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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Terceira Secção: A Produção da mais-valia absoluta

Oitavo capítulo: O dia de trabalho


6. A luta pelo dia de trabalho normal. Limitação legal coerciva do tempo de trabalho. A legislação fabril inglesa de 1833-1864


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Depois de o capital ter precisado de séculos para prolongar o dia de trabalho até aos seus limites máximos normais e depois, acima destes, até aos limites do dia natural de 12 horas(1*), deu-se então — desde o nascimento da grande indústria no último terço do século XVIII — uma precipitação violenta e desmedida, do tipo de uma avalanche. Foi derrubada qualquer barreira de costumes e Natureza, idade e sexo, dia e noite. Mesmo os conceitos de dia e noite, rusticamente simples nos velhos estatutos, se dissiparam tanto que, ainda em 1860, um juiz inglês tinha de empregar uma perspicácia verdadeiramente talmúdica para declarar «juridicamente» o que é dia e noite(2*). O capital celebrava as suas orgias.

Logo que a classe operária, aturdida pelo alarido da produção, recuperou em certa medida os sentidos, começou a sua resistência, primeiramente na terra natal da grande indústria, em Inglaterra. Contudo, durante três decénios, as concessões por ela arrancadas permaneceram puramente nominais. O Parlamento publicou, de 1802 a 1833, cinco leis laborais; foi, porém, tão esperto a ponto de não votar nenhum Pfennig para a sua execução coerciva, para os funcionários necessários, etc.(3*) Permaneceram letra morta.

«O facto é que, antes da Lei de 1833, crianças e jovens eram obrigados a trabalhar (were worked) toda a noite, todo o dia, ou ambos, ad libitum(6*)(7*)

Só desde a lei fabril de 1833 — englobando fábricas de algodão, de lã, de linho e de seda — é que data para a indústria moderna um dia de trabalho normal. Nada caracteriza melhor o espírito do capital do que a história da legislação fabril inglesa de 1833 a 1864!

A lei de 1833 declara que o dia de trabalho fabril habitual deverá começar às 5 horas e meia da manhã e terminar às 8 horas e meia da noite e, dentro destas barreiras — de um período de 15 horas — deverá ser legal empregar jovens (i. é, pessoas entre os 13 e os 18 anos) a qualquer altura do dia, pressupondo-se sempre que um e o mesmo jovem não trabalhe mais do que 12 horas num dia, com excepção de certos casos especialmente previstos. A 6.ª secção da lei determina «que no decurso de cada dia deverá ser concedida a cada uma dessas pessoas» com tempo de trabalho limitado «não menos do que uma hora e meia para refeições». Foi proibido o emprego de crianças abaixo dos 9 anos, com uma excepção a mencionar mais tarde, e o trabalho de crianças dos 9 aos 13 anos foi limitado a 8 horas por dia. Trabalho nocturno — i. é, de acordo com esta lei, trabalho entre as 8 horas e meia da noite e as 5 horas e meia da manhã — foi proibido a todas as pessoas entre os 9 e os 18 anos.

Os legisladores estavam tão longe de querer ferir a liberdade do capital na sucção da força de trabalho adulta ou, como lhe chamavam, «a liberdade de trabalho», que inventaram um sistema próprio para prevenir tal horripilante consequência da lei fabril.

«O grande mal do sistema fabril, tal como presentemente funciona», diz-se no primeiro relatório do conselho central da comissão de 28 de Junho de 1833, «parece-nos ser o de que ele impõe a necessidade de prolongar o trabalho de crianças até ao comprimento máximo do dos adultos. O único remédio para este mal, sem limitação do trabalho dos adultos, da qual resultaria na nossa opinião um mal maior do que aquele a que se procura remediar, parece ser o plano de fazer trabalhar conjuntos duplos de crianças.»[N93]

Este «plano» foi, pois, executado sob o nome de sistema de turnos («system of relays»; relay significa em inglês como em francês: o mudar dos cavalos de posta em diversas estações), de modo que, por exemplo, das 5 horas e meia da manhã à 1 hora e meia da tarde é emparelhado um turno de crianças entre os 9 e os 13 anos, da 1 hora e meia da tarde às 8 horas e meia da noite um outro turno, etc.

Como recompensa do facto de os senhores fabricantes terem ignorado o mais descaradamente possível todas as leis publicadas durante os últimos 22 anos sobre trabalho infantil, a pílula foi-lhes agora também dourada. O Parlamento determinou que, depois de 1 de Março de 1834, nenhuma criança abaixo dos 11 anos, depois de 1 de Março de 1835, nenhuma criança abaixo dos 12 anos e, depois de 1 de Março de 1836, nenhuma criança abaixo dos 13 anos deveria trabalhar numa fábrica acima de 8 horas! Este «liberalismo», tão indulgente para com o «capital», era tanto mais digno de reconhecimento quanto o Dr. Farre, Sir A. Carlisle, Sir B. Brodie, Sir C. Bell, o Sr. Guthrie, etc, em suma, os mais significativos physicians e surgeons(8*) de Londres, nos seus testemunhos perante a Câmara Baixa, tinham declarado que periculum in mora![N94] O Dr. Farre exprimiu-se ainda mais rudemente:

«É necessária legislação para a prevenção da morte, em qualquer forma em que ela possa ser prematuramente infligida, e certamente este» (o modo fabril) «deve ser visto como um modo muitíssimo cruel de a infligir.»(9*)

O mesmo Parlamento «reformado» que, por delicadeza para com os senhores fabricantes, ainda durante anos desterrava crianças abaixo dos 13 anos para o inferno de trabalho fabril de 72 horas por semana, pelo contrário, na lei de emancipação, que também dava a liberdade a conta-gotas, proibiu de antemão os plantadores de fazerem trabalhar qualquer escravo negro por mais de 45 horas por semana!

Mas, de modo algum aplacado, o capital inaugurava agora uma agitação ruidosa e por vários anos. Girava principalmente em torno da idade das categorias que, sob o nome de crianças, tinham sido limitadas a 8 horas de trabalho e submetidas a um certo ensino obrigatório. Segundo a antropologia capitalista, a idade infantil acabava aos 10 ou, quanto muito, aos 11 anos. Quanto mais se avizinhava o prazo da plena execução da lei fabril, o ano fatal de 1836, tanto mais ferozmente vociferava a mob dos fabricantes. Conseguiu, de facto, intimidar de tal modo o governo que este, em 1835, sugeriu que se baixasse o termo da idade infantil de 13 para 12 anos. Entretanto, aumentava ameaçadoramente a pressure from without(11*). A coragem faltou à Câmara Baixa. Recusou-se a lançar miúdos de treze anos, por mais de 8 horas diariamente, sob a roda de Juggernaut[N96] do capital; e a lei de 1833 entrou em pleno vigor. Permaneceu imutável até Junho de 1844.

Durante o decénio em que ela regulamentou — primeiro em parte, depois totalmente — o trabalho fabril, os relatórios oficiais dos inspectores fabris regorgitavam de queixas acerca da impossibilidade da sua execução. Uma vez que a lei de 1833 dava mesmo a escolher aos senhores do capital — no período de quinze horas, das 5 horas e meia da manhã às 8 horas e meia da noite — fazer cada «jovem» e cada «criança» iniciar, interromper ou terminar a qualquer altura o trabalho de doze ou de oito horas, e igualmente destinar às diversas pessoas diversas horas de refeições — os senhores em breve inventaram um novo «sistema de turnos», em que os cavalos de trabalho não são mudados em determinadas estações, mas são sempre de novo emparelhados em estações alternadas. Não nos deteremos mais na beleza deste sistema, dado que mais tarde teremos de voltar a ele. Todavia, está claro à primeira vista que ele revogou toda a lei fabril, não só segundo o espírito, mas também segundo a letra. Como haveriam os inspectores fabris de impor o tempo de trabalho legalmente determinado e a concessão dos tempos de refeições legais nesta complexa contabilidade acerca de cada criança isolada e de cada jovem? Numa grande parte das fábricas, em breve desabrochou de novo impunemente o velho abuso brutal. Numa reunião com o ministro do Interior (1844), os inspectores fabris demonstraram a impossibilidade de qualquer controlo com o recém-inventado sistema de turnos(12*). Entretanto, porém, as circunstâncias tinham-se modificado grandemente. Os operários fabris, nomeadamente desde 1838, tinham feito da lei das dez horas a sua palavra de ordem económica, tal como da Charter[N97] a sua palavra de ordem política. Uma parte dos próprios fabricantes, que tinha regulado a exploração fabril de acordo com a lei de 1833, inundou o Parlamento com memórias sobre a «concorrência» imoral dos «falsos irmãos», aos quais um descaramento maior ou circunstâncias locais mais felizes permitiam a infracção da lei. Além disso, por muito que cada fabricante quisesse dar rédia solta à sua velha rapacidade, os porta-vozes e dirigentes políticos da classe dos fabricantes propunham uma mudança de atitude e uma mudança de linguagem face aos operários. Tinham inaugurado a campanha pela abolição das leis dos cereais e precisavam da ajuda dos operários para a vitória! Prometiam, portanto, não apenas a duplicação da ração de pão[N98], mas também a adopção da lei das dez horas no reino milenário do free-trade(13*). Portanto, era-lhes ainda menos lícito combater uma medida que apenas devia tornar verdade a lei de 1833. Ameaçados no seu mais sagrado interesse, na renda fundiária, os tories trovejaram por fim, filantropicamente indignados, contra as «práticas nefandas»(14*) dos seus inimigos.

