Manifesto do Partido Comunista
Karl Marx e Friederich Engels

Prefácio de 1872


A Liga dos Comunistas, associaçom operária internacional que, dadas as condiçons da época, só podia eximir secretamente, incumbiu os que a assinam, no Congresso realizado em Londres em Novembro de 1.847, de redigir um programa teórico e prático detalhado do Partido, destinado à publicaçom. Tal é a origem desse Manifesto, cujo manuscrito foi enviado a Londres para ser impresso, algumhas semanas antes da revoluçom de Fevereiro. Publicado primeiro em alemám, fôrom elaboradas, no mínimo, doze ediçons diferentes nesse idioma na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Em inglês, apareceu primeiro em Londres, em 1.850, no Red Republican, traduzido por Helen Macfarlane e, mais tarde, em 1.871, publicou-se polo menos em três traduçons diferentes nos Estados Unidos. Apareceu em francês pola primeira vez em Paris, nas vésperas da insurreiçom de Junho de 1.848 e recentemente no Le Socialiste, de Nova Iorque. Actualmente, prepara-se umha nova traduçom. Elaborou-se em Londres umha ediçom em polaco, pouco tempo depois da primeira ediçom alemá. Em Genebra apareceu em russo, na década de 60. Foi traduzido também para o dinamarquês, pouco depois da sua publicaçom original.

Embora as condiçons tenham mudado muito nos últimos vinte e cinco anos, os princípios gerais expostos neste Manifesto continuam sendo hoje, em seu conjunto, plenamente actuais. Alguns pontos deveriam ser retocados. O mesmo Manifesto explica que a aplicaçom prática destes princípios dependerá sempre e em todos os lugares das circunstáncias históricas existentes, e que, portanto, nom se atribui importáncia exclusiva às medidas revolucionárias enumeradas no final do capítulo II. Essa passagem teria hoje de ser redigida de maneira diferente, em mais de um aspecto. Devido ao desenvolvimento colossal da grande indústria nós últimos vinte e cinco anos e, com ele, o da organizaçom do partido da classe operária; devido às experiências práticas, primeiro da revoluçom de Fevereiro e depois, com mais força ainda da Comuna de Paris, que eleva pola primeira vez o proletariado, durante dous meses, ao poder político, este programa envelheceu nalguns de seus pontos. A Comuna demonstrou, sobretudo, que "a classe operária nom pode simplesmente tomar posse da máquina estatal existente e colocá-la em movimento para os seus próprios fins". (Ver A Guerra Civil na França, Manifesto do Conselho Geral da Associaçom Internacional dos Trabalhadores, página 19 da ediçom alemá, onde esta ideia se encontra mais desenvolvida.) Além disso, evidentemente, a crítica da literatura socialista está incompleta para esses momentos, pois só chega até 1.847; e, ao mesmo tempo, se as observaçons que se fam sobre a atitude dos comunistas diante dos diferentes partidos de oposiçom (capítulo IV) som exactas nos seus traços gerais, tornárom-se antiquadas na prática, já que a situaçom política mudou completamente e o desenvolvimento histórico aboliu da face da terra a maioria dos partidos ali citados.

Nom obstante, o Manifesto é um documento histórico que já nom temos direito de modificar. Umha ediçom posterior talvez vaia precedida de um prefácio que poda preencher a lacuna existente entre 1.847 e os nossos dias; a actual re-impressom foi tam inesperada para nós, que nom tivemos tempo de escrevê-lo.

Londres, 24 de Junho de 1.872

K. Marx
F. Engels


MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA

Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numha Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha.

Quê partido de oposiçom nom foi acusado de comunista polos seus adversários no poder? Que partido de oposiçom, por sua vez, nom lançou aos seus adversários de direita ou de esquerda a alcunha infamante de comunista?

Duas conclusons decorrem desses factos:

1ª. O comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da Europa.

2ª. É tempo de os comunistas exporem, à face do mundo inteiro, o seu modo de ver, os seus fins e as suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do espectro do comunismo.

Com este fim, reunírom-se, em Londres, comunistas de várias nacionalidades e redigírom o manifesto seguinte, que será publicado em inglês, francês, alemám, italiano, flamengo e dinamarquês.


I. BURGUESES E PROLETÁRIOS(1)

A história de todas as sociedades que existírom até os nossos dias tem sido a história das luitas de classes.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporaçom e oficial, numha palavra, opressores e oprimidos, em constante oposiçom, tenhem vivido numha guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; umha guerra que terminou sempre, ou por umha transformaçom revolucionária da sociedade inteira, ou pola destruiçom das suas classes em luita.

Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda a parte, umha completa divisom da sociedade em classes distintas, umha escala graduada de condiçons sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos; e, em cada umha destas classes, gradaçons especiais.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, nom aboliu os antagonismos de classes. Nom fijo senom substituir velhas classes, velhas condiçons de opressom, velhas formas de luita por outras novas.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dous vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média nascêrom os plebeus livres das primeiras cidades; desta populaçom municipal, saírom os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América, a circunavegaçom de África oferecêrom à burguesia ascendente um novo campo de acçom. Os mercados da Índia e da China, a colonizaçom da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimírom um impulso, desconhecido até entom, ao comércio, à indústria, à navegaçom e, por conseguinte, desenvolvêrom rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposiçom.

A antiga organizaçom feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporaçons fechadas, já nom podia satisfazer as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufactura substituiu-na. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporaçons; a divido do trabalho entre as diferentes corporaçons desapareceu diante da divisom do trabalho dentro da própria oficina.

Todavia os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mercadorias aumentava sempre. A própria manufactura tornou-se insuficiente; entom, o vapor e a maquinaria revolucionárom a produçom industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia industrial cedeu lugar aos milionários da indústria - chefes de verdadeiros exércitos industriais - aos burgueses modernos.

A grande indústria criou o mercado mundial preparado pola descoberta da América. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do comércio, da navegaçom, dos meios de comunicaçom. Esse desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a extensom da indústria ; e à medida que a indústria, o comércio, a navegaçom, as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando os seus capitais e relegando a segundo plano as classes legadas pola Idade Média.

Vemos pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de umha série de revoluçons no modo de produçom e de troca.

Cada etapa da evoluçom percorrida pola burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida polo despotismo feudal, associaçom armada administrando-se a si própria na comuna; aqui, República urbana independente, ali, terceiro estado, tributário da monarquia; depois, durante o período manufactureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo do estado moderno nom é senom um comité para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.

A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.

Onde quer que tenha conquistado o Poder, a burguesia destruiu as relaçons feudais, patriarcais e idílicas. Ela despedaçou sem piedade todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal aos seus "superiores naturais", para só deixar subsistir, entre os homens, o laço do frio interesse, as cruéis exigências do "pagamento à vista". Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fijo da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pola única e implacável liberdade de comércio. Numha palavra, em lugar da exploraçom velada por ilusons religiosas e políticas, a burguesia colocou umha exploraçom aberta, cínica, directa e brutal.

A burguesia despojou de sua auréola todas as actividades até entom reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fijo os seus servidores assalariados.

A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relaçons de família e reduziu-nas a simples relaçons monetárias.

A burguesia revelou como a brutal manifestaçom de força na Idade Média, tam admirada pola reacçom, encontra o seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores que as pirámides do Egipto, os aqüedutos romanos, as catedrais góticas: conduziu expediçons que empanárom mesmo as antigas invasons e as cruzadas.

A burguesia só pode existir com a condiçom de revolucionar incessantemente os instrumentos de produçom, por conseguinte, as relaçons de produçom e, com isso, todas as relaçons sociais. A conservaçom inalterada do antigo modo de produçom constituía, polo contrário, a primeira condiçom de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversom contínua da produçom, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitaçom permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relaçons sociais antigas e cristalizadas, com o seu cortejo de concepçons e de ideias secularmente veneradas; as relaçons que as substituem tornam-se antiquadas antes mesmo de ossificar-se. Tudo o que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado e os homens som obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condiçons de existência e suas relaçons recíprocas.

Impelida pola necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda a parte, tecer vínculos em toda a parte.

Pola exploraçom do mercado mundial, a burguesia imprime um carácter cosmopolita à produçom e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reaccionários, ela retirou à indústria a sua base nacional. As velhas indústrias nacionais fôrom destruídas e continuam a sê-lo diariamente. Som suplantadas por novas indústrias, cuja introduçom se torna umha questom vital para todas as naçons civilizadas, indústrias que nom empregam mais matérias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das regions mais distantes, cujos produtos se consomem nom somente no próprio país mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas polos produtos nacionais, nascem novas necessidades que reclamam para a sua satisfaçom os produtos das regions mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regions e naçons que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercámbio universal, umha universal interdependência das naçons. E isto refere-se tanto à produçom material como à produçom intelectual. As criaçons intelectuais de umha naçom tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce umha literatura universal.

Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produçom e ao constante progresso dos meios de comunicaçom, a burguesia arrasta para a torrente de civilizaçom mesmo as naçons mais bárbaras. Os baixos preços de seus produtos som a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas as naçons a adoptarem o modo burguês de produçom, constrange-as a abraçar o que ela chama civilizaçom, isto é, a se tornarem burguesas. Numha palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança.

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a populaçom das cidades em relaçom à dos campos e, com isso, arrancou umha grande parte da populaçom do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersom dos meios de produçom, da propriedade e da populaçom. Aglomerou as populaçons, centralizou os meios de produçom e concentrou a propriedade em poucas maos. A conseqüência necessária dessas transformaçons foi a centralizaçom política. Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas alfandegárias diferentes, fôrom reunidas numha só naçom, com um só governo, umha só lei, um só interesse nacional de classe, umha só barreira alfandegária.

A burguesia, durante o seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais do que todas as geraçons passadas em conjunto. A subjugaçom das forças da natureza, as máquinas, a aplicaçom da química à indústria e à agricultura, a navegaçom a vapor, os caminhos de ferro, o telégrafo eléctrico, a exploraçom de continentes inteiros, a canalizaçom dos rios, populaçons inteiras brotando na terra como por encanto - que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?

Vemos pois: os meios de produçom e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, fôrom gerados no seio da sociedade feudal. Esses meios de produçom e de troca, as condiçons em que a sociedade feudal produzia e trocava, a organizaçom feudal da agricultura e da manufactura, em suma, o regime feudal

de propriedade, deixárom de corresponder às forças produtivas já desenvolvidas, ao alcançarem estas um certo grau de desenvolvimento. Entravavam a produçom em lugar de impulsioná-la. Transformárom-se em outras tantas cadeias que era preciso despedaçar e foram despedaçadas.

Em seu lugar, estabeleceu-se a livre concorrência, com umha organizaçom social e política correspondente, com a supremacia económica e política da classe burguesa.

Assistimos hoje a um processo semelhante. As relaçons burguesas de produçom e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fijo surgir gigantescos meios de produçom e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já nom pode controlar as forças infernais que pujo em movimento com as suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio nom é senom a história da revolta das forças produtivas modernas contra as actuais relaçons de produçom e de propriedade que condicionam a existência da burguesia e o seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente nom só umha grande massa de produtos já fabricados, mas também umha grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Umha epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superproduçom. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbaria momentánea; diria-se que a fame ou umha guerra de extermínio lhe cortarom todos os meios de subsistência ; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilizaçom, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de que dispom já nom favorecem o desenvolvimento das relaçons de propriedade burguesa; polo contrário, tornárom-se por dentais poderosas para essas condiçons, que passam a entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas no seu seio. De quê maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pola destruiçom violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pola conquista de novos mercados e pola exploraçom mais intensa dos antigos. A quê leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuiçom dos meios de evitá-las.

As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.

A burguesia, porém, nom forjou somente as armas que lhe darám morte; produziu também os homens que manejarám essas armas - os operários modernos, os proletários.

Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho e que só o encontram na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, som mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em conseqüência, estám sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência a todas as flutuaçons do mercado.

O crescente emprego de máquinas e a divisom do trabalho, despojando o trabalho do operário de seu carácter autónomo, tirárom-lhe todo atractivo. O produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operaçom mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário reduz-se, quase exclusivamente, aos meios de manutençom que lhe som necessários para viver e procriar. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua produçom. Portanto, à medida que aumenta o carácter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Quanto mais se desenvolvem o maquinismo e a divisom do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho, quer polo prolongamento das horas, quer polo aumento do trabalho exigido num tempo determinado, pola aceleraçom do movimento das máquinas etc.

A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporaçom patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, som organizadas militarmente. Como soldados da indústria, estám sob a vigilância de umha hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Nom som somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também diariamente, a cada hora, escravos da máquina, do contra mestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, odioso e exasperador quanto maior é a franqueza com que proclama ter no lucro o seu objectivo exclusivo.

Quanto menos habilidade e força o trabalho exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado polo das mulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo nom tenhem mais importáncia social para a classe operária. Nom há senom instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.

Depois de sofrer a exploraçom do fabricante e de receber o seu salário em dinheiro, o operário torna-se presa de outros membros da burguesia, do proprietário, do varejista, do usurário etc.

As camadas inferiores da classe média de outrora, os pequenos industriais, pequenos comerciantes e pessoas que possuem rendas, artesaos e camponeses, caem nas fileiras do proletariado: uns porque os seus pequenos capitais, nom lhes permitindo empregar os processos da grande indústria, sucumbem na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque a sua habilidade profissional é depreciada polos novos métodos de produçom. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da populaçom.

