Miséria da Filosofia
Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon

Karl Marx


Capítulo II — A Metafísica da Economia Política
§ II — A Divisão do Trabalho e as Máquinas

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A divisão do trabalho abre, segundo o sr. Proudhon, a série das evoluções econômicas.

Lado bom da divisão do trabalho "Considerada em sua essência, a divisão do trabalho é o modo segundo o qual se realiza a igualdade das condições e das inteligências" (T. I, pág. 93).
Lado mau da divisão do trabalho "A divisão do trabalho tornou-se para nós um instrumento de miséria" (T. I, pág. 99).
VARIANTE
"O trabalho dividindo-se segundo a lei que lhe é própria, e que é a primeira condição de sua fecundidade, chega à negação de fins e se destrói a si mesmo" (T. I, pág. 94).
Problema a resolver Encontrar "a recomposição que anule os inconvenientes da divisão, mas que conserve ao mesmo tempo seus efeitos úteis" (T. I, pág. 97).

A divisão do trabalho é, segundo o sr. Proudhon, uma lei eterna, uma categoria simples e abstrata. É assim também preciso que a abstração, a ideia, a palavra lhe bastem para explicar a divisão do trabalho nas diferentes épocas da história. As castas, as corporações, o regime manufatureiro, a grande indústria devem ser explicados por esta única palavra dividir. Estudai bem, em primeiro lugar, o sentido de dividir, e não tereis a necessidade de estudar as numerosas influências que dão à divisão do trabalho um caráter determinado em cada época.

Certamente, reduzir as coisas às categorias do sr. Proudhon seria torná-las simples demais. A história não procede tão categoricamente. Foram necessários três séculos inteiros, na Alemanha, para que se estabelecesse a primeira grande divisão do trabalho, que é a separação entre as cidades e o campo. À medida que se modificava esta única relação entre a cidade e o campo, a sociedade inteira se modificava. Basta considerar esta única face da divisão do trabalho para terdes as repúblicas antigas ou a feudalidade cristã; a antiga Inglaterra com seus barões, ou a Inglaterra moderna com seus senhores do algodão (cotton-lords). Nos séculos XIV e XV, quando ainda não havia colônias e a América ainda não existia para a Europa, quando a Ásia não existia senão por intermédio de Constantinopla e o Mediterrâneo era o centro da atividade comercial, a divisão do trabalho tinha uma forma muito diferente, um aspecto muito diferente que o do século XVII, quando os espanhóis, os portugueses, os ingleses e os franceses tinham colônias estabelecidas em todas as partes do mundo. A extensão do mercado e sua fisionomia dão à divisão do trabalho nas diversas épocas uma fisionomia, um caráter que seria difícil deduzir apenas da palavra dividir, da ideia, da categoria.

"Todos os economistas — diz o sr. Proudhon — depois de Adam Smith, assinalaram as vantagens e os inconvenientes da lei de divisão, mas insistindo muito mais sobre as primeiras do que sobre os segundos, porque isso servia melhor ao seu otimismo, e sem que nenhum deles tivesse jamais perguntado o que podiam ser os inconvenientes de uma lei... Como poderá o mesmo princípio, acompanhado rigorosamente em suas consequências, conduzir a efeitos diametralmente opostos? Nenhum economista, nem antes nem depois de Smith, chegou sequer a perceber que havia aí um problema a esclarecer. Say chega até ao ponto de reconhecer que na divisão do trabalho a mesma causa que produz o bem engendra o mal."

A. Smith vai mais longe do que pensa o sr. Proudhon. Ele viu muito bem que,

"na realidade a diferença dos talentos naturais entre os indivíduos é bem menor do que o supomos. Estas disposições tão diferentes, que parecem distinguir os homens das diversas profissões, quando chegam à idade madura, não são tanto a causa quanto o efeito da divisão do trabalho".

A princípio, um carregador difere menos de um filósofo do que uma manhã de um lebréu. Foi a divisão do trabalho que colocou um abismo entre uma e outra cousa. Tudo isso não impede que o sr. Proudhon diga, noutro lugar, que Adam Smith nem mesmo suspeitava dos inconvenientes que produz a divisão do trabalho. É isso que ainda o faz dizer que J. B. Say foi o primeiro a reconhecer

"que na divisão do trabalho a mesma causa que produz o bem engendra o mal."

