materialização na linha e na prática da FRELIMO visava decapitar a revolução moçambicana e a permitir a conquista do Poder pelos representantes das novas classes exploradoras, servidoras fiéis da burguesia e do imperialismo.

Assumindo a herança do Camarada Eduardo Mondlane, integrados nas massas populares, apoiados resolutamente pelos combatentes das Forças Populares de Libertação de Moçambique, filhos mais dedicados do povo, a vanguarda revolucionária da FRELIMO ergue-se contra as forças do oportunismo e reacção e no decurso das sessões históricas do Comité Central de Abril de 1969 e de Maio de 1970, desmascara, isola, neutraliza e aniquila a linha política errada dos novos exploradores.

Esta vitória que conduz à purificação das nossas fileiras e ao aprofundamento da ideologia da FRELIMO cria as condições para a transformação da luta armada em guerra popular, para a passagem da luta de libertação à face superior de revolução à face superior de revolução democrática popular.

As transformações ideológicas operadas conduzem a um novo e impetuoso desenvolvimento do combate libertador: a derrota estratégica do colonialismo no período Maio-Setembro de 1970 no decurso da operação «Nó Górdio», a liquidação do bloqueio do Zambeze pela extensão da luta armada a sul do Zambeze em Novembro de 1970, a abertura da frente de Manica e Sofala em Junho de 1972.

É a partir do fracasso da grande operação inimiga «Nó Górdio» que afirma na prática o enraizamento irreversível e o carácter popular profundo do processo revolucionário dirigido pela FRELIMO, é a partir dessa época que se acelera vertiginosamente a decomposição do esquálido colonialismo português.

A transformação da guerra colonial em guerra colonial-imperialista através da internacionalização da agressão contra o nosso povo e pela intensificação da pilhagem das nossas riquezas pelos monopólios, os planos estratégicos mais criminosos como o de Cahora Bassa não conseguiram deter o progresso da nossa luta e a sua extensão progressiva a todo o país.

A tentativa de atemorizar o nosso povo pela generalização do terrorismo, os bombardeamentos sistemáticos de povoações, escolas, hospitais, machambas, a utilização de produtos químicos e finalmente a sistematização dos massacres como os de Wiriyamu, João Chowole, Inhaminga, agudizam as contradições, reforçam a determinação popular em destruir o inimigo.

Ao nível internacional o colonial-fascismo português que ainda mantivera certa margem de manobra graças à cumplicidade activa dos países capitalistas em particular de certos membros da OTAN, começou a ser denunciado com renovado vigor e foi levado a um isolamento externo que se manifestou nomeadamente por sucessivas expulsões de Portugal de organizações internacionais.

A palavra de ordem lançada pelo Comité Central da FRELIMO em Dezembro de 1972 de ofensiva generalizada em todas as frentes acelera o colapso do inimigo.

É evidente que a ofensiva generalizada não se limitou, nem poderia ter sucesso sequer no plano militar se se reduzisse a uma pura e simples intensificação de combates de grande envergadura: ao lançar a palavra de ordem de ofensiva generalizada em todas as frentes o Comité Central de 1972 antes de mais a necessidade da unidade ideológica; por outras palavras a lição da prática é de que não basta a unidade fundada na negação do inimigo e na simples reivindicação de independência. É fundamental que a unidade se faça em vista de uma definição clara e inequívoca de princípios do que queremos, como queremos, que sociedade nós propomos a construir, e sobretudo impõe-se que a afirmação dos princípios seja vivida e desenvolvida por uma prática consequente.

Por isso a luta ganha em extensão, novas frentes são abertas, a linha ideológica ganha corpo nas zonas libertadas estabelecendo uma demarcação nítida em relação à zona controlada pelo inimigo. Estabelecem-se solidamente as bases do poder democrático popular.

