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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Sétima Seção: O processo de acumulação do capital

Vigésimo quarto capítulo: A chamada acumulação original


3. Legislação sangrenta contra os expropriados desde o fim do século XV. Leis para o abaixamento do salário


capa

Os expulsos por dissolução dos séquitos feudais e pela expropriação violenta e por sacões da terra, este proletariado fora-da-lei não podia, possivelmente, ser absorvido pela manufactura nascente tão rapidamente quanto era posto no mundo. Por outro lado, estes [homens] subitamente catapultados para fora da sua órbita de vida habitual não se podiam adaptar tão subitamente à disciplina da nova situação. Transformaram-se massivamente em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação, na maioria dos casos por coacção das circunstâncias. Daqui, no fim do século xv e durante todo o século xvi, em toda a Europa ocidental, uma legislação sangrenta contra a vagabundagem. Os pais da classe operária actual foram, em primeiro lugar, castigados pela transformação, a que foram sujeitos, em vagabundos e indigentes. A legislação tratava-os como criminosos «voluntários» e pressupunha que dependia da boa vontade deles que continuassem a trabalhar nas velhas condições, que já não existiam mais.

Em Inglaterra, essa legislação começou com Henrique VII.

Henrique VIII, em 1530: os mendigos velhos e incapazes de trabalhar recebem uma licença de mendigo. Em contrapartida, chicoteamento e encarceramento para os vagabundos robustos. Devem ser atados à parte de trás de uma carroça e fustigados até que o sangue corra do seu corpo, fazem depois um juramento de regressarem ao seu lugar de nascimento ou aonde moraram nos últimos três anos e de «se porem ao trabalho» (to put himself to labour). Que ironia cruel! No 27.° [ano do reinado] de Henrique VIII o estatuto precedente é repetido, mas reforçado com novos aditamentos. Ao ser apanhado pela segunda [vez] em vagabundagem, o chicoteamento deve ser repetido e metade da orelha cortada, à terceira vez, porém, o visado é executado como criminoso grave e inimigo da comunidade.

Eduardo VI: um estatuto do primeiro ano do seu reinado, 1547, ordena que, se alguém se recusar a trabalhar, deve ser sentenciado como escravo da pessoa que o denunciou como ocioso. O dono deve alimentar o seu escravo com pão e água, bebida fraca e os restos de carne que achar convenientes. Tem o direito de o obrigar a qualquer trabalho ainda que repugnante por meio de chicoteamento e de agrilhoamento. Se o escravo se ausentar por 14 dias, é condenado à escravatura por toda a vida e deve ser marcado a fogo com a letra S(1*) na fronte ou nas faces; se ele fugir pela terceira vez, é executado como réu de alta traição. O dono pode vendê-lo, legá-lo, alugá-lo, como escravo, inteiramente como outro bem móvel ou gado. Se os escravos empreenderem algo contra os donos, devem igualmente ser executados. Por informação, os juizes de paz devem perseguir o malandro. Se se verificar que um vadio não fez nada durante três dias, deve ser levado para o seu lugar de nascimento, marcado a fogo com um ferro ao rubro, no peito, com o sinal V(2*), e aí, com cadeias, deve ser utilizado nas ruas ou em qualquer outro serviço. Se o vagabundo der um lugar de nascimento falso, como castigo deve ficar escravo por toda a vida desse lugar, dos moradores ou da corporação e ser marcado a fogo com um S. Todas as pessoas têm o direito de tirar os filhos aos vagabundos e de os manter como aprendizes — os rapazes até aos 24 anos, as raparigas até aos 20 anos. Se fugirem, deverão ficar escravos do patrão até essa idade, o qual, consoante quiser, os poderá prender com cadeias, chicotear, etc. Cada dono pode pôr um anel de ferro à volta do pescoço, do braço ou da perna do seu escravo, para o conhecer melhor e ficar mais seguro de que é dele(221). A última parte deste estatuto prevê que certos pobres devem ser empregados pelo lugar ou pelos indivíduos que lhes queiram dar de comer e de beber e encontrar trabalho para eles. Esta espécie de escravos paroquiais conservou-se, em Inglaterra, até bem dentro do século xix, sob o nome de roundsmen (rondadores).

Isabel, em 1572: mendigos sem licença e acima dos 14 anos de idade devem ser fortemente chicoteados e marcados a fogo na orelha esquerda, no caso de ninguém os querer tomar ao seu serviço por dois anos; em caso de repetição, se estão acima dos 18 anos de idade, devem ser: executados, no caso de ninguém os querer tomar ao seu serviço por dois anos; à terceira reincidência, porém, são executados sem piedade como réus de alta traição. Estatutos semelhantes: no 18.° [ano do reinado] de Isabel, c. 13, e em 1597(221a).