O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Logo que nasce começa sua luita contra a burguesia.

A princípio, empenham-se na luita operários isolados, mais tarde, operários de umha mesma fábrica, finalmente operários do mesmo ramo de indústria, de umha mesma localidade, contra o burguês que os explora directamente. Nom se limitam a atacar as relaçons burguesas de produçom, atacam os instrumentos de produçom: destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posiçom perdida do artesao da Idade Média.

Nesta fase, constitui o proletariado massa disseminada por todo o país e dispersa pola concorrência. Se, por vezes, os operários se unem para agir em massa compacta, isto nom é ainda o resultado de sua própria uniom, mas da uniom da burguesia que, para atingir os seus próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o proletariado, o que ainda pode fazer provisoriamente. Durante essa fase, os proletários nom combatem ainda seus próprios inimigos, mas os inimigos de seus inimigos, isto é, os restos da monarquia absoluta, os proprietários territoriais, os burgueses nom industriais, os pequenos burgueses. Todo o movimento histórico está, desse modo, concentrado nas maos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condiçons é umha vitória burguesa.

Ora, a indústria, desenvolvendo-se, nom somente aumenta o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; a sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses e as condiçons de existência dos proletários igualam-se cada vez mais, à medida que a máquina extingue toda diferença do trabalho e quase por toda a parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam, os salários tornam-se cada vez mais inestáveis; o aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a condiçom de vida do operário cada vez mais precária; os choques individuais entre o operário e o burguês tomam cada vez mais o carácter de choques entre duas classes. Os operários começam a formar unions contra os burgueses e actuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associaçons permanentes a fim de se prepararem, na previsom daqueles choques eventuais. Aqui e ali a luita transforma-se em rebeliom.

Os operários triunfam às vezes; mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas luitas nom é o êxito imediato, mas a uniom cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta uniom é facilitada polo crescimento dos meios de comunicaçom criados pola grande indústria e que permitem o contacto entre operários de localidades diferentes. Ora, basta esse contacto para concentrar as numerosas luitas locais, que tenhem o mesmo carácter em toda a parte, numha luita nacional, numha luita de classes. Mas toda luita de classes é umha luita política. E a uniom que os burgueses da Idade Média levavam séculos a realizar, com os seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizam-na em poucos anos por meio das vias férreas.

A organizaçom do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pola concorrência que fam entre si os próprios operários. Mas renasce sempre e cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa. Aproveita-se das divisons intestinas da burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como, por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra.

Em geral, os choques que ocorrem na velha sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive em guerra perpétua; primeiro, contra a aristocracia; depois, contra as fracçons da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os progressos da indústria ; e sempre contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas luitas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, reclamar seu concurso e arrastá-lo assim para o movimento político, de modo que a burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educaçom política, isto é, armas contra ela própria.

Além disso, como já vimos, fracçons inteiras da classe dominante, em conseqüência do desenvolvimento da indústria som precipitadas no proletariado, ou ameaçadas, polo menos, nas suas condiçons de existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educaçom.

Finalmente, nos períodos em que a luita de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissoluçom da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um carácter tam violento e agudo que umha pequena fracçom da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, a classe que trai em si o futuro. Do mesmo modo que outrora umha parte da nobreza se passou para a burguesia, nos nossos dias, umha parte da burguesia passa-se para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegárom à compreensom teórica do movimento histórico no seu conjunto.

De todas as classes que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é umha classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria ; o proletariado, polo contrário, é o seu produto mais autêntico.

As classes médias - pequenos comerciantes, pequenas fabricantes, artesaos, camponeses - combatem a burguesia porque esta compromete sua existência como classes médias. Nom som, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, reaccionárias, pois pretendem fazer girar para trás a roda da história. Quando som revolucionárias, é em conseqüência de sua iminente passagem para o proletariado; nom defendem entom os seus interesses actuais, mas os seus interesses futuros; abandonam o seu próprio ponto de vista para adoptar o do proletariado.

O lumpemproletariado, esse produto passivo da putrefacçom das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por umha revoluçom proletária; todavia, as suas condiçons de vida predisponhem-no mais a vender-se à reacçom para servir às suas manobras.

Nas condiçons de existência do proletariado já estám destruídas as da velha sociedade. O proletariado nom tem propriedade; as suas relaçons com a mulher e os filhos nada tem de comum com as relaçons familiares burguesas. O trabalho industrial moderno, a sujeiçom do operário polo capital, tanto na Inglaterra como na França, na América como na Alemanha, despoja o proletariado de todo carácter nacional. As leis, a moral, a religiom, som para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.