Foi a combinação de uma linha justa com uma prática correcta que levou à destruição e derrota do colonialismo português e abriu uma nova fase no processo de independência do Povo Moçambicano que se iniciou com os Acordos de Lusaka e que acaba de terminar com a proclamação da independência nacional completa de Moçambique.

A tarefa do Governo de Transição foi essencialmente a de consolidar o poder duramente conquistado nomeadamente através da extensão e aprofundamento da mobilização popular. Felicitamos o Governo de Transição pelo sucesso como realizou a sua missão, pelas condições que criou para que se estenda e consolide realmente no nosso país o poder popular.

Devemos estar conscientes das grandes dificuldades que teremos de enfrentar como resultado da situação colonial e que o Governo de Transição não pôde evidentemente abordar senão parcialmente.

Com a proclamação da República Popular de Moçambique iniciamos uma nova fase da nossa história em que iremos materializar ao nível de todo o país as conquistas políticas, ideológicas, económicas, sociais, culturais obtidas durante a luta.

Dizer República Popular é pronunciar uma fórmula vã e demagógica. Dizer República Popular significa dar substância às aspirações dos milhões de moçambicanos dominados e explorados para quem a independência é uma condição para o fim da exploração e o estabelecimento de um regime popular. 

Dizer República Popular é dizer Independência; dizer República Popular é dizer Revolução.

O Estado não é uma estrutura eterna e imutável, o Estado não é uma máquina burocrática de funcionários, nem um ser abstracto, nem um simples aparelho técnico. O Estado é em cada momento a forma organizada através da qual uma classe assume o poder a fim de realizar os seus interesses. Ao Estado colonial, instrumento de dominação e exploração da burguesia estrangeira e do imperialismo parcialmente já destruído pela luta, deve substituir-se o Estado Popular forjado na aliança dos operários e camponeses, orientado pela FRELIMO e defendido pelas Forças Populares de Libertação de Moçambique, o Estado que liquida a exploração, liberta a iniciativa criadora das massas e as forças produtivas.

Na fase da democracia popular em que nos engajamos agora como etapa do processo revolucionário moçambicano, temos como objectivo a criação de uma base material, ideológica, administrativa e social do nosso Estado.

Devemos estar conscientes que o aparelho que nós herdamos neste momento é, pela sua natureza, pela sua composição, pelos seus métodos de trabalho, uma estrutura profundamente retrógrada e reaccionária que importa revolucionarizar completamente para o colocar ao serviço das massas.

Há certo número de outras realidades de que devemos também estar profundamente conscientes e essas são o facto de que conquistamos o poder político mas não possuímos ainda o poder económico, que nos escapa ainda o controlo do aparelho administrativo, educacional, sanitário, judiciário e outros.

A nova batalha por isso está apenas a começar.

Contra nós encontramos os exploradores e privilegiados que procurarão barrar o processo revolucionário por todos os meios ao seu alcance. Não nos iludamos pelo facto que o inimigo hoje não recorre à acção directa. Se está enfraquecido não está morto. Os seus métodos tornar-se-ão por isso mais pérfidos. Já temos neste momento provas dessa acção através da infiltração, das tentativas de desvirtuamento da nossa linha, do oportunismo político.

A nossa unidade será um alvo fundamental da acção inimiga. A unidade, nós continuamos a dizer, não é um sentimento ou uma abstracção. A unidade viva, a unidade alimenta-se de uma concepção clara dos nossos objectivos e de percepção exacta das tarefas de cada momento. A unidade implica o estabelecimento de uma linha de demarcação ideológica cada vez mais firme entre nós e o inimigo qualquer que seja a sua face.

A FRELIMO afirmou-nos pela prática da sua acção como a força dirigente da nossa sociedade. Por isso mesmo de uma maneira espontânea, do Rovuma ao Maputo, as largas massas identificam-se inteiramente com os princípios e o combate da FRELIMO.

