História do Mundo
Volume II - O Período Moderno

A. Z. Manfred


Capítulo IV - Os Povos da Ásia nos Séculos XVII e XVIII


Neste período a história dos povos da América Latina, da Ásia e da África foi muito influenciada pela política colonial das potências europeias.

A Política Colonial da Espanha e de Portugal
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Os Espanhóis colonizaram toda a América Central e toda a América do Sul à excepção do Brasil, que foi dominado pelos Portugueses. A Espanha também tinha as Ilhas Filipinas que havia conquistadas no início do século XVII. Massacres impiedosos ao mínimo sinal de resistência, trabalho forçado nas minas e serviço feudal nas propriedades dos espanhóis e seus descendentes, os creoulos. Tal era a sorte dos índios, isto é, a sorte daqueles que sobreviviam. Escravos negros trazidos de África eram utilizados como criados nas casas dos proprietários e dos funcionários administrativos, e, como fonte de mão-de-obra, em regiões onde a população Índia tinha sido liquidada. A Espanha fez tudo para que nenhuma das empresas agrícolas das colónias pudesse competir com qualquer espécie de produção da metrópole. O comércio com potências estrangeiras era proibido e o comércio entre as colónias espanholas, individualmente, só era permitido dentro de limites definidos com extremo rigor.

Apenas dois navios por ano, com cargas que não excediam um valor estabelecido, partiam das Filipinas para o porto mexicano de Acapulco, os quais voltavam para trazer prata para pagar os salários dos funcionários espanhóis residentes na Ilhas e para a compra de mercadorias chinesas trazidas para Manila. As Filipinas não só estavam privadas de qualquer contacto com os estados europeus, como nem sequer tinham autorização para comerciar com a Espanha.

Em todas as colónias espanholas, os funcionários administrativos, os sacerdotes e os monges de uma grande variedade de ordens religiosas eram todos espanhóis de nascimento. E levas de colonos chegavam às colónias com a ideia de enriquecer rapidamente pela, pilhagem e pela exploração da população local, para depois voltarem à Espanha viver das fortunas assim adquiridas. Os descendentes dos «conquistadores» e dos primitivos colonos — os creoulos — iam em breve tornar-se poderosos proprietários parasitas que controlavam a população local, incluindo uma relativamente vasta classe de artesãos e comerciantes que lhes forneciam as mercadorias de que precisavam. Contudo, mesmo os creoulos, tinham pouca participação, na administração das colónias (durante todo o período de domínio espanhol só quatro de um total de 160 vice-reis foram creoulos, e apenas 14 dos 602 Capitães-gerais), e os seus direitos económicos e políticos eram restritos.

À oposição à Metrópole começava a crescer entre a população creoula. Pouco a pouco ia surgir a inteligentsia creoula misturada até certo ponto com mestiços, que no século XVIII já tinha adquirido certas proporções. Representava os interesses do sector, creoulo privilegiado da população, que exigia um aumento de direitos, a abolição das restrições que lhes eram impostas, e alterações na política económica e fiscal do país. Contudo, esta não procurou apoio entre as massas populares. A luta do povo contra a exploração colonial foi absolutamente espontânea e as frequentes revoltas armadas foram esmagadas com grande crueldade. Uma vez que a Espanha tinha sido reduzida à posição de potência de segunda categoria depois da Guerra da Sucessão Espanhola, tornou-se mais difícil para ela manter o isolamento forçado das suas colónias e o antigo monopólio que tinha do comércio delas.

Desenvolveu-se em larga escala um comércio de contrabando por outras potências europeias, pois ele proporcionava aos comerciantes locais, lucros consideráveis. Isto levou a um declínio do lucro que a Espanha tirava das suas colónias. Carlos III (1759-1788) esforçou-se por expandir os laços que ainda mantinha com as colónias, e aos comerciantes espanhóis foi concedido o direito de estabelecerem comércio com as colónias de todos os portos espanhóis. No entanto, embora durante os dez anos que se seguiram ao seu reinado, o volume de comércio legal se tenha multiplicado sete vezes, um número considerável de mercadorias estrangeiras eram ainda transaccionados como sendo espanholas. O comércio de contrabando aumentou muito, e a Espanha absolutista, que se atrasou em relação aos seus avançados vizinhos Europeus, teve cada vez mais dificuldades em conservar as suas possessões coloniais.

O sistema, colonial português centrava-se numa rede de postos comerciais fortificados espalhados da costa de África até à Índia e Macau que tinha sido tomada à China. Como não tinham recursos humanos e outros para administrar tão vastos territórios, os portugueses aproveitaram bem as suas bases comerciais e a sua supremacia dos mares para estabelecerem o controlo das principais rotas marítimas para o Oriente e manter o monopólio do comércio das especiarias. Estabeleceram uma base nas Molucas, obrigando a população local a fornecer-lhes o cravo-da-Índia e a noz-moscada que produziam por preços ridiculamente baixos. As possessões em Malaca deram aos portugueses a possibilidade de controlar a rota comercial da Índia e do Médio Oriente para a China e para a Malásia, de pilhar os navios de outros países e de os submeter a exigências exorbitantes. Contudo, no século XVII. ó domínio português do Oriente tinha sido minado pelos esforços conjuntos dos Holandeses e dos Ingleses, que já tinham atingido o estádio de desenvolvimento burguês. No século XVII, os portugueses apenas detinham algumas das suas antigas fortalezas, enquanto a maioria das suas possessões tinha caído nas mãos dos Holandeses. Em 1640 a conquista de Malaca marcou o declínio definitivo de Portugal como principal potência colonial do Oriente.

A Política Colonial das Companhias da Índias Orientais

Ao apogeu do colonialismo espanhol e português, quando as políticas coloniais eram ditadas pelos interesses das classes dominantes destas duas monarquias feudais, seguiu-se um período em que a política colonial da classe burguesa, que, nesta altura se afirmava nos estados Europeus mais progressistas, determinou o curso do desenvolvimento dos territórios de além-mar.

Nos séculos XVII e XVIII, foram lançadas as bases de um sistema colonial de acordo com os interesses da poderosa burguesia comercial. Não foi por coincidência que os primeiros passos nesta sua política colonial foram dados pelos Países-Baixos que apareceu como Estado independente depois da revolução burguesa ter libertado o país do domínio da Espanha absolutista. Em 1602 a formação da Companhia Holandesa Unida das Índias Orientais, após a de algumas companhias comerciais rivais, deu origem à primeira sociedade anónima em grande escala com capital subscrito, à qual foi concedido o monopólio do direito de comerciar no Oriente. Esta Companhia seria o modelo de outras companhias semelhantes, em particular a Companhia Inglesa das Índias Orientais, originariamente fundada em 1600.

No século XVII os Países-Baixos representavam um exemplo clássico de um país capitalista, e em breve os Holandeses, unidos aos Ingleses num mesmo esforço contra a supremacia colonial espanhola e portuguesa, conseguiram pôr fim ao domínio português (em 1581 Portugal passou a coroa espanhola). Os Holandeses apoderaram-se de muitas antigas colónias portuguesas, tais como a colónia do Cabo, no extremo sul da África, de postos avançados no golfo Pérsico, e Malaca em 1640.

Uma aquisição muito significativa foram as Ilhas das Especiarias, onde os Holandeses se aproveitaram habilmente do ódio da população local aos Portugueses, e da rivalidade entre os principados locais. Mas as acções empreendidas em conjunto com os Ingleses não diminuíram a rivalidade da competição entre as companhias comerciais inglesas e holandesas. Depois do massacre dos Ingleses em Amboína em 1623, a companhia inglesa foi desalojada do comércio de especiarias e, em consequência, da maior parte da Indonésia.

O centro do império colonial holandês que se formou no Extremo Oriente no século XVII foi Java. A companhia holandesa conseguiu conquistar territórios no pequeno principado costeiro de Jakarta, onde uma nova capital colonial, Batávia. Foi construída nas ruínas da antiga capital. Este facto marcou o começo da transformação da companhia comercial holandesa numa organização colonial com possessões territoriais. Durante várias décadas, os Holandeses foram obrigados a negociar acordos com grandes Estados que então existiam em Java. A violência e as cruéis medidas de repressão a que foi sujeita a população destes países fracos e atrasados, andavam de par com complicadas intrigas que tinham como objectivo instigar conflitos e contendas entre os principados locais.