Mas ouçamos Lemontey: Suum cuique.

"O sr. J. B. Say deu-me a honra de adotar em seu excelente tratado de economia política, o princípio que enunciei no trecho sobre a influência moral da divisão do trabalho. O título um tanto frívolo de meu livro não lhe permitiu sem dúvida citar-me. Não posso atribuir senão a esse motivo o silêncio de um escritor com recursos suficientemente abundantes para não confessar um empréstimo tão modesto." (Lemontey, Oeuvres complètes, t. I, pág. 245, Paris, 1840).

Façamos-lhe esta justiça: Lemontey expôs de modo espiritual as consequências penosas da divisão do trabalho tal como existe nos nossos dias, e o sr. Proudhon nada encontrou para acrescentar a tal exposição. Entretanto, pois que, por culpa do sr. Proudhon, estamos agora empenhados nesta questão de prioridade, digamos ainda, de passagem, que, muito tempo antes do sr. Lemontey, e dezessete anos antes de Adam Smith, A. Ferguson (de quem Smith fora aluno) expôs nitidamente tal cousa num capítulo que trata especialmente da divisão do trabalho.

"Seria mesmo o caso de se duvidar se a capacidade geral de uma nação cresce em proporção do progresso das artes. Muitas artes mecânicas... triunfam perfeitamente quando destituídas de modo completo do auxílio da razão e do sentimento, e a ignorância é a mãe da indústria tanto quanto da superstição. A reflexão e a imaginação estão sujeitas a se extraviar: mas o hábito de mover o pé ou a mão não depende nem de uma nem de outra cousa. Assim, poder-se-ia dizer que a perfeição, relativamente às manufaturas, consiste em poder se passar do espírito, de maneira que sem esforço intelectual a fábrica possa ser considerada como uma máquina cujas peças são os homens... O oficial general pode ser muito hábil na arte da guerra, enquanto que todo o mérito do soldado se limita a executar alguns movimentos com o pé ou com a mão. Um pode ter ganho o que o outro perdeu... Numa época em que tudo está separado, a arte de pensar pode ela própria constituir uma ocupação à parte " (A. Ferguson, Essai sur lhistoire de la société civile, Paris, 1783).

Para terminar a exposição literária, negamos formalmente que

"todos os economistas tenham insistido muito mais sobre as vantagens do que sobre as desvantagens da divisão do trabalho."

Basta citar o nome de Sismondi.

Assim, no que diz respeito às vantagens da divisão do trabalho, o sr. Proudhon não tinha nenhuma outra cousa a fazer senão parafrasear mais ou menos pomposamente as frases gerais que toda gente conhece.

Vejamos agora como ele faz derivar da divisão do trabalho considerado como lei geral, como categoria, como pensamento, as desvantagens que a acompanham. Como pode acontecer que esta categoria, esta lei, implique a repartição desigual do trabalho com prejuízo do sistema igualitário do sr. Proudhon?

"Nesta hora solene da divisão do trabalho, o vento das tempestades começa a soprar sobre a humanidade. O progresso não se verifica para todos de uma maneira igual e uniforme;... ele começa por se apoderar de um pequeno número de privilegiados... É esta preferência de pessoas da parte do progresso que fez acreditar durante tanto tempo na desigualdade natural e providencial das condições, e que gerou as castas e constituiu hierarquicamente todas as sociedades" (Proudhon, t. I, pág. 97).

A divisão do trabalho fez as castas. Ora, as castas são os inconvenientes da divisão do trabalho; logo, foi a divisão do trabalho que engendrou os inconvenientes. Quod erat demonstrandum. Desejar-se-á ir mais longe para se saber o que levou a divisão do trabalho a dar lugar às castas, às constituições hierárquicas e aos privilegiados? O sr. Proudhon dir-vos-á: O progresso. E que é que fez o progresso? O limite. O limite para o sr. Proudhon, é a aceitação de pessoas da parte do progresso.

