Manuscritos Econômico-Filosóficos

Karl Marx

Terceiro Manuscrito


Propriedade Privada e Trabalho

(1) ad página XXXVI. A essência subjetiva da propriedade privada, a propriedade privada como atividade em si mesma, como sujeito, como pessoa, é trabalho. É evidente, portanto, que só a Economia Política que reconheceu o trabalho por princípio (Adam Smith) e que não mais viu na propriedade privada unicamente uma condição extrínseca ao homem, pode ser considerada tanto um produto do dinamismo real e expansão da propriedade privada[N1], um produto da indústria moderna, quanto uma força que acelerou e exaltou o dinamismo e o desenvolvimento da industria e tornou-a uma potência no plano da consciência.

Assim, em vista dessa economia política esclarecida que descobriu a essência subjetiva da riqueza dentro da estrutura da propriedade privada, os partidários do sistema monetário e do mercantilismo, para quem a propriedade privada é uma entidade puramente objetiva para o homem, não fetichistas e católicos. Engels está certo, por isso, de chamar Adam Smith o Lutero da Economia Política. Assim como Lutero reconheceu a religião e a fé como a essência do mundo real, e por essa razão assumiu uma posição adversa ao paganismo cristão; assim como ele anulou a religiosidade externa ao mesmo passo que fazia da religiosidade a essência interior do homem; assim como ele negou a distinção entre sacerdote e leigo porque transferiu o sacerdócio para o coração do leigo; também a riqueza extrínseca ao homem e dele independente (só podendo, pois, ser adquirida e conservada de fora) é anulada. Isso quer dizer, sua objetividade externa e indiferente é anulada pelo fato de a propriedade privada ser incorporada ao próprio homem, e de ser o próprio homem reconhecido como sua essência. Mas, como resultado, o próprio homem é levado para a esfera da propriedade privada, exatamente como, com Lutero, é levado para a da religião. Sob o disfarce de reconhecer o homem, a economia política, cujo princípio é o trabalho, leva à sua lógica conclusão a negação do homem. O próprio homem não mais é uma condição da tensão externa com a substância externa da propriedade privada; ele próprio se converteu na entidade oprimida por tensões, que é a da propriedade privada. O que era anteriormente um fenômeno de ser extrínseco a si mesmo, uma manifestação extrínseca real do homem, transformou-se, agora no ato de objetivação, de alienação. Esta economia política parece, por conseguinte, a princípio, reconhecer o homem com sua independência, sua atividade pessoal, etc. Ela incorpora a propriedade privada à essência mesma do homem, e não é mais, portanto, condicionada pelas características locais ou nacionais da propriedade privada considerada como existente fora dela mesma. Ela manifesta uma atividade cosmopolita, universal, que destrói todos os limites e todos os vínculos, reputando-se a si mesma como a única orientação, a única universalidade, o único limite e o único vínculo. Em seu desenvolvimento ulterior, contudo, vê-se obrigada a rejeitar essa hipocrisia e a mostrar-se em todo o seu cinismo. Faz isso, sem qualquer consideração pelas contradições aparentes a que sua doutrina conduz, revelando por uma outra maneira unilateral, e por isso com maior lógica e clareza, que o trabalho é a única essência da riqueza, e demonstrando que essa doutrina, ao contrário da concepção original, tem conseqüências daninhas ao homem. Finalmente, ela aplica o golpe de morte à renda da terra, aquela última forma individual e natural da propriedade privada e fonte de riqueza existente independentemente do movimento do trabalho que foi a expressão da propriedade feudal, mas tornou-se inteiramente sua expressão econômica e não mais consegue oferecer qualquer resistência à economia política. (A Escola de Ricardo.)

Não só o cinismo da Economia Política aumenta a partir de Smith, passando por Say, Ricardo, Mill, etc., uma vez que para este último as conseqüências da industria se afiguraram cada vez mais ampliadas e contraditórias; sob um ponto de vista positivo elas tornaram-se mais alienadas, e mais conscientemente alienadas, do homem, em comparação com suas predecessoras. Isso é somente porque sua ciência se expande com maior lógica e verdade. Posto que eles fazem a propriedade privada em sua forma ativa formar o tema, e posto que ao mesmo tempo fazem o homem como não-entidade tornar-se uma entidade, a contradição na realidade corresponde inteiramente à essência contraditória por eles aceita como princípio. A realidade dividida (II) da indústria está longe de refutar, antes confirma, seu princípio de autodivisão. Seu princípio, com efeito, é o princípio dessa divisão.

