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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Terceira Seção: A produção da mais-valia absoluta


Sexto capítulo. Capital constante e capital variável


capa

Os diversos factores do processo de trabalho assumem uma quota-parte diversa na formação do valor-produto.

O operário acrescenta novo valor ao objecto de trabalho por acréscimo de um determinado quantum de trabalho, abstraindo do conteúdo determinado, do objectivo e do carácter técnico do seu trabalho. Por outro lado, encontramos novamente os valores dos meios de produção consumidos como partes integrantes do valor-porduto, p. ex., os valores de algodão e fuso no valor do fio. O valor dos meios de produção é, pois, conservado pela sua transferência para o produto. Este transferir dá-se durante a transformação dos meios de produção em produto, no processo de trabalho. É mediado pelo trabalho. Mas como?

O operário não trabalha duplamente no mesmo tempo, uma vez para acrescentar um valor ao algodão pelo seu trabalho e outra vez para conservar o antigo valor do algodão ou — o que é o mesmo — para transferir o valor do algodão, que ele elabora, e do fuso, com que trabalha, para o produto, o fio. Mas antes, por mero acrescentar de novo valor, ele conserva o valor antigo. Dado, porém, que o acréscimo de novo valor ao objecto de trabalho e a conservação dos valores antigos no produto são dois resultados totalmente diversos que o operário produz ao mesmo tempo, embora trabalhe apenas uma vez no mesmo tempo, esta bilateralidade do resultado só pode manifestamente ser explicada a partir da bilateralidade do seu próprio trabalho. No mesmo momento, ele tem, numa qualidade, de criar valor e, numa outra qualidade, de conservar ou transferir valor.

Como acrescenta cada operário tempo de trabalho e, portanto, valor? Sempre na forma do seu modo peculiarmente produtivo de trabalho. O fiandeiro só acrescenta tempo de trabalho ao fiar, o tecelão ao tecer, o ferreiro ao forjar. Contudo, pela forma conforme a um fim em que eles acrescentam trabalho em geral e, portanto, novo valor, pelo fiar, tecer, forjar, os meios de produção, algodão e fuso, fio e tear, ferro e bigorna, tornam-se elementos constituivos de um produto, de um novo valor de uso(1*). Desvanece-se a velha forma do seu valor de uso, mas apenas para desabrochar numa nova forma de valor de uso. Da consideração do processo de formação de valor resultou, porém, que na medida em que um valor de uso é gasto em conformidade a um fim na produção de um novo valor de uso, o tempo de trabalho necessário para a fabricação do valor de uso gasto constitui uma parte do tempo de trabalho necessário para a fabricação do novo valor de uso, e portanto é tempo de trabalho que é transferido do meio de produção gasto para o novo produto. O operário conserva, pois, os valores dos meios de produção gastos ou transfere-os como partes integrantes de valor para o produto, não pelo seu acrescentar de trabalho em geral, mas pelo carácter útil particular, pela forma especificamente produtiva deste trabalho acrescentado. Enquanto actividade produtiva conforme a um fim — fiar, tecer, forjar —, o trabalho, pelo seu mero contacto, ressuscita os meios de produção de entre os mortos, anima-os em factores do processo de trabalho e liga-se a eles em produtos.

Se o trabalho produtivo específico do operário não fosse fiar, ele não transformaria o algodão em fio e, assim, também não transferiria os valores de algodão e fuso para o fio. Se, pelo contrário, o mesmo operário muda de profissão e se torna marceneiro, então acrescentará, como dantes, valor ao seu material, através de um dia de trabalho. Acrescenta-o, portanto, pelo seu trabalho, não na medida em que é trabalho de fiar ou trabalho de marceneiro, mas na medida em que é trabalho social abstracto em geral; e acrescenta uma determinada magnitude de valor, não porque o seu trabalho tenha um conteúdo útil particular, mas porque dura um tempo determinado. Portanto, na sua propriedade universal abstracta, enquanto dispêndio de força de trabalho humana, o trabalho do fiandeiro acrescenta novo valor aos valores de algodão e fuso; e na sua propriedade concreta, particular e útil, como processo de fiação, transfere o valor destes meios de produção para o produto e conserva assim o seu valor no produto. Daí a bilateralidade do seu resultado no mesmo instante.