Depois da filosofia vem a história. Não se trata mais nem da história descritiva, nem da história dialética, mas da história comparada. O sr. Proudhon estabelece um paralelo entre o operário impressor atual e o operário impressor da Idade Média, entre o operário do Creusot e o ferrador das aldeias, entre o homem de letras de nossos dias e o homem de letras da Idade Média, e faz pender a balança do lado daqueles que pertencem mais ou menos à divisão do trabalho tal como foi constituída ou transmitida pela Idade Média. Ele opõe a divisão do trabalho de uma época histórica à divisão do trabalho de outra época histórica. Era isso que o sr. Proudhon tinha a demonstrar? Não. Ele tinha de nos demonstrar os inconvenientes da divisão do trabalho em geral, da divisão do trabalho como categoria. Para que servirá, aliás, insistir sobre esta parte da obra do sr. Proudhon, se o vemos, um pouco mais adiante, retratar-se ele próprio, formalmente, de todos estes pretensos desenvolvimentos?

"O primeiro efeito do trabalho realizado por parcelas, continua o sr. Proudhon, depois da depravação da alma, é o prolongamento do dia de serviço, que cresce na razão inversa da soma de inteligência despendida... Mas como a duração do dia de trabalho não pode ir além de dezesseis a dezoito horas, e, desde que a compensação não pode provir do tempo, ela será tirada do preço, e o salário diminuirá... O que é certo, e que para nós é a única cousa a mostrar, é que a consciência universal não atribui um mesmo preço ao trabalho de um contra-mestre e à atividade de um servente. Há, pois, necessidade de redução relativamente ao preço do dia: de modo que o trabalhador, depois de ter sido afligido em sua alma por uma função degradante, não pode deixar de ser atingido também no corpo pela modicidade da recompensa."

Deixamos de lado o valor lógico destes silogismos, que Kant chamaria de paralogismos que manquejam.

Eis a substância:

A divisão do trabalho reduz o operário a uma função degradante; a esta função degradante corresponde uma alma depravada; à depravação da alma convém uma redução sempre crescente do salário. E para provar que esta redução dos salários convém a uma alma depravada, o sr. Proudhon diz, por desencargo de consciência, que é a consciência universal que assim o quer. A alma do sr. Proudhon estará incluída na consciência universal?

As máquinas são, para o sr. Proudhon, "a antítese lógica da divisão do trabalho", e, com o apoio da dialética, ele começa por transformar as máquinas em oficina.

Depois de haver suposto a oficina moderna, para fazer decorrer a miséria da divisão do trabalho, o sr. Proudhon supõe a miséria engendrada pela divisão do trabalho, para chegar à oficina e para poder apresentá-la como a negação dialética desta miséria. Depois de ter atingido o trabalhador no moral por uma função degradante, no físico pela modicidade do salário; depois de ter posto o operário na dependência do contra-mestre, e rebaixado seu trabalho até à atividade de servente, ele recorre de novo à fábrica e às máquinas para degradar o trabalhador "dando-lhe um patrão", e acaba seu aviltamento fazendo-o "decair da condição de artesão à de sedente". A bela dialética! E ainda se ficasse nisso; mas não, ele precisa de uma nova história da divisão do trabalho, não mais para a derivação das contradições, mas para reconstruir a oficina à sua maneira. Para chegar a esse fim, ele tem necessidade de esquecer tudo aquilo que disse sobre a divisão.

O trabalho organiza-se, divide-se de acordo com os instrumentos de que dispõe. O moinho de mão supõe uma divisão do trabalho diferente da do moinho a vapor. É, pois, ir de encontro à história querer começar pela divisão do trabalho em geral, para chegar em seguida a um instrumento específico de produção, as máquinas.

As máquinas não são uma categoria econômica, do mesmo modo como não poderia sê-lo o boi que puxa a charrua. As máquinas não são senão uma força produtiva. A oficina moderna, que se baseia no emprego das máquinas, é uma relação social de produção, uma categoria econômica.

Vejamos agora como as cousas se passam na brilhante imaginação do sr. Proudhon.