A Indonésia nos Séculos XVII e XVIII

No século XVII o estado mais poderoso de Java era Mataram. Desde que o forte Império Majapahita tinha caído perante o ataque combinado dos principados vassalos nas regiões costeiras, cujos governantes tinham adoptado o islamismo, Java transformara-se num grande número de Estados que sustentavam amargas lutas uns contra os outros. A maioria desses Estados, que se uniriam mais tarde sob Mataram, estavam centrados nas férteis e densamente povoadas partes central e oriental da ilha, que tinha sido também o coração da culturalmente avançada e próspera Java da Idade Média. No século XVII o sultão Mataram adoptou o título de Susuhunan (aquele a quem todos se submetem) e continuou a expandir o seu poder.

Na parte ocidental de Java tinha aparecido no século XVII outro Estado bastante forte com o nome de Bantam. Como tinha acontecido com o sultanato de Atjeh no Norte de Samatra, Bantam deveu a sua ascensão a mudanças nas principais rotas marítimas. Para escaparem aos portugueses e evitarem exigências exorbitantes, os mercadores da Índia e do Oeste tinham nesta altura começado a utilizar uma rota ao longo da costa oriental de Samatra e do estreito de Sunda.

Nas regiões costeiras de Samatra, em Kalimantan e outras ilhas, o poder estava nas mãos de um grande número de principados feudais. No interior destas ilhas a sociedade tribal estava a desintegrar-se lentamente, e uma sociedade de classes emergia gradualmente. O regime colonial estabelecido pela Companhia Holandesa das Índias Orientais tinha instruções para, sobretudo, manter o monopólio da exportação de especiarias preciosas e doutros produtos da Indonésia. Os Holandeses estabeleceram o controlo destas áreas, sobretudo, forçando vários dos principados beligerantes a assinar tratados de aliança e ajuda, e também apoiando activamente vários governantes locais contra revoltas populares, ou tomando partido em questões de sucessão dinástica. Foram métodos como estes, durante os séculos XVII e XVIII, que pela primeira vez deram aos Holandeses a possibilidade de introduzir sub-repticiamente tratados aos chefes locais que lhes garantiam o monopólio do comércio e do ópio, e mais tarde de estender as possessões territoriais da companhia para a maior parte de Bantam e Mataram. A interferência holandesa no conflito dinástico de Mataram, em meados do século XVIII, acabou por levar à divisão do anteriormente poderoso principado, em dois estados vassalos mais pequenos: Suracarta e Djokjacarta. Estes dois Estados, que estavam completamente sob controlo holandês, continuaram a existir durante o período do seu domínio.

Nos territórios que se tinham tornado possessões holandesas, a companhia usou inicialmente métodos de administração indirecta. Não interferia na administração dos antigos senhores feudais, que entretanto se tinham tornado pouco mais do que vassalos e funcionários ao serviço dos Holandeses e cumpriam obedientemente as ordens os Holandeses no que dizia respeito à entrega dos produtos requisitados. A partir do século XVIII entretanto haveriam de organizar a introdução de uma nova cultura em casas camponesas locais, sobretudo a cultura do café.

Travaram-se guerras contra principados das Índias Orientais, fora Java, para defender o monopólio comercial existente e para impedir que rivais europeus penetrassem na região. À medida que os Holandeses continuavam a sua expansão territorial e as suas expedições punitivas, recorreram finalmente à formação de um exército constituído por soldados locais, que explorava as divergências nacionais e religiosas em proveito próprio. As Ilhas das Especiarias tomar-se-iam cenário de lutas particularmente duras secundando o esforço da Companhia para defender os seus monopólios. Assim, para garantir um controlo mais efectivo das exportações de cravo-da-Índia e noz-moscada, os Holandeses permitiam a cultura destes produtos só em duas ilhas: Amboina e Banda. Nos outros locais, os campos de especiarias foram destruídos, e, em consequência, a população local, que há muito dependia destas colheitas, para sobreviver foi condenada à fome. Para combater o contrabando e garantir que os preços das especiarias na Europa continuasse alto, os Holandeses recorreram à destruição deliberada das culturas das especiarias e isto deu como resultado frequentes revoltas entre os nativos desesperados e famintos. Expedições punitivas contra o povo das ilhas Banda acabaram no seu quase total extermínio. Os poucos sobreviventes foram abrigados a fugir para as áridas regiões montanhosas e morriam pouco depois à fome. Os Holandeses tentaram então estabelecer as suas próprias plantações, apoiando-se no trabalho-escravo. Os plantadores holandeses foram autorizados a procurar escravos nas ilhas adjacentes, e o comércio de escravos tornou-se logo uma actividade próspera que fornecia mais uma exportação proveitosa. Os senhores feudais de Sulawesi (Celebes) entregaram à Companhia os prisioneiros de guerra que capturaram no decurso de lutas locais com governos de guerra que capturaram no decurso de lutas locais com chefes vizinhos, e também homens das suas tribos. Os escravos que foram exportados para Java eram então de novo vendidos noutros locais por preços muito mais elevados.

No século XVIII, contudo, a Companhia Holandesa já não estava em posição de defender os seus monopólios e foi obrigada a fazer algumas grandes concessões à Inglaterra. Recorrendo ao contrabando, a Companhia Britânica conquistou a pouco e pouco uma posição na Indonésia e em breve os fabulosos lucros da Companhia Holandesa davam lugar a défices. Emitindo novas acções e obrigações do Estado, o governo holandês, chefiado pelo Stadholder, que tinha investimentos nos negócios da Companhia, conseguiu camuflar este défice durante algum tempo. O contrabando ilegal a que se dedicavam os próprios funcionários também serviu para minar o monopólio comercial holandês. Nenhuma das muitas medidas aplicadas conseguiu pôr fim a este comércio ilegal. A Inglaterra, que nessa altura tinha ultrapassado o desenvolvimento económico da Holanda, infligiu alguns sérios golpes aos interesses holandeses no decurso de uma série de guerras comerciais. A guerra de 1780-1784 teve como resultado privar os Holandeses de várias possesões coloniais e dar aos navios britânicos o direito de navegar em águas indonésias. Nessa altura já a Inglaterra tinha obtido alguns êxitos notáveis na Índia e consolidado os seus laços comerciais com o Médio Oriente e a China.

Na Índia, os Holandeses nem sequer tentaram competir com as companhias Inglesas e Francesas instaladas no país. Concentraram os seus esforços em manter apenas os seus postos comerciais na costa, que eram importantes para a exportação de mercadorias indianas para a Indonésia e o Extremo Oriente.

Na sua penetração da Índia, a Inglaterra e a França seguiram políticas semelhantes à dos Holandeses (explorar a rivalidade entre os governantes locais, recrutar forças de soldados nativos ou sipaios, concluir acordos subsidiários, administração com a ajuda de chefes locais dispostos a colaborar, e expansão territorial de modo a transformar as companhias comerciais em centros de expansão colonial a expensas dos Estados locais.

A Queda do Grande Impéro Mogol

Na primeira metade do século XVII, o poder económico do grande Império Mogol estava ainda em ascendência. A unificação da maior parte da Índia sobre os Mogols e um menor número de feudos entre os governantes locais criaram condições favoráveis ao desenvolvimento da agricultura e dos ofícios e ao crescimento do comércio interno e externo. Pela primeira vez diferentes regiões do país começaram a especializar-se em colheitas especiais. A substituição dos impostos em dinheiro por impostos em géneros ia influenciar a economia natural das comunas de aldeias, incrementando as relações dinheiro-mercadoria e o intercâmbio interno e o aparecimento das primeiras manufacturas. Contudo, o aparecimento de elementos capitalistas dentro da estrutura dum império feudal, baseado na unificação de vários povos conseguida pela força ia revelar ser um processo lento e difícil. Um certo número de características da sociedade indiana, tais como as auto-suficientes comunas de aldeias, o sistema de castas, frequentes invasões de conquistadores estrangeiros, tudo isto serviu para deter o desenvolvimento capitalista. À medida que o Império Mogol estendia as suas fronteiras, intensificava-se a exploração dos principais produtores — os camponeses.

O sistema de senhores feudais militares e vassalos introduzidos pelos Mogols levou ao aparecimento de um novo grupo social, os vassalos poderosos com as funções de governantes locais, que na prática se tornariam governantes semi independentes. A opressão feudal deu origem a frequentes movimentos populares contra o domínio Mogol, muitos dos quais tinham um carácter religioso-sectário. Contra o domínio Mogol ergueram-se também minorias nacionais em várias ocasiões.