Jaime I: uma pessoa vadia e mendiga é declarada malandro e vagabundo. Os juizes de paz nas Petty Sessions[N207] têm o poder de os mandar chicotear em público e de os encarcerar, na primeira vez que forem apanhados, por 6 meses, na segunda, por 2 anos. Durante a prisão devem ser chicoteados tanto e tão frequentemente quanto os juizes de paz acharem por bem... Os malandros incorrigíveis e perigosos devem ser marcados a fogo com um R(3*) no ombro esquerdo e postos a trabalhos forçados, e, se forem de novo apanhados a mendigar, devem ser executados sem piedade. Estas ordenações, legalmente vinculativas até aos primeiros tempos do século xvm, só foram revogadas por Ana no 12.° [ano do seu reinado], c. 23.

Leis semelhantes em França, onde, por meados do século XVII, foi estabelecido em Paris um reino dos vagabundos (royaume des truands). Ainda nos primeiros tempos de Luís XVI (ordenança de 13 de Julho de 1777), todo o homem sãmente constituído dos 16 aos 60 anos, se não tivesse meios de existência e exercício de uma profissão, era mandado para as galeras. Semelhante é o estatuto de Carlos V para os Países Baixos de Outubro de 1537, o primeiro édito dos Estados e Cidades da Holanda de 19 de Março de 1614, a proclamação das Províncias Unidas de 25 de Junho de 1649, etc.

Assim, o povo do campo, violentamente expropriado da terra, expulso e feito vagabundo, foi chicoteado, marcado a fogo e torturado por leis grotesco-terroristas, [com vista] à disciplina necessária ao sistema do trabalho assalariado.

Não é suficiente que as condições de trabalho se coloquem, num pólo, como capital, e, no outro pólo, como homens que não têm nada que vender a não ser a sua força de trabalho. Também não é suficiente coagi-los a venderem-se de livre vontade. No decurso da produção capitalista, desenvolve-se uma classe operária que, por educação, tradição, hábito, admite as exigências daquele modo de produção como evidentes leis da Natureza. A organização do processo de produção capitalista constituído quebra qualquer resistência; a constante criação de uma sobrepopulação relativa mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salário numa via que corresponde às necessidades de valorização do capital; a coacção surda das relações económicas sela a dominação dos capitalistas sobre os operários. Violência imediata, extra-económica, com efeito, é sempre ainda aplicada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso habitual das coisas, os operários podem permanecer abandonados às «leis naturais da produção», i. é, à sua dependência do capital, decorrente das próprias condições da produção, por elas garantida e eternizada. Durante a génese histórica da produção capitalista foi de outra maneira. A burguesia ascendente precisa e emprega a violência de Estado para «regular» o salário, i. é, para o comprimir dentro dos limites que convêm à realização de mais-valia [Plusmacherei], para prolongar o dia de trabalho e para conservar o próprio operário num grau normal de dependência. Este é um momento essencial da chamada acumulação original.

A classe dos operários assalariados, que surgiu na última metade do século xiv, formava então, e no século seguinte, apenas uma parte componente muito diminuta do povo que estava fortemente protegida na sua posição pela economia camponesa autónoma, no campo, e pela organização da corporação, na cidade. No campo e na cidade, mestre e operário estavam socialmente próximos. A subordinação do trabalho ao capital era apenas formal, i. é, o próprio modo de produção não possuía ainda nenhum carácter especificamente capitalista. O elemento variável do capital prevalecia muito sobre o seu [elemento] constante. A procura de trabalho assalariado cresceu, portanto, rapidamente com cada acumulação de capital, enquanto a oferta de trabalho assalariado só lentamente a seguiu. Uma grande parte do produto nacional, mais tarde transformado em fundo de acumulação do capital, entrava então ainda no fundo de consumo do operário.

A legislação sobre o trabalho assalariado — desde o princípio marcada pela exploração do operário e sempre igualmente inimiga dele no seu decurso(222) — foi iniciada, em Inglaterra, com o Statute of Labourers de Eduardo III, em 1349. Corresponde-lhe, em França, a ordenança de 1350, promulgada em nome do rei João. A legislação inglesa e francesa correm paralelamente e são, segundo o conteúdo, idênticas. Uma vez que os estatutos dos operários procuram compelir ao alongamento do dia de trabalho, não volto a eles, pois este ponto foi anteriormente debatido (capítulo 8, 5).

O Statute of Labourers foi promulgado a urgentes instâncias da Câmara dos Comuns(4*).

