Sobre os Problemas, Função e Tarefas da Juventude Moçambicana

Samora Moisés Machel


Primeira Edição: ....

Fonte: Mozambique History Net

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Desde a fundação da FRELIMO, em 25 de Junho de 1962, nós vimos os jovens desempenhar tarefas de importância fundamental para a nossa luta. Com o desencadeamento da Guerra Popular Revolucionária nós vimos os jovens engajados na tarefa principal: a Luta Armada. Com o desenvolvimento do combate Libertador os jovens assumiram com clareza o conteúdo popular da guerra e compreenderam as suas características e exigências: os jovens combatiam as forças vivas do colonialismo português, transportavam o material, participavam nas milícias populares, na produção colectiva, na alfabetização e na educação sanitária; os jovens quadros da FRELIMO participavam na Organização e Mobilização das massas populares. Eles constituíram a base em que se assentou a força de vanguarda no processo da luta de classes nas zonas libertadas.

Os jovens contribuíram valorosamente na edificação e consolidação das zonas libertadas, viveiros da Revolução onde se criou e hoje se desenvolve o modelo da Nova Sociedade. Foi nesse processo que os jovens se distinguiram na defesa dos interesses mais profundos do nosso povo contra o colonialismo português e contra as tendências e a linha reaccionária dos aspirantes a novos exploradores que surgiram no seio da FRELIMO.

Também no exterior, na frente diplomática, nós vimos a Juventude desempenhar tarefas de grande importância através da divulgação da resistência heróica e do combate libertador do nosso povo dirigido pela FRELIMO contra o colonialismo português e o imperialismo.

Mas a fundação da FRELIMO, e sobretudo o desencadeamento da Luta Armada não mobilizaram apenas os jovens directamente engajados na guerra.

Com efeito nas próprias zonas onde o inimigo se sentia dono e senhor da situação, nas zonas onde a sua máquina de ocupação, de opressão e de pilhagem parecia inabalável, a Juventude desempenhou papel de relevo na luta de libertação nacional.

Nós vimos os jovens no trabalho clandestino de mobilização do nosso povo, distribuindo panfletos, reproduzindo as emissões «A VOZ DA FRELIMO», organizando grupos de estudos e de discussões, participando de todas as formas possíveis no trabalho de propaganda.

Entre os inumeráveis mártires de Mueda, de Xinavane, da Machava, do Ibo, das greves dos Caminhos de Ferro, contam-se muitos jovens.

Nas mãos criminosas da PIDE foram muitos os jovens moçambicanos que sacrificaram as suas vidas em defesa dos interesses do povo.

Nas zonas ocupadas pelos colonialistas portugueses crescia constantemente o número de jovens que, conscientes da justeza da Guerra Popular conseguiam escapar às malhas tenebrosas da rede de segurança colonial e vinham juntar-se à FRELIMO.

Após a derrota e a capitulação do colonialismo português, com a assinatura dos Acordos de Lusaka, a Juventude moçambicana pôde manifestar mais amplamente a sua adesão à linha política da FRELIMO e o seu engajamento nas diversas frentes da Reconstrução Nacional. O combate da juventude foi fundamental no aniquilamento das forças fantoches do neocolonialismo.

Temos visto o papel importante que os jovens engajados nas Forças Populares de Libertação de Moçambique e nas Forças Paramilitares desempenham na defesa da soberania e na consolidação da Independência Nacional.

Não podemos deixar de referir a participação decisiva da Juventude nas estruturas da FRELIMO, em particular nos Grupos Dinamizadores, contribuindo assim para a extensão do Poder Popular Democrático a todos os pontos do País.

Vimos a forma entusiástica como a Juventude apoiou as nacionalizações e a maneira como desde logo se empenhou na defesa, consolidação e valorização dessas mesmas nacionalizações.

Sentimos profundamente a maneira como a Juventude tem sabido assumir o carácter internacionalista da nossa luta, desenvolvendo toda uma série de acções com vista a reforçar o apoio à luta do povo irmão do Zimbabwe.

Vimos também que os sucessos até aqui alcançados na frente da alfabetização, da educação sanitária e do desenvolvimento da nossa cultura revolucionária tem dependido grandemente da acção da Juventude.

No entanto, a enumeração das tarefas em que a Juventude provou o seu engajamento na nossa Revolução, não nos deve levar a concluir que a Juventude é perfeita, ou que não existem no seio dos jovens tendências negativas e até mesmo nefastas.

Uma tal conclusão resultaria de uma análise superficial do problema, demonstraria uma incompreensão do que é a Juventude e quais são as suas características.