A doutrina fisiocrática de Quesnay constitui a transição do sistema mercantilista para Adam Smith. A Fisiocracia é, em seu sentido direto, a decomposição econômica da propriedade feudal, mas, por essa razão, é da mesma forma direta a transformação econômica, o restabelecimento, desta mesma propriedade feudal, com a diferença de sua linguagem não ser mais feudal porém econômica. Toda a riqueza se reduz a terra e cultivo (agricultura). A terra ainda não e capital, mas sim um modo particular de existência de capital, cujo valor se diz residir em sua particularidade natural, da qual provém; a terra, não obstante, é um elemento natural e universal, ao passo que o sistema mercantilista só encarava os metais preciosos como riquezas. O objeto da riqueza, sua matéria, por esse motivo recebeu sua máxima universalidade dentro dos limites naturais - uma vez que é também, como natureza, riqueza diretamente objetiva. E é só pelo trabalho, pela agricultura, que a terra existe para o homem. Conseqüentemente, a essência subjetiva da riqueza já está transferida para o trabalho. Mas, simultaneamente, a agricultura e o único trabalho produtivo. O trabalho, pois, ainda não assumiu sua universalidade e sua forma abstrata; ele ainda se acha unido a um elemento particular da natureza como sendo a sua matéria, e só é reconhecido em um modo especial de existência determinado pela natureza. O trabalho é ainda, apenas, uma alienação determinada e específica do homem, e seu produto também é concebido como parte determinada da riqueza devida mais à natureza do que ao trabalho propriamente dito. A terra ainda é vista como algo existente naturalmente e sem levar em conta o homem, e não ainda como capital, isto é, como fator do trabalho. Pelo contrario, a terra parece ser um fator da natureza. Porém, desde que o fetichismo da antiga riqueza externa, existente somente como objeto, foi reduzido a um elemento natural bastante simples, e desde que sua essência foi em parte, e de certa maneira, reconhecida em sua existência, subjetiva, realizou-se o necessário progresso ao identificar-se a natureza universal da riqueza e ao elevar o trabalho à sua forma absoluta, ou seja, em abstrato, ao princípio. Demonstra-se, contra os fisiocratas, que, sob o ponto de vista econômico (i. é, sob o único ponto de vista válido), a agricultura não difere de qualquer outra indústria, não sendo, por conseguinte, um gênero específico de trabalho, ligado a um elemento particular, ou a uma manifestação particular do trabalho, mas o trabalho em geral que e a essência da riqueza.

A aristocracia nega a riqueza específica, externa, puramente objetiva, ao declarar que o trabalho é essência dela. Para os fisiocratas, entretanto, o trabalho é, antes de mais nada, apenas a essência subjetiva da propriedade imobiliária. (eles partem daquele tipo de propriedade que aparece historicamente como o predominantemente reconhecido.) Simplesmente convertem a propriedade imobiliária em homem alienado. Anulam seu caráter feudal ao declarar ser a indústria (agricultura) a essência, mas rejeitam o mundo industrial e aceitam o sistema feudal ao declarar que a agricultura e a única indústria.

É evidente que quando a essência subjetiva - indústria em oposição a propriedade agrária, indústria formando-se a si mesma como tal - é percebida, ela inclui a oposição dentro de si mesma. Pois, assim como a indústria incorpora a propriedade agrária por ela desbancada, sua essência subjetiva abarca a desta.

A propriedade agrária (ou imobiliária) é a primeira forma de propriedade privada, e a indústria aparece pela primeira vez na história simplesmente em oposição a ela, como uma forma particular de propriedade privada (ou melhor, como o escravo libertado da propriedade agrária); essa seqüência se repete no estudo científico da essência subjetiva da propriedade privada, e o trabalho aparece, a princípio, apenas como trabalho agrícola, mas depois estabelece-se como trabalho em geral.

(III) Toda riqueza transformou-se em riqueza industrial, a riqueza do trabalho e a indústria é trabalho concretizado; exatamente como o sistema fabril é a essência concretizada da indústria (i. é, do trabalho) e o capital industrial é a forma objetiva concretizada da propriedade privada. Assim, vemos que é só nesta etapa que a propriedade privada pode consolidar seu domínio sobre o homem e tornar-se, em sua forma mais genérica, uma potência na história mundial.


Notas:

[1] É o movimento Independente da propriedade privada tornando-se consciente de si mesma; é a industria moderna como Pessoa. (retornar ao texto)

Inclusão 08/11/2007