Surgiu assim a lei fabril adicional de 7 de Junho de 1844. Entrou em vigor a 10 de Setembro de 1844. Entre os protegidos agrupa uma nova categoria de operários, a saber, as mulheres acima dos 18 anos. Foram, sob todos os aspectos, equiparadas aos jovens, o seu tempo de trabalho limitado a 12 horas, o trabalho nocturno foí-lhes vedado, etc. Portanto, a legislação viu-se pela primeira vez forçada a controlar também directa e oficialmente o trabalho de maiores de idade. No relatório fabril de 1844/1845 diz-se ironicamente:

«Não chegaram ao meu conhecimento provas de que mulheres adultas tenham expressado qualquer queixa de que se tenha interferido com os seus direitos.»(15*)

O trabalho de crianças abaixo dos 13 anos foi reduzido a 6 1/2 horas e, sob certas condições, a 7 horas por dia(16*).

Para eliminar os abusos do falso «sistema de turnos», a lei estabeleceu entre outras, as seguintes importantes determinações de pormenor:

«Que as horas de trabalho de crianças e jovens sejam contadas a partir da altura em que qualquer criança ou jovem comece a trabalhar de manhã.»

De modo que, se p. ex. A começa o trabalho às 8 horas da manhã e B ás 10 horas, o dia de trabalho para B tem, não obstante, de terminar à mesma hora que para A. O começo do dia de trabalho deve ser indicado por um relógio público, p. ex., o relógio do caminho-de-ferro mais próximo, segundo o qual a campainha da fábrica se deve regular. O fabricante terá de afixar na fábrica um aviso, impresso a letras gordas, em que estejam indicados o começo, o fim e as pausas do dia de trabalho. As crianças que comecem o seu trabalho de manhã antes das 12 horas não podem ser novamente empregues depois da 1 hora da tarde. O turno da tarde tem, pois, de compor-se de outras crianças que não as do turno da manhã. A 1 1/2 horas para a refeição tem de ser concedida a todos os operários protegidos, nos mesmos períodos do dia, pelo menos uma hora antes das 3 horas da tarde. Crianças ou jovens não devem ser empregues por mais de 5 horas antes da 1 hora da tarde sem uma pausa de pelo menos meia hora para refeição. Crianças, jovens ou mulheres não poderão ficar durante qualquer refeição em alguma sala da fábrica em que ocorra qualquer processo de trabalho, etc.

Como vimos, estas determinações minuciosas que, ao toque da campainha, tão militar e uniformemente regulam o período, limites e pausas do trabalho, não foram de modo algum produtos de cogitações parlamentares. Desenvolveram-se gradualmente a partir das situações, como leis naturais do modo de produção moderno. A sua formulação, reconhecimento oficial e proclamação estatal foram o resultado de demoradas lutas de classes. Uma das suas consequências mais próximas foi que também a prática acabou por submeter o dia de trabalho dos operários fabris adultos masculinos à mesmas barreiras, já que na maioria dos processos de produção a cooperação das crianças, dos jovens e das mulheres era indispensável. Grosso modo, o dia de trabalho de doze horas vigorou, pois, universal e uniformemente, durante o período de 1844-1847, em todos os ramos da indústria submetidos à legislação fabril.

Os fabricantes não permitiram, porém, este «progresso» sem um «retrocesso» compensador. Por seu incitamento, a Câmara Baixa reduziu de 9 para 8 anos a idade mínima para as crianças trabalharem, para segurança da «provisão adicional de crianças das fábricas»(17*), devida ao capital por graça de deus e do direito.

Os anos 1846/1847 fazem época na história económica da Inglaterra. Revogação das leis dos cereais, abolidos os direitos de importação sobre o algodão e outras matérias-primas, o livre-câmbio declarado farol da legislação! Em suma, irrompia o reino milenário. Por outro lado, nos mesmos anos, o movimento dos cartistas e a agitação pelas dez horas atingiam o seu ponto culminante. Encontraram aliados nos tories desejosos de vingança. Apesar da resistência fanática do perjuro exército livre-cambista, com Bright e Cobden à cabeça, a tão longamente ansiada lei das dez horas passou no Parlamento.

A nova lei fabril de 8 de Junho de 1847 fixava que em 1 de Julho de 1847 deveria introduzir-se uma redução provisória do dia de trabalho dos «jovens» (dos 13 aos 18 anos) e de todas as operárias para 11 horas; em 1 de Maio de 1848, porém, deveria introduzir-se a limitação definitiva a 10 horas. No restante, a lei era apenas um suplemento que emendava as leis de 1833 e 1844.

O capital empreendeu uma campanha preliminar para impedir a plena aplicação da lei a 1 de Maio de 1848. E, com efeito, os próprios operários, supostamente desemburrados pela experiência, deveriam novamente de ajudar a destruir a sua própria obra. O momento fora habilmente escolhido.

«Tem de ser lembrado também que tinha havido [...] grande sofrimento (em consequência da terrível crise de 1846-1847) entre os trabalhadores fabris, por muitas fábricas terem trabalhado a tempo reduzido e muitas sido fechadas. Um número considerável de trabalhadores achou-se portanto em circunstâncias de grande aperto; muitos [...], com dívidas; de tal modo que se poderia bem presumir que [...] eles teriam preferido trabalhar mais tempo a fim de recuperarem de perdas passadas, de tavez pagar dívidas ou tirar a sua mobília do prego, ou substituir a que fora vendida, ou arranjar, um novo fornecimento de roupas para si próprios e para as suas famílias.»(18*)

Os senhores fabricantes procuraram aumentar o efeito natural destas circunstâncias por um abaixamento geral de salários de 10%. Isso aconteceu, por assim dizer, na festa de inauguração da nova era livre-cambista. Depois, seguiu-se um ulterior abaixamento de 8 1/3, mal o dia de trabalho foi reduzido para 11 horas e, do dobro, mal foi definitivamente reduzido para 10 horas. Portanto, sempre que as situações de algum modo o permitiram teve lugar um abaixamento de salário de pelo menos 25%(19*). Em oportunidades tão favoravelmente preparadas, iniciou-se a agitação entre os operários pela revogação da lei de 1847. Nenhum meio de fraude, de suborno e de ameaça foi então desdenhado, mas tudo em vão. Com respeito à meia dúzia de petições, em que os operários tiveram de se queixar da «sua opressão pela lei», os próprios requerentes declararam, em interrogatório oral, que as suas assinaturas tinham sido obtidas pela força. «Eles sentiam-se oprimidos, mas não exactamente pela lei fabril.»(20*) Se, todavia, os fabricantes não conseguiam obrigar os operários a falar no sentido que eles queriam, tanto mais alto eles mesmos gritavam, na imprensa e no Parlamento, em nome dos operários. Denunciaram os inspectores fabris como uma espécie de comissários da Convenção[N99] que impiedosamente sacrificavam o infeliz operário à sua mania de melhorar o mundo. Também esta manobra fracassou. O inspector fabril Leonard Horner organizou, ele próprio e através dos seus subinspectores, numerosas audições de testemunhas nas fábricas de Lancashire. Cerca de 70% dos operários ouvidos declararam-se a favor das 10 horas, uma percentagem muito menor a favor das 11 e uma minoria totalmente insignificante a favor das antigas 12 horas(21*).