Esta enorme adesão popular possui um enorme potencial, constitui desde que devidamente canalizado e estruturado, uma fonte inextinguível de progresso, uma força invencível. No momento em que se tornam prioritárias as tarefas de consolidação do poder, da aliança dos operários e camponeses e se inicia a nova fase de reconstrução nacional, importa que ao nível das estruturas e da organização, a FRELIMO se encontra em condições de levar a termo a tarefa gigantesca a que faz face. 

Trata-se primeiramente de levar a cabo a ofensiva ideológica que liquide a mentalidade colonial e capitalista fortemente arreigada nas zonas urbanas, assim como a mentalidade tradicional feudalista predominante nas zonas rurais. Uma ofensiva ideológica que habilite as massas trabalhadoras a compreenderem o seu papel histórico, o seu papel dirigente no processo das transformações em curso. Esta tarefa deve ser precedida por uma elevação consequente do nível político e ideológico dos quadros temperados e forjados no processo da guerra popular de libertação. Por isso mesmo, a última sessão do Comité Central decidiu criar prioritariamente a Escola do Partido.

A missão de mobilizar e organizar as massas no duro combate de classes que se avizinha, só pode ser confiada a quadros provados pela prática. Um dos principais baluartes do sistema de exploração do homem, encontra-se no aparelho complexo que herdamos ao nível administrativo, judiciário, educacional, sanitário, etc.. Este aparelho independente da boa vontade e honestidade dos homens que o compõem foi concedido exclusivamente para servir a dominação estrangeira e o sistema de exploração do homem. É, pois, imperioso para nós, criarmos uma nova mentalidade, uma nova perspectiva, inculcar novos métodos aos homens que nele se encontram. Este trabalho só pode ser levado a cabo quando os autênticos representantes da classe trabalhadora estiverem em condições de assumir o seu papel de dirigente.

Estes factores explicam as razões, algumas das razões principais que exigem à FRELIMO permanecer como força dirigente das estruturas do Estado.

Na batalha presente, o povo dispõe de um instrumento precioso: as Forças Populares de Libertação de Moçambique, forjadas e temperadas no duro combate contra a agressão colonial-imperialista, no combate ainda contra os antigos e novos exploradores. As circunstâncias históricas vividas pelo nosso povo na última década fazem com que as Forças Populares de Libertação de Moçambique sejam o grande e inesgotável reservatório de quadros revolucionários.

Elevando continuamente a consciência política e de classe dos combatentes, elevando continuamente o seu nível educacional, cultural, científico e técnico, reforçando a disciplina das nossas fileiras, reforçando sentimento de dever internacionalista, educando as novas gerações de combatentes nas gloriosas tradições revolucionárias das Forças Populares de Libertação de Moçambique disporemos sempre duma força decisiva para defender a pátria, a revolução e os interesses das massas populares.

As Forças Populares de Libertação de Moçambique, como no passado, são também um destacamento de combate nas frentes fundamentais da produção, do estudo e da mobilização das massas. É a participação activa nestas frentes que permitirá aos combatentes assumir a dimensão política que os habilitará a cumprir sempre o seu dever patriótico e revolucionário.

A participação da mulher no seio das Forças Populares de Libertação de Moçambique, no quadro do Departamento Feminino é um imperativo na batalha pela emancipação da mulher, no combate pela sua integração no seio do processo revolucionário. A participação da mulher numa tarefa tradicionalmente concebida como exclusiva do homem é um factor mobilizador profundo, um factor decisivo na implantação de uma prática de igualdade entre os sexos.

A Organização da Mulher Moçambicana é chamada a desenvolver as suas actividades à escala de todo o país, à escala dos problemas gritantes a que a mulher faz face.

Para poder cumprir a sua tarefa a O.M.M. deverá apoiar-se firme e seguramente no Destacamento Feminino que constitui na prática a vanguarda da mulher moçambicana.