Pelo acrescentar meramente quantitativo do trabalho, novo valor é acrescentado; pela qualidade do trabalho acrescentado, os antigos valores dos meios de produção são conservados no produto. Este efeito bilátero do mesmo trabalho, em consequência do seu carácter bilátero, mostra-se palpavelmente em diversos fenómenos.

Admitamos que qualquer invenção capacitaria o fiandeiro a fiar em 6 horas tanto algodão como dantes em 36 horas. Enquanto actividade produtiva útil conforme a um fim, o seu trabalho sextuplicou a sua força. O seu produto é um sêxtuplo, 36 em vez de 6 libras de fio. Mas as 36 libras de algodão sugam agora apenas tanto tempo de trabalho com dantes 6 libras. É [a cada libra] acrescentado seis vezes menos novo trabalho de que com o velho método, portanto apenas um sexto do valor anterior. Por outro lado, existe agora o sêxtuplo de valor de algodão no produto, nas 36 libras de fio. Nas 6 horas de fiação, conservará um valor de matéria-prima seis vezes maior e transferi-lo-á para o produto, embora seja acrescentado [a cada libra] da mesma matéria-prima um novo valor seis vezes menor. Isso mostra como a qualidade em que o trabalho conserva valores, durante o mesmo processo indivisível, é essencialmente distinta da qualidade em que ele cria valor. Quanto mais tempo de trabalho necessário durante a operação de fiar vai para o mesmo quantum de algodão tanto maior o novo valor que é acrescentado ao algodão; mas, quanto mais libras de algodão forem fiadas no mesmo tempo de trabalho tanto maior o valor antigo que é conservado no produto.

Inversamente, admitamos que a produtividade do trabalho de fiação permanece invariável, portanto que o fiandeiro precisa de tanto tempo como dantes para transformar um libra de algodão em fio. Mas o valor de troca do próprio algodão muda, uma libra de algodão sobe ou desce o sêxtuplo do seu preço. Em ambos os casos, o fiandeiro continua a acrescentar o mesmo tempo de trabalho ao mesmo quantum de algodão — portanto, o mesmo valor — e, em ambos os casos, produz no mesmo tempo outro tanto de fio. Todavia, o valor que ele transfere do algodão para o fio, o produto, num caso é seis vezes menor, no outro caso seis vezes maior do que dantes. Igualmente quando os meios de trabalho encarecem ou embaratecem, mas prestam sempre o mesmo serviço no processo de trabalho.

Se as condições técnicas do processo de fiação permanecerem inalteradas, e não se der igualmente qualquer modificação de valor nos seus meios de produção, então o fiandeiro gasta como dantes, em tempos de trabalho iguais, iguais quanta de matéria-prima e maquinaria de valores sempre iguais. O valor que ele conserva no produto está na relação directa do novo valor que ele acrescenta. Em duas semanas, acrescenta duas vezes mais trabalho do que numa semana, portanto duas vezes mais valor; e, simultaneamente, gasta duas vezes mais material de duas vezes mais valor e desgasta duas vezes mais maquinaria de duas vezes mais valor; conserva, pois, no produto de duas semanas duas vezes mais valor do que no produto de uma semana. Em dadas condições de produção sempre iguais, o operário conserva tanto mais valor quanto mais valor acrescenta, mas não conserva mais valor porque acrescenta mais valor, mas porque ele o acrescenta em condições sempre iguais e independentes do seu próprio trabalho.