Na realidade a nossa Juventude sofre ainda hoje a influência dos aspectos negativos da sociedade tradicional-feudal, sofre ainda as influências da ideologia colonial-burguesa.

A Juventude Moçambicana, sobretudo nas zonas rurais, vive ainda hoje submetida à influência cuja raiz deve ser procurada na sociedade tradicional-feudal. É o caso do tribalismo e do regionalismo, factores da divisão do nosso povo. É também o caso do obscurantismo e da superstição que impedem o jovem de adquirir uma visão cientifica e materialista do desenvolvimento da natureza e da sociedade.

A inércia e a falta de energia criadora que encontramos nalguns sectores da Juventude, particularmente entre os jovens camponeses, são herança da sociedade tradicional-feudal que o colonialismo português procurou perpetuar com o fim de melhor explorar o nosso povo.

A Juventude camponesa é ainda vítima de certos hábitos negativos como os ritos de iniciação e os casamentos prematuros. Estas práticas retrógradas, traumatizando psiquicamente os nossos jovens contribuem para a deformação das suas mentalidades e para a reprodução dos valores da velha sociedade.

Nas zonas urbanas, nas cidades e nas vilas, é onde se faz sentir com mais intensidade o padrão da vida colonial-capitalista. E precisamente sobre a juventude das zonas urbanas, seja ela operária, funcionária ou estudante, que mais incide a acção nociva da ideologia decadente da burguesia.

No nosso país, em especial após a fundação da FRELIMO, o colonial-imperialismo procurou sempre desviar a Juventude das ideias e dos anseios mais profundos do povo, procurou isolar a Juventude da luta das classes trabalhadoras, procurou aliená-la do processo histórico.

Assim, aproveitando-se da tendência dos jovens para se divertirem, os colonialistas esforçaram-se por difundir um tipo de diversão baseada no consumo do álcool e da droga, na promiscuidade sexual, no desprezo pela cultura nacional e na imitação cega dos valores decadentes da burguesia estrangeira. Surgiram deste modo os «parties», ou sejam as festas ao bom estilo americano ou sul-africano onde eram correntes a bebedeira, a droga, a promiscuidade e aberrações sexuais; as sessões de «passa» ou sejam as reuniões de drogados onde jovens inexperientes eram iniciados no mundo da droga; o chamado «amor livre», directamente importado das democracias burguesas, que outra coisa não é, senão uma abjecta promiscuidade sexual com o desprezo mais profundo pela mulher; a linguagem dita «freak» ou seja, o calão dos marginais da sociedade que rapidamente se difundiu no seio da Juventude estudantil. É a linguagem dos «Ei joe!, Oi pita!, Vamos tirar umas «cenas» bem mais quê!»

Surgiram também as indumentárias extravagantes, desde os sapatos à «Beatle» até às calças que chegam ao peito, desde as camisas que não chegam ao umbigo, até aos blusões com distintivos das forças dos criminosos exércitos imperialistas — U.S. Army, U.S. Air Force.

Fomentando o desprezo pelo trabalho manual, o elitismo, a arrogância e os complexos de superioridade, os colonialistas procuravam instituir no seio da Juventude o desprezo pelas massas trabalhadoras, isolando assim os jovens da prática social. Assim se explica que alguns jovens degenerados tivessem vergonha do pai por este ser um operário.

O banditismo, a corrupção, a imoralidade, a pornografia, o «machismo», o individualismo, o espírito de sabe-tudo, são constantemente exaltados nos filmes, nas fotonovelas, nas revistas, nos discos, nos livros e demais meios de propaganda burguesa. E alguns jovens assimilavam e copiavam imediatamente tais valores.

O racismo e a divisão de base religiosa eram inculcados na Juventude a partir da própria escola, centro difusor da cultura do colonizador.

As influências negativas dos valores burgueses, se bem que se fizessem sentir principalmente sobre os jovens das cidades, também afectavam a juventude camponesa. É deste modo que se compreende que nos últimos anos se tenha intensificado o êxodo dos jovens do campo para a cidade, atraídos pela falsa auréola da «vida fácil e alegre» das cidades.

Derrotado o colonialismo português, as manobras do imperialismo para desviar a Juventude dos ideais revolucionários não cessaram; pelo contrário, foram até refinadas e aperfeiçoadas.

Nos últimos tempos, em particular após a Proclamação da Independência Nacional, tem-se notado uma intensificação da acção dos agentes da burguesia no seio das escolas.

Assim se explica a onda de indisciplina, de desorganização, de liberalismo e de corrupção que grassa em certas escolas; trata-se da acção de pequenos grupos, é certo, mas bem organizados.


Inclusão 02/09/2018