A batalha pela emancipação da mulher é também uma batalha ideológica contra concepções derivadas de tradições decadentes e contra as múltiplas tentativas da burguesia em desvirtuar o combate libertador. O combate, é também um combate organizacional, um combate para implantar estruturas no seio da mulher mais desorganizada, mais atrasada, mais oprimida, mais humilhada, mais explorada.

Deverão surgir mais organizações democráticas de massas especialmente ao nível da juventude e dos trabalhadores, depois de um trabalho prévio de organização desses sectores pela FRELIMO. 

No momento em que proclamamos a nossa independência devemos cuidadosamente evitar ser dominados por sentimentos emocionais de euforia em particular na análise da nossa situação económica e social. Não diminui a grandeza da nossa luta, do nosso povo ou do nosso país o termos de reconhecer que a situação económica financeira é catastrófica como fruto da pilhagem desenfreada, dos condicionalismos financeiros impostos pelo colonialismo, da exploração desorganizada do nosso potencial.

Importa, por isso, proceder a uma análise fria, sector por sector da vida económica, social, educacional, cultural, sanitária do nosso país, a fim de formular os melhores métodos de combate. Será essa a primeira tarefa do nosso Governo. Solucionar os problemas de desemprego, da miséria, do analfabetismo, das crianças abandonadas, da prostituição, do banditismo, são alguns dos problemas prioritários.

Devemos por isso traçar uma política de desenvolvimento nacional, uma política correcta de utilização dos nossos recursos. A definição da política a seguir é fundamental para o estabelecimento das prioridades a observar.

No estabelecimento da estratégia do desenvolvimento devemos valorizar o que constitui a nossa força principal que é a mobilização e organização do povo. Aqui ainda devemos buscar inspiração na nossa própria experiência em particular nas zonas libertadas. Basta comparar os sucessos de hoje patentes para todos do trabalho de reconstrução nas zonas libertadas com a miséria em que se vivia nos campos de concentração inimigos, apesar das grandes somas aí despendidas. Não busquemos, pois, a solução dos nossos problemas em paliativos miraculosos vindos do exterior mas contemos antes de tudo com as nossas próprias forças, empenhemo-nos determinadamente no trabalho com um programa claro e com objectivos claros.

A este respeito queremos salientar o papel que continuamos a atribuir às zonas libertadas, aos centros e bases da FRELIMO como reservatório e fonte de inspiração da nossa revolução. É nessas zonas que a população já vive há longos anos fora da sociedade colonial, dos seus vícios e defeitos, da sua influência corrosiva. É nos centros e bases que vem crescendo uma nova geração verdadeiramente liberta, aquela que realmente merece o nome de «continuadores».

É evidente que a criação da nova vida nas zonas libertadas não foi fruto de acaso ou o resultado automático da quebra de contactos com a sociedade colonial. Um esforço profundo, político, ideológico e organizativo teve de ser realizado para vencer a influência do passado, as tentativas de ressurgimento das forças tradicionais, assim como os exploradores.

Importa relembrar essa experiência a fim de preparar a nova fase. Quem visita todo o nosso país pode constatar o grande problema que põe a dispersão das populações e a dificuldade para o Governo se organizar em tais condições os serviços sociais, educacionais, sanitários, em suma, de melhorar as condições de vida destas populações. Por isso, sob a direcção da FRELIMO as populações dispersas nas zonas rurais vão ser estruturadas em sociedades revolucionárias, em última análise aldeias comunais onde as populações viverão organizadamente, desenvolvendo colectivamente a produção, fundindo as suas tradições, promovendo o intercâmbio dos seus conhecimentos.

Dentro dos meios disponíveis e observando o princípio de contar com as suas próprias forças o Estado dará toda a ajuda possível a estas sociedades comunais, encorajando a sua multiplicação e desenvolvimento.

Deste modo poderão ser prestados à população serviços que lhes permitam gozar realmente de uma melhoria de bem-estar, nomeadamente pela elevação do nível técnico e educacional, pelo abastecimento de água, electricidade, assistência sanitária, actividades culturais.