Uma outra manobra «amigável» era fazer os operários adultos masculinos trabalhar 12 a 15 horas e, então, declarar este facto como a melhor expressão dos ardentes desejos proletários. Mas o «impiedoso» inspector fabril Leonard Horner estava novamente no sítio. A maioria dos «que faziam horas a mais» declarou que

«preferiria trabalhar dez horas por menor salário, mas não teve opção; que tantos estavam sem emprego (havendo tantos fiandeiros a receber salários muito baixos por terem de trabalhar como piecers(22*) [...]) que se se tivessem recusado a trabalhar mais tempo outros teriam imediatamente apanhado os seus lugares, de tal modo que para eles era uma questão de concordarem em trabalhar mais tempo ou ficarem completamente no desemprego.»(23*)

A campanha preliminar do capital veio a malograr-se e a lei das dez horas entrou em vigor a 1 de Maio de 1848. Entretanto, porém, o fiasco do partido dos cartistas, cujos dirigentes foram encarcerados e cuja organização se desmantelou, havia já abalado a autoconfiança da classe operária inglesa. Pouco depois, a insurreição parisiense de Junho e sua sangrenta sufocação reuniu, tanto na Europa continental como na Inglaterra, todas as fracções das classes dominantes, proprietários fundiários e capitalistas, lobos da bolsa e merceeiros, proteccionistas e livre-cambistas, governo e oposição, padres e livres-pensadores, jovens prostitutas e freiras velhas, sob o apelo comunitário de salvação da propriedade, da religião, da família, da sociedade! A classe operária foi por toda a parte proscrita, posta no desterro, colocada sob a «loi des suspects»[N100]. Os senhores fabricantes não precisavam, pois, de estar com cerimónias. Irromperam em revolta aberta não apenas contra a lei das dez horas, mas contra toda a legislação que, desde 1833, tentava em certa medida pôr cobro à «livre» sucção da força de trabalho. Foi uma pro-slavery rebellion[N101] em miniatura, levada a cabo durante mais de dois anos com uma falta de consideração cínica, com energia terrorista, ambas tanto mais baratas quanto o capitalista rebelde não arriscava senão a pele dos seus operários.

Para entender o que se segue, temos de nos recordar de que as leis fabris de 1833, 1844 e 1847 tinham todas as três força de lei, uma vez que uma não modificava as outras; que nenhuma delas limitava o dia de trabalho do operário masculino acima dos 18 anos e que, desde 1833, o período de quinze horas, das 5 horas e meia da manhã às 8 horas e meia da noite, continuava a ser o «dia» legal, dentro do qual haveria de ser realizado o trabalho — primeiro de doze, mais tarde, de dez horas — dos jovens e das mulheres, nas condições prescritas.

Os fabricantes começaram aqui e ali com despedimento de uma parte, muitas vezes de metade, dos jovens e operárias por eles empregados e, em contrapartida, restauraram o já quase esquecido trabalho nocturno entre os operários adultos masculinos. A lei das dez horas, gritavam eles, não lhes deixava qualquer outra alternativa!(24*)

O segundo passo relacionava-se com as pausas legais para refeições. Ouçamos os inspectores fabris.

«Desde a restrição das horas de trabalho a dez, os donos das fábricas [factory occupiers] sustentam, apesar de ainda não terem praticamente ido até ao fim, que supondo que as horas de trabalho vão das 9 da manhã às 7 da tarde cumprem as disposições dos estatutos, concedendo uma hora antes das 9 da manhã e meia hora depois das 7 da tarde [para refeições]. Em alguns casos, eles concedem agora uma hora ou meia hora para almoço, insistindo ao mesmo tempo em que não são obrigados a conceder nenhuma parte da hora e meia no decurso do dia de trabalho fabril.»(25*)

Os senhores fabricantes afirmavam, pois, que as determinações meticulosamente exactas da lei de 1844 sobre refeições apenas dariam aos operários autorização para comerem e beberem antes da sua entrada na fábrica e depois da sua saída da fábrica, portanto em suas próprias casas! E porque também não haveriam os operários de tomar o seu almoço antes das 9 horas da manhã? Os juristas da coroa decidiram, porém, que os tempos de refeições prescritos

«têm de ser no intervalo durante as horas de trabalho, e que não será legal trabalhar 10 horas seguidas, das 9 da manhã às 7 da tarde, sem qualquer intervalo.»(26*)

Depois destas demonstrações de boa vontade, o capital introduziu a sua revolta por um passo que correspondia à letra da lei de 1844 e era, portanto, legal.

A lei de 1844 proibia, sem dúvida, que fossem empregues novamente, depois da 1 hora da tarde, crianças dos 8 aos 13 anos que tivessem sido empregues antes das 12 horas. Mas não regulava, de modo algum, o trabalho de 6 1/2 horas das crianças cujo tempo de trabalho começasse às 12 horas qu mais tarde! Portanto, crianças de oito anos que começassem o trabalho às 12 horas, poderiam ser utilizadas das 12 à 1, 1 hora; das 2 às 4 horas da tarde, 2 horas, e das 5 às 8 e meia da noite, 3 1/2 horas; ao todo, as 6 1/2 horas legais! Ou melhor ainda. Para ajustar o emprego daquelas ao trabalho de operários adultos masculinos até às 8 horas e meia da noite, os fabricantes não precisavam de lhes dar qualquer trabalho antes das 2 horas da tarde e podiam então mantê-los ininterruptamente na fábrica até às 8 horas e meia da noite!

«E é agora expressamente admitido que a prática de manter as crianças a trabalhar com os adultos masculinos depois de todos os jovens e mulheres terem saído, e até às 8.30 da noite se os donos das fábricas o entenderem, existe em Inglaterra pelo desejo dos donos das fábricas terem a sua maquinaria a trabalhar mais de 10 horas por dia.»(27*)

Operários e inspectores fabris protestaram por razões higiénicas e morais. Mas o capital respondeu:

«Que os meus actos recaiam sobre mim ! Reclamo aquilo a que tenho direito,
A penalidade e o penhor do meu contrato!»[N102]

De facto, de acordo com os dados estatísticos apresentados à Câmara dos Comuns a 26 de Julho de 1850, apesar de todos os protestos, em 15 de Julho de 1850, 3742 crianças estavam sujeitas a esta «prática» em 257 fábricas(28*). Ainda não era suficiente! O olho de lince do capital descobriu que lei de 1844 não permitia cinco horas de trabalho antes do meio-dia sem uma pausa de pelo menos 30 minutos para revigoramento, mas não prescrevia nada no género para o trabalho depois do meio-dia. Portanto, exigiu e conseguiu a satisfação de não só fazer as crianças de oito anos trabalharem arduamente sem intervalo das 2 às 8 horas e meia da noite, mas também de as fazer passar fome!

«Sim, o coração dele,
Assim diz o contrato.»
(29*)[N103]

Este shylockiano apego à letra da lei de 1844, quando regulamenta o trabalho infantil, havia no entanto de conduzir apenas à revolta aberta contra a mesma, quando regula o trabalho de «jovens e mulheres». Recordar-se-á que a abolição do «falso sistema de turnos» constituía o objectivo principal e o conteúdo principal daquela lei. Os fabricantes abriram a sua revolta com a declaração simples de que as secções da lei de 1844 que proibiam a utilização discricionária de jovens e mulheres em discricionários períodos de tempo mais curtos do dia fabril de quinze horas eram

«comparativamente inofensivas» (comparatively harmless), desde que o tempo de trabalho fosse limitado a 12 horas. Com a lei das dez horas, elas eram de uma «dureza (hardship) penosa»(30*).

Eles avisaram, pois, da maneira mais fria, os inspectores de que não fariam caso da letra da lei e introduziriam, de novo, o velho sistema por sua iniciativa(32*). Isso seria no interesse dos próprios operários mal aconselhados,

«em ordem a serem capazes de lhes pagar salários mais elevados.» «Este era o único plano possível para manter, com a Lei das Dez Horas, a supremacia industrial da Grã-Bretanha.»(33*) «Talvez possa ser um pouco difícil detectar irregularidades com o sistema de turnos, mas, e daí? (what of that?) Haverá o grande interesse manufactureiro deste país de ser tratado como um assunto secundário, só para pouparem alguma pequena maçada (some little trouble) a Inspectores e Subinspectores de Fábricas?»(34*)

Todas estas trapaças não valeram naturalmente de nada. Os inspectores fabris procederam judicialmente. Logo, porém, uma tal nuvem de petições de fabricantes caiu em cima do ministro do Interior, Sir George Grey, que ele numa circular de 5 de Agosto de 1848 instruiu os inspectores para não

«apresentarem informações contra proprietários de fábricas por infracção à letra da Lei ou por emprego de jovens por turnos em casos em que não há razão para crer que tais jovens tenham sido, de facto, empregues por um período mais longo que o sancionado por lei.»

