Conselhos de Desempregados em São Petersburgo em 1906

Sergei Malyshev


A Duma Municipal financia greves


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O dinheiro para auxiliar os desempregados a pagar seu aluguel veio direto dos conselheiros da Duma Municipal, e foi pago de acordo com listas feitas pelos conselhos de desempregados(1) com um membro do comitê do Conselho de Desempregados, ou representantes dos conselhos de distritos, supervisionando. Os conselheiros municipais e os representantes do Conselho reuniram todos os desempregados do distrito que receberiam auxílio monetário e os deu dinheiro, pedindo a assinatura de recibos. Muitos dos desempregados eram analfabetos, alguns assinaram com cruzes, alguns assinaram em nome de outros, etc.

Enquanto isso, em todos os distritos de São Petersburgo, um amplo movimento de greve se desenvolveu. As greves eram políticas, não econômicas. Esses novos quadros, vindos dos desempregados, se uniram às nossas fileiras. Obviamente, o Conselho de Desempregados tinha influência na preparação das greves, pois os sindicatos estavam muito enfraquecidos e mal podiam prestar apoio aos grevistas. Então, junto às greves no distrito de Vyborg, nós tivemos também que organizar assistência financeira aos grevistas. Para eles, duas semanas sem trabalho significava morrer de fome, a não ser que recebessem algum auxílio. Nós fizemos uma lista de 500 pessoas no distrito de Vyborg que receberiam ajuda para pagar o aluguel. Essa lista incluía os grevistas em necessidade da fábrica Erikson. Mas antes do Conselheiro Shnitnikov chegar com o dinheiro, fiquei sabendo que alguns grevistas na lista haviam voltado ao trabalho, tornaram-se fura-greves. Havia 100 deles. Nós estávamos em um dilema. Se deixássemos a lista como estava,

100 fura-greves receberiam o dinheiro; se tirássemos seus nomes, o conselheiro iria deixar o distrito com o dinheiro que ele havia separado para distribuir. O que deveria ser feito? Deixamos a lista intocada, mas fizemos alguns de nossos grevistas memorizar os nomes para que pudessem responder quando eles fossem chamados pelo conselheiro municipal, e então receber o dinheiro. Todos os desempregados formaram fila no corredor, dois a dois. O conselheiro municipal começou a chamá-los em seu escritório um a um, e na nossa presença deu a alguns 5, outros 8, e ainda outros 10 rublos, de acordo com o tamanho de sua família e nossa sugestão. Tudo ocorria bem até que Shnitnikov chegou à Petrova. Ele a chamou e perguntou:

“Petrova, quanto você deve receber?”

E a mulher respondeu:

“Não sou Petrova, sou Samoilova”

Eu olhei feio para ela. Em que bagunça ela estava nos metendo. Ela entendeu, ficou confusa, e então balbuciou:

“Sim, sim, eu sou Petrova”

Mas era tarde demais. Shnitnikov, um advogado, imediatamente entendeu que algo estava acontecendo. Ele perguntou para mim:

“O que é isso, Sr. Malyshev? O que está acontecendo aqui?”

“Nada demais, Nikolai Nikolaevich. Alguns nomes foram substituídos por outros porque descobrimos que aqueles na primeira lista estavam passando menos necessidades que estes.”

“Não, alguma coisa criminosa está acontecendo. Vocês são bolcheviques desempregados; só o diabo sabe o que vocês estão fazendo conosco.”

Eu falei para a trabalhadora sair e disse firmemente que nada criminoso foi feito e que não havia nada para ficar irritado.

"Se você não quer distribuir o dinheiro, saia do distrito”

Ele rapidamente agarrou o dinheiro que estava sobrando (ainda havia cerca de 50 ou 60 rublos para distribuir) e sem pedir licença saiu da sala gritando:

"Isso é tudo culpa de vocês Bolcheviques! Vocês levaram a Duma Municipal a cometer atos criminosos!”

Nós apenas rimos. Os trabalhadores se dispersaram, xingando a mulher que não pode lembrar o nome sobre o qual ela deveria receber o dinheiro. Mas esse foi o único caso que permitiu aos conselheiros municipais saber que nós havíamos substituído algumas pessoas por outras. Na verdade, havia muitos outros casos. Nós fizemos isso regularmente e conseguimos apoiar todas as greves que surgiram em São Petersburgo em 1906 e parte de 1907 desta maneira. Nós realizamos a maior parte das greves, as maiores delas, greves dos portuários, dos cocheiros, da fábrica de telefones Erickson, e outras, com verbas da Duma Municipal.

A Duma Municipal gastou quase 4 milhões e meio de rublos no auxílio direto dos desempregados e nos empregos públicos dos quais irei falar adiante. Os gastos com empregos públicos eram bem vistoriados. O dinheiro gasto para manter os refeitórios para os desempregados também era supervisionado corretamente. Mas em outros itens menores, as contas eram mal cuidadas, o que nos permitiu usar parte dos fundos da cidade para greves e outros propósitos similares. Nós tínhamos uma lista que, com exceção de duas ou três assinaturas, estava inteira assinada com cruzes. Nós colocamos uma centena de cruzes na lista — e era tudo que tinha nela! Os conselheiros municipais, é verdade, perguntavam ao desempregado:

“Você também é analfabeto?”

E o trabalhador respondia:

“Sim, sou analfabeto. Não é minha culpa; você não nos ensinou a ler ou escrever. Apenas 5% dos trabalhadores podem ler e escrever, e eles estão trabalhando. Os desempregados são todos analfabetos.”

Os conselheiros municipais olhavam surpresos, mas continuavam com a distribuição.

Dois anos e meio mais tarde, depois que sai da prisão e voltei a São Petersburgo, encontrei o secretário da comissão da Duma. Ele pediu para que eu entrasse no prédio da Duma. Eu disse que estava proibido disso, mas ele me prometeu que não aconteceria nada comigo. No escritório da comissão, eu vi nossas listas com as cruzes; elas estavam espalhadas em grandes mesas.

“Como é possível,” perguntou o conselheiro, “que todas essas cruzes são parecidas? Se elas tivessem sido escritas por pessoas diferentes, elas seriam diferentes umas das outras, não é?”

Eu fui pego de surpresa com essa pergunta e fiquei sem resposta. Eu disse a ele que os trabalhadores eram ferramenteiros, serralheiros, mecânicos, etc.: todos faziam trabalho pesado, e que isso talvez fosse o motivo de todas as cruzes serem parecidas. O senador, um membro da comissão, levantou os olhos do papel, me olhou, pensou um pouco, e então disse:

“Talvez você esteja certo; sim, não é possível explicar de nenhuma outra maneira”

Eu desejei a ele sucesso e deixei a comissão. Duas semanas depois, esse mesmo secretário me informou que a auditoria da comissão decidiu por fazer apenas um relatório provisório sobre essas contas, que era impossível chegar a uma conclusão e que depois que o relatório do conselho municipal estivesse feito, ele seria arquivado.


Notas de rodapé:

(1) Na edição em inglês "unemployed councils". O plural, somado à citação ao Conselho de Desempregados e aos conselhos distritais, indica que não se trata de nenhum dos dois. Provavelmente se trata de alguma outra organização de base que não foi citada anteriormente. (retornar ao texto)

Inclusão: 05/12/2019