A organização das sociedades comunais deve constituir uma prioridade na nossa acção tanto ao nível do Partido como do Estado. O Partido deve lançar uma grande campanha de mobilização e explicação ao mesmo tempo que se procede ao estudo das religiões oferecendo melhores condições de vida e de produção.

A realização das tarefas gigantescas que nos esperam implica a conquista e a consolidação da unidade. Para estar unido não basta afirmar-se que se está unido. É necessário um combate permanente contra as situações e tendências divisionistas.

É necessário assumir a grandeza, a diversidade e a complexidade do nosso país. Conhecer essa complexidade significa estudar o divisionismo que existe no nosso país e a forma de o combater. 

Entre as várias sequelas do colonialismo a sociedade moçambicana apresenta em alto grau uma forma típica de discriminação, a de discriminação por grupos raciais e sociais.

Vemos em Moçambique sociedades paralelas assumindo forma de clubes, constituídas na base da raça ou da maior ou menor pigmentação nunca se tocando senão no contacto obrigatório e superficial das horas de serviço.

Nesta organização social abundam os complexos de superioridade e de inferioridade, os recalcamentos e as tensões. 

É importante que todos esses particularismos cedam o passo à unidade real entre os moçambicanos. Não conhecemos tribos, regiões, raças, crenças religiosas. Conhecemos moçambicanos igualmente explorados, igualmente desejosos da liberdade e da revolução.

Gostaríamos de dedicar a nossa atenção ainda ao problema das relações que tradicionalmente têm existido entre as igrejas e as religiões e o Estado e definir em termos bem claros o que serão essas relações na República Popular de Moçambique.

Na sociedade que queremos construir, o Estado assenta no princípio que todas as transformações no seio da sociedade são o resultado da luta do homem nas frentes de combate de classe, de combate pela produção e inovação científica assim como da contradição dos fenómenos da natureza.

O colonialismo, o capitalismo, os diferentes sistemas de exploração do homem no nosso país sempre se encontravam associados à instrução religiosa.

O Estado colonial transformou a crença dos fiéis em instrumento neutralizador da legítima revolta do povo.

O Estado tem o dever de garantir a liberdade de consciência dos seus cidadãos o que implica em especial a protecção da criança contra tentativas de endoutrinamento no seio das instituições de Estado como se vinha praticando nas escolas coloniais que submetiam crianças de diferentes origens religiosas à missionação da Igreja Católica.

É para respeitar a liberdade de consciência que o Estado não se pode confundir com nenhuma religião, nem aparecer ligado a qualquer delas.

Ao Estado compete garantir o livre direito de cada cidadão em acreditar ou não acreditar.

A mobilização das massas é um direito e dever conquistado exclusivamente pela FRELIMO através de uma luta dura contra o colonialismo e o imperialismo. A íntima associação de instituições religiosas à máquina de dominação e agressão do nosso povo certamente não lhes confere hoje o direito de reivindicarem algo o qual sempre lutaram. 

O Povo Moçambicano não lutou só. Ao longo do duro combate armado de libertação nacional, a FRELIMO estabeleceu relações de amizade, de solidariedade e de ajuda mútua com os povos e países que partilhavam das mesmas aspirações à liberdade, à independência e ao progresso social.

Esta afirmação não decorre de simples sentimento de gratidão embora não possamos aqui deixar de exprimir neste dia de alegria, quando o Povo Moçambicano aprecia e estima a ajuda fraternal e desinteressada que recebeu de povos, países, organizações e indivíduos e que tornaram eficaz e vitorioso o seu esforço e o sacrifício.

Na primeira linha desta frente de combate encontramos os movimentos de libertação nacional, combatentes do mesmo combate na mesma trincheira, companheiros de armas que connosco lutaram e com os quais estabelecemos relações de solidariedade fraternas e indestrutíveis. A elas queremos antes de mais afirmar nesta terra libertada de África que a República Popular de Moçambique assume integralmente a dimensão internacionalista do combate pela libertação de África e da humanidade e que o nosso combate comum continua.