"Na sociedade, o aparecimento constante das máquinas é a antítese, a fórmula inversa do trabalho: é o protesto do gênio industrial contra o trabalho parcelário e homicida. Que é, com efeito, uma máquina? Uma maneira de reunir diversões partículas de trabalho, que a divisão tinha separado. Toda máquina pode ser definida como um resumo de diversas operações. Assim, pela máquina, haverá restauração de trabalhador...

As máquinas, colocando-se na economia política contraditoriamente à divisão do trabalho, representam a síntese, opondo-se no espírito humano à análise... A divisão não fazia senão separar as diversas partes do trabalho, deixando cada qual entregar-se à especialidade que lhe agradasse mais: a oficina agrupa os trabalhadores, segundo a relação de cada parte ao todo... ela introduz o princípio de autoridade no trabalho... Mas isto não é tudo: a máquina ou a oficina, depois de ter degradado o trabalhador dando-lhe um patrão, acaba seu aviltamento fazendo-o decair da condição de artesão à de servente... O período que atravessamos neste momento, o das máquinas, se distingue por um caráter particular, é o salariato. O salariato é posterior à divisão do trabalho e à troca."

Uma simples observação ao sr. Proudhon. A separação das diversas partes do trabalho, deixando a cada qual a faculdade de se entregar à especialidade que mais lhe agradar, separação que o sr. Proudhon faz datar do começo do mundo, não existe senão na indústria moderna sob o regime da concorrência.

O sr. Proudhon faz-nos em seguida uma "genealogia." demasiado "interessante", para demonstrar como a oficina nasceu da divisão do trabalho, e o salariato da oficina.

  1. ° — Ele imagina um homem que notou que dividindo a produção em suas diversas partes, e fazendo executar cada uma por um operário à parte, multiplicar-se-iam as forças da produção.
  2. ° — Este homem, apanhando o fio desta ideia, diz a si mesmo que formando um grupo permanente de trabalhadores escolhidos para o objetivo especial que ele se propõe, obterá uma produção mais elevada, etc.
  3. ° — Este homem faz uma proposta a outros homens, para que eles possam compreender sua ideia e o fio de sua ideia.
  4. ° — Este homem, no início de sua indústria, trata de igual para igual seus companheiros que se tornam mais tarde seus operários.
  5. É compreensível, com efeito, que esta igualdade primitiva teve de desaparecer rapidamente devido à posição vantajosa do patrão e a dependência do assalariado."

Eis ainda uma amostra do método histórico e descritivo do sr. Proudhon.

Examinemos agora, do ponto de vista histórico e econômico, se verdadeiramente a oficina, ou a máquina, introduziu o princípio de autoridade na sociedade posteriormente à divisão do trabalho; se ela reabilitou, de um lado, o operário, submetendo-o ao mesmo tempo, de outro lado, à autoridade; se a máquina é a recomposição do trabalho dividido, a síntese do trabalho oposta à sua análise.

A sociedade inteira tem isto de comum com o interior de uma oficina: ela também tem a sua divisão do trabalho. Se se tomasse por modelo a divisão do trabalho numa oficina moderna, para aplicá-lo a uma sociedade inteira, a sociedade melhor organizada para a produção das riquezas seria incontestavelmente a que não tivesse senão um só chefe, distribuindo as tarefas segundo uma regra determinada com antecedência aos diversos membros da comunidade. Mas não é isso o que se verifica. Enquanto que no interior da oficina moderna a divisão do trabalho é minuciosamente regulada pela autoridade do industrial, a sociedade moderna não tem outra regra, outra autoridade, para distribuir o trabalho, senão a livre concorrência.

Sob o regime patriarcal, sob o regime das castas, sob o regime feudal e corporativo, havia divisão do trabalho na sociedade inteira segundo regras fixas. Estas regras foram estabelecidas por um legislador? Não. Nascidas primitivamente das condições da produção material, elas não foram erigidas em leis senão bem mais tarde. Foi assim que estas diversas formas da divisão do trabalho se tornaram em outras tantas bases de organização social. Quanto à divisão do trabalho na oficina, ela era muito pouco desenvolvida em todas estas formas da sociedade.