No século XVII cresceu no Penjab um movimento sikh que tivera origem no século anterior. Atacava o sistema de castas e a exploração feudal praticada pelos senhores feudais Moslem. Vastos sectores do campesinato juntaram-se ao movimento e a Idealizaçap dos padrões sociais baseados na comuna levou o Guru (professor ou chefe) dos Sikhs, Govind Singh (1675 - 1708), a intensificar a luta contra o regime feudal para estabelecer o «verdadeiro reino», no qual toda a terra pertenceria à comuna Sikh. Esta revolta contra o Império Mogol, que foi chefiada pelo camponês Banda, depois da morte Govind ia espalhar-se por todo o Penjab. Só com dificuldade o exército do estado Mogol conseguiu suprimir o movimento, e só por algum tempo. Mais tarde, quando o poder central do estado enfraquecera muito, os chefes militares Sikhs aproveitaram-se da situação e declaram o Penjab independente, em 1765, sob uma comuna Sikh (ou khalsa). Contudo, quando o Penjab conseguiu afirmar-se como estado independente, os chefes militares Sikh (ou sirdars) iam estabelecer-se como poderosos proprietários depois de se apoderarem das terras dos sectores nobres afega e mogol.

A Revolta dos Marathas

A revolta dos Marathas foi simultaneamente uma revolta popular contra os poderosos proprietários e uma tentativa dos menos poderosos proprietários Marathas de se libertarem do jugo dos Mogols e seus vassalos. Esta luta pela independência foi comandada pelo talentoso comandante Sivaji Bhonsla, que conseguiu reunir o povo à volta da sua casa e inspirar-lhe confiança. Apoiando-se sobretudo no campesinato, Sivaji Bhonsla reuniu um exército regular competende que era uno graças à sua homogeneidade étnica e objectivos comuns. Em 1674 a maior parte da terra habitada pelos Marathas tinha sido libertada do domínio estrangeiro e Sivaji Bhonsla declarou-se chefe independente de Maharaohtra. Depois do sector muçulmano Mogol ter sido expulso, os impostos sobre a terra foram reduzidos de aproximadamente um terço.

No entanto os proprietários Maratha apoderaram-se então das grandes propriedades dos Mogols e começaram a aspirara a um maior poderos feudos que surgiram depois da morte Sivaji facilitaram sucessos temporários dos Mogols contra os Marathas. O filho e herdeiro de Sivaji foi capturado e executado e o seu neto foi levado para a capital do império.

No início do século XVIII Maharachtra foi de novo declarado um estado independente. Enquanto nominalmente o poder estava nas mãos dos descendentes de Sivaji, na prática os Marathas eram dominados pelo primeiro-ministro ou peshxa e sua linhagem. Poonah, sua casa, foi feita nova capital dos pechwas. Os proprietários mais poderosos, não contentes com a exploração dos camponeses Marathas, otmaram novos e vastos territórios. O poder do esíado Mogol, muito enfraquecido, não estava em posição de conter as conquistas Maratha que em breve se estenderam do vale do Indo à baía de Bengala. No território além do estado de Maharachtra, foram estabelecidos mais quatro principados que formavam uma confederação presidida pelo pechwa.

Depois da morte do imperador Mogol Aurrangzeb (1658 - 1707) que tinha imposto o poderio Mogul sobre a maior parte da Índia e conseguido, ao menos temporariamente, suprimir as revoltas dos Marathas e dos Sikhs, começou a desintegração final do império. A luta pelo trono, travada entre os seus filhos, facilitou a secessão de vários territórios com população mais ou menos homogénea, e a transformação de vários governantes locais e vassalos poderosos do Império Mogol em governantes independentes. Não só surgiram principados Maratha independentes e o Penjab declarou a independência, como ia aparecer o principado de Jat perto da capital do antigo império. No sul foram proclamados os estados independentes de Haiderabad, Mysore e Carnatic. Entretanto em Bengala enquanto o domínio nominal dos Mogols ainda existia, eram os nababos de Bengala quem na prática governava o vasto território.

Em 1739 Nadir Chad da Pérsia invadiu o país, conquistando e saqueando a cidade imperial de Delhi, embora não conseguisse obter o domínio da Índia. Seguiu-se um ataque pelos afegãos depois de terem estabelecido o seu próprio estado independente sob a chefia de Ahmad Chad. Estas invasões desfecharam os últimos golpes ao Império Mogol. Os afegãos subjugaram o Penjab, Kashmira e consideráveis territórios na margem esquerda do Indo e tomaram Deli.

Os marathas, que aspiravam à supremacia do império já abalado, tentaram bater os conquistadores afegãos. Depois de tomarem Deli conseguiram afastar os afegãos para a outra margem do Indo. Contudo, aproveitando-se dos conflitos entre os sultões muçulmanos e os proprietários de terras e os Marathas hindus, e com a ajuda de um novo exército, Ahmad Chad ia sair vitorioso. Mas, tal como Nadir Chad, ele não conseguiu estabelecer-se definitivamente no território indiano. A maior parte dos territórios que tomou no Penjab, Pertencia aos Sikhs. Enfraquecidos como estavam por esta longa série de guerras, os Marathas não conseguiram estabelecer uma nova dinastia em vez da dinastia Mogol, mas constituiriam um Estado forte capaz de defender a sua independência.

A queda do Império Mogol foi o resultado de uma profunda crise deste império feudal multinacional. Alguns dos principados independentes que surgiram como resultado, tais como Bengala, Haiderabad e Maharachtra podiam ter sido a base da formação de estados nacionais, acelerando assim o desenvolvimento dos padrões sócio-económicos capitalistas. Mas tais perspectivas foram fortemente abaladas quando começou a era das conquistas europeias.

Rivalidade Anglo-Francesa e Primeiras Conquistas Territoriais

A crescente penetração dos comerciantes já havia começado a influenciar os desenvolvimentos internos do Império Mogol algum tempo antes da sua queda. No delta do Ganges, nas costas do Malabar e do Coromandel, foram estabelecidos muitos postos comerciais e fortes pelas companhias comerciais europeias. De mãos atadas na Indonésia, os ingleses voltaram-se para a Índia e para o Médio Oriente durante as três primeiras décadas do século XVII. A Companhia Francesa das Índias Orientais, estabelecida por iniciativa de Colbert e apoiada pela monarquia absolutista, construiu alguns postos comerciais à volta de uma fortaleza central em Pondichery ao sul da Madrasta. Os principais centros" dos comerciantes ingleses eram em Madrasta e em Surat, e perto de Calcutá. Depois de Bombaim ter sido entregue à Companhia em 1668 pelo rei Carlos II que a recebeu como parte do dote da princesa portuguesa Catarina de Bragança, o centro administrativo da Companhia Inglesa na costa ocidental foi transferido de Surat para lá, porque Bombaim era um porto mais conveniente. Lado a lado com os estabelecimentos comerciais ingleses e franceses, também foram fundadas Companhias Dinamarquesas e Norueguesas, depois de terem obtido autorização para fazerem comércio dos grandes Mogols, que também tinham interesse no desenvolvimento de um comércio estrangeiro.

Em meados do século XVIII, quando o poder central já era fraco, cresciam tendências separatistas e a rivalidade entre os nobres poderosos, as companhias europeias aproveitaram-se da situação para começar a tomar o território indiano. Os principais rivais nesta expansão territorial foram as companhias comerciais inglesas e francesas.

De início, os Franceses conseguiram grandes sucessos. O talentoso chefe da companhia comercial francesa, Dupleix, foi o primeiro a usar as tácticas desenvolvidas pelos Holandeses. Começou por estabelecer um exército de soldados nativos com o pretexto de defender os direitos dos vários nobres que travavam feudos e de lhes prestar auxílio, depois obteve autorização para colocar as suas tropas em vários pontos estratégicos do território Indiano, sendo o seu sustento pago pelos chefes indianos locais. Estes chamados tratados subsidiários já tinham dado aos Franceses — cerca de 1740 — a possibilidade de controlar os grandes principados de Haiderabad e o Carnatic, que era uma séria ameaça para as fortalezas britânicas da Índia, particularmente a de Madrasta. Esta situação fez com que a Índia se tornasse a arena das lutas anglo-francesas pela supremacia. Durante a Guerra da Sucessão Austríaca (1740-1748) a Companhia Britânica, com o firme apoio da agora bem consolidada burguesia do país, levou a melhor sobre os Franceses, mas a rivalidade entre as duas potências só foi decidida na guerra dos Sete Anos (1756-1763). A fase decisiva da guerra foi a captura e o domínio de Bengala. Todos os colonialistas europeus tinham os olhos postos nesta província densamente povoada, extremamente rica de recursos naturais. A Companhia Britânica tinha quinze grandes postos comerciais em Bengala, sendo o principal, em Calcutá onde tinha cento e cinquenta armazéns. A extorsão das mercadorias e artefactos Indianos, a preços extremamente injustos para os interesses locais, serviu para minar rapidamente a economia de Bengala. O nababo Suraj-ud Dowlah, que subiu ao trono em 1756, tentou consolidar a independência de Bengala e pôr fim à ameaça do domínio britânico. Depois de iniciar as hostilidades e de capturar Calcutá, o Nabob tentou utilizar a rivalidade anglo-francesa e procurar ajuda entre os Franceses. Tropas inglesas, enviadas de Madrasta sob o comando do influente comandante colonial Robert Clive, versado tanto nas artes militares como na intriga diplomática e no suborno, conseguiu bater as forças de Nabob.

