Reforma Agrária — Problema Nacional

Carlos Marighella

Agosto de 1961


Primeira edição: artigo publicado no jornal Novos Rumos (PCB) – Nº 128 – Ano III – 18 a 24 de Agosto de 1961.

Fonte: Cedem/Unesp – Fundo Asmob.

Transcrição: Lucas Pereira.

HTML: João Batalha.

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A Reforma Agrária constitui uma necessidade de nosso progresso e desenvolvimento. De toda parte eleva-se o clamor pela sua urgente realização. É uma medida reclamada com insistência, porque, antes de tudo, o exigem a expansão industrial e os interesses nacionais. A estrutura agrária do país já de há muito tornou-se caduca. Impõe-se a eliminação do monopólio da terra, a extinção do latifúndio, para que se extirpem a miséria e o atraso de milhões de brasileiros e para que as forças produtivas avancem livremente. A reforma agrária está na ordem-do-dia.

Os comunistas iniciaram a luta pela reforma agrária no Brasil. Mas no momento atual outras forças também lutam pela mesma medida. Encontros sindicais de operários, assembleias de camponeses, encontros estudantis e de economistas, bispos, homens de profissões liberais, parlamentares, governadores de Estado, vários setores da vida pública tem-se pronunciado a favor da reforma agrária. A esses pronunciamentos soma-se, agora, o do presidente da República, que proclamou a necessidade e a urgência da reforma agrária, qualificando de decadente a estrutura agrária do país.

O eco dessas forças refletiu-se de maneira afirmativa no Parlamento. Constituiu-se na câmara dos deputados uma comissão especial de reforma agrária. Seu relator, o deputado José Joffily(1), apresentou ali um substitutivo aos projetos de lei de reforma agrária. Pela primeira vez, o assunto vai mesmo a debate no plenário do Parlamento, sem passar pelas comissões, ao invés do que acontecia com outros projetos de idêntica natureza, que acabavam engavetados para sempre.

O projeto do deputado Joffily surge num momento em que se agrava o conflito entre as relações de produção retrógradas e as forças produtivas em desenvolvimento. Aparece quando este choque se evidencia, entre outros fatos, pelo emprego de várias formas de luta, como em Formoso, Engenho da Galiléia e outros pontos, e pela organização crescente de sindicatos rurais, cooperativas, associações, ligas camponesas.

O exame do projeto do deputado Joffily revela-nos, porém, que ele é insuficiente e não corresponde ao nível das lutas de massas e do movimento camponês. O projeto é de excessiva timidez. Não está à altura do grande anseio nacional, visando à efetivação da reforma agrária. Não institui a liquidação do latifúndio nem a distribuição da terra aos que nela queiram trabalhar. Meeiros, terceiros, arrendatários pobres, parceiros, subarrendatários, assalariados de todos os tipos, as grandes massas camponesas só dificilmente poderão ter acesso a um pedaço de terra. Quanto aos posseiros, sua situação no projeto fica aquém das conquistas por eles já obtidas nos dias de hoje, uma vez que a posse da terra só lhes seria garantida após dois anos de atividade agrícola, à base da permanência de núcleos residenciais de nunca menos de dez famílias.

O projeto Joffily cria um órgão altamente prejudicial — a COFRA (Comissão Federal de Reforma Agrária). Além de seu profundo caráter burocrático, será composto por elementos nomeados pelo presidente da República, entre os quais não se incluem os camponeses ou seus legítimos representantes. Incumbe a este órgão a função mais importante no dispositivo proposto. É de sua alçada promover a execução da lei e a elaboração do planejamento geral da reforma agrária, Cabe-lhe manejar os fabulosos recursos do Fundo Agrário Nacional, depositados no Banco do Brasil. Pela sua natureza e finalidades, a COFRA agirá segundo a vontade e os interesses dos latifundiários e grandes capitalistas, em prejuízo da grande massa de camponeses sem terra.

Assim, o projeto do deputado Joffily — como ele mesmo dá a entender em seu parecer — é, em sua expressão singela e verdadeira, uma fórmula de conciliação dos interesses da burguesia com os dos latifundiários, à custa das grandes massas laboriosas do campo.

No entanto, ainda sem eliminar o latifúndio, o projeto Joffily enfrenta questões que merecem amplo apoio, por favorecerem a reforma agrária. Não foi outro motivo que a Confederação Rural Brasileira, a mais alta entidade de classe dos latifundiários, rechaçou o projeto numa assembleia geral extraordinária.

Os latifundiários classificam como “Junta de Devassa do Tribunal do Santo Ofício” a apuração da legitimidade dos títulos de propriedade de mais de 500 hectares. A desapropriação para utilização temporária, que o projeto Joffily recomenda por um prazo mínimo de 10 anos, a juros de 6% ao ano, sobre o valor da propriedade, é também por eles condenada.

Positivo e, por isso, merecedor de apoio é o dispositivo que determina a justa indenização da propriedade desapropriada, segundo o valor atribuído último lançamento do imposto territorial. A doação gratuita de um lote agrícola ao posseiro, que, à data da lei, ocupar terras de domínio público, é outro ponto digno de aprovação.

O projeto Joffily presta um grande serviço à causa da reforma agrária, ao proporcionar um amplo debate sobre o assunto. A discussão que se abre no Parlamento torna possível uma grande campanha de massas em torno da reforma agrária. E nessa questão, como em todas as demais, as massas são o fator decisivo. O essencial é, pois, dar livre curso a essa campanha. Que os camponeses falem e sejam ouvidos, digam que tipo de reforma agrária lhes interessa. Que os patriotas e democratas, os nacionalistas e todo o povo estejam nessa campanha.

Partidários de uma reforma agrária radical, que liquide o monopólio da propriedade da terra pelos latifundiários e fortaleça a economia camponesa sob formas individuais ou associadas, os comunistas lutam também por medidas parciais e pelas reivindicações imediatas dos camponeses e apoiam quaisquer reformas úteis às massas trabalhadoras do campo.

Em aliança com o proletariado e junto com todas as forças patrióticas e progressistas, os camponeses, organizados em suas ligas e associações, podem conquistar, através da luta de massas, importantes direitos e influir sobre o Parlamento, para que sejam votadas medidas em seu favor.

A conjugação dos esforços de todo o povo e de todos quantos querem o progresso e o bem-estar pode atuar igualmente sobre o Parlamento e conseguir expungir do projeto Joffily o que ele tem de negativo e introduzir, através de emendas, conquistas e medidas capazes de tornar a reforma agrária uma realidade.

A reforma agrária é um problema nacional, de interesse de todo o povo. Para sua conquista impõe-se a ação da frente única, a unidade de todos os patriotas e democratas. Urge, assim, o amplo pronunciamento das massas e de todos quantos, sem distinção de partidos, credos filosóficos ou religiosos, julgam chegado o momento de modificar radicalmente a caduca estrutura agrária brasileira.