Pode-se, mesmo, estabelecer como regra geral, que quanto menos a autoridade preside à divisão do trabalho no interior da sociedade, mais a divisão do trabalho se desenvolve no interior da oficina, e mais ela é aí submetida à autoridade de um só. Assim, a autoridade na oficina e a autoridade na sociedade, em relação à divisão do trabalho, estão em relação inversa uma da outra.

Convém ver agora o que é a oficina, na qual as ocupações são muito separadas, na qual a tarefa de cada operário é reduzida a uma operação muito simples, e onde a autoridade, o capital, agrupa e dirige os trabalhos. Como nasceu esta oficina? Para responder a esta pergunta, teríamos de examinar como a indústria manufatureira propriamente dita se desenvolveu. Quero me referir a esta indústria que não é ainda a indústria moderna, com suas máquinas, mas que já não é mais nem a indústria dos artesãos da Idade Média, nem a indústria doméstica. Não entraremos em grandes detalhes: não daremos senão alguns pontos sumários, para fazer ver que com fórmulas não se pode fazer história.

Uma das principais condições para a formação da indústria manufatureira era a acumulação de capitais, facilitada pela descoberta da América e pela introdução de seus metais preciosos.

Está suficientemente provado que o aumento dos meios de troca teve por consequência, de um lado, a depreciação dos salários e das rendas fundiárias e, de outro, o crescimento dos lucros industriais. Em outros termos: à medida em que a classe dos proprietários e a classe dos trabalhadores, os senhores feudais e o povo, decaíam, elevava-se a classe dos capitalistas, a burguesia.

Houve ainda outras circunstâncias que concorreram simultaneamente para o desenvolvimento da indústria manufatureira: o aumento das mercadorias postas em circulação desde que o comércio penetrou nas Índias Orientais pelo caminho do cabo da Boa Esperança, o regime colonial, o desenvolvimento do comércio marítimo.

Outro ponto que ainda não foi suficientemente apreciado na história da indústria é o licenciamento de numerosos séquitos dos senhores feudais, os membros subalternos dos quais, se tornaram vagabundos antes de entrar nas oficinas. A criação da oficina é precedida de uma vagabundagem quase universal nos séculos XV e XVI. A oficina encontrou ainda um poderoso apoio nos numerosos camponeses que, expulsos continuamente do campo pela transformação das terras de lavoura em pastagens e pela introdução de atividades agrícolas necessitando menos braços para a cultura das terras, afluíram às cidades durante séculos inteiros. A ampliação do mercado, a acumulação dos capitais, as modificações sobrevindas na posição social das classes, uma multidão de pessoas privadas de suas fontes de renda, eis outras tantas condições históricas da formação da manufatura. Não foram, como diz o sr. Proudhon, estipulações amistosas entre iguais, que reuniram os homens na oficina. Não foi nem mesmo no seio das antigas corporações que a manufatura teve nascimento. Foi o negociante que se tornou chefe da fábrica moderna, e não o antigo mestre das corporações. Em quase toda parte houve uma luta encarniçada entre a manufatura e os ofícios.

A acumulação e a concentração de instrumentos e de trabalhadores precedeu o desenvolvimento da divisão do trabalho no interior da oficina. Uma manufatura consistia muito mais na reunião de muitos trabalhadores e de muitos ofícios num só lugar, numa sala às ordens de um capital, do que na análise dos trabalhos e na adaptação de um operário particular a uma tarefa muito simples.

A utilidade de uma oficina consistia menos na divisão do trabalho propriamente dita do que na circunstância de ali se trabalhar numa escala maior, de se pouparem muitas pequenas despesas, etc. No fim do século XVI e no começo do século XVII, a manufatura holandesa mal conhecia a divisão.

O desenvolvimento da divisão do trabalho supõe a reunião dos trabalhadores numa oficina. Não há um exemplo sequer, nem no século XVI, nem no século XVII, de terem sido os diversos ramos de um mesmo ofício explorados separadamente ao ponto de bastar reuni-los num só lugar para se obter a oficina completa. Contudo, uma vez os homens e os instrumentos reunidos, a divisão do trabalho tal como existia sob a forma das corporações se reproduzia, se refletia necessariamente no interior da oficina.

Para o sr. Proudhon, que vê as cousas pelo avesso, se é que as vê, a divisão do trabalho, no sentido que lhe dá Adam Smith, precede a oficina que é uma condição de sua existência.

