Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China

Mao Tsetung


Capítulo V — Secção 7. A Guerra de Movimento


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Guerra de movimento ou guerra de posição? Nós responderemos: guerra de movimento. Enquanto não tivermos um grande exército ou reservas de munições, enquanto só existir uma unidade do Exército Vermelho para combater em cada base, a guerra de posição, dum modo geral, é-nos inútil. Para nós, quer se trate de defensiva ou ofensiva, a guerra de posição é geralmente inaplicável.

Uma das características mais marcantes das acções desenvolvidas pelo Exército Vermelho, característica que decorre do facto de o adversário ser forte e o Exército Vermelho fraco em equipamento técnico, é a ausência duma frente estável.

A linha de frente do Exército Vermelho é determinada pelas suas direcções operacionais. A ausência de direcções operacionais estáveis provoca a instabilidade das linhas de frente. Se bem que a direcção geral permaneça inalterada para um período dado, as diferentes direcções parciais, cujo conjunto constitui a direcção geral, modificam-se constantemente: quando uma direcção determinada se encontra bloqueada, convém passar a uma outra. Se ao cabo dum período determinado, a própria direcção geral fica bloqueada, é necessário mudá-la também.

No período da guerra civil revolucionária, as linhas de frente não podem ser estáveis; essa situação apresentou-se também na História da União Soviética. A situação do exército soviético difere da nossa unicamente porque a instabilidade, para ele, nunca atingiu um grau tão elevado como entre nós. Em nenhuma guerra podem existir linhas de frente absolutamente estáveis, as próprias modificações da guerra — vitórias ou derrotas, avanços ou retiradas — a isso se opõem. Todavia, constata-se frequentemente a existência de linhas de frente relativamente estáveis nas guerras comuns. As excepções só surgem quando um exército enfrenta um inimigo muito forte, como acontece actualmente com o Exército Vermelho chinês.

A instabilidade das linhas de frente provoca a instabilidade do território das nossas bases de apoio. Estas aumentam ou diminuem, reduzem-se ou ampliam-se constantemente, verificando-se frequentes vezes o aparecimento e o desaparecimento de bases isoladas. Uma tal variabilidade do território é inteiramente devida à mobilidade da guerra.

A mobilidade da guerra e a variabilidade do território provocam, por sua vez, a inconstância de todo o trabalho de edificação no interior das nossas bases de apoio. Para um período de vários anos, são inconcebíveis os planos de edificação. As modificações frequentes dos nossos planos tornaram-se um fenómeno banal.

É útil ter-se em conta essa particularidade. É sobre ela que devemos fundar os nossos planos para as tarefas futuras, não nos iludindo a nós próprios a respeito duma guerra puramente ofensiva, duma guerra sem retiradas; não devemos recear as modificações temporárias do território e da nossa retaguarda, nem tentar estabelecer planos concretos para um período prolongado. Devemos adaptar o nosso pensamento e as nossas actividades à situação, estar tão aptos a permanecer como a partir, ter sempre a mochila nas costas. Só pelo esforço despendido na actual vida errante é que poderemos assegurar, no futuro, uma menor mobilidade e, finalmente, a estabilidade.

Quando entre nós reinava a linha estratégica fundada na "guerra regular", durante a quinta contra-campanha, tal mobilidade era rejeitada nas nossas fileiras, lutando-se contra o que se chamava o "espírito de guerrilhas". Os camaradas que se pronunciavam contra a mobilidade agiam como se fossem dirigentes dum grande Estado. Por fim, teve-se de recorrer a uma mobilidade duma amplidão absolutamente extraordinária: a Grande Marcha de 25.000 lis.

A nossa República Democrática de Operários e Camponeses é um Estado mas, actualmente, ainda não o é em todo o sentido da palavra. Na guerra civil, ainda estamos no período da defensiva estratégica e o nosso Poder está ainda longe de ter uma forma estatal acabada. Quanto aos efectivos e aos meios técnicos, o nosso exército é ainda muito inferior ao exército do adversário; o nosso território ainda é muito pequeno, o adversário só pensa em liquidar-nos e não se dará por satisfeito enquanto o não tiver conseguido. Em tais condições, ao definirmos a nossa política, não devemos, em regra geral, lutar contra o espírito de guerrilhas, mas antes reconhecer honestamente que o Exército Vermelho tem o carácter dum exército de guerrilhas. Não há razão para ter vergonha. Pelo contrário, a natureza de guerrilhas do nosso exército constitui a nossa característica, o nosso ponto forte, o nosso meio de vencer o inimigo. Devemos preparar-nos para renunciar um dia a esse carácter, mas por agora é impossível. No futuro, esse carácter de guerrilhas tornar-se-á para o nosso exército qualquer coisa de vergonhoso a que será necessário renunciar, mas por agora é algo precioso a que devemos apegar-nos com força.