Por certo, pode dizer-se, em sentido relativo, que o operário conserva sempre valores antigos na mesma proporção em que acrescenta novo valor. Quer o algodão suba de 1 sh. para 2 sh. ou desça para 6 d., ele conserva sempre no produto de um hora apenas metade do valor de algodão — por muito que este se altere — do que no produto de duas horas. Se além disso se alterar a produtividade do seu próprio trabalho, quer ela suba quer desça, então numa hora de trabalho, p. ex., fiará mais ou menos algodão do que dantes e, por consequência, conservará mais ou menos valor de algodão no produto de uma hora de trabalho. Com tudo isto, conservará em duas horas de trabalho duas vezes mais valor do que em uma hora de trabalho.

Valor — abstraindo da sua manifestação apenas simbólica no signo de valor — existe apenas num valor de uso, numa coisa. (O próprio homem, considerado como mera existência de força de trabalho, é um objecto natural, uma coisa, ainda que coisa viva e autoconsciente, e o próprio trabalho é exteriorização coisal daquela força.) Se se perde, pois, o valor de uso, também se perde o valor. Os meios de produção não perdem o seu valor simultaneamente com o seu valor de uso, pois de facto eles apenas perdem, pelo processo de trabalho, a figura originária do seu valor de uso para ganharem no produto a figura de um outro valor de uso. Por muito importante que seja para o valor existir num valor de uso qualquer, é porém indiferente em qual ele exista, como mostra a metamorfose das mercadorias. Daqui se segue que, no processo de trabalho, valor do meio de produção apenas passa para o produto na medida em que o meio de produção com o seu valor de uso autónomo também perde o seu valor de troca. Ele só dá ao produto o valor que perde enquanto meio de produção. Os factores objectivos do processo de trabalho comportam-se, porém, diversamente, neste aspecto.

O carvão com que a máquina é aquecida desaparece sem deixar rasto, igualmente o óleo com que se unta o eixo da roda, etc. Tinta e outras matérias auxiliares desaparecem, mas mostram-se nas propriedades do produto. A matéria-prima constitui a substância do produto, modificou porém a sua forma. Matéria-prima e matérias auxiliares perdem, pois, a figura autónoma com que entraram, como valores de uso, no processo de trabalho. Passa-se de maneira diferente com os meios de trabalho propriamente ditos. Um instrumento, uma máquina, o edifício de uma fábrica, um recipiente, etc, servem no processo de trabalho apenas na medida em que conservam a sua figura originária e amanhã entram novamente no processo de trabalho na mesmíssima forma que ontem. Tal como durante a sua vida — o processo de trabalho — também depois da sua morte mantêm a sua figura autónoma face ao produto. Os cadáveres das máquinas, instrumentos, edifícios de trabalho, etc, continuam a existir separados dos produtos que ajudaram a formar. Se considerarmos, agora, todo o período durante o qual um tal meio de trabalho serve, desde o dia da sua entrada na oficina até ao dia do seu desterro para a arrecadação, então o seu valor de uso, durante este período, foi completamente consumido pelo trabalho e o seu valor de troca passou, assim, completamente para o produto. Se uma máquina de fiar, p. ex., durou 10 anos, então, durante o processo de trabalho de dez anos, o seu valor total passou para o produto de dez anos. O período de vida de um meio de trabalho abrange, pois, um número maior ou menor de processos de trabalho repetidos sempre de novo com ele. E passa-se com o meio de trabalho o mesmo do que com o homem. Cada homem morre 24 horas por dia. Contudo, não se vê exactamente em nenhum homem quantos dias ele já morreu. Isto, porém, não impede as companhias de seguro de vida, partindo da média de vida das pessoas, de tirarem conclusões muito seguras, e o que é mais, muito proveitosas. Assim com o meio de trabalho. Sabe-se por experiência quanto tempo aguenta em média um meio de trabalho, p. ex., uma máquina de certa espécie. Admita-se que o seu valor de uso no processo de trabalho dura apenas 6 dias. Então perde, em média, em cada dia de trabalho 1/6 do seu valor de uso e dá, assim, 1/6 do seu valor ao produto diário. Deste modo é calculado o desgaste de todos os meios de trabalho, portanto, p. ex., a sua perda diária em valor de uso e a sua correspondente entrega diária de valor ao produto.