As máquinas propriamente ditas datam do fim do século XVIII. Nada mais absurdo que ver nas máquinas a antítese da divisão do trabalho, a síntese restabelecendo a unidade no trabalho dividido.

A máquina é uma reunião dos instrumentos de trabalho, e de nenhum modo uma combinação dos trabalhos para o próprio operário.

"Quando, pela divisão do trabalho, cada operação particular tenha sido reduzida ao emprego de um instrumento simples, a reunião de todos estes instrumentos, postos em ação por um só motor, constitui — uma máquina" (Babbage, Traité sur l’économie des machines, etc., Paris, 1833).

Instrumentos de trabalho simples, acumulação de instrumentos, instrumentos compostos, movimentação de um instrumento composto por um só motor manual, pelo homem, movimentação destes instrumentos pelas forças naturais, máquina, sistema de máquinas tendo um só motor, sistema de máquinas tendo um autômato — por motor — eis aí a marcha das máquinas.

A concentração dos instrumentos de produção e a divisão do trabalho são tão inseparáveis uma da outra como o são, no regime político, a concentração dos poderes públicos e a divisão dos interesses particulares. A Inglaterra com a concentração das terras, estes instrumentos de trabalho agrícola, tem igualmente a divisão do trabalho agrícola e a mecânica aplicada na exploração da terra. A França, que tem a divisão dos instrumentos, o regime parcelário, não tem em geral nem divisão do trabalho agrícola nem aplicação das máquinas à terra.

Para o sr. Proudhon, a concentração dos instrumentos de trabalho é a negação da divisão do trabalho. Na realidade deparamos ainda o contrário. À medida que a concentração dos instrumentos se desenvolve, a divisão se desenvolve também e vice-versa. Eis o que faz com que toda grande invenção na mecânica seja seguida de uma maior divisão do trabalho, e cada aumento na divisão do trabalho determine por sua vez novas invenções mecânicas.

Não é preciso lembrar que os grandes progressos da divisão do trabalho começaram na Inglaterra depois da invenção das máquinas. Assim, os tecelões e os fiandeiros eram em sua maioria camponeses, tal como ainda acontece nos países atrasados. A invenção das máquinas acabou de separar a indústria manufatureira da indústria agrícola. O tecelão e o fiandeiro, reunidos outrora numa só família, foram separados pela máquina. Graças à máquina, o fiandeiro pode morar na Inglaterra e o tecelão viver nas Índias Orientais. Antes da invenção das máquinas a indústria de um país manifestava-se principalmente através das matérias-primas produzidas em seu próprio solo: assim, na Inglaterra a lã, na Alemanha o linho, na França as sedas e o linho, nas Índias Orientais e no Levante o algodão, etc. Graças à aplicação da máquina e do vapor, a divisão do trabalho pôde tomar tais dimensões, que a grande indústria, separada do solo nacional, depende unicamente do mercado mundial, das trocas internacionais, de uma divisão de trabalho internacional. Enfim, a máquina exerce uma tal influência sobre a divisão do trabalho, que quando na fabricação de uma obra qualquer se tenha encontrado o meio de introduzir parcialmente a mecânica, a fabricação se divide logo em duas empresas independentes uma da outra.

Será preciso falar no fim providencial e filantrópico que o sr. Proudhon descobre na invenção e aplicação primitiva das máquinas?

Quando na Inglaterra o mercado tomou um desenvolvimento tal que o trabalho manual já não bastava para abastecê- lo, sentiu-se a necessidade das máquinas. Sonhava-se então com a aplicação da ciência mecânica, que já se completara no século XVIII.

A oficina automática teve seu início assinalado por atos que não podiam ser menos filantrópicos. As crianças eram obrigadas a trabalhar sob a ameaça do chicote e eram objeto de tráfico, fazendo-se contratos com as casas de órfãos. Aboliram-se todas as leis sobre a aprendizagem dos operários, porque, para nos servir das frases do sr. Proudhon, não se tinha mais necessidade senão de operários sintéticos. Enfim, a partir de 1825, quase todas as novas invenções resultaram de choques entre o operário e o industrial, que procurava a todo custo depreciar a especialidade do operário. Depois de cada nova greve, por pouco importante que fosse, surgia uma nova máquina. O operário via tão pouco na aplicação das máquinas uma espécie de reabilitação, de restauração, como diz o sr. Proudhon, que no século XVIII resistiu muito tempo ao império nascente do autômato.