A Violação de Bengala

No entanto, as tropas do nababo ofereceram forte resistência. Clive, concluiu um tratado secreto com Mir Jafar, um dos principais chefes militares de Nabob, pelo qual ele concordava em ajudar Clive a troco do trono de nababo. Na batalha de Plassey (1757), novecentos soldados britânicos e dois mil sepoys derrotaram o exército de 90 000 homens de nababo, graças a melhores armas, à sua organização militar e ao traiçoeiro golpe dado à causa de nababo por Mir Jafar.

Suraj-ud Dowlah foi feito prisioneiro e mais tarde executado. O saque sem escrúpulos da capital, Marshidabad, trouxe à Companhia das Índias Orientais o enorme rendimento de trinta e sete milhões de libras dos quais vinte e um milhões foram encher os bolsos de Clive, de outros oficiais e funcionários da companhia.

Mir Jafar foi posto no trono, o que significava que a Companhia Britânica tinha agora carta branca. O comércio de matérias-primas indianas, fio para tecer e tecidos, desenvolveu-se rapidamente.

A Companhia afastou vários nababos que caíram no seu desagrado, e quando isso acontecia assegurava elevadas somas ao candidato pretendente. A tentativa de Nabob Mir Kasim de impedir o comércio isento dos impostos ilegais praticado pela Companhia, levou a um conflito declarado. Mir Kasim, apoiado pelo Nabob do principado de Oudh e "pelo grande mogol Chad Alam II decidiu impedir a actividade dos colonialistas pela força das armas. Contudo, as forças indianas unidas foram derrotadas e o grande Mogol, que foi feito prisioneiro, foi obrigado a conferir à Companhia, em 1765, uma licença que lhe dava o direito de, entre outras coisas, lançar impostos e de manter um exército em Bengala. Estes padrões de administração dupla foram aproveitados pela Companhia em Bengala. A tarefa de receber impostos foi confiada a arrendatários que amontoavam enormes somas para a Companhia, com as quais ela pôde cobrir as suas despesas militares e administrativas e comprar mercadorias indianas por preço muito baixo para serem vendidas com grandes lucros na Europa. Num período de dez anos a Companhia auferiu vinte e sete milhões de libras de lucro com este comércio.

O jaque de Bengala e a exploração da população local reduziu o país a um estado de abjecta pobreza. Os arrendatários exigiam implacavelmente os impostos aos camponeses. Daí que muitos camponeses ficassem arruinados e fossem expulsos das suas terras.

Os artífices locais, que eram obrigados a vender os seus artigos aos agentes da Companhia a preços muito baixos, também estavam condenados à ruína. O monopólio comercial da Companhia impôs-se à esfera de actividade dos mercadores locais e em breve lhes tornou impossível continuar a ganhar a vida, embora nas fases iniciais de penetração estrangeira a presença dos estrangeiros lhes tivesse aumentado os lucros. Em 1771 uma fome generalizada matou quase um terço da população de Bengala, enquanto no mesmo ano a Companhia conseguiu lucros mais elevados do que de costume. O saque da Índia foi um factor importante no processo da acumulação primária em Inglaterra, servindo assim para acelerar o curso da revolução industrial do país.

No final dos anos oitenta os resultados do avanço da indústria têxtil inglesa iam fazer-se sentir em Bengala. A companhia diminuiu as suas encomendas de tecidos à Índia, provocando a ruína de milhares de tecelões. A importação de fio para tecer também foi reduzida. Os artesãos empobrecidos voltaram às aldeias desesperados preparados para alugar terras em quaisquer condições, por muito más que estas fossem. Isto contribuiu mais ainda para a intensificação da exploração feudal. A fome em Bengala, a incapacidade da Companhia em pagar ao governo britânico a soma anual fixada de quatrocentas mil libras e a luta travada por sectores da burguesia comercial e industrial não ligada à Companhia contra os seus privilégios, tudo contribuiu em vários graus para a intervenção directa do Parlamento Britânico. O Acto Regulamentar de 1774 nomeou um Governador-Geral, perante quem seriam responsáveis os governadores de Madran e Bombaim. O Governador-Geral e os membros do seu conselho eram nomeados pelo parlamento. Assim a Companhia, embora mantendo o seu monopólio como organização comercial e as suas possessões territoriais, estava agora em certa medida sujeita ao Parlamento. O primeiro inglês nomeado Governador-Geral foi Warren Hastings. As suas reformas não suavizaram o fardo da população de Bengala. Ainda havia largas possibilidades de especulação e obtenção de lucros ilegais por parte dos funcionários públicos e do pessoal da Companhia.

Resistência em Mysore e a Confederação Maratha

No Sul, através de tratados subsidiários, a Companhia conseguiu esgotar e praticamente anexar o Carnatic às suas outras possessões. Também tentou tomar alguns dos principados Maratha mas o primeiro esforço militar neste sentido foi repelido. A Companhia viu uma ameaça aos seus planos expansionistas no principado de Mysore que, durante o reinado do sultão Hyder-Ali, se tinha tornado muito mais forte política e economicamente. Mysore não só estava pouco disposto a fazer concessões à Companhia, como pensava aliar-se aos Marathas e com a ajuda dos Franceses conseguir expulsar os Ingleses das suas terras.

A esquadra francesa em breve aparecia na costa de Mysore. Entretanto a Companhia Comercial Britânica não podia contar com a ajuda da Inglaterra porque esta estava, na altura, envolvida na Guerra da Independência da América na qual osrcolonizadores eram apoiados pela França, pela Espanha e pelos Países-Baixos. Apoiando-se mais uma vez nas contradições feudais para servir os seus objectivos, a Companhia conseguiu ganhar para a sua causa um dos maiores principados Maratha, Gwalior, prometendo-lhe territórios perto de Deli, e concluiu um tratado com a confederação Maratha em 1782. Mysore continuou a sua luta contra os Ingleses sob a chefia do filho de Hyder-Ali, Tipu, que lhe sucedeu no trono e que nutria grande ódio aos ingleses. Uma vez terminada a guerra com os Estados Unidos, a França e a Espanha (1783) e estando de regresso a esquadra Francesa, os Ingleses conseguiram aiustar contas com Mysore. Mysore estava ainda intacto e reformas subsequentes introduzidas por Tipu, que serviam para obstruir padrões feudais de exploração, fizeram do principado um estado mais unido. Entretanto Tipu não tinha perdido a esperança de expulsar os Ingleses e tentou persuadir outros principados a apoiá-lo nessa aventura. Com a esperança de que as contradições entre os interesses ingleses e franceses o viessem favorecer, Tipu apoiou-se na França revolucionária. A Companhia Britânica das Índias Orientais, que, entretanto, conseguira separar Mysore do resto do continente, utilizou os serviços do principado vassalo de Haiderabad, apresentando aos outros principados indianos a consolidação de Mysore como uma ameaça ao seu poder, e prometendo-lhes parcelas de Mysore se este fosse derrotado. Foram precisas duas dispendiosas batalhas para quebrar a resistência de Mysore depois das quais o principado ficou exposto aos ataques das forças unidas da Companhia das Índias Orientais, dos Marathas e de Haiderabad em 1790. Depois de dois anos de luta foi imposto a Tipu um tratado que o obrigava a entregar metade do seu reino. No entanto, o que ficou de Mysore era ainda independente, e Tipu e o seu povo estavam ainda firmemente decididos a defender esta independência.

Depois da Revolução Francesa, quando a rivalidade anglo-francesa pela supremacia da Ásia se tornou mais aguda, os Ingleses ficaram muito alarmados com a crescente influência francesa na parte oriental de Haiderabad, e nos principados de Mysore e Maratha. Tipu tentou concluir uma aliança com a França revolucionária e os Ingleses utilizaram esta tentativa como pretexto para atacarem Mysore, mais uma vez, de novo com o auxílio de Haiderabad. Nesta luta desigual Mysore sofreu uma derrota decisiva. No decurso da heróica defesa da capital, Seringapatan, Tipu tombou e a cidade foi saqueada pelos invasores, que se apoderaram de uma grande parte do principado. Uma indefesa criança de seis anos foi posta no trono, um membro da dinastia Hyder-Ali, que tinha derrubado havia muito tempo.