"Se podemos ganhar, batemo-nos, senão vamo-nos embora", tal é a fórmula popular para explicar o princípio da guerra de movimento que fazemos na actualidade. Não existe especialista militar no mundo que pense que só há que combater e nunca que retirar; simplesmente só raras vezes se retira assim tanto como nós o fazemos. Entre nós, as deslocações tomam geralmente mais tempo que os combates. Se em média travamos um combate importante por mês, já está bem. Todavia, sempre que "nos retiramos", fazemo-lo com a intenção de "nos batermos". Toda a nossa estratégia e todas as nossas tácticas baseiam-se na vontade de "nos batermos". Em certos casos, porém, não é vantajoso bater-se: primeiro, é inoportuno bater-se se o adversário dispõe de forças superiores; segundo, por vezes também é inoportuno bater-se se as forças do adversário, muito embora pouco importantes, estão muito próximo das suas unidades vizinhas; terceiro, é geralmente contra-indicado bater-se contra um inimigo que não esteja isolado e ocupe posições muito sólidas; quarto, não é indicado prosseguir um combate cujo resultado seja incerto. Em todos os casos que acabam de ser enumerados devemos estar prontos a retirar-nos. Em tais condições, retirar-se é admissível e necessário. Efectivamente, o reconhecimento da necessidade de retirar-se funda-se, com relação a nós, no reconhecimento da necessidade de nos batermos. É justamente aí que reside a característica essencial da guerra de movimento realizada pelo Exército Vermelho.

A nossa guerra é essencialmente uma guerra de movimento, mas isso não significa que rejeitemos a guerra de posição quando se nos afigure necessária e possível. Em período de defensiva estratégica, quando se pretende defender firmemente certos pontos-chave no decorrer de acções que visam a retenção das tropas inimigas, e em período de ofensiva estratégica, quando se enfrenta um adversário isolado, privado de todo o socorro, convém admitir a necessidade do recurso à guerra de posição. Já temos uma experiência que não é pará desprezar na utilização desses métodos da guerra de posição para obter a vitória: tomámos bastantes cidades, blocausses e fortalezas, e penetrámos posições de campanha relativamente bem fortificadas. Para futuro, precisamos ainda de redobrar de esforços nesse sentido, remediar as insuficiências a esse respeito. Devemos pronunciar-nos sem reserva pelo ataque ou defesa das posições fortificadas sempre que a situação o exija e permita. Actualmente, nós apenas nos opomos ao uso generalizado da guerra de posições, ou à ideia de dar-lhe a mesma importância que à guerra de movimento; é isso que consideramos inadmissível.

Mas será que, no decorrer dos dez anos de guerra civil, não se produziu qualquer modificação no carácter de guerra de guerrilhas do Exército Vermelho, na ausência de linhas de frente estáveis, na variabilidade do território das nossas bases de apoio e na inconstância dos planos de edificação dessas mesmas bases? Sim, produziram-se modificações. Na primeira fase, que vai da luta nas montanhas Tchincam ao início da primeira contra-campanha no Quiansi, o carácter de guerra de guerrilhas, a instabilidade, a variabilidade e a inconstância manifestaram-se com vigor. O Exército Vermelho estava então na sua infância, e as nossas bases de apoio não eram ainda mais do que simples regiões de guerrilhas. Na segunda fase, que vai da primeira contra-campanha à terceira, os traços assinalados atrás diminuíram nitidamente de importância. Os exércitos da frente já tinham sido criados e as nossas bases de apoio já contavam vários milhões de habitantes. Na terceira fase, que vai do fim da terceira contra-campanha à quinta, esses traços resultaram ainda menos acentuados. Já se tinha criado um governo central e uma comissão militar revolucionária. A Grande Marcha constituiu a quarta fase. O erro de rejeitar a guerra de guerrilhas e a variabilidade em pequena escala, levou-nos à guerra de guerrilhas e à variabilidade em grande escala. Estamos actualmente na quinta fase. Como a quinta campanha de "cerco e aniquilamento" não tinha sido desfeita, e por causa dessa grande variabilidade, o Exército Vermelho e as nossas bases de apoio ficaram consideravelmente reduzidos. Todavia já nos instalámos solidamente no Noroeste; a nossa base de apoio da região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia foi consolidada e alargada; e os exércitos das três frentes que constituem as forças principais do Exército Vermelho encontram-se já sob um comando único, o que não se verificava anteriormente.

Quanto ao carácter da nossa estratégia, pode dizer-se que o período que vai da luta nas montanhas Tchincam à quarta contra-campanha constituiu a primeira fase, a quinta contra-campanha, a segunda, e o período que vai do começo da Grande Marcha aos nossos dias, a terceira. No decurso da quinta contra-campanha, a nossa antiga linha estratégica, que era correcta, foi rejeitada sem razão; hoje, tivemos razão em rejeitar, por nosso turno, a linha errada que foi aplicada durante essa quinta contra-campanha e em ressuscitar a linha justa anterior. Ainda assim, não rejeitámos tudo da quinta contra-campanha, assim como não ressuscitámos tudo o que existia anteriormente. Só ressuscitámos o melhor, assim como só rejeitámos o que havia de errado na quinta contra-campanha.