"Wyatt, diz o doutor Ure, tinha descoberto os dedos de fiar" (a série de rolos estriados) muito tempo antes de Arkwright... A principal dificuldade não consistia tanto na invenção de um mecanismo automático... A dificuldade estava sobretudo na disciplina necessária para fazer os homens renunciar a seus hábitos irregulares no trabalho, e para identificá-los com a regularidade invariável de um grande autômato. Mas inventar e pôr em vigor um código de disciplina manufatureiro, que conviesse às necessidades e à celeridade do sistema automático, eis uma empresa digna de Hércules, eis a nobre obra de Arkwright".

Em suma, com a introdução das máquinas, a divisão do trabalho no interior da sociedade aumentou, a tarefa do operário no interior da oficina se simplificou, o capital foi reunido, o homem foi dividido ainda mais.

O sr. Proudhon, querendo ser economista e abandonar por um momento "a evolução na série do entendimento", vai buscar sua erudição em A. Smith, no tempo em que a oficina automática apenas havia nascido. Com efeito, que diferença entre a divisão do trabalho tal como existia no tempo de Adam Smith, e tal como a vemos na oficina automática. Para que possamos compreendê-la bem, basta citar algumas passagens da "Filosofia das manufaturas" do doutor Ure.

"Quando A. Smith escreveu sua obra imortal sobre os elementos da economia política, o sistema automático de indústria era apenas conhecido. A divisão do trabalho parecia-lhe com razão o grande princípio do aperfeiçoamento em manufatura; ele demonstrou, na fábrica de alfinetes, que um operário se aperfeiçoando pela prática num só e mesmo ponto torna-se mais expedito e menos dispendioso. Em cada ramo de manufatura, ele viu que, segundo este princípio, certas operações, tais como o corte de fios de latão em comprimentos iguais, tornam-se de fácil execução; que outras, tais como a feitura e fixação das cabeças de alfinetes relativamente mais difíceis. E concluiu, assim, que se pode, como é natural, adaptar a cada uma destas operações um operário cujo salário corresponda à sua habilidade. É esta adaptação que é a essência dos trabalhos. Mas o que podia servir de exemplo útil no tempo do doutor Smith não seria apropriado hoje senão para induzir o público em erro, relativamente ao princípio real da indústria manufatureira. Com efeito, a distribuição, ou antes, a adaptação dos trabalhos às diferentes capacidades individuais, quase não entra no plano de ação das manufaturaras automáticas: ao contrário, em todos os lugares onde um processo qualquer exige muita destreza e mão segura, ele é retirado do braço demasiado hábil do operário e muitas vezes inclinado a irregularidades de vários gêneros, para entregá-lo a um mecanismo particular, cujo funcionamento automático é tão bem regulado que uma criança pode vigiá-lo.

O princípio do sistema automático é, pois, substituir pela arte mecânica a mão-de-obra, e substituir a divisão do trabalho entre os artesãos pela análise de um processo em seus princípios constituintes. De acordo com o sistema de operação manual, a mão-de-obra era geralmente o elemento mais dispendioso de um produto qualquer: mas, com o sistema automático, os talentos do artesão vão sendo progressivamente substituídos pela presença de simples vigilantes de mecânica.

A fraqueza da natureza humana é tal que quanto mais hábil o operário mais voluntarioso e intratável se torna, e, por conseguinte, menos é indicado para um sistema de mecânica ao conjunto do qual seus repentes caprichosos podem causar um mal considerável. O grande problema do manufatureiro dos nossos dias é, pois, combinando a ciência com seus capitais, reduzir a tarefa de seus operários a exercer sua vigilância e destreza, faculdades que se aperfeiçoam em sua juventude, quando são fixadas num só objeto.