Embora uma parte considerável da Índia continuasse independente, no final do século XVIII, a Inglaterra detinha todas as posições-chave do país e tinha conseguido desalojar todos os possíveis rivais europeus. O enorme sub-continente havia-se tornado uma colónia britânica.

A China nos Séculos XVII e XVIII

Em 1644, os nobres manchus tinham tomado Pequim, proclamando o príncipe da Manchúria Imperador da China e fundador da nova dinastia Manchu ou Ch’ing (1644-1911). Este acontecimento deu início a uma longa série de guerras que duraram até 1683. A resistência dos nobres do sul, que tinham tentado mais uma vez refugiar-se e estabelecer-se na outra margem do Yangtze havia sido vencida em 1647, mas a chave do movimento de resistência estava agora na camada camponesa e entre os povos não-chineses que viviam ao sul do Yangtze e no vale dos Sinkiang. A resistência mais eficaz foi a dos povos das regiões do sudoeste, que lutaram não tanto em defesa da dinastia Ming, como pela sua independência, contra o domínio opressor do aparelho de estado central do Império. Também se travou uma amarga luta no sudoeste, onde o campesinato chinês lutou lado a lado com os povos das regiões costeiras e da ilha de Taiwan. Contudo, uma traição em massa por parte dos nobres chineses e a falta de coordenação entre as várias revoltas, deram aos Manchus a possibilidade de subjugar a maior parte do que é agora a China Central e do Sul.

Os Manchus não introduziram mudanças na estrutura social que existia sob a dinastia Ming, nem tiraram aos proprietários han os seus rendimentos e privilégios. A estratificação do campesinato, que começara no final da era Ming, levou ao aparecimento de uma classe de pequenos e médios proprietários, que nos fins do século XVII e no início do século XVIII, tinham acabado por formar um grupo social distinto, cujas pequenas e médias parcelas de terra eram propriedade privada. O antigo aparelho administrativo feudal continuou também intacto, assim como os complicados exames requeridos para promoções, o que garantia que todos os cargos pertenciam sempre aos proprietários poderosos. Uma parte considerável da terra privada estava agora nas mãos da nobreza hereditária manchú, dos comandantes militares e dos sacerdotes budistas. Embora um sector do campesinato também possuísse parcelas privadas, a maior parte, ou não tinha terras, ou não tinha terras suficientes para sustentar as suas famílias. Enquanto, formalmente, continuavam a ser caseiros livres, na prática estavam presos à terra por dívidas e várias outras obrigações. Havia também servos que trabalhavam nas terras do estado (o rendimento destas ia para o sustento da corte e da Guarda Nacional, etc.) mas estas terras constituíam uma fracção insignificante do território cultivado do país.

Um importante papel na exploração dos camponeses foi representado pelos usurários cujas actividades servirão para atrasar o desenvolvimento da agricultura chinesa. O aparecimento de relações artigos — dinheiro como característica permanente da vida do campo, não só não levava às relações de produção capitalista por causa dos ofícios que existiam em larga escala, e da existência de uma economia natural nas áreas rurais, como preparou o caminho para a prática do empréstimo de dinheiro em larga escala. As relações de produção capitalista também se desenvolveram lentamente nas cidades. A monarquia Ching (Manchu) apenas introduziu uma rigorosa regimentação da vida rural, mas por outro lado houve importantes mudanças nas cidades para restringir as actividades dos comerciantes e dos artesãos urbanos, que resistiram fortemente ao domínio manchu. Além de introduzir uma regimentação extremamente rigorosa (que por si só não era suficiente para levar a um declínio do desenvolvimento urbano, tal como mostra a história do Japão sob os Tokugawas) os nobres Manchus cortaram drasticamente a sua independência económica e política, atrasando assim o desenvolvimento da indústria mineira e outras. Embora a estabilidade política que prevaleceu durante o reinado do enérgico chefe Imperador K’ang-hsi (1662 -1722) desse origem a um certo avanço no artesanato e no comércio (por exemplo as indústrias têxtil e de loiças), tais avanços eram conseguidos apesar de constantes restrições, de pesados impostos, de entregas obrigatórias e de competição com as empresas do estado. As organizações de guildas foram incorporadas no aparelho de estado e em breve passariam a desempenhar apenas funções fiscais e policiais.

O comércio estava numa situação ainda pior, porque além do aumento dos impostos, havia agora mais os obstáculos da competicão das organizações comerciais do estado e dos monopólios do estado (incluindo o do comércio externo), tarifas internas, etc.

Nestas condições o empréstimo de dinheiro também se desenvolveu em larga escala na vida urbana e no comércio. As práticas dos usurários e dos arrematadores de impostos também serviram de travão ao desenvolvimento económico. Muitas cidades degeneraram em pouco mais do que centros militares e administrativos, onde se situavam as residências dos nobres manchus e chineses e as guarnições das tropas Manchus. A população da cidade que dependia do artesanato e do comércio para viver, foi colocada em segundo plano, visto que tinha sido decretado um rigoroso contrólo governamental, fenómeno que poderia ser explicado pelo facto de a maioria serem chineses, os quais nos séculos XVII e XVIII sob o domínio da dinastia Ching eram considerados cidadãos de segunda-classe. Os monarcas Manchu tentaram fazer da numericamente fraca população Manchu uma casta separada militar e administrativa, que fornecia o principal apoio ao seu poder, fazendo da Manchúria a parte mais privilegiada do país na qual os Chineses nem sequer tinham o direito de entrar. O contacto entre os manchus e os chineses era desencorajado o mais possível, enquanto se faziam grandes esforços de assimilação. Esta campanha estava contudo destinada desde o início a falhar, visto que os chineses eram muito mais numerosos e culturalmente mais avançados do que os manchus; serviu porém como travão ao progresso económico.

Todo o sistema da administração do Estado foi canalizado para os interesses do Imperador Ching, a nobreza manchu e o exército. O principal bastião do apoio aos Ch’ing, no final do século XVII, e durante a primeira metade do século XVIII, era o exército manchu o Chamado oito Estandartes, que estavam com guarnição nas cidades principais do império e ao longo das suas fronteiras. Aos oficiais e soldados deste exército eram atribuídas parcelas das terras do Estado que não podiam ser transaccionadas. Isto levou à fixação das diferenças económicas entre os chineses e os manchus. Aos últimos era dada terra em troca de serviços, enquanto a terra dos Chineses era de propriedade privada. Nesta situação a fusão gradual dos dois grupos encontrou expressão (no que dizia respeito à agricultura) na transferência gradual das terras inalienáveis ou de «estandarte», para as mãos nos nobres chineses e dos proprietários poderosos. Entretanto, cada vez mais chineses e mongóis estavam a ser levados para o exército manchu. Além dos «Oito Estandartes», surgiram também os «Estandartes Verdes» provinciais, formados por soldados chineses, embora estes fossem indisciplinados e pouco eficientes.

Apoiando-se sobretudo no exército manchu que, embora os seus interesses pouco tivessem em comum com os interesses da maioria da população chinesa, era a única força armada eficiente do tempo, os imperadores manchus restauraram o antigo aparelho de estado chinês, reservando todos os altos postos para a minoria manchu, não deixando aos chineses, qualquer possibilidade de avançar. A todo este sistema presidia o imperador, que gozava de um poder ilimitado. Subordinado a ele, estava o Conselho de Estado e uma chancelaria de Estado (cujo pessoal era sobretudo constituído por manchus) e seis departamentos ministeriais (ritos, finanças, classes sociais, administração social, justiça e assuntos militares), enquanto o órgão central do controlo pelo Estado actuava independentemente. Nas províncias, o Imperador era representado por governadores e os vários ministérios por inspectores.

O que formalmente era um sistema centralizado, na prática estava muito longe de o ser, sobretudo por causa das más comunicações do país. Os governadores provinciais dominavam como pequenos príncipes independentes, enquanto os oficiais administrativos se entregavam sobretudo a várias espécies de extorsão. Estes eram sempre recrutados entre a nobreza, e a promoção da hierarquia administrativa dependia de um complicado sistema de exames.