O espírito de guerrilhas tem dois aspectos. Um, é o seu carácter irregular, quer dizer, a ausência de centralização, de unidade, a falta duma rigorosa disciplina, os métodos simplistas de trabalho, etc. Tudo isso foi herdado pelo Exército Vermelho do período da sua infância e, nesse tempo, alguns dos seus traços característicos eram justamente o que nos fazia falta. Contudo, na fase Superior do desenvolvimento do Exército Vermelho, convém desembaraçar-se disso progressiva e conscienciosamente, de modo que este seja mais centralizado, mais unido, mais disciplinado, mais perfeito no trabalho, numa palavra, que tenha um carácter mais regular. No domínio da direcção da acção, convém igualmente reduzir progressiva e conscientemente o que caracteriza a guerra de guerrilhas e se torna inútil na fase superior de desenvolvimento. A recusa em progredir a esse respeito e a obstinação em apegar-se à fase anterior são inadmissíveis e prejudiciais, são desvantajosas para a condução duma acção de grande envergadura.

O outro aspecto do espírito de guerrilhas é o princípio de guerra de movimento, o carácter de guerra de guerrilhas da nossa acção, que ainda permanece necessário na escala estratégica e operacional, a variabilidade ainda inevitável do território das nossas bases de apoio, a elasticidade dos planos de edificação nas nossas bases de apoio, e a recusa em dar prematuramente um carácter regular ao Exército Vermelho ao longo da sua fase de edificação. Nesse domínio, é igualmente inadmissível e prejudicial, igualmente desvantajoso para a condução das acções militares no período actual, negar os factos históricos, recusar-se a conservar o que é útil, abandonar inconsideradamente a fase actual para correr às cegas atrás dessa "nova fase" ainda inacessível e destituída, no momento, de qualquer interesse real.

Estamos actualmente em vésperas duma nova fase no que respeita ao equipamento técnico e à organização do Exército Vermelho. Devemos preparar-nos para a passagem a essa nova fase. Não o fazer seria falso e desvantajoso para o desenvolvimento ulterior da guerra. No futuro, quando as condições técnicas e de organização se tiverem modificado no seio do Exército Vermelho, e quando este último tiver entrado numa fase nova da sua edificação, as direcções operacionais e as linhas de frente tornar-se-ão mais estáveis; a guerra de posição atingirá maiores proporções; a mobilidade da guerra, a variabilidade do território das nossas bases de apoio e a instabilidade dos nossos planos de edificação diminuirão numa larga medida e acabarão por desaparecer completamente; nessa altura, nós não seremos mais prejudicados por tudo o que actualmente limita a nossa acção, como seja a superioridade numérica do inimigo e as suas posições solidamente fortificadas.

Presentemente, nós lutamos por um lado contra os métodos errados utilizados na época em que reinava o oportunismo de "esquerda" e, por outro lado, contra a ressurreição de todos esses traços de irregularidade que caracterizavam o Exército Vermelho ainda na sua infância, e que hoje em dia nos são já inúteis. Contudo, nós fazemos renascer com resolução todos esses inúmeros princípios válidos que respeitam à edificação do exército, bem como à estratégia e à táctica, e cuja utilização valeu sempre a vitória ao Exército Vermelho. Devemos fazer sempre o balanço de tudo o que conhecemos de melhor no passado e extrair disso uma linha militar sistematizada, mais desenvolvida, mais rica, a fim de vencermos actualmente o inimigo, e prepararmo-nos para abordar uma nova fase no futuro.

O domínio da guerra de movimento abraça numerosos problemas, como as missões de reconhecimento, a apreciação da situação, a tomada de decisões, a disposição das forças para o combate, a direcção do combate, a camuflagem, a concentração das forças, a marcha, o desdobramento das forças, o ataque, a perseguição, os golpes de surpresa, o ataque de posições, a defesa de posições, os recontros, a retirada, o combate de noite, os combates especiais, as manobras para evitar um adversário poderoso e desferir golpes contra um adversário fraco, o cerco de cidades para liquidar os reforços enviados em socorro, os ataques simulados, a D.C.A., as manobras entre vários grupos inimigos, as acções que visam evitar o combate contornando o inimigo, os combates sucessivos, as acções militares sem retaguarda, a necessidade de refazer-se e de acumular forças. Na história do Exército Vermelho, todas essas formas de acção apresentaram inúmeras particularidades; elas devem ser expostas metodicamente, e generalizadas na ciência das campanhas. Não falarei disso aqui.


Inclusão 28/05/2010