Todas as classes que no passado conquistárom o Poder, tratárom de consolidar a situaçom adquirida submetendo a sociedade às suas condiçons de apropriaçom. Os proletários nom podem apoderar-se das forças produtivas sociais senom abolindo o modo de apropriaçom que era próprio a estas e, por conseguinte, todo modo de apropriaçom em vigor até hoje. Os proletários nada tenhem de seu a salvaguardar; a sua missom é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.

Todos os movimentos históricos tenhem sido, até hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento espontáneo da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada inferior da sociedade actual, nom pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.

A luita do proletariado contra a burguesia embora nom seja na essência umha luita nacional, reveste-se contudo dessa forma nos primeiros tempos. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de tudo, liquidar a sua própria burguesia.

Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que lavra na sociedade actual, até a hora em que essa guerra explode numha revoluçom aberta e o proletariado estabelece a sua dominaçom pola derrubada violenta da burguesia.

Todas as sociedades anteriores, como vimos, baseárom-se no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas para oprimir umha classe é preciso poder garantir-lhe condiçons tais que lhe permitam polo menos umha existência de escravo. O servo, em plena servidom, conseguia tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, se elevava à categoria de burguês. O operário moderno, polo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais baixo dentro de sua própria classe. O trabalhador cai na miséria e esta cresce ainda mais rapidamente do que a populaçom e a riqueza. É, pois, evidente que a burguesia seja incapaz de continuar desempenhando o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as condiçons de existência de sua classe. Nom pode exercer o seu domínio porque nom pode já assegurar a existência de seu escravo, mesmo no quadro de sua escravatura, porque é obrigada a deixá-lo cair numha tal situaçom, que deve nutri-lo em lugar de fazer-se nutrir por ele. A sociedade nom pode já existir sob sua dominação, o que quer dizer que a existência da burguesia é, doravante, incompatível com a da sociedade.

A condiçom essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulaçom da riqueza nas maos dos particulares, a formaçom e o crescimento do capital; a condiçom de existência do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e inconsciente, substitui o isolamento dos operários, resultante de sua competiçom, por sua uniom revolucionária mediante a associaçom. Assim, o desenvolvimento da grande indústria socava o terreno em que a burguesia assentou o seu regime de produçom e de apropriaçom dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado som igualmente inevitáveis.

Notas:

(1) Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produçom social, que empregam o trabalho assalariado. Por proletários compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de produçom próprios, se vêm obrigados a vender a sua força de trabalho para poderem existir. (Nota de F. Engels à edição inglesa de L888.). (retornar ao texto)

 


II. PROLETÁRIOS E COMUNISTAS

Qual a posiçom dos comunistas diante dos proletários em geral?

Os comunistas nom formam um partido particular, oposto aos outros partidos operários.

Nom tenhem interesses que os separem do proletariado em geral.

Nom proclamam princípios particulares, segundo os quais pretenderiam modelar o movimento operário.

Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dous pontos: 1) Nas diversas luitas nacionais dos proletários, destacam e fam prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente da nacionalidade. 2) Nas diferentes fases por que passa a luita entre proletários e burgueses, representam, sempre e em toda a parte, os interesses do movimento no seu conjunto. Praticamente, os comunistas constituem, pois, a fracçom mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fracçom que impulsiona as demais; teoricamente tenhem sobre o resto do proletariado a vantagem de umha compreensom nítida das condiçons, da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário.

O objectivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituiçom dos proletários em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político polo proletariado.

As concepçons teóricas dos comunistas nom se baseiam, de modo algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo. Som apenas a expressom geral das condiçons reais de umha luita de classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os nossos olhos. A aboliçom das relaçons de propriedade que tenhem existido até hoje nom é umha característica peculiar exclusiva do comunismo.

Todas as relaçons de propriedade tenhem passado por modificaçons constantes em conseqüência das continuas transformaçons das condiçons históricas.

A Revoluçom Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.

O que caracteriza o comunismo nom é a aboliçom da propriedade geral, mas a aboliçom da propriedade burguesa.

Ora, a propriedade privada actual, a propriedade burguesa, é a última e mais perfeita expressom do modo de produçom e de apropriaçom baseado nos antagonismos de classes, na exploraçom de uns polos outros.

Neste senso, os comunistas podem resumir a sua teoria nesta fórmula única : aboliçom da propriedade privada.

Censuram-nos, a nós comunistas, o querermos abolir a propriedade pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que se declara ser a base de toda liberdade, de toda actividade, de toda independência individual.

A propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito! Pretende-se falar da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, forma de propriedade anterior à propriedade burguesa? Nom precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. Ou por ventura pretende-se falar da propriedade privada actual, da propriedade burguesa?

Mas, o trabalho do proletário, o trabalho assalariado cria propriedade para o proletário? De nengum modo. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condiçom de produzir novo trabalho assalariado, a fim de explorá-lo novamente. Na sua forma actual, a propriedade move-se entre os dous termos antagónicos: capital e trabalho assalariado. Examinemos os dous termos dessa antinomia.

Ser capitalista significa ocupar nom somente umha posiçom pessoal, mas também umha posiçom social na produçom. O capital é um produto colectivo: só pode ser posto em movimento polos esforços combinados de muitos membros da sociedade, e mesmo, em última instância, polos esforços combinados de todos os membros da sociedade.

O capital nom é, pois, umha força pessoal; é umha força social.

Assim, quando o capital é transformado em propriedade comum, pertencente a todos os membros da sociedade, nom é umha propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. O que se transformou foi apenas o carácter social da propriedade. Esta perde o seu carácter de classe.

Passemos ao trabalho assalariado.

O preço médio que se paga polo trabalho assalariado é o mínimo de salário, isto é, a soma dos meios de subsistência necessária para que o operário viva como operário. Por conseguinte, o que o operário obtém com o seu trabalho é o estritamente necessário para mera conservaçom e reproduçom da sua vida. Nom queremos de nengum modo abolir essa apropriaçom pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à manutençom e à reproduçom da vida humana, pois essa apropriaçom nom deixa nengum lucro líquido que confira poder sobre o trabalho alheio. O que queremos é suprimir o carácter miserável desta apropriaçom que fai com que o operário só viva para aumentar o capital e só viva na medida em que o exigem os interesses da classe dominante.

Na sociedade burguesa, o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é sempre um meio de ampliar, enriquecer e melhorar cada vez mais a existência dos trabalhadores.

Na sociedade burguesa, o passado domina o presente; na sociedade comunista, é o presente que domina o passado. Na sociedade burguesa, o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha nom tem nem independência nem personalidade.

É a aboliçom de semelhante estado de cousas que a burguesia verbera como a aboliçom da individualidade e da liberdade. E com razom. Porque se trata efectivamente de abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa.

Por liberdade, nas condiçons actuais da produçom burguesa, compreende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.

Mas, se o tráfico desaparece, desaparecerá também a liberdade de traficar. Além disso, todo o palavreado sobre a liberdade de comércio, bem como todas as parolas liberais de nossa burguesia só tenhem sentido quando se referem ao comércio tolhido e ao burguês oprimido da Idade Média; nengum sentido tenhem quando se trata da aboliçom comunista do tráfico, das relaçons burguesas de produçom e da própria burguesia.

Horrorizades-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque nom existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusade-nos, portanto, de querer abolir umha forma de propriedade que só pode existir com a condiçom de privar a imensa maioria da sociedade de toda propriedade.

Em resumo, acusade-nos de querer abolir a vossa propriedade. De facto, é isso que queremos.

Desde o momento em que o trabalho nom pode já ser convertido em capital, em dinheiro, em renda da terra, numha palavra, em poder social capaz de ser monopolizado, isto é, desde o momento em que a propriedade individual nom poda já converter-se em propriedade burguesa, declarades que a individualidade está suprimida.

Confessades, pois, que quando falades do indivíduo, queredes referir-vos unicamente ao burguês, ao proprietário burguês. E este indivíduo, sem dúvida, deve ser suprimido.

O comunismo nom retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriaçom.

Alega-se ainda que, com a aboliçom da propriedade privada, toda a actividade cessaria, umha inércia geral se apoderaria do mundo.

Se isso fosse verdade, há muito que a sociedade burguesa teria sucumbido à ociosidade, pois que os que no regime burguês trabalham nom lucram e os que lucram nom trabalham. Toda a objecçom se reduz a essa tautologia: nom haverá mais trabalho assalariado quando nom existir capital.

As acusaçons feitas contra o modo comunista de produçom e de apropriaçom dos produtos materiais tenhem sido feitas igualmente contra a produçom e a apropriaçom dos produtos do trabalho intelectual. Assim como o desaparecimento da propriedade de classe equivale, para o burguês, ao desaparecimento de toda produçom, também o desaparecimento da cultura de classe significa, para ele, o desaparecimento de toda a cultura.

A cultura, cuja perda o burguês deplora, é, para a imensa maioria dos homens, apenas um adestramento que os transforma em máquinas.