A atmosfera ideológica do século XVIII e o treino recebido pelos oficiais administrativos deixou-se contaminar pelo espírito do confucionismo. Esta doutrina tornou-se célebre durante os períodos em que a burocracia feudal estava em ascensão, quando as massas populares estavam sujeitas à exploração em larga escala pelo estado o confucionismo, na forma em que tinha sido adoptado depois das reformas de Chu Hsi tornou-se a ideologia oficial do estado. Divulgando a obediência submissa aos superiores como princípio ético fundamental, esta doutrina ia mais uma vez revelar-se muito aceitável para os senhores feudais da China. As concepções confucionistas da imutabilidade da sociedade e o desejo de submissão invadem a literatura oficial deste período, o sistema educacional e a política do estado. Na altura, todas as correntes oposicionistas sem excepção — quer directa quer indirectamente — criticavam o dogma confucionista. Travou-se uma amarga luta nas esferas da literatura e dos estudos, na qual os manchus e quem os apoiava venceriam só muito mais tarde do que venceram na luta militar, e na verdade nunca obteriam um sucesso completo. Os pensadores progressistas do tempo, apesar da grande variedade das ideias filosóficas, protestavam todos de uma maneira ou doutra contra a opressão manchu dos Chineses e a opressão económica e política a que as massas populares estavam sujeitas. Em resultado disso, as suas ideias estritamente filosóficas são de interesse por representarem um exemplo do avanço gradual das ideias progressistas na filosofia medieval chinesa.

O reinado de K’ang-hsi assistiu à consolidação final do Império Ch’ing e dos seus padrões sociais, económicos e culturais. Um eficiente sistema de impostos e, como resultado, a redução temporária do número de requisições ilegais e um declínio gradual das guerras internas, deram origem a uma certa recuperação económica e ao crescimento da produção agrícola, assim como a um renascimento do comércio interno e do artesanato urbano. Embora estes processos tivessem lugar contra um fundo de estrita regulamentação e dura exploração, no entanto, no final do século XVII, observava-se uma nítida melhoria na situação do país. Esta foi acompanhada de uma recuperação finan- ceira, do aumento do tesouro do estado, da expansão urbana e de progressos culturais.

Durante a segunda metade do século XVII, foram estabelecidos contactos cada vez mais frequentes com a Europa e vários inventos europeus foram adoptados, particularmente na esfera do armamento e da navegação, que iam provar ser importantes para a consolidação do poder dos manchus na China. O mesmo objectivo foi intentado na grande campanha para que a nobreza manchu conhecesse a cultura chinesa o gue durante o reinado de K’ang-hsi se tornou mesmo parte da política oficial. O avanço cultural atingido pelos conquistadores da China (apesar da proibição de se misturarem com os chineses) estava destinado não só a obstruir a aceitação cultura manchu dos Chineses, mas também, na opinião do imperador, a garantir que nenhuma das altas posições do aparelho do estado tivessem a ocupá-las oficiais chineses cultos. A posição dominante dos Manchus para a qual K’ang-hsi desejava conseguir uma base «intelectual» deu mais peso à sua posição privilegiada nos tribunais, onde por crimes idênticos se aplicavam castigos piores aos acusados chineses. Simultaneamente com esta campanha, foi efectuada uma política de «manchurianização».

Assim, entre outras coisas, os chineses foram forçados a usar tranças como os manchurianos.

Uma maior estabilidade política e económica levou ao desenvolvimento do comércio externo e à expansão dos contactos com o estrangeiro, o que, por sua vez, revelou as oportunidades de optar por uma política externa agressiva, que estava agora à disposição do Império Ch’ing feudal.

As rotas do comércio externo levavam ao sul, através de Cantão e a Norte pela Mongólia. No Sul, fazia-se comércio com os mercadores árabes, indianos e europeus ocidentais, enquanto no norte havia comércio com mercadores e empresas oficiais russas. A Rússia exportava vidro, tecidos e peles, e importava da China chá, cana-de-açúcar, loiças, etc. O comércio era feito por caravanas itinerantes, pois não havia representante permanente na China. No sul, por outro lado, os portugueses (em Macau), os Ingleses (em Cantão), os Franceses (em Ningpo) e os Holandeses já estavam solidamente estabelecidos. Fugindo a toda a espécie de controlo, os mercadores destes países comerciavam com os chineses em íntima combinação com os missionários. No seu esforço para impedir os europeus ocidentais de interferir de qualquer maneira nos assuntos internos do estado, o governo proibiu-os de negociar com pessoas que não fossem os representantes da companhia monopolista oficial, a «Co-hong».

Esta política, seguida pelo governo imperial, impediu a expansão dos contactos diplomáticos e culturais e tornou impossíveis as relações diplomáticas normais. As embaixadas holandesas, portuguesas e outras foram obrigadas a deixar o país de mãos vazias. Esta política de isolamento também prejudicou seriamente as relações russo-chinesas, embora, de modo geral, as relações entre estes dois países se tivessem desenvolvido de modo um pouco diferente. Depois de não terem conseguido estabelecer relações diplomáticas, durante algum tempo, os Estados da Europa ocidental abandonaram as suas tentativas de chegarem a acordo com os imperadores. Missões russas, chefiadas por Boikov (1654 - 1656) e Perfilyev (1658) também regressaram de mãos vazias. Contudo a embaixada de Spafary (1675-1677) que acabou com uma audiência com o imperador, embora não tivesse levado à conclusão de qualquer acordo específico, até certo ponto preparou o caminho para futuros desenvolvimentos neste sentido, visto que ambas as partes exprimiram o seu interesse em normalizar as relações.

Por esta altura a população local da Sibéria do Sul e do Leste tinha reconhecido a supremacia da Rússia, mas logo na segunda metade do século XVII foi ameaçada por aspirações agressivas por parte da dinastia Ch’ing, particularmente em relação às regiões fronteiriças com a parte privilegiada do Império ou seja a Manchúria. Em 1684 um grande contingente de forças Manchus, com artilharia e especialistas militares da Europa Ocidental, atravessou a fronteira norte do Império e dirigiu-se para o norte para o Rio Amur onde cercaram a fortaleza cossaca de Albazin, centro das colónias russas no Amur. Frequentes assaltos foram repelidos pela pequena guarnição e mesmo quando a cidade acabou por ser destruída, os habitantes reconstruíram-na. Em 1686, as forças manchus construíram uma muralha em volta da cidade, e mesmo assim não conseguiram conquistá-la. Enquanto se travavam estas hostilidades, outra embaixada russa, desta vez chefiada por Golovin, chegou à China para iniciar mais uma série de negociações comerciais apesar de todos os obstáculos postos no seu caminho pelos manChus. A incapacidade das competentes tropas especiais em derrotarem a guarnição cossaca de Albazin obrigou o Imperador a adoptar uma política mais realista em relação às propostas do seu vizinho nortenho e a designar representantes que entabulassem negociações com Golovin. Estas negociações tiveram lugar numa atmosfera extremamente tensa, visto que, enquanto estavam a realizar-se o Imperador concentrou um exército de quinze mil homens perto de Nerchinsk; no entanto, a 27 de Agosto de 1689, foi assinado entre a Rússia e a China o tratado de Nerchinsk, o qual abarcava não só questões territoriais e o destino a dar aos desertores de ambos os lados mas também relações comerciais entre os dois países. Este tratado russo-chinês tornou possível a normalização das relações entre as suas potências.

A Rússia aceitou este acordo visto que as relações normais com o seu vizinho imediato eram indispensáveis. A necessidade de estabelecer relações comerciais e diplomáticas com a Rússia foi reconhecida pelos imperadores Ch’ing também em anos subsequentes: ao mesmo tempo que era cortado o contacto da China com a Europa Ocidental, o comércio, as negociações e uma troca de embaixadores com Moscovo continuaram. Foram assinados mais dois tratados (em Burinsk e Kyakhta, em 1727 e 1728) que esclareceram questões de fronteira nalguns locais, que não tinham sido referidas no tratado de Nerchinsk e estabeleceram regras para as relações comerciais e trocas diplomáticas. A primeira delegação russa permanente, embora apenas semi-oficial, ia aparecer em Pequim nesta altura — uma missão religiosa que também desempenhava funções diplomáticas e comerciais. O seu pessoal deu importante contributo para o estudo da China e para o desenvolvimento das relações russo-chinesas. Baseado em princípios de proximidade geográfica e vantagens mútuas, o comércio entre os dois países continuou a expandir-se até meados do século XVIII.