Segundo o sistema das gradações do trabalho, é preciso fazer uma aprendizagem de muitos anos para que o olho e as mãos se tornem bastante hábeis para executar certas operações que exigem destreza em mecânica; mas segundo o sistema que decompõe um processo reduzindo-o aos seus princípios constitutivos, e que submete todas as partes em que é dividido ao funcionamento de uma máquina automática, pode-se confiar estas mesmas partes elementares a uma pessoa dotada de uma capacidade ordinária, depois de submetida a uma curta prova; pode-se mesmo, em caso de urgência, fazê-la passar de uma maquina para outra, de acordo com a vontade do diretor do estabelecimento. Tais mutações estão em oposição aberta com a antiga rotina que divide o trabalho e que atribui a um operário a tarefa de conformar a cabeça de um alfinete, e a outro a de afinar a ponta, trabalho cuja uniformidade tediosa os enerva... Entretanto, de acordo com o princípio de igualização, ou o sistema automático, as faculdades do operário não estão submetidas senão a um trabalho agradável, etc. Sua ocupação sendo vigiar o trabalho de um mecanismo bem regulado, ele a pode aprender em pouco tempo; e quando transfere seus serviços de uma máquina para outra, ele varia sua tarefa e desenvolve suas ideias, refletindo nas combinações gerais que resultam de sua atividade e de seus companheiros. Assim, este constrangimento das faculdades, este retraimento das ideias, este mal-estar do corpo que foram atribuídos não sem razão à divisão do trabalho, não podem, em circunstâncias ordinárias, ter lugar sob o regime de uma igual distribuição dos trabalhos.

O objetivo constante e a tendência de todo aperfeiçoamento no mecanismo é, com efeito, de dispensar inteiramente o trabalho do homem ou de diminuir o seu preço, substituindo pela indústria das mulheres e das crianças a do operário adulto, ou pelo trabalho de operários sem destreza e de hábeis artesãos... Esta tendência a empregar apenas crianças de olhar vivo e dedos ágeis no lugar de trabalhadores possuindo uma grande experiência, demonstra que o dogma escolástico da divisão do trabalho segundo os diferentes graus de habilidade foi enfim repudiado por nossos manufatureiros esclarecidos" (André Ure, Philosophie des manufactures ou Économie industrielle, t. I, cap. 1).

O que caracteriza a divisão do trabalho no seio da sociedade moderna, é que ela engendra as especialidades, as espécies, e com elas o idiotismo da profissão.

"Ficamos admirados, diz Lemontey, quando vemos entre os antigos a mesma personagem ser ao mesmo tempo, num grau eminente, filósofo, poeta, orador, historiador, sacerdote, administrador, general de exército. Nossas almas se espantam ante o aspecto de tão vasto domínio. Cada um planta sua sebe e se encerra no seu cercado. Ignoro se com esta separação o campo aumenta, mas sei que o homem se diminui."

O que caracteriza a divisão do trabalho na oficina automática é que nela o trabalho perde todo caráter de especialidade, Mas desde que todo desenvolvimento especial cesse, a necessidade de universalidade, a tendência para um desenvolvimento integral do indivíduo começa a se fazer sentir. A oficina automática faz desaparecer as espécies e o idiotismo da profissão.

O sr. Proudhon, não tendo nem mesmo compreendido este único lado revolucionário da oficina automática, dá um passo atrás, e propõe ao operário fazer não somente a duodécima parte de um alfinete, mas sucessivamente todas as doze partes. O operário chegaria assim à ciência e à consciência do alfinete. Eis o que é o trabalho sintético do sr. Proudhon. Ninguém contestará que fazer um movimento para a frente e outro para trás é fazer igualmente um movimento sintético.

Em resumo, o sr. Proudhon não foi além do ideal do pequeno-burguês. E para realizar este ideal, ele não imagina nada de melhor do que nos reconduzir ao companheiro, ou, quando muito, ao mestre-artesão da Idade Média. É bastante, diz ele num ponto qualquer de seu livro, haver feito uma só vez na vida uma obra-prima, ter se sentido homem uma só vez. Não está aí, tanto pelo fundo como pela forma, a obra-prima exigida pela corporação do ofício da Idade Média?


Inclusão 28/03/2013