Na pessoa do nosso camarada e amigo Presidente Mohamed Siad Barre, Presidente em exercício da Organização da Unidade Africana (O.U.A.), queremos saudar toda a África independente, nossa grande base de apoio seguro. Queremos saudar a sua ilustre figura de militante revolucionário africano a ajuda política, moral, diplomática e material dos países africanos e a sua solidariedade em relação à nossa luta.

Queremos saudar muito particularmente os nossos irmãos da Tanzania e da Zâmbia, que sem hesitação nem cálculo de qualquer sorte, assumiram todos os riscos que comportava a sua posição de retaguardas estratégicas, que sofreram perdas em vidas e em bens para não transigir com o colonialismo e dar a sua contribuição para a libertação de África.

Porque a nossa luta se inseria correctamente no combate comum anti-imperialista, o Povo Moçambicano sob a direcção da FRELIMO soube assumir o seu posto na grande frente mundial das forças revolucionárias. É neste quadro de solidariedade política e ideológica que se situam as nossas relações com os países socialistas, zonas libertadas da humanidade, onde se constrói uma nova sociedade livre de exploração de homem pelo homem.

A República Popular de Moçambique desenvolverá e intensificará as suas relações militares com todos os países socialistas, procurando beneficiar da sua experiência no que ela constitui um património comum de humanidade do domínio político, ideológico, organizacional, económico, social e cultural.

Ao saudar as forças progressistas não poderíamos deixar de saudar o povo português, nosso aliado de sempre no combate contra o colonial-fascismo a quem nos unem laços de fraterna solidariedade forjados na ajuda mútua e na contribuição recíproca no combate pela libertação dos dois povos.

Porque a nossa luta nunca assumiu um carácter racial porque o nosso povo sempre soube distinguir o regime colonial-fascista do povo português, nós podemos hoje sem complexos de qualquer tipo, estender a nossa mão amiga ao povo português para que sem ódio e sentimento de vingança juntos construamos um futuro de amizade, baseado no respeito mútuo e no respeito da personalidade de cada povo.

A República Popular de Moçambique, no quadro da sua política de paz, amizade e solidariedade com todos os povos deseja estabelecer relações sãs de cooperação internacional com todos os Estados independentes dos seus regimes sociais na base dos princípios de não ingerência nos assuntos internos, igualdade absoluta e benefício mútuo.

Estes princípios todavia não nos permitem sacrificar os verdadeiros interesses populares às circunstâncias históricas transitórias; como sempre o fizemos, não coexistiremos com fascismo e o colonialismo.

Atribuímos uma grande importância ao desenvolvimento das nossas relações com os Estados de África, da Ásia e da América Latina igualmente vítimas das pilhagens e agressões imperialistas.

Consideramos igualmente importante o desenvolvimento das nossas relações com os países escandinavos, a Finlândia e a Holanda, que souberam compreender desde cedo a justeza da causa anticolonial.

Estamos prontos a assumir as nossas responsabilidades no seio da comunidade africana e internacional e nesse quadro pediremos a nossa admissão na Organização da Unidade Africana e na Organização das Nações Unidas, Organizações internacionais que tem servido a causa da liberdade nacional e da paz.
Moçambicanas, Moçambicanos:
Conquistamos a nossa independência por força da nossa luta, do nosso sacrifício, da nossa consciência revolucionária.

Marchámos, lutamos, morremos para defender os interesses das massas populares trabalhadoras.

Ao iniciarmos esta nova caminhada, iluminados pelo heroísmo dos nossos mártires e guiados pela linha política da FRELIMO, possuímos uma certeza inabalável:

Faremos triunfar a revolução!

Viva a FRELIMO
Viva a República Popular de Moçambique!
A luta continua!


Inclusão 12/11/2018