Com o intuito de levar avante as suas ambições expansionistas aos nobres manchus e chineses voltaram agora a sua atenção para o ocidente. Em 1691 os príncipes mongóis das tribos Khalkha reconheceram a soberania chinesa. Em 1715, tropas manchus atacaram o Kanato Oirat-Jungar na moderna província de Sinkiang). Este faoto desencadeou uma amarga luta que duraria até depois de 1750 e no decorrer da qual as tropas Ch’ing desalojaram os jungars do Tibete e submeteram esta província ao seu controlo, depois do que se fixou uma guarnição chinesa na capital de Lhasa. Estas guerras marcaram o início de uma cadeia de expedições de conquista. Enquanto as guerras do fim do século XVII e início do século XVIII (durante o reinado de K’ang-hsi) não minaram o império feudal, as que se seguiram sob o imperador Yung Ohêng (1723 - 1735) e em particular Ch’ien Lung (1736-1796), juntamente com insensata extravagância em projectos de construção e cerimónias de Corte, com diminuição do comércio externo e com reacções na administração social, exacerbaram as contradições internas e deram origem a muita agitação. Os primeiros sinais de fraqueza na maquinaria militar-feudal do estado Ch’ing iam aparecer no início do século XVIII. Nos primeiros anos do seu reinado, Yung Chêng comprou as terras hipotecadas que anteriormente pertenciam aos oficiais e soldados do exército manchu dos «Oito Estandartes» e depois distribuíram-nas pelos oficiais e soldados manchus, em troca de serviços prestados. Isto serviu para consolidar o exército até certo ponto, visto que a extensão dos direitos atribuídos ao conselho militar valorizou a posição dos chefes militares na rede administrativa oficial. Nesse período, a tendência para intensificar a centralização do Império, levou à expulsão dos missionários jesuítas europeus e a restrições nas actividades dos comerciantes europeus. A política de Yung Chêng foi seguida pelo seu sucessor Ch’ien Lung, durante cujo reinado a política externa expansionista foi ainda mais acentuada do que anteriormente, e a reacção se infiltrou ainda mais profundamente. Isto por sua vez deu origem ao descontentamento entre os camponeses chineses que tinham de suportar o fardo destas guerras, e à resistência da parte dos povos não-chineses, que tinham recentemente sido incorporados no Império, e daqueles cuja autonomia tradicional tinha sido abolida sem escrúpulos. A tendência para a assimilação manchu foi acompanhada de aumentos de impostos.

As guerras contro o Kanato Oirat-Jungar aumentaram de violência no reinado de Ch’ien Lung.

Abertamente votadas a uma guerra de extermínio, as tropas Ch’ing em 1757 conseguiram conquistar a Jungária, o que levou a uma grande parte da população a procurar refúgio na Ásia Central. Chineses e manchus da parte central do Império foram fixados de novo em Sinkiang para fortalecer o controlo Ching sobre a região habitada por um povo estrangeiro hostil ao governo central. Dez anos depois desta vitória no Ocidente, o reino Burmês de Ava foi atacado (1766, e de novo em 1769- 1770) mas esta expedição acabou numa derrota para os exércitos Ch’ing tal como a subsequente campanha contra o Vietnam (1788 - 1790). Na segunda metade do século XVIII o poderio militar do Império Ch’ing tinha sido seriamente minado. Foram precisos quarenta anos antes de os khanatos nómadas serem finalmente vencidos e as guerras com os estados feudais desenvolvidos da Indochina resultaram em rápidas derrotas para o Império. Finalmente Ch’ieng Lung decidiu atacar o seu fraco vizinho Nepal (1792), que na altura estava envolvido numa guerra com o Tibete. A forte resistência oferecida por este pequeno país montanhoso foi quebrada e o Nepal tornou-se vassalo da China.

As dispendiosas guerras travadas por Ch’ien Lung estenderam as fronteiras do Império para incluir regiões pouco populosas, áridas e montanhosas que poucos benefícios trouxeram à economia da China. A construção de palácios extravagantes absorveu também uma grande parte dos fundos oficiais. Os camponeses, que tinham sido esgotados por exigências e recrutamento para o exército e os povos não-Chineses (que ocupavam mais de metade do Império) que estavam sujeitos pelos imperadores Ch’ing a impostos mais pesados e a uma assimilação mais rigorosa do que os seus antecessores, viram-se numa situação extremamente difícil. O campesinato empobrecido foi obrigado a vender as suas poucas terras privadas aos proprietários grandes e menores que em breve ficaram a possuir 50 ou 60 por cento da terra. A maior parte das vezes os agricultores rendeiros ligados à terra do seu senhor não estavam em posição de pagar a renda e a produtividade da agricultura não dava sinais de aumentar. Uma tentativa por parte do estado, para impedir este crescente empobrecimento do corpo principal dos que pagavam impostos foi proclamado em 1786 (um decreto segundo o qual as terras compradas aos camponeses empobrecidos tinham de ser devolvidas) pouco fez para melhorar a situação. Os proprietários e usurários compraram também as terras dos camponeses empobrecidos em regiões com populações não-chinesas, onde se usavam métodos particularmente cruéis. Os senhores locais ou nalguns lugares, mesmo as hierarquias de clã foram substituídas por oficinas manchus do governo central, que desprezavam os habitantes locais e não faziam a menor tentativa para compreender os seus costumes e tradições.

A situação era menos séria nas cidades e entre os comerciantes e artesãos urbanos. O enorme império, com o seu exército, o seu aparelho administrativo e o seu sistema legal unificado, em breve acabou por ter um mercado interno estável. O comércio e a indústria expandiram-se nas cidades, que cresceram consideravelmente. À proibição do comércio livre com os europeus, que fora decretada em 1757 e aplicada a todo o Império excepto Macau, significava que o comércio interno estava exclusivamente nas mãos dos comerciantes chineses e também levava a uma considerável reserva do comércio externo. Embora restringidos pelo rigoroso controlo do apareIho do estado feudal, os manufactureiros privados, que contratavam trabalho assalariado começaram a aparecer, o comércio expandiu-se e as relações artigo-dinheiro penetraram em todas as esferas da produção rural e espalharam-se pelos novos territórios súbditos e nas áreas habitadas por povos não chineses onde a política de assimilação em massa dava muitas oportunidades para o crescimento do comércio e da usura chinesa. Começaram a aparecer nas cidades sinais do modo capitalista de produção, mas o estado feudal, não era ainda de nenhum modo fraco e toda a sociedade chinesa estava ainda moldada segundo padrões exclusivamente feudais.

Nas condições complexas e contraditórias do século XVII a arte e a cultura chinesas iam adquirir uma certa complexidade artificial e uma pretensão que reflectiam as tentativas da facção dominadora manchu, que não deram qualquer contribuição às tradições culturais chinesas, de se colocar àparte e de apontar a sua própria cultura como predominante. No século XVIII a ciência foi, sobretudo, a compilação em larga escala; a literatura desse período foi notável, sobretudo em contos em vernáculo e histórias de fantasmas e acontecimentos extraordinários. Observa-se nela uma predilecção pelo estilo cortês, embora certos autores dessa época produzissem também obras realistas. Nas belas-artes e na arquitectura predominava um estilo decorativo com muitos ornamentos e de complexa composição. Poucos progressos culturais foram alcançados dentro dos limites deste país «fechado».

A situação crítica das áreas rurais e entre os povos não chineses teve durante muito tempo impacto nas cidades que estavam sujeitas a uma vigilância permanente do aparelho de estado centralizado, e este factor ia determinar a natureza de luta de classes na China no século XVIII. Esta luta manifestou-se sobretudo em revoltas isoladas, embora frequentes, entre os povos não chineses e numa campanha organizada dos camponeses chineses, chefiada por organizações camponesas secretas, nas quais os elementos proprietários de terras e urbanos não desempenhariam papel significativo. A centralização da classe dos proprietários de terras que nesta altura tinha já sido estabelecida e a relativa estabilidade das cidades, significavam que as grandes massas do campesinato descontentes se apoiavam nos seus próprios recursos e utilizavam as suas próprias formas de organização e a sua própria táctica na luta.

Revoltas armadas foras as principais expressões da luta travada pelos povos não chineses contra a campanha de assimilação decretada pelos imperadores. A mais importante inclui as revoltas de Miao e Yao em 1735, 1739-40, 1795-1799, as revoltas dos povos não chineses em Szechwan em 1772 dos Dungas e Salars em 1783: dos muçulmanos em Kansu no mesmo ano, e da população nativa em As sociedades secretas camponesas haviam de desempenhar um papel activo mais tarde, durante o último quartel do século XVIII, momento em que as condições se tinham tornado mais duras para os camponeses. Começaram a reaparecer sociedades religiosas tradicionais tais como o Lotus Branco (Pai-lien chiao), e apareceram outras novas, tais como a Associação dos Irmãos Idosos e a Tríade. Estas sociedades secretas, além de objectivos políticos (neste caso o derrube dos Ch’ing e a restauração da dinastia Ming), tinham como ideal, a perfeição moral e o auxílio organizado aos membros mais necessitadas, etc. A disciplina e as tácticas de conspiração destas sociedades revelavam um alto nível de organização. A mais influente era a Tríade, localizada, sobretudo, nas regiões costeiras do sul e apoiada pela classe mercantil.