Depois disso, o inspector fabril J. Stuart permitiu o chamado sistema de turnos durante o período de quinze horas do dia fabril em toda a Escócia, onde em breve de novo desabrochou à maneira antiga. Os inspectores fabris ingleses declararam, pelo contrário, que o ministro não possuía qualquer poder ditatorial de suspensão das leis e prosseguiram com procedimento judical contra os rebeldes pro-slavery.

Mas para quê toda essa citação em justiça se os tribunais, os «county magistrates»(35*)(36*), absolviam? Nestes tribunais, os senhores fabricantes julgavam-se a si próprios. Um exemplo. Um certo Eskrigge, fiandeiro(38*) de algodão da firma Kershaw, Leese et Co., tinha apresentado ao inspector fabril do seu distrito o esquema de um determinado sistema de turnos para a sua fábrica. Recebendo uma resposta negativa, comportou-se primeiro passivamente. Poucos meses mais tarde, um indivíduo de nome Robinson, também fiandeiro de algodão — e se não era o Sexta-Feira era em qualquer caso parente de Eskrigge —, foi presente aos Borough Justices(39*) de Stockport por introdução de um plano de turnos idêntico ao congeminado por Eskrigge. [O tribunal] compunha-se de 4 juízes, entre eles 3 fiandeiros de algodão, à cabeça dos quais o próprio inevitável Eskrigge. Eskrigge absolveu Robinson e declarou agora que o que estava bem para Robinson era justo para Eskrigge. Apoiado na sua própria decisão com força de lei introduziu imediatamente o sistema na sua própria fábrica(40*). Sem dúvida, já a convocação destes tribunais era uma violação aberta da lei(41*).

«Esta espécie de farsas judiciais», exclama o inspector Howell, «clamam urgentemente por um remédio — ou que a lei seja alterada de modo a conformar-se a estas decisões, ou que seja administrada por um tribunal menos falível cujas decisões se conformem à lei... quando se apresentarem casos desses. Eu anseio por um magistrado estipendiado».(44*)

Os juristas da coroa declararam como absurda a interpretação que os fabricantes deram da lei de 1848, mas os salvadores da sociedade não se deixaram confundir.

«Tendo-me esforçado», relata Leonard Horner, «por fazer respeitar a Lei [...] através de dez participações em sete divisões judiciais, e tendo sido apoiado pelos magistrados em apenas um caso... considerei inútil continuar a apresentar queixas por esta evasão à lei. Aquela parte da Lei de 1848 que foi formulada para assegurar uniformidade nas horas de trabalho, ... está assim já sem efeito no meu distrito (Lancashire). Nem os subinspectores nem eu próprio temos quaisquer meios para nos assegurarmos, quando inspeccionamos uma fábrica a trabalhar por turnos, de que os jovens e as mulheres não estão a trabalhar mais do que 10 horas por dia... Num relatório oficial de 30 de Abril, [...] dos proprietários de fábricas a trabalharem por turnos, o número ascende a 114, e de algum tempo para cá tem estado a aumentar rapidamente. Em geral, o tempo de funcionamento da fábrica estende-se a 13 1/2 horas, das 6 da manhã às 7 1/2 da noite [...] em alguns casos ascende a 15 horas, das 5 1/2 da manhã às 8 1/2 da noite.»(45*)

Já em Dezembro de 1848, Leonard Horner possuía uma lista de 65 fabricantes e 29 capatazes fabris que declaravam, unanimemente, que nenhum sistema de supervisão podia impedir com este sistema de turnos o mais extensivo trabalho a mais(46*). As mesmas crianças e jovens ora eram transferidos (shifted) da sala de fiação para a sala de tecelagem, etc, ora — durante 15 horas — de uma fábrica para outra(47*). Como controlar um sistema que

«sob o disfarce de turnos, é mais um dos muitos planos para movimentar "os braços" de um lado para o outro numa variedade infindável, e trocando as horas de trabalho e de descanço de diferentes indivíduos ao longo do dia, de tal modo que é possível nunca chegar a ter um grupo completo de braços a trabalharem juntos na mesma sala e ao mesmo tempo»?(48*)

Mas, abstraindo totalmente do fazer trabalhar a mais real, este chamado sistema de turnos era um rebento da fantasia do capital que nem Fourier nos seus esboços humorísticos das «courtes séances»[N107] alguma vez superou; só que a atracção do trabalho estava transformada na atracção do capital. Consideremos tais esquemas dos fabricantes, que a boa imprensa louvou como um modelo do «que um grau razoável de cuidado e método pode realizar» («what a reasonable degree of care and method can accomplish»). O pessoal operário estava por vezes repartido em 12 a 15 categorias, que mudavam elas mesmas de novo constantemente as suas partes integrantes. Durante o período de quinze horas do dia fabril, o capital atraía o operário ora por 30 minutos, ora por uma hora e repelia-o então outra vez, para o atrair de novo para a fábrica e o repelir para fora da fábrica, açulando-o daqui para ali em pedaços de tempo dispersos, sem nunca o largar, até o trabalho de dez horas ficar completo. Tal como no palco, estas personagens tinham de entrar, alternadamente, nas diversas cenas dos diversos actos. Mas tal como um actor pertence ao palco durante toda a duração da peça, assim pertenciam agora os operários, durante 15 horas, à fábrica, não contando com o tempo de vir e de ir para ela. As horas de repouso transformavam-se assim em horas de ociosidade forçada, que impeliam o jovem operário para a taberna e a jovem operária para o bordel. A cada nova ideia que o capitalista diariamente congeminava para conservar a sua maquinaria em andamento por 12 ou 15 horas, sem aumento de pessoal operário, tinha o operário de engolir a sua refeição ora neste pedaço de resto de tempo ora naquele. Na altura da agitação pelas dez horas, os fabricantes clamavam que a cambada dos operários peticionava na esperança de receber salários de doze horas por trabalho de dez. Eles haviam agora virado a medalha. Pagavam salário de dez horas para disporem por doze ou quinze horas das forças de trabalho!(49*). Era este o cerne da questão, esta era a edição que os fabricantes faziam da lei das dez horas! Eram os mesmos untuosos livre-cambistas, destilando filantropia, que durante 10 anos inteiros, durante a anti-corn-law-agitation(52*), mostraram com contas, tostão a tostão, aos operários que, com a livre importação de cereais, dados os meios da indústria inglesa, um trabalho de dez horas bastaria perfeitamente para enriquecer os capitalistas(53*).

A revolta de dois anos do capital foi por fim coroada pela sentença de um dos quatro tribunais superiores de Inglaterra, o Court of Exchequer, que num caso trazido perante ele a 8 de Fevereiro de 1850 decidiu que os fabricantes agiam na verdade contra o sentido da lei de 1844, mas que esta mesma lei continha certas palavras que a tornavam sem sentido. «Com esta decisão, a lei das dez horas ficou abolida.»(54*) Uma massa de fabricantes, que até aqui ainda receavam o sistema de turnos para jovens e operárias, passaram a agarrá-lo agora com ambas as mãos(55*).

Com esta vitória aparentemente definitiva do capital deu-se logo, porém, uma reviravolta. Os operários tinham até aqui oposto uma resistência passiva, embora inflexível e diariamente renovada. Eles protestavam agora em meetings sonoramente ameaçadores em Lancashire e Yorkshire. A pretensa lei das dez horas era, pois, mera pantominice, trapaça parlamentar e jamais havia existido! Os inspectores fabris avisaram urgentemente o governo de que o antagonismo de classes se tinha tornado inacreditavelmente tenso. Uma parte dos próprios fabricantes resmungava:

«Por causa das decisões contraditórias dos magistrados, reina um estado de coisas completamente anormal e anárquico. Uma lei é válida em Yorkshire, outra em Lancashire; uma lei numa paróquia de Lancashire, outra na localidade imediatamente ao lado. O manufactureiro em grandes cidades podia fugir à lei, o manufactureiro em distritos rurais não podia encontrar a gente necessária para o sistema de turnos, ainda menos para transferir braços de uma fábrica para outra», etc

E igual exploração da força de trabalho é o primeiro direito humano do capital.