Vê-se assim flagrantemente que um meio de produção nunca dá mais valor ao produto do que perde no processo de trabalho por aniquilação do seu próprio valor de uso. Se não tivesse nenhum valor a perder, i. é, se não fosse ele mesmo produto de trabalho humano, então não daria qualquer valor ao produto. Servia como formador de valor de uso sem servir de formador de valor de troca. Este é, pois, o caso de todos os meios de produção que estão presentes por natureza, sem intervenção humana, é o caso da terra, do vento, da água, do ferro no filão, da madeira da floresta virgem, etc.

Depara-se-nos aqui outro interessante fenómeno. Uma máquina tem, p. ex., o valor de 1000 lib. esterl. e desgasta-se em 1000 dias. Neste caso, 1/1000 do valor da máquina passa diariamente dela própria para o seu produto diário. Simultaneamente, ainda que com força vital decrescente, a máquina total opera constantemente no processo de trabalho. Vê-se portanto que um factor do processo de trabalho, um meio de produção, entra totalmente no processo de trabalho, mas apenas em parte no processo de valorização. A diferença entre processo de trabalho e processo de valorização reflecte-se aqui nos seus factores objectivos, na medida em que o mesmo meio de produção, no mesmo processo de produção, conta totalmente como elemento do processo de trabalho e apenas parcialmente como elemento da formação de valor(2*).

Por outro lado, um meio de produção pode, inversamente, entrar totalmente no processo de valorização, embora apenas parcialmente no processo de trabalho. Admitamos que, na fiação do algodão, em 115 libras se desperdiçavam diariamente 15 libras, que não constituem nenhum fio, mas somente devirs dust(4*). Todavia, se este desperdício de 15 libras é normal e inseparável da elaboração média do algodão, o valor das 15 libras de algodão, que não são nenhum elemento do fio, tanto entra no valor do fio como o valor das 10 libras, que formam a sua substância. O valor de uso de 15 libras de algodão tem de ser reduzido a pó para fazer 100 libras de fio. A perda deste algodão é, pois, uma condição de produção do fio. Por isso mesmo dá o seu valor ao fio. Isto vale para todos os excrementos do processo de trabalho, pelo menos na medida em que estes excrementos não formam outra vez novos meios de produção e, portanto, novos valores de uso autónomos. Assim, nas grandes fábricas de máquinas em Manchester vêem-se montes de detritos de ferro, descascados como aparas por máquinas ciclópicas, que vão de noite, em grandes carros, desde a fábrica até à fundição do ferro, para no outro dia voltarem novamente da fundição do ferro para a fábrica como ferro maciço.

Só na medida em que, durante o processo de trabalho, os meios de produção perdem valor na figura dos seus antigos valores de uso eles transferem valor para a nova figura do produto. O máximo de perda de valor que eles podem sofrer no processo de trabalho está manifestamente limitado pela magnitude de valor originária com que entram no processo de trabalho ou pelo tempo de trabalho requerido para a sua própria produção. Os meios de produção nunca podem acrescentar mais valor ao produto do que possuem, independentemente do processo de trabalho que servem. Por muito útil que seja um material de trabalho, uma máquina, um meio de produção, se custar 150 lib. esterl., digamos 500 dias de trabalho, nunca acrescentará mais do que 150 lib. esterl. ao produto total para cuja formação serve. O seu valor não é determinado pelo processo de trabalho em que entra como meio de produção, mas pelo processo de trabalho do qual sai como produto. No processo de trabalho serve apenas como valor de uso, como coisa com propriedades úteis, e não daria qualquer valor ao produto se não tivesse possuído valor antes da sua entrada no processo(5*).