Mas nom discutais connosco enquanto aplicardes à aboliçom da propriedade burguesa o critério das vossas noçons burguesas de liberdade, cultura, direito etc. As vossas próprias ideias decorrem das relaçons de produçom e de propriedade burguesas, assim como o vosso direito nom passa da vontade da vossa classe erigida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado polas condiçons materiais de vossa existência como classe.

A falsa concepçom interesseira que vos leva a erigir em leis eternas da natureza e da razom as relaçons sociais oriundas do vosso modo transitório de produçom e de propriedade - relaçons históricas que surgem e desaparecem no curso da produçom - compartilhade-la com todas as classes dominantes já desaparecidas. O que admitides para a propriedade antiga, o que admitides para a propriedade feudal, já nom vos atrevedes a admiti-lo para a propriedade burguesa.

Aboliçom da família! Até os mais radicais ficam indignados diante desse desígnio infame dos comunistas.

Sobre que fundamento repousa a família actual, a família burguesa? No capital, no ganho individual. A família, na sua plenitude, só existe para a burguesia, mas encontra seu complemento na supressom forçada da família para o proletário e na prostituiçom pública.

A família burguesa desvanece-se naturalmente com o desvanecer de seu complemento e umha e outra desaparecerám com o desaparecimento do capital.

Acusar-nos de querer abolir a exploraçom das crianças polos seus próprios pais? Confessamos este crime.

Dizeis também que destruímos os vínculos mais íntimos, substituindo a educaçom doméstica pola educaçom social.

E vossa educaçom nom é também determinada pola sociedade, polas condiçons sociais em que educades os vossos filhos, pola intervençom directa ou indirecta da sociedade, por meio de vossas escolas etc? Os comunistas nom inventárom essa intromissom da sociedade na educaçom, apenas mudam o seu carácter e arrancam a educaçom à influência da classe dominante.

As declamaçons burguesas sobre a família e a educaçom, sobre os doces laços que unem a criança aos pais, tornam-se cada vez mais repugnantes à medida que a grande indústria destrói todos os laços familiares do proletário e transforma as crianças em simples objectos de comércio, em simples instrumentos de trabalho.

Toda a burguesia grita em coro: "Vós, comunistas, queredes introduzir a comunidade das mulheres!"

Para o burguês, a sua mulher nada mais é do que um instrumento de produçom. Ouvindo dizer que os instrumentos de produçom serám explorados em comum, conclui naturalmente que ocorrerá o mesmo com as mulheres. Nom imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher do seu papel actual de simples instrumento de produçom.

Nada mais grotesco, aliás, do que a virtuosa indignaçom que, aos nossos burgueses, inspira a pretensa comunidade oficial das mulheres que adoptariam os comunistas. Os comunistas nom precisam de introduzir a comunidade das mulheres. Esta quase sempre existiu.

Os nossos burgueses, nom contentes em ter à sua disposiçom as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituiçom oficial, tenhem singular prazer em cornearem-se uns aos outros.

O casamento burguês é, na realidade, a comunidade das mulheres casadas. No máximo, poderiam acusar os comunistas de quererem substituir umha comunidade de mulheres, hipócrita e dissimulada, por outra que seria franca e oficial. De resto, é evidente que, com a aboliçom das relaçons de produçom actuais, a comunidade das mulheres que deriva dessas relaçons, isto é, a prostituiçom oficial e nom oficial desaparecerá.

Além disso, os comunistas som acusados de quererem abolir a pátria, a nacionalidade.

Os operários nom tenhem pátria. Nom se lhes pode tirar aquilo que nom possuem. Como, porém, o proletariado tem por objectivo conquistar o poder político e erigir-se em classe dirigente da naçom, tornar-se ele mesmo a naçom, ele é, nessa medida, nacional, embora de nengum modo no sentido burguês da palavra.

As demarcaçons e os antagonismos nacionais entre os povos desaparecem cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia, com a liberdade do comércio e o mercado mundial, com a uniformidade da produçom industrial e as condiçons de existência que lhes correspondem.

A supremacia do proletariado fará com que tais demarcaçons e antagonismos desapareçam ainda mais depressa. A acçom comum do proletariado, polo menos nos países civilizados, é umha das primeiras condiçons para sua emancipaçom.

Suprimide a exploraçom do homem polo homem e teredes suprimido a exploraçom de umha naçom por outra.

Quando os antagonismos de classes, no interior das naçons, tiverem desaparecido, desaparecerá a hostilidade entre as próprias naçons.

Quanto às acusaçons feitas aos comunistas em nome da religiom, da filosofia e da ideologia em geral, nom merecem um exame aprofundado.