Nestas circunstâncias, chegou-se a um compromisso entre fabricantes e operários, que se encontra parlamentarmente selado na nova lei fabril suplementar de 5 de Agosto de 1850. O dia de trabalho de «jovens e raparigas» foi aumentado de 10 para 10 1/2 horas, nos primeiros 5 dias da semana, e ao sábado limitado a 7 1/2 horas.

O trabalho tem de processar-se no período das 6 horas da manhã às 6 horas da tarde(56*), com pausas de 1 1/2horas para refeições, que há que conceder simultaneamente e de acordo com as determinações de 1844, etc. Com isso se pôs fim ao sistema de turnos de uma vez por todas(57*). Para o trabalho infantil permaneceu em vigor a lei de 1844.

Uma categoria de fabricantes assegurou para si desta vez, tal como dantes, particulares direitos senhoriais sobre crianças proletárias. Eram os fabricantes de seda. No ano de 1833, haviam uivado ameaçadoramente que, «se lhes fosse retirada a liberdade de fazer trabalhar crianças de qualquer idade durante 10 horas por dia, isso pararia as suas fábricas» («if the liberty of working children of any age for 10 hours a day was taken away, it would stop their works»). Ser-lhes-ia impossível comprar uma quantidade suficiente de crianças acima dos 13 anos. Eles arrancaram o privilégio desejado. Em investigação posterior, o pretexto revelou-se como pura mentira(58*), o que contudo não os impediu, durante um decénio, de fiar diariamente 10 horas seda com o sangue de criancinhas que tinham de ser colocadas em cadeiras para a execução do seu trabalho(59*). A lei de 1844 «roubou-os», decerto, da «liberdade» de fazer trabalhar diariamente crianças abaixo dos 11 anos mais de 6 1/2 horas, mas assegurou-lhes pelo contrário o privilégio de fazer trabalhar crianças entre os 11 e os 13 anos 10 horas diariamente, e pôs de parte o ensino obrigatório prescrito para outras crianças das fábricas. Desta vez, o pretexto era:

«requerendo a textura delicada do tecido, em que estavam empregues, uma leveza de toque, que só poderia ser adquirida pela sua introdução precoce nessas fábricas.»(60*)

As crianças eram totalmente massacradas por causa dos seus dedos delicados, tal como o gado vacum na Rússia meridional o era por causa da pele e do sebo. Por fim, em 1850, o privilégio concedido em 1844 foi limitado aos departamentos de torcedura e dobagem de seda; aqui, porém, o tempo de trabalho para crianças dos 11 aos 13 anos foi elevado de 10 para 10 1/2 horas, para compensação do capital, roubado da sua «liberdade». Pretexto: «O trabalho em fábricas de seda seria mais leve do que em fábricas de outros tecidos e, sob outros aspectos, menos propenso também a ser prejudicial à saúde.»(61*) A investigação médica oficial provou em seguida que, inversamente,

«a taxa média de mortalidade nos distritos da seda é excessivamente elevada e, entre a parte feminina da população, mesmo mais elevada do que nos distritos do algodão de Lancashire»(62*).

Apesar dos protestos, semestralmente repetidos, dos inspectores fabris, o abuso persiste até ao momento(63*).

A lei de 1850 transformou, apenas para «jovens e mulheres», o período de quinze horas — das 5 horas e meia da manhã às 8 horas e meia da noite — no período de doze horas — das 6 horas da manhã às 6 horas da tarde. Portanto, não para crianças — as quais permaneciam utilizáveis meia hora antes do início e 2 1/2 horas depois do encerramento deste período, muito embora a duração total do seu trabalho não devesse ultrapassar as 6 1/2 horas. Durante a discussão da lei, foi submetida pelos inspectores fabris ao Parlamento uma estatística acerca dos abusos infames daquela anomalia. Contudo, em vão. Dos fundos, espreitava a intenção de, em anos de prosperidade, elevar, com a ajuda das crianças, novamente para 15 horas o dia de trabalho dos operários adultos. A experiência dos 3 anos seguintes mostrou que tal tentativa haveria de fracassar ante a resistência dos operários adultos do sexo masculino(64*). Por isso, a lei de 1850 foi finalmente completada, em 1853, pela proibição «de emprego de crianças, de manhã, antes, e, à tarde, depois, dos jovens e mulheres». De agora em diante, a lei fabril de 1850 regulou, com poucas excepções, o dia de trabalho de todos os operários, nos ramos de indústria a ela submetidos(65*).

Desde a publicação da primeira lei fabril tinha agora decorrido meio século(67*).

Á legislação ultrapassou pela primeira vez a sua esfera originária através do «Printworks' Act» (lei sobre estamparias de chita, etc.) de 1845. O desprazer com que o capital permitiu esta nova «extravagância» exprime-se em cada linha da lei! Limita a 16 horas, entre as 6 horas da manhã e as 10 horas da noite, o dia de trabalho para crianças de 8-13 anos e para mulheres, sem qualquer pausa legal para refeições. Permite fazer trabalhar arbitrariamente, pelo dia e pela noite fora, operários do sexo masculino acima dos 13 anos(68*). É um aborto parlamentar(69*).

Todavia, o princípio tinha triunfado com a sua vitória nos grandes ramos da indústria, que são a criatura mais peculiar do modo de produção moderno. O seu maravilhoso desenvolvimento de 1853-1860, de mãos dadas com o renascimento físico e moral dos operários fabris, saltava aos olhos do mais míope. Os próprios fabricantes, a quem, passo a passo, fora extorquida a barreira e a norma legais do dia de trabalho, por uma guerra civil de cinquenta anos, apontavam arrogantemente para o contraste com os domínios de exploração ainda «livres»(70*). Os fariseus da «economia política» proclamavam então o discernimento da necessidade de um dia de trabalho legalmente regulamentado como uma nova aquisição característica da sua «ciência»(71*). Facilmente se entende que, depois de os magnatas fabris se terem conformado com o inevitável e com ele se terem reconciliado, a força de resistência do capital gradualmente enfraqueceu, enquanto simultaneamente a força de ataque da classe operária crescia com o número dos seus aliados nas camadas da sociedade não imediatamente interessadas. Daí, o progresso comparativamente rápido desde 1860.

Em 1860 as tinturarias e branquearias(72*), em 1861 as fábricas de rendas e as de meias foram submetidas à lei fabril de 1850. Em consequência do primeiro relatório da «Comissão sobre a Ocupação das Crianças» (1863), partilharam o mesmo destino a manufactura de todos os artigos de cerâmica (não apenas olarias), de fósforos, cápsulas fulminantes, cartuchos, fábricas de papel de parede, corte de algodão (fustian-cutting(75*)) e numerosos processos que estão resumidos sob a expressão «finishing» (último acabamento). No ano de 1863, as «branquearias ao ar livre»(76*) e as padarias foram colocadas sob leis próprias, das quais a primeira, entre outras coisas, proíbe o trabalho de crianças, jovens e mulheres no tempo nocturno (das 8 horas da noite às 6 horas da manhã), e a segunda, o emprego de oficiais de padaria abaixo dos 18 anos entre as 9 horas da noite e as 5 horas da manhã. Voltaremos às sugestões posteriores da referida comissão, que ameaçam roubar a «liberdade» a todos os ramos de indústria ingleses importantes, com excepção da agricultura, das minas e do sistema de transportes(79*).