Na medida em que o trabalho produtivo transforma meios de produção em elementos de formação de um novo produto, dá-se com o valor deles uma transmigração das almas. O valor passa do corpo consumido para o corpo recém-configurado. Mas esta transmigração das almas acontece como que nas costas do trabalho real. O operário não pode acrescentar novo trabalho, portanto, criar novo valor, sem conservar valores antigos, porque ele tem de acrescentar o trabalho sempre em determinada forma útil, e não o pode acrescentar em forma útil sem fazer de produtos meios de produção de um novo produto e, assim, transferir o seu valor para o novo produto. É, pois, um dom natural da força de trabalho actuante, do trabalho vivo, conservar valor ao acrescentar valor, um dom natural que nada custa ao operário, mas que muito traz ao capitalista, a conservação do valor-capital existente(8*). Enquanto o negócio corre sobre rodas, o capitalista está demasiadamente mergulhado na negociata para ver este dom gratuito do trabalho. Interrupções violentas do processo de trabalho, crises, tornam isso para ele dolorosamente notório(9*).

O que em geral é consumido nos meios de produção é o seu valor de uso, através de cujo consumo o trabalho forma produtos. Se o seu valor não for, de facto, consumido(10*), não poderá portanto também ser reproduzido. Será conservado, mas não porque no processo de trabalho ocorra alguma operação com ele próprio, mas porque o valor de uso, em que ele originariamente existe, de facto desaparece, mas apenas desaparece num outro valor de uso. O valor dos meios de produção reaparece, pois, no valor do produto, mas — falando com exactidão — ele não é reproduzido. O que é produzido é o novo valor de uso, em que o antigo valor de troca reaparece(11*).

Passa-se de maneira diferente com o factor subjectivo do processo de trabalho, da força de trabalho actuante. Enquanto que o trabalho, através da sua forma conforme a um fim, conserva e transfere para o produto o valor dos meios de produção, cada momento do seu movimento forma valor acrescentado, novo valor. Admitamos que o processo de produção se interrompe no ponto em que o operário produz um equivalente para o valor da sua própria força de trabalho, que, p. ex., pelo trabalho de seis horas acrescentou o valor de 3 sh. Este valor constitui o excesso do valor do produto acima das suas partes integrantes devidas ao valor dos meios de produção. É o único valor original que surgiu dentro deste processo, a única parte de valor do produto que é produzida pelo próprio processo. Sem dúvida, esse valor substitui apenas o dinheiro adiantado pelo capitalista na compra da força de trabalho e despendido pelo próprio operário em meios de vida. Em relação aos 3 sh. despendidos, o novo valor de 3 sh. aparece apenas como reprodução. Mas ele é realmente reproduzido, e não apenas aparentemente, como o valor dos meios de produção. A substituição de um valor pelo outro é aqui mediada por nova criação de valor.

Contudo, já sabemos que o processo de trabalho persiste para além do ponto em que um mero equivalente for reproduzido pelo valor da força de trabalho e acrescentado ao objecto de trabalho. Em vez das 6 horas, que para isso bastam, o processo dura, p. ex., 12 horas. Pela actuação da força de trabalho não é, portanto, apenas reproduzido o seu valor próprio, mas produzido um valor excedentário. Esta mais-valia forma o excesso do valor-produto acima do valor dos formadores de produto consumidos, i. é, dos meios de produção e da força de trabalho.

Ao apresentarmos os diversos papéis que os diversos factores do processo de trabalho desempenham na formação do valor-produto, caracterizámos de facto as funções das diversas partes integrantes do capital no seu próprio processo de valorização. O excesso do valor total do produto acima da soma de valor dos seus elementos de formação é o excesso do capital valorizado acima do valor-capital originariamente adiantado. Meios de produção por um lado, força de trabalho pelo outro, são apenas as diversas formas de existência que o valor-capital originário assumiu aquando do seu despojamento da forma-dinheiro e da sua transformação nos factores do processo de trabalho.

Portanto, a parte do capital que se converte em meios de produção, i. é, em matéria-prima, matérias auxiliares e meios de trabalho, não modifica a sua magnitude de valor no processo de produção. Chamo-lhe, por isso, parte constante do capital, ou mais resumidamente: capital constante.