Será preciso grande perspicácia para compreender que as ideias, as noçons e as concepçons, numha palavra, que a consciência do homem se modifica com toda mudança sobrevinda nas suas condiçons de vida, nas suas relaçons sociais, na sua existência social?

Quê demonstra a história das ideias senom que a produçom intelectual se transforma com a produçom material? As ideias dominantes de umha época sempre fôrom as ideias da classe dominante.

Quando se fala de ideias que revolucionam umha sociedade inteira, isto quer dizer que, no seio da velha sociedade, se formárom os elementos de umha nova sociedade e que a dissoluçom das velhas ideias marcha junto à dissoluçom das antigas condiçons de vida.

Quando o mundo antigo declinava, as velhas religions fôrom vencidas pola religiom cristá; quando, no século XVIII, as ideias cristás cedêrom lugar às ideias racionalistas, a sociedade feudal travava a sua batalha decisiva contra a burguesia entom revolucionária. As ideias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência nom figérom mais do que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento.

"Sem dúvida - dirá-se - as ideias religiosas, morais, filosóficas, políticas, jurídicas etc., modificárom-se no curso do desenvolvimento histórico, mas a religiom, a moral, a filosofia, a política, o direito mantivérom-se sempre através dessas transformaçons.

"Além disso, há verdades eternas, como a liberdade, a justiça etc., que som comuns a todos os regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir estas verdades eternas, quer abolir a religiom e a moral, em lugar de lhes dar umha nova forma e isso contradiz todo o desenvolvimento histórico anterior".

A que se reduz essa acusaçom? A história de toda a sociedade até os nossos dias consiste no desenvolvimento dos antagonismos de classes, antagonismos que se tenhem revestido de formas diferentes nas diferentes épocas.

Mas qualquer que tenha sido a forma desses antagonismos, a exploraçom de umha parte da sociedade por outra é um facto comum a todos os séculos anteriores. Portanto, nada há de espantoso em que a consciência social de todos os séculos, apesar de toda sua variedade e diversidade, se tenha movido sempre sob certas formas comuns - formas de consciência - que só se dissolverám completamente com o desaparecimento total dos antagonismos de classes.

A revoluçom comunista é a ruptura mais radical com as relaçons tradicionais de propriedade; nada de estranho, portanto, que no curso de seu desenvolvimento, rompa, do modo mais radical, com as ideias tradicionais.

Mas deixemos de lado as objecçons feitas pola burguesia ao comunismo.

Vimos acima que a primeira fase da revoluçom operária é o advento do proletariado como classe dominante, a conquista da democracia.

O proletariado utilizará a sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produçom nas maos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.

Isto naturalmente só poderá realizar-se, a princípio, por umha violaçom despótica do direito de propriedade e das relaçons de produçom burguesas, isto é, pola aplicaçom de medidas que, do ponto de vista económico, parecerám insuficientes e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarám a si mesmas e serám indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produçom.

Essas medidas, é claro, serám diferentes nos vários países.

Todavia, nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderám geralmente ser postas em prática :

1. Expropriaçom da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra em proveito do Estado.

2. Imposto fortemente progressivo.

3. Aboliçom do direito de herança.

4. Confiscaçom da propriedade de todos os emigrados e sediciosos.

5. Centralizaçom do crédito nas maos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo.

6. Centralizaçom, nas maos do Estado, de todos os meios de transporte.

7. Multiplicaçom das fábricas e dos instrumentos de produçom pertencentes ao Estado, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral.

8. Trabalho obrigatório para todos, organizaçom de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.

9. Combinaçom do trabalho agrícola e industrial, medidas tendentes a fazer desaparecer gradualmente a distinçom entre a cidade e o campo.

10. Educaçom pública e gratuita de todas as crianças, aboliçom do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinaçom da educaçom com a produçom material etc.

Umha vez desaparecidos os antagonismos de classes no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produçom propriamente falando nas maos dos indivíduos associados, o poder público perderá o seu carácter político. O poder político é o poder organizado de umha classe para a opressom de outra. Se o proletariado, na sua luita contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe; se se converte por umha revoluçom em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relaçons de produçom, destrói juntamente com essas relaçons de produçom, as condiçons dos antagonismos entre as classes e as classes em geral e, com isso, sua própria dominaçom como classe.

Em lugar da antiga sociedade burguesa, com as suas classes e antagonismos de classes, surge umha associaçom onde o livre desenvolvimento de cada um é a condiçom do livre desenvolvimento de todos.


Inclusão 12/09/2009