«Antes», diz um tory(5*) ingenuamente, «os pobres pediram salários tão altos a ponto de ameaçarem indústria e riqueza. Depois, os seus salários são tão baixos a ponto de igualmente ameaçarem indústria e riqueza — e talvez mais —, mas num outro sentido.»(223)

Foi legalmente fixada uma tarifa de salários para a cidade e o campo, para trabalho à peça e para trabalho de um dia(6*). Os operários rurais devem alugar-se ao ano, os citadinos no «mercado aberto». Foi proibido, sob pena de prisão, pagar salários mais altos do que os estatutários, mas o recebimento de salário mais alto era mais fortemente penalizado do que o seu pagamento. Assim, nas secções 18 e 19 do Estatuto dos Aprendizes de Isabel, inflinge-se uma pena de prisão de dez dias àquele que pagar um salário mais alto e, em contrapartida, uma pena de prisão de vinte e um dias àquele que o receber. Um estatuto de 1360 agudizava as penas e dava mesmo aos mestres poder para, por coacção corporal, extorquir trabalho à tarifa de salário legal. Todas as combinações, contratos, juramentos, etc., pelos quais pedreiros e carpinteiros se ligaram reciprocamente foram declarados nulos e de nenhum efeito. A coalizão de operários foi tratada como crime grave, do século xiv até 1825, ano da abolição das leis anticoalizão.[N210] O espírito do Estatuto dos Operários de 1349 e dos que se lhe sucederam manifesta-se claramente em que, com efeito, foi ditado pelo Estado um máximo para o salário, mas de modo nenhum um mínimo.

No século XVI, como se sabe, a situação dos operários piorou muito. O salário em dinheiro subiu, mas não em proporção com a depreciação do dinheiro e a correspondente subida dos preços das mercadorias. Portanto, de facto, o salário caiu. Todavia, as leis com vista ao seu abaixamento mantiveram-se, juntamente com o corte de orelhas e o marcar a fogo daqueles «que ninguém quisesse tomar ao serviço». Através do Estatuto dos Aprendizes, do 5.° [ano do reinado] de Isabel, c. 3, os juizes de paz foram autorizados a fixar certos salários e a modificarem-nos segundo as épocas do ano e os preços das mercadorias. laime I estendeu esta regulamentação do trabalho também a tecelãos, fiandeiros e todas as categorias possíveis de operários(224); Jorge II [estendeu] as leis contra a coalizão de operários a todas as manufacturas.

No período manufactureiro propriamente dito, o modo de produção capitalista tinha-se fortalecido suficientemente para tomar a regulamentação legal do salário tão inexequível como supérflua, mas, em caso de necessidade, não se queria ficar privado das armas do velho arsenal. Jorge II, no 8.° [ano do seu reinado], ainda proibiu um salário diário superior a 2 sh. e 7 1/2 d. para os oficiais alfaiates, em Londres e arredores, excepto nos casos de luto geral; Jorge III, no 13.° [ano do seu reinado], c. 68, ainda remeteu a regulamentação do salário dos tecelãos de seda para os juizes de paz; em 1796, ainda eram precisas duas sentenças dos tribunais superiores para decidir se as ordens dos juizes de paz sobre o salário também eram válidas para operários não agrícolas; em 1799, uma lei do Parlamento ainda sancionava que o salário dos operários das minas da Escócia devia ser regulamentado por um estatuto de Isabel (8*) e por dois decretos escoceses de 1661 e 1671. Entretanto, o muito que as relações se revolucionaram, prova-o uma ocorrência inaudita na Câmara Baixa inglesa. Aí, onde há mais de 400 anos se tinham fabricado leis sobre o máximo que o salário não podia absolutamente ultrapassar, Whitbread, em 1796, propôs um salário mínimo legal para os jornaleiros agrícolas. Pitt opôs-se, mas acrescentou que a «condição dos pobres era cruel (cruel)». Finalmente, em 1813, as leis sobre a regulamentação dos salários foram abolidas. Eram uma anomalia ridícula, uma vez que o capitalista regia a fábrica por uma legislação privada sua e, pelo imposto dos pobres, podia completar o salário do operário do campo até ao mínimo indispensável. As determinações dos Estatutos dos Operários(9*), acerca de contratos entre patrão e operário assalariado, acerca de notificações de prazos e coisas parecidas, que só permitiam uma acção civil contra o patrão que quebras-se o contrato, mas [permitiam] uma acção criminal contra o operário que quebrasse o contrato, estão, até à hora actual, em pleno vigor.