A parte do capital convertida em força de trabalho modifica, pelo contrário, o seu valor no processo de produção. Reproduz o seu próprio equivalente e um excesso acima disso, mais-valia, que pode ela própria mudar, ser maior ou menor. De uma magnitude constante, esta parte do capital transforma-se continuamente numa variável. Chamo-lhe, por isso, parte variável do capital, ou mais resumidamente: capital variável. As mesmas partes integrantes do capital que, do ponto de vista do processo de trabalho se distinguem como factores objectivos e subjectivos, como meios de produção e força de trabalho, do ponto de vista do processo de valorização distinguem-se como capital constante e capital variável.

O conceito de capital constante não exclui, de modo algum, uma revolução de valor das suas partes integrantes. Admitamos que a libra de algodão custa hoje 6 d. e sobe amanhã para 1 sh., em consequência de uma escassez na colheita do algodão. O algodão antigo, que continua a ser elaborado, é comprado pelo valor de 6 d., mas acrescenta agora ao produto uma parte de valor de 1 sh. E o algodão já fiado, talvez já em circulação no mercado como fio, acrescenta igualmente ao produto o dobro do seu valor originário. Vê-se, porém, que estas modificações de valor são independentes da valorização do algodão no próprio processo de fiação. Se o antigo algodão ainda não tivesse de maneira alguma entrado no processo de trabalho, então poderia agora ser novamente vendido por 1 sh. em vez de por 6 d. Inversamente: quanto menos processos de trabalho ele ainda tiver percorrido tanto mais seguro é este resultado. É, pois, lei da especulação que em tais revoluções de valor se especule sobre a matéria-prima na sua forma menos elaborada, portanto antes sobre o fio do que sobre o tecido e antes sobre o próprio algodão do que sobre o fio. A modificação de valor brota aqui no processo que produz algodão, não no processo em que ele funciona como meio de produção e, portanto, como capital constante. O valor de uma mercadoria é, pois, determinado pelo quantum de trabalho nela contido, mas este próprio quantum é socialmente determinado. Se se modificou o tempo de trabalho socialmente requerido para a sua produção — e o mesmo quantum de algodão, p. ex., representa em colheitas desfavoráveis um maior quantum de trabalho do que nas favoráveis — então verifica-se um efeito rectroactivo sobre a velha mercadoria, que apenas vale como exemplar isolado do seu género(12*), cujo valor é sempre medido por trabalho socialmente necessário, portanto, também [trabalho] sempre necessário nas condições sociais presentes.

Assim como o valor da matéria-prima, também pode mudar o valor dos meios de trabalho que já servem no processo de produção, da maquinaria, etc, portanto, também a parte de valor que eles dão ao produto. Se, p. ex., em consequência de uma nova invenção, é reproduzida maquinaria da mesma espécie com dispêndio reduzido de trabalho, então a velha maquinaria desvaloriza-se mais ou menos e transfere portanto também relativamente menos valor para o produto. Mas também aqui a mudança de valor brota fora do processo de produção, em que a máquina funciona como meio de produção. Neste processo, ela nunca dá mais valor do que aquele que ele possui independentemente deste processo.

Assim como uma mudança no valor dos meios de produção — ainda que rectroactiva depois da sua entrada já efectuada no processo — não modifica o seu carácter como capital constante, tanto menos uma mudança na proporção entre capital constante e variável afecta a sua diferença funcional. As condições técnicas do processo de trabalho podem ser, p. ex., de tal modo reconfiguradas que, onde antes 10 operários com 10 utensílios de pouco valor elaboravam uma massa relativamente pequena de matéria-prima, agora 1 operário, com uma máquina cara, elabora um cêntuplo de matéria-prima. Neste caso, o capital constante, i. é, a massa de valor dos meios de produção empregues, teria aumentado muito e a parte variável do capital, que é adiantada na força de trabalho, descido muito. Esta mudança só altera, porém, a relação de magnitudes entre capital constante e variável ou a proporção em que o capital total se decompõe em partes integrantes constantes e variáveis; pelo contrário, não afecta a diferença entre capital constante e capital variável.


Notas de rodapé:

(1*) «O trabalho dá uma criação nova por uma extinta.» (An Essay on the Polit. Econ. of Nations, London, 1821, p. 13.) (retornar ao texto)

(2*) Não se trata aqui de reparações dos meios de trabalho, máquinas, edifícios, etc. Uma máquina em reparação não funciona como meio de trabalho, mas como material de trabalho. Não se trabalha com ela, mas é ela própria trabalhada para consertar o seu valor de uso. Tais trabalhos de reparação podem-se sempre supor incluídos — para o nosso objectivo — no trabalho requerido para a produção do meio de trabalho. No texto trata-se do desgaste que nenhum médico pode curar e que, a pouco e pouco, conduz à morte, trata-se de «aquela espécie de desgaste que não pode ser reparado de tempos a tempos e que, no caso de uma faca, acabaria por reduzi-la a um estado a que o cutileiro diria dela que não merece uma nova lâmina.» Viu-se no texto que uma máquina entra, p. ex., totalmente em cada processo de trabalho isolado, mas apenas parcialmente no processo de valorização simultâneo. Assim devemos julgar a seguinte confusão de conceitos: «O Sr. Ricardo fala da porção do trabalho do engenheiro ao fazer máquinas [de meias]», portanto, p. ex., a contida no valor de um par de meias. «Contudo, o trabalho total que produziu cada um dos pares de meias... inclui todo o trabalho do engenheiro, não uma porção, porque uma máquina faz muitos pares e nenhum desses pares podia ter sido feito sem qualquer parte da máquina.» (Observations on Certain Verbal Disputes in Pol. Econ., Particularly Relating to Value, and to Demand and Supply, London, 1821, p. 54.) O autor, um «wiseacre»(3*) extraordinariamente vaidoso? só tem razão na sua confusão e, portanto, na sua polémica, na medida em que nem Ricardo nem qualquer outro economista, antes ou depois dele, separou exactamente ambos os lados do trabalho e, portanto, ainda menos analisou o seu papel diverso na formação de valor. (retornar ao texto)

(3*) Em inglês no texto: pedante. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) Em inglês no texto: pó de algodão. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Compreende-se assim o absurdo do insípido J.-B. Say, que quer deduzir a mais-valia (juro, lucro, renda) dos «services productifs»(6*) que os meios de produção, terra, instrumentos, cabedal, etc, prestam através dos seus valores de uso no processo de trabalho. O senhor Wilhelm Roscher para quem não é fácil deixar de registar preto no branco achados apologéticos cordatos, exclama: «Muito correctamente nota J.-B. Say, Traité, t. I, c. 4: o valor produzido por um lagar de azeite — deduzidos todos os custos — é, realmente, algo de novo, é algo de essencialmente diverso do trabalho pelo qual o próprio lagar de azeite foi criado.» (L. c, p. 82, nota.) Muito bem! O «azeite» produzido pelo lagar de azeite é algo de muito diverso do trabalho que custa a construção do lagar. E por «valor» entende o senhor Roscher uma coisa como o «azeite», dado que o «azeite» tem valor, mas «na Natureza» acha-se óleo mineral, embora «não muito», relativamente, facto a que se refere esta sua outra observação: «Ela» (a Natureza!) «quase não produz valores de troca.» [L. c, p. 79.1 Passa-se com a Natureza de Roscher quanto ao valor de troca o mesmo do que com a virgem imprudente quanto ao filho: mas que «era apenas muito pequenino!». Este mesmo «sábio» («savant sérieux»(7*)) nota ainda na ocasião acima mencionada: «A escola de Ricardo costuma subsumir também o capital sob o conceito de trabalho, como "trabalho economizado". Isto é pouco hábil (!) porque (!) de facto (!) o possuidor de capital (!), contudo (!), fez mais (!) do que a mera (?!) produção (?) e (??) conservação do mesmo (de que mesmo?): exactamente(?!?) a abstenção do usufruto próprio, pelo que ele, p. ex. (!!!), reclama juros.» (L. c. [, p. 82].) Como é «hábil» este «método anatómico-fisiológico» da economia política que do mero «reclamar» desenvolve contudo, de facto, exactamente «valor»! (retornar ao texto)

(6*) Em francês no texto: «serviços produtivos». (Nota da edição portuguesa.) retornar ao texto)

(7*) Em francês no texto: «sábio sério». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(8*) «De todos os instrumentos do negócio dos rendeiros, o trabalho do homem... é aquele com que mais há que confiar para o reembolso do seu capital. Os outros dois... os efectivos de gado de trabalho e as... carroças, charruas, pás, etc, sem uma dada porção do primeiro, não são absolutamente nada.» (Edmund Burke, Thoughts and Details on Scarcity, Originally Presented to the Rt. Hon. W. Pitt in the Month of November 1795, edit., London, 1800, p. 10.) (retornar ao texto)

(9*) No Times de 26 de Novembro de 1862, um fabricante, cuja fiação ocupa 800 operários e consome semanalmente, em média, 150 fardos de algodão das Índias Orientais ou cerca de 130 fardos de algodão americano, lamenta perante o público os custos anuais de paralisação da sua fábrica. Ele avalia-os em 6000 lib. esterl. Entre estas despesas encontram-se muitas rubricas, que aqui não nos dizem respeito, como rendas fundiárias, impostos, prémios de seguro, salários para operários anualmente contratados, gerentes, guarda-livros, engenheiros, etc Depois, calcula em 150 lib. esterl. o carvão para aquecer a fábrica de tempos a tempos e pôr a máquina a vapor ocasionalmente em movimento, fora os salários para operários que, através de trabalho ocasional, mantêm a maquinaria «em andamento». Por fim, 1200 lib. esterl. para deterioramento da maquinaria, porque «o tempo [weather] e o princípio natural da decadência não suspendem as suas operações porque a máquina a vapor deixa de girar». Ele nota expressamente que esta soma de 1200 lib. esterl. é muito modicamente avaliada, porque a maquinaria já se encontra num estado bastante deteriorado. (retornar ao texto)

(10*) «Consumo produtivo [...] onde o consumo de uma mercadoria é uma parte do processo de produção... Nestas instâncias, não há qualquer consumo de valor.» (S. P. Newman, 1. c, p. 296.) (retornar ao texto)

(11*) Num compêndio norte-americano, que atingiu talvez as 20 edições, lê-se: «Não importa em que forma o capital reaparece.» Após uma verbosa enumeração de todos os possíveis ingredientes de produção, cujo valor reaparece no produto, diz-se por fim: «Os vários tipos de comida, vestuário e abrigo, necessários para a existência e conforto do ser humano, também estão mudados. São consumidos de tempos a tempos e o seu valor reaparece naquele novo vigor dispensado ao seu corpo e espírito, formando capital fresco, para ser empregue novamente no trabalho da produção.» (F. Wayland, 1. c, pp. 31, 32.) Abstraindo de todas as outras extravagâncias, não é, p. ex., o preço do pão que reaparece na força renovada, mas as suas substâncias sanguificantes. O que, pelo contrário, reaparece como valor da força não são os meios de vida, mas o seu valor. Os mesmos meios de vida, se apenas custarem metade, produzem exactamente tanto músculo, osso, etc. — em suma, a mesma força —, mas não força do mesmo valor. Este converter de «valor» em «força» e toda a indeterminidade farisaica escondem a tentativa, vã aliás, de arrancar uma mais-valia a partir do mero reaparecer de valores adiantados. (retornar ao texto)

(12*) «Todas as produções de um mesmo género não formam propriamente senão uma massa, cujo preço se determina em geral e sem consideração pelas circunstâncias particulares.» (Le Trosne, 1. c, p. 893.) (retornar ao texto)

Inclusão 24/12/2011