Notas de rodapé:

(1*) «É por certo muito lamentável que qualquer classe de pessoas tenha de labutar 12 horas por dia, o que, incluindo o tempo para as refeições e o tempo para ir e vir do trabalho, ascende de facto a 14 das 24 horas... Sem entrar na questão da saúde, ninguém hesitará, penso eu, em admitir que, de um ponto de vista moral, uma tão plena absorção do tempo das classes trabalhadoras, sem intervalo, desde a baixa idade dos 13 anos e, em negócios não sujeitos a restrição, muito mais cedo, tem de ser extremamente prejudicial e é um mal a deplorar grandemente... No interesse, portanto, da moral pública, da educação de uma população ordeira e do fornecimento ao grande corpo do povo de um razoável desfrute de vida, é muito desejável que em todos os negócios alguma porção de cada dia de trabalho seja reservada ao descanso e lazer.» (Leonard Horner, in Reports of Insp. of Fact. 31 st Dec, 1841.) (retornar ao texto)

(2*) Ver Judgment of Mr. J. H. Otway, Belfast, Hilary Sessions, County Antrim, 1860. (retornar ao texto)

(3*) É muito característico do regime de Louis-Philippe, o roi bourgeois(4*), que a única lei fabril publicada sob sua égide, de 22 de Março de 1841, nunca tenha sido aplicada. E esta lei diz respeito apenas ao trabalho infantil. Fixa 8 horas para crianças entre os 8 e os 12, doze horas para crianças entre os 12 e os 16 anos, etc, com muitas excepções que permitem o trabalho nocturno mesmo a crianças de oito anos. Vigilância e compulsão da lei, num país onde cada rato é policialmente administrado, ficaram entregues à boa vontade dos «amis du commerce». Só desde 1853 existe num único département, o département du Nord(5*), um inspector governamental pago. Não menos característico do desenvolvimento da sociedade francesa em geral é que a lei de Louis-Philippe, até à revolução de 1848, permaneceu a única na fábrica de leis francesa que tudo emaranha! (retornar ao texto)

(4*) Em francês no texto: rei burguês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Em francês no texto, respectivamente: departamento, departamento do Norte. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Em latim no texto: à vontade. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) Rep. of Insp. of Fact. 30th April, 1860, p. 50. (retornar ao texto)

(8*) Em inglês no texto, respectivamente: médicos, cirurgiões. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(9*) «Legislation is equally(10*) necessary for the prevention of death, in any form in which it can be prematurely inflicted, and certainly this must be viewed as a most cruel mode of inflicting it».[N95] (retornar ao texto)

(10*) Esta palavra não consta na edição inglesa. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(11*) Em inglês no texto: pressão exterior, isto é, pressão popular. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(12*) Rep. of Insp. of Fact. 31 st October, 1849, p. 6. (retornar ao texto)

(13*) Rep. of Insp. of Fact. 31 st October, 1848, p. 98. (retornar ao texto)

(14*) Aliás, Leonard Horner usa oficialmente a expressão «nefarious practices». (Reports of Insp. of Fact. 31 st October, 1859, p. 7.) (retornar ao texto)

(15*) Rep., etc, for 30th Sept., 1844, p. 15. (retornar ao texto)

(16*) A lei permite empregar crianças por 10 horas, se elas não trabalharem dias seguidos, mas apenas dia sim dia não. Em geral, esta cláusula ficou sem efeito. (retornar ao texto)

(17*) «Dado que uma redução nas suas horas de trabalho faria com que um grande número» (de crianças) «fossem empregues, pensou-se que a provisão adicional de crianças, dos 8 aos 9 anos de idade, iria ao encontro da procura aumentada.» (L. c, p. 13.) (retornar ao texto)

(18*) Rep. of Insp. of Fact. 31st Oct., 1848, p. 16. (retornar ao texto)

(19*) «Encontrei homens a quem, tendo estado a receber 10 sh. por semana, foram tirados 1 sh. por uma redução à taxa de 10 por cento e 1 sh. e 6 d. [...] pela redução no tempo, no conjunto 2 sh. e 6 d., e apesar disso muitos deles disseram que perferiam trabalhar 10 horas.» (L. c.) (retornar ao texto)

(20*) «"Apesar de a [a petição] ter assinado, disse na altura que estava a meter mãos a algo de errado". "Então porque meteu mãos a isso?" "Porque teria sido posto na rua se tivesse recusado." [...] Este requerente sentia-se "oprimido", mas não exactamente pela Lei Fabril.» (L. c, p. 102.) (retornar ao texto)

(21*) L. c, p. 17. Nos distritos do senhor Horner foram, assim, ouvidos 10 270 operários adultos masculinos em 181 fábricas. As suas afirmações encontram-se no Appendix do relatório fabril do semestre que termina em Outubro de 1848. Estas audições de testemunhas oferecem também, sob outros aspectos, um material valioso. (retornar ao texto)

(22*) Em inglês no texto: emendadores de fios. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(23*) L. c. Ver as afirmações recolhidas pelo próprio Leonard Horner, n.os 69, 70, 71, 72, 92, 93, e as recolhidas pelo subinspector A., n.os 51, 52, 58, 59, 62, 70, do Appendix. Um fabricante confessou mesmo tudo. Ver n.° 14, depois n.° 265, 1. c. (retornar ao texto)

(24*) Reports, etc, for 31st October, 1848, pp. 133, 134. (retornar ao texto)

(25*) Reports, etc, for 30th April, 1848, p. 47. (retornar ao texto)

(26*) Reports, etc, for 31st Oct., 1848, p. 130. (retornar ao texto)

(27*) Reports, etc, 1. c, p. 142. (retornar ao texto)

(28*) Reports, etc, for 31st Oct., 1850, pp. 5, 6. (retornar ao texto)

(29*) A natureza do capital permanece a mesma, nas suas formas não desenvolvidas como nas desenvolvidas. No código — que a influência dos detentores de escravos pouco antes do rebentamento da guerra civil americana impôs no território do Novo México — diz-se: o operário, na medida em que o capitalista comprou a sua força de trabalho, «é dinheiro dele» (do capitalista). («The labourer is his (the capitalisf s) money.») A mesma visão era corrente entre os patrícios romanos. O dinheiro que eles tinham adiantado ao devedor plebeu tinha-se transformado, por intermédio dos seus meios de vida, em carne e sangue do devedor. Esta «carne e sangue» eram, pois, «dinheiro deles». Daí a lei das 10 Tábuas de Shylock![N104] A hipótese de Linguet [N105], de que os credores patrícios de tempos a tempos preparavam festins do outro lado do Tibre com a carne cozida dos devedores, permanece tão incerta como a hipótese de Daumer acerca da ceia cristã[N106]. (retornar ao texto)

(30*) Reports, etc, for 31st Oct., 1848, p. 133(31*). (retornar ao texto)

(31*) Nas edições francesa e inglesa: Reports, etc., for 30th April, 1848, p. 28. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(32*) Assim, entre outros, o filantropo Ashworth numa carta quackermente desagradável a Leonard Horner. (Rep. Apr., 1849, p. 4.) (retornar ao texto)

(33*) Reports, etc, for 31 st. Oct., 1848, p. 138. (retornar ao texto)

(34*) L. c, p. 140. (retornar ao texto)

(35*) Em inglês no texto: «magistrados do condado». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(36*) Estes «county magistrates», os «great unpaid»(37*), como lhes chama W. Cobbett, são uma espécie de juízes de paz não pagos, formados de entre os mais notáveis dos condados. Eles formam, de facto, os tribunais patrimoniais das classes dominantes. (retornar ao texto)

(37*) Em inglês no texto: «grandes não pagos» (retornar ao texto)

(38*) Isto é, neste contexto, o fabricante ou o industrial. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(39*) Em inglês no texto: Juízes Municipais. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(40*) Reports, etc, for 30th April, 1849, pp. 21, 22. Cf. exemplos semelhantes, ibid., pp. 4, 5. (retornar ao texto)

(41*) É proibido em virtude de I e II W[illia]m IV, c. 29(42*), s. 10, conhecida como Sir John Hobhouse's Factory Act(43*), que qualquer possuidor de uma fiação de algodão ou tecelagem, ou pai, filho e irmão de um tal possuidor funcionem como juízes de paz em questões que respeitem à Factory Act.(retornar ao texto)

(42*) Nas edições inglesa e francesa: 24. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(43*) Em inglês no texto: Lei Fabril de Sir John Hobhouse. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(44*) Reports, etc, for 30th April, 1849 [, p. 22]. (retornar ao texto)

(45*) Reports, etc, for 30th April, 1849, p. 5. (retornar ao texto)

(46*) Rep., etc, for 31 st Oct., 1849, p. 6.(retornar ao texto)

(47*) Rep., etc, for 30th April, 1849, p. 21. (retornar ao texto)

(48*) Rep., etc, 31st Oct., 1848, p. 95. (retornar ao texto)

(49*) Ver Reports, etc, for 30 th April, 1849, p. 6, e a ampla discussão sobre «shifting system»(50*) entre os inspectores fabris Howell e Saunders em Reports, etc, for 31 st Oct., 1848. Ver também a petição do clero de Ashton e vizinhança, Primavera de 1849, à rainha(51*), contra o «shift system». (retornar ao texto)

(50*) Em inglês no texto: «sistema de transferências». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(51*) Vitória. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(52*) Em inglês no texto: agitação contra a lei dos cereais. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(53*) Cf., p. ex., The Factory Question and the Ten Hours Bill, de R. H. Greg, 1837. (retornar ao texto)

(54*) F. Engels, «Die englische Zehnstundenbill» (na Neue Rh. Zeitung. Politisch-ökonomische Revue por mim publicada, caderno de Abril de 1850, p. 13). O mesmo tribunal «superior» descobriu igualmente, durante a guerra civil americana, uma ambiguidade que invertia a lei contra o armamento de navios piratas no seu directo contrário. (retornar ao texto)

(55*) Rep., etc, for 30th April, 1850. (retornar ao texto)

(56*) No inverno o período pode ser substituído pelo das 7 da manhã às 7 da tarde. (retornar ao texto)

(57*) «A presente lei» (de 1850) «era um compromisso pelo qual os empregados renunciavam ao benefício da Lei das Dez Horas em troca da vantagem de um período uniforme para o começo e fim do trabalho daqueles cujo trabalho está restringido.» (Reports, etc, for 30th April, 1852, p. 14.) (retornar ao texto)

(58*) Reports, etc for 30th Sept., 1844, p. 13. (retornar ao texto)

(59*) L. c (retornar ao texto)

(60*) «The delicate texture of the fabric in which they were employed requiring a lightness of toutch, only to be acquired by their early introduction to these factories.» (Rep., etc, for 31st Oct., 1846, p. 20.) (retornar ao texto)

(61*) Reports, etc, for 31st Oct., 1861, p. 26. (retornar ao texto)

(62*) L. c, p. 27. Em geral, a população operária submetida à lei fabril melhorou muito fisicamente. Todos os testemunhos médicos concordam com isso e a minha observação pessoal, em diversos períodos, convenceu-me disso. Contudo, e abstraindo da monstruosa taxa de mortalidade das crianças nos primeiros anos de vida, os relatórios oficiais do Dr. Greenhow mostram o desfavorável estado de saúde dos distritos fabris, comparados com «distritos agrícolas de saúde normal». Como prova, entre outras, a seguinte tabela do seu relatório de 1861:

Percentagem
de homens
adultos
contratados
em
manufacturas
Taxa de
mortalidade
por doenças
pulmonares
por cada
100.000
homens
Nome do
distrito
Taxa de
mortalidade
por doenças
pulmonares
por cada
100.000
mulheres
Percentagem
de mulheres
adultas
contratadas
em
manufacturas
Espécie
de
ocupação
feminina
14,9
598
Wigan
644
18,0
Algodão
42,6
708
Blackburn
734
34,9
ditto
37,3
547
Halifax
564
20,4
Estambre
41,9
611
Bradford
603
30,0
ditto
31,0
691
Macclesfield
804
26,0
Seda
14,9
588
Leek
705
17,2
ditto
36,6
721
Stoke-upon-Trent
665
19,3
Louça
de barro
30,4
726
Woolstanton
727
13,9
ditto
-
305
Oito distritos
agrícolas
saudáveis
340
-
 
(retornar ao texto)

(63*) Sabe-se quão contra vontade os «livre-cambistas» ingleses renunciaram aos direitos de protecção para a manufactura da seda. Em vez da protecção contra importação francesa serve agora a falta de protecção das crianças das fábricas inglesas. (retornar ao texto)

(64*) Reports, etc, for 30th April, 1853, p. 30. (retornar ao texto)

(65*) Durante os anos-zénite da indústria inglesa do algodão, 1859 e 1860, alguns fabricantes tentaram levar, com o isco de salários mais elevados por tempo extra, os fiandeiros adultos do sexo masculino, etc, ao prolongamento do dia de trabalho. Os hand-mule spinners e os self-actor minders(66*) puseram fim ao experimento através de uma memória aos seus empregadores, em que, entre outras coisas, se diz: «Falando francamente, as nossas vidas são para nós um fardo; e, enquanto estivermos confinados às fábricas quase dois dias mais por semana» (20 horas) «do que outros operários [...], sentimo-nos como ilotas na terra, e que estamos a perpetuar um sistema prejudicial para nós próprios e para as gerações futuras... Por conseguinte, isto é para vos dar a mais respeitosa notícia de que, quando voltarmos a trabalhar depois das férias do Natal e do Ano Novo, trabalharemos 60 horas por semana e não mais, ou das seis às seis, com hora e meia de folga.» (Reports, etc, for 30th April, 1860, p. 30.) (retornar ao texto)

(66*) Em inglês no texto, respectivamente: fiandeiros manuais, operadores das máquinas de fiar automáticas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(67*) Sobre os meios que a redacção desta lei proporcionava para a sua própria violação, cf. o Parliamentary Return «Factories Regulation Acts» (9 de Agosto de 1859) e aí as «Suggestions for Amending the Factory Acts to Enable the In-spectors to Prevent Illegal Working, Now Become Very Prevalent» de Leonard Horner. (retornar ao texto)

(68*) «Crianças com idade de 8 anos e mais têm, na verdade, sido empregues das 6 da manhã às 9 da noite durante a última metade do ano» (1857) «no meu distrito.» (Reports, etc, for 31st Oct., 1857, p. 39.) (retornar ao texto)

(69*) «Admite-se que a Lei das Estamparias tenha sido um fracasso tanto no que se refere às suas cláusulas sobre educação como sobre protecção.» (Reports, etc, for 31st Oct., 1862, p. 52.) (retornar ao texto)

(70*) Assim, p. ex., E. Potter em carta ao Times de 24 de Março de 1863. O Times recordou-lhe a revolta dos fabricantes contra a lei das dez horas. (retornar ao texto)

(71*) Assim, entre outros, o senhor W. Newmarch, colaborador e editor da History of Prices, de Tooke. Será progresso científico fazer concessões cobardes à opinião pública? (retornar ao texto)

(72*) A lei publicada em 1860 sobre branquearias e tinturarias determina que o dia de trabalho seja, à 1 de Agosto de 1861, provisoriamente diminuído para 12 horas e, a 1 de Agosto de 1862, definitivamente para 10 horas, i. é, 10 1/2 para dias úteis e 7 1/2 para sábados. Quando, pois, estoirou o ano mau de 1862, a velha farsa repetiu-se. Os senhores fabricantes peticionaram ao Parlamento que tolerasse só por mais um ano a ocupação de 12 horas de jovens e mulheres... «No presente estado do negócio» (no tempo da falta de algodão) «era de grande vantagem para os trabalhadores trabalharem 12 horas por dia e obterem tanto salário quanto pudessem.» Foi levada à Câmara dos Comuns uma lei neste sentido, «e foi principalmente devido à acção dos trabalhadores branqueadores na Escócia que a lei foi abandonada.» (Reports, etc, for 31st Oct., 1862, pp. 14, 15.) Assim atingido pelos próprios operários, em nome de quem pretendia falar, o capital descobria agora, com a ajuda de óculos jurídicos, que a lei de 1860, tal como todas as leis parlamentares para a «protecção do trabalho», redigidas com ambiguidades de sentido confuso, fornecia um pretexto para excluir os «calenderers» e «finishers»(73*) da sua alçada. A jurisprudência inglesa, sempre servidora fiel do capital, sancionou a rabulice através do tribunal de «Common Pleas»(74*). «Os trabalhadores ficaram muito desapontados [...] e é muito lamentável que a intenção clara da legislação [legislature] tenha falhado por causa de uma definição defeituosa.» (L. c, p. 18.) (retornar ao texto)

(73*) Em inglês no texto, respectivamente: «calandreiros», «acabadores». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(74*) Em inglês no texto: «Acções Judiciais Comuns», isto é, tribunal de direito civil. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(75*) Em inglês no texto, literalmente: cortador de fustão. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(76*) Os «branqueadores ao ar livre» haviam-se subtraído à lei de 1860 sobre «branquearia» com a mentira de que eles não faziam trabalhar quaisquer mulheres durante a noite. A mentira foi descoberta pelos inspectores fabris, mas simultaneamente o Parlamento foi privado, através de petições de operários, das suas ideias bucólicas de «branquearia ao ar livre». Nesta branquearia ao ar são empregues câmaras de secagem a 90 a 100 graus Fahrenheit(77*), onde trabalham sobretudo raparigas. «Cooling» (arrefecimento) é a expressão técnica para fuga ocasional da câmara de secagem para o ar livre. «Quinze raparigas em estufas. Calor de 80 a 90°(78*) para tecidos de linho, e de 100° e mais para cambraias. Doze raparigas engomam e dobram» (as cambraias, etc.) «numa sala pequena com cerca de 10 pés de lado, no centro da qual está uma estufa fechada. As raparigas estão de pé à roda da estufa, que irradia um terrível calor e seca rapidamente as cambraias para as engomadeiras. As horas de trabalho para estes braços são ilimitadas. Se tiverem que fazer, elas trabalham até às 9 ou 12 da noite, durante noites sucessivas.» (Reports, etc, for 31st Oct., 1862, p. 56.) Um médico declara: «Não são permitidas quaisquer horas especiais para arrefecimento, mas se a temperatura sobe demasiado, ou se as mãos das operárias se sujam de suor, é-lhes permitido sair por alguns minutos... A minha experiência [...] no tratamento das doenças das operárias das estufas, compele-me a expressar a opinião de que o seu estado sanitário não é de modo nenhum tão elevado como o das trabalhadoras de uma fábrica de fiação» (e o capital, nas suas petições ao Parlamento, tinha-as pintado cheias de saúde, à maneira de Rubens!). «As doenças mais observáveis entre elas são a tísica, a bronquite, irregularidade das funções uterinas, histeria nas suas formas mais agravadas e reumatismo. Todas estas doenças, creio eu, são directa ou indirectamente induzidas pelo ar impuro e sobreaquecido das salas em que os braços estão empregues e pela falta de roupas suficientemente confortáveis para os proteger da atmosfera fria e húmida, no Inverno, quando vão para as suas casas.» (L. c, pp. 56, 57.) Os inspectores fabris notam sobre a lei de 1860 ulteriormente extorquida aos joviais «branqueadores ao ar livre»: «A Lei não só não conseguiu fornecer aos operários a protecção que parece oferecer [como também contém uma cláusula]... aparentemente formulada de modo que, a menos que as pessoas sejam detectadas a trabalhar depois das 8 horas da noite, elas parecem não estar sob quaisquer cláusulas protectoras, e se elas trabalharem efectivamente assim, o modo de prova é tão duvidoso que dificilmente se poderá seguir uma condenação.» (L. c, p. 52.) «[...] Como uma Lei com quaisquer propósitos caritativos ou educativos é um fracasso, uma vez que dificilmente se pode chamar caritativo permitir, o que é o mesmo que compelir, mulheres e crianças trabalharem 14 horas por dia, com ou sem refeições, conforme o caso, e talvez por mais horas do que estas, sem limite quanto à idade, sem referência ao sexo e sem consideração pelos hábitos sociais das famílias da localidade em que tais fábricas» (as branquearias) «estão situadas.» (Reports, etc, for 30th April, 1863, p. 40.) (retornar ao texto)

(77*) 32° a 38° C. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(78*) Fahrenheit: 27° C. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(79*) Nota à 2.a ed. Desde 1866, quando escrevi o que se encontra no texto, deu-se novamente uma reacção. (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N9] A Anti-Corn-Law League (Liga contra as Leis dos Cereais) foi fundada em 1838 pelos industriais Cobden e Bright. Defendendo os interesses da burguesia industrial, a Liga procurava a revogação das chamadas leis dos cereais, que previam, em benefício da aristocracia fundiária, a limitação e a proibição da importação de cereais do estrangeiro. A lei dos cereais, aprovada em 1815, proibia a importação de trigo enquanto o preço do trigo na própria Inglaterra se mantivesse abaixo dos 80 xelins o quarter. Em 1822 essa lei foi ligeiramente alterada e em 1828 foi introduzida uma escala móvel segundo a qual as taxas de importação sobre os cereais aumentavam com a redução do preço no mercado interno e, inversamente, se reduziam com o aumento desse preço. Ao procurar a revogação das leis dos cereais e a instauração do comércio livre dos cereais, a Liga tinha por objectivo a redução dos preços internos dos cereais e desse modo também a redução do salário dos operários assalariados. A palavra de ordem de liberdade de comércio era amplamente utilizada pela Liga na sua pregação demagógica da unidade de interesses dos operários e dos industriais. As leis dos cereais foram revogadas em 1846. (retornar ao texto)

[N93] Factories Inquiry Commission. First Report of the Central Board of His Majesty's Commissioners. Ordered by the House of Commons, to Be Printed, 28th June 1833, p. 53. (retornar ao texto)

[N94] Periculum in mora! (o perigo está na demora!) — palavras da obra do historiador romano Tito Lívio Ab urbe condita (História de Roma desde a sua fundação), livro XXXVIII, cap. 25, 13. (retornar ao texto)

[N95] Report from the Committee on the «Bill to Regulate the Labour of Children in the Mills an Factories of the United Kingdom»; with the Minutes of Evidence. Ordered, by the House of Commons, to Be Printed, 8th August 1832. (retornar ao texto)

[N96] Durante as festividades tradicionais em honra de Juggernaut (Jaganata) — encarnação do deus hindu Vixnu — os crentes, dominados por um fanatismo religioso extremo, lançavam-se frequentemente para debaixo do carro em que se transportava a imagem de Vixnu. (retornar ao texto)

[N97] Trata-se da People's Charter (Carta do Povo), que continha as exigências dos cartistas e que foi publicada em 8 de Maio de 1838 como projecto de lei a ser apresentado ao Parlamento. Era constituída por seis pontos: sufrágio universal (para os homens com mais de 21 anos), eleições anuais para o Parlamento, voto secreto, igualização dos círculos eleitorais, revogação do censo de propriedade para os candidatos a deputados, remuneração dos deputados. (retornar ao texto)

[N98] Os partidários da Liga contra as Leis dos Cereais (ver a nota N9), na sua propaganda demagógica, procuravam convencer os operários de que com a instauração da liberdade de comércio aumentariam os seus salários reais e os operários teriam o pão duas vezes maior do que antes (big loaf). E transportavam dois pães — um grande e um pequeno — pelas ruas, com os respectivos letreiros, como meio de propaganda directa. A realidade mostrou toda a falsidade dessas promessas e subterfúgios. O capital industrial da Inglaterra, reforçado em consequência da revogação das leis dos cereais, intensificou a sua ofensiva contra os interesses vitais da classe operária. (retornar ao texto)

[N99] Chamava-se Comissários da Convenção no período da Revolução Francesa de fins do século XVIII aos representantes da Convenção (Assembleia Nacional da República Francesa em 1792-1795) nos departamentos e nos exércitos, investidos de poderes especiais. (retornar ao texto)

[N100] Loi des suspects (lei dos suspeitos) — lei adoptada em França pelo Corpo Legislativo em 19 de Fevereiro de 1858, que concedia ao imperador e ao seu governo o direito ilimitado de deportar para diversos pontos da França e da Argélia ou, expulsar completamente do território francês todas as pessoas suspeitas de hostilidade ao regime do Segundo Império. (retornar ao texto)

[N101] Por «pro-slavery rebellion» («rebelião a favor da escravatura») entende-se a rebelião dos escravistas do Sul dos EUA, que levou à Guerra Civil de 1861-1865. (retornar ao texto)

[N102] Shakespeare, O Mercador de Veneza, acto IV, cena 1. (retornar ao texto)

[N103] Shakespeare, O Mercador de Veneza, acto IV, cena 1. (retornar ao texto)

[N104] Lei das 10 Tábuas — variante inicial da «lei das 12 tábuas», o mais antigo documento legislativo do Estado escravista de Roma. Destinada a proteger a propriedade privada, a lei previa a privação de liberdade do devedor insolvente, a sua venda como escravo ou o esquartejamento do seu corpo. (retornar ao texto)

[N105] O historiador francês Linguet exprime esta hipótese na sua obra Théorie des loix civiles, ou príncipes fondamentaux de la société. Tome II, Londres, 1767, chapitre XX. (retornar ao texto)

[N106] O filósofo alemão Daumer, na sua obra Die Geheimnisse des christlichen Alterthums, afirmava que os primeiros cristãos usavam carne humana durante a eucaristia. (retornar ao texto)

[N107] «Courtes séances» — o grande socialista utópico francês Fourier traçou um quadro da sociedade futura em que o homem, durante um dia de trabalho, se ocuparia de várias formas de trabalho, isto é, o dia de trabalho consistiria em várias sessões breves (courtes séances) de trabalho, cada uma das quais não duraria mais de hora e meia a duas horas. Graças a isso, na opinião de Fourier, a produtividade do trabalho aumentaria tanto que o mais pobre dos trabalhadores estaria em condições de satisfazer iodas as suas necessidades mais completamente do que qualquer capi­talista nas épocas anteriores. (retornar ao texto)

Inclusão 13/03/2012