Além das suas actividades diárias regulares, estas sociedades secretas organizaram um certo número de grandes revoltas: em Taiwan (1786-1788) sob a chefia da Tríade, e nas províncias de Chantung e Honan durante os anos setenta e oitenta sob a chefia do Lotus Branco. Uma revolta em massa foi instigada pela sociedade do Lotus Branco em 1796 nas regiões central e ocidental do país, onde a oposição aos manchus e aos proprietários feudais era particularmente forte. As tentativas manchus para esmagar a revolta falharam e foram as forças dos pequenos e médios proprietários chineses que finalmente conseguiram vencer os revoltosos em 1805. Contudo, em 1813, uma das filiais da sociedade do Lotus Branco organizou de novo uma revolta popular. Ao mesmo tempo espalharam-se actividades de guerrilha, nas regiões costeiras da parte sul do Império.

No fim do século XVIII e no início do século XIX, a China foi atingida por uma severa crise agrária, tornada mais aguda ainda pelas revoltas entre os povos não-chineses e pela luta das sociedades secretas camponesas. Esta situação minou o poder central e os governantes das províncias individuais tornaram-se praticamente independentes. Numerosas guerras em larga escala, desencadeadas durante a segunda metade do século XVIII acabaram todas em derrotas. A actividade diplomática e comercial, por parte das potências europeias ocidentais, expandiu-se consideravelmente nestas condicões e fizeram-se esforços mais decididos para encontrar colocacão no mercado chinês, para os artigos europeus e americanos. A mais activa das potências implicadas foi a Inglaterra, que nessa altura era a mais avançada nação comercial e industrial entre as potências europeias. Contudo, as suas missões especiais com este objectivo (1792-93 e 1816) não fizeram progressos. Entretanto, a expansão do comércio inglês e americano na China, sobretudo o comércio do ópio, tomou imperativa a consolidação das posições destas potências no país, à custa da soberania chinesa. O apetite dos colonialistas crescia rapidamente, mas era indispensável para as suas actividades penetrar na China, e isso os governantes Ch’ing fizeram tudo por o evitar.

A Crise do Império Otomano

No início do século XVII o Império Otomano ainda representava uma formidável potência e continuava a sua agressiva política de engrandecimento tanto na Europa como no Médio Oriente. Contudo, as derrotas, primeiros às mãos dos Austríacos e Húngaros em 1664 e depois às de uma coligação europeia (Áustria, Rússia, Itália e Polónia) privaram o Império de um número considerável de territórios subjugados, pelos tratados.de Karlowitz e Constantinopla. No século XVIII o Império Otomano foi obrigado a adoptar uma táctica defensiva e durante esse século viu-se forçado a fazer mais concessões territoriais e económicas.

O declínio do seu poderio militar estava ligado à crise e à desintegração do sistema de vassalagem militar do Império e entre os Janísaros. Os detentores de feudos tornaram-se gradualmente poderosos proprietários de terras e perderam o interesse em participarem com a sua cavalaria nas guerras imperiais. A expansão das relações artigo-dinheiro, o desenvolvimento do comércio com mercadores estrangeiros que traziam artigos luxuosos dos quatro cantos do globo para fornecer a corte do sultão e os escalões superiores da hierarquia feudal, tudo se tornou possível pela venda dos frutos do trabalho dos camponeses e artesãos. Isto por sua vez levou à exploração intensificada dos camponeses e à proliferação de serviços e impostos. Como resultado, a agricultura começou a declinar. O destino dos povos súbditos do Império foi particularmente duro, pois ficaram completamente à mercê dos senhores feudais turcos e dos funcionários administrativos e viram-se expostos aos caprichos e imposições dos seus próprios nobres e dos nobres turcos. Os povos cristãos que habitavam os Balcãs foram oprimidos como minorias religiosas e nacionais e ficaram também sujeitos aos padrões feudais de exploração económica.

O comércio Leste-Oeste através dos intermediários deu origem ao aparecimento de uma influente burguesia compradora nas grandes cidades costeiras do Império, formada sobretudo por Gregos e Arménios. Também surgiram manufacturas nos portos. Porém, o domínio completamente arbitrário do Sultão, que significava que não havia segurança para a burguesia que surgia, ao lado do empobrecimento das massas dos camponeses, serviram para travar a consolidação dos padrões económicos capitalistas.

No século XVIII, os estados europeus conseguiram tornar os seus antigos privilégios — concessões que lhes foram feitas quando o Sultão começou a interessar-se pelo desenvolvimento do comércio externo — garantias seguras de direitos extra-territoriais para os seus mercadores e o direito de expandir o comércio. Os artigos europeus em breve ameaçaram os artesãos locais e a existência de manufacturas turcas. Os compradores que tiravam os seus lucros como intermediários comerciais tinham interesses em promover a infiltração do capital estrangeiro. Os janísaros também começaram a competir com os pequenos comerciantes e artesãos. Estes eram soldados de infantaria profissionais, provinham de tributários filhos de cristãos que se tinham convertido ao Islamismo e sendo educados desde a infância como crentes fanáticos leais ao Sultão. Não tinham autorização de casar e de formar as suas próprias famílias e viviam em rigoroso regime de caserna recebendo altos salários isentos de todos os impostos.

Nos séculos XVII e XVIII, contudo os janísaros perderam o interesse pela função militar. Muitos estabeleceram-se e começaram a dedicar-se ao comércio e ao artesanato e continuaram a não pagar impostos. O crescimento desta espécie de casta social resultou em grande medida durante uma segunda geração.

Vender patentes de janísaro em breve se tornou uma prática aceite. Entretanto os janísaros perderam gradualmente a sua aura militar e em breve se tornavam uma guarda pretoriana que punha em perigo o próprio sultão. Os motins entre os janísaros tornaram-se agora uma ocorrência cada vez mais comum, pois muitas vezes exigiam a demissão de comandantes impopulares.

A intensificação da exploração feudal e de aumento dos impostos que minavam o sistema económico feudal, que não podia ser substituído por padrões capitalistas por causa das condições específicas em que se encontrava a Turquia, levaram a um movimento de protesto entre as massas populares. Em 1730 rebentou na capital uma revolta das massas urbanas. Foi chefiada por um antigo marinheiro. Patron-Rhalil, e as autoridades levaram semanas a reprimi-la. Entretanto também se multiplicavam as revoltas camponesas espontâneas. As primeiras sementes de uma luta de libertação nacional viam-se agora entre os povos oprimidos, particularmente os da península Balcânica. Estes movimentos antifeudais e de libertação também foram dirigidos contra a hierarquia superior do clero muçulmano, que não só sacralizou o domínio do Sultão e dos seus nobres como representava um dos maiores grupos de proprietários do Império, possuindo enormes propriedades que não estavam sujeitas a qualquer imposto. Estes factores traziam um elemento religioso sectário à luta.

O declínio económico e político do Sublime Porta deixou o caminho aberto às aspirações separatistas dos nobres mais poderosos e governantes locais que aceleraram ainda mais a queda do Império. Quanto mais fraco o império se tornava, mais fácil era para as potências europeias promover a sua penetração económica e capturar vários territórios otomanos.

Depois das guerras russo-turcas do século XVIII, sobretudo de 1768 a 1774, a Rússia assegurou o acesso ao mar Negro, do qual as possessões costeiras turcas de há muito a tinham privado. O Tratado de Kuchuk-Kainarji devolveu à Rússia as terras situadas entre o Deniepre e o Bug, e fez da Crimeia um estado independente, que mais tarde ia ser anexado pela Rússia. Os navios comerciais russos tinham liberdade de navegar no mar Negro e através do Bósforo. Entretanto os Czares, com o firme apoio dos nobres e da classe mercantil, sonhavam com extensas conquistas e em estabelecer o seu controlo sobre o Bósforo e sobre a própria Constantinopla. Estas aspirações iam chocar com os interesses das outras potências europeias, sobretudo a Inglaterra e França, que também contavam subjugar o vasto Império Otomano multinacional e se entregavam a uma feroz rivalidade à medida que iam a pouco a pouco penetrando nas suas várias regiões. Os interesses opostos e a rivalidade entre as potências europeias dentro deste Império, simultaneamente com a sua importância estratégica no contexto de planos a longo prazo, deu origem a uma complexa série de problemas que veio a ser conhecida como «Questão Oriental».

Os representantes da hierarquia feudal de maior visão esforçaram-se em consolidar o Império por meio de reformas militares e administrativas. Contudo, as reformas que o sultão Selim III (1789 - 1807) e o talentoso administrador e comandante militar Bairakdar Pasha tentaram fazer, foram ineficazes.


Inclusão 05/08/2016