As leis cruéis contra as coalizões caíram, em 1825, ante a atitude ameaçadora do proletariado. Apesar disso, só caíram em parte. Alguns lindos restos dos velhos Estatutos só desapareceram em 1859. Finalmente, um decreto do Parlamento de 29 de Junho de 1871 reclamou a eliminação dos últimos vestígios desta legislação de classe pelo reconhecimento legal das trades’ unions. Mas um decreto do Parlamento da mesma data (An act to amend the criminal law relating to violence, threats and molestation(10*) restabelecia, de facto, o estado anterior sob uma nova forma. Através deste escamoteamento parlamentar, os meios de que os operários se podiam servir por ocasião de uma strike ou lock-out (strike dos fabricantes coalizados, mediante o encerramento simultâneo das suas fábricas) foram retirados do direito comum e postos sob uma legislação penal de excepção, cuja interpretação cabia aos próprios fabricantes, na sua qualidade de juizes de paz. Dois anos antes, a mesma Câmara Baixa e o mesmo senhor Gladstone, da maneira honesta conhecida, haviam apresentado um projecto de lei para a abolição de todas as leis penais de excepção contra a classe operária. Mas nunca se deixou que isso fosse mais longe do que a segunda leitura e arrastou- -se, assim, a coisa, até que, finalmente, o «grande Partido Liberal», mediante uma aliança com os tories, ganhou a coragem de se decidir a voltar-se contra o mesmo proletariado que o havia levado ao poder. Não contente com esta traição, o «grande Partido Liberal» autorizou os juizes ingleses — sempre a abanarem o rabo ao serviço das classes dominantes — a desenterrarem de novo as leis prescritas sobre «conspirações»[N211] e a aplicá-las a coalizões de operários. Vê- -se que, só contra vontade e sob a pressão das massas, é que o Parlamento inglês renunciou às leis contra as strikes e as trades’unions, depois de ele próprio, durante cinco séculos, com desavergonhado egoísmo, ter sustentado a posição de uma trades’ utiion permanente dos capitalistas contra os operários.

Logo no começo da tempestade revolucionária, a burguesia francesa ousou retirar de novo aos operários o direito de associação acabado, precisamente, de conquistar. Pelo decreto de 14 de Junho de 1791, declarava toda a coalizão de operários como um «atentado contra a liberdade e a declaração dos direitos do homem», punível com 500 libras, juntamente com a privação por um ano dos direitos de cidadão activo(225). Esta lei, que de um modo policial estatal comprimiu a luta de concorrência entre capital e trabalho no interior de limites confortáveis para o capital, sobreviveu a revoluções e mudanças de dinastia. O próprio governo do Terror[N212] deixou-a intocada. Só muito recentemente foi riscada do Code Pénal(11*). Nada é mais característico do que o pretexto deste golpe de Estado burguês. Ainda que, diz Le Chapelier, o relator(12*), «o salário do dia de trabalho devesse ser um pouco mais considerável do que é presentemente [...] pois, numa nação livre, os salários devem ser suficientemente consideráveis para que aquele que os recebe esteja fora daquela dependência absoluta que a privação das carências de primeira necessidade produz, e que é quase a da escravatura», todavia, os operários não podem entender-se sobre os seus interesses, agir em conjunto e, por esse facto, afrouxar a sua «dependência absoluta, que é quase a da escravatura», porque, precisamente por isso, ofendem a liberdade dos actuais empresários, «dos ci-devant maitres»(13*) (a liberdade de manter os operários na escravatura!) e porque uma coalizão contra o despotismo dos antigos mestres das corporações — adivinhe-se! — é um restabelecimento das corporações, abolidas pela Constituição francesa(226).


Notas de rodapé:

(1*) S de slave, escravo em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) V de vagabond, vagabundo em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(221) O autor do Essay on Trade, etc., 1770, observa: «No reinado de Eduardo VI, os Ingleses parecem ter começado, de facto, seriamente, a encorajar as manufacturas e a empregar os pobres. Ficamos a saber isso por um estatuto notável, que diz assim: “Que todos os vagabundos serão marcados a fogo, etc.”» (L. c., p. 5.) (retornar ao texto)

(221a) Thomas Morus diz na sua Utopia [, pp. 41, 42]: «Portanto, para que eu só, depradador insaciável, sinistra peste da pátria, [tenha] campos seguidos e circunde com uma vedação alguns milhares de arpentes [jugera] expulsam-se agora certos colonos das suas [terras]: enganados por fraude ou abatidos na [sua] coragem, são despojados [do seu património], ou cansados pelas injúrias são compelidos à venda. E assim que, de um modo ou de outro, os miseráveis emigram: homens, mulheres, maridos, esposas, órfãos, viúvas, pais com crianças pequenas, uma família mais numerosa do que enriquecida porque a terra [res rústica] precisa de muitos braços; emigram, digo, dos lares conhecidos e habituais, e nem encontram onde recolher- -se. Todos os móveis, que não seriam vendáveis por muito, se se pudesse esperar por comprador, quando é necessário desembaraçam-se deles, são vendidos por quase nada. E quando em breve errando tiverem gasto [tudo], que lhes resta senão roubar e ser justamente enforcados, ou então vaguear e mendigar? No entanto, mesmo neste caso, metem-nos no cárcere como [sendo] errantes, por deambularem ociosos, eles a quem não há ninguém que dê trabalho, quando ardorosamente o oferecem.» [Thomas Morus, De optimo Reip[ublicae] statu, deque nova insula Utopia, livro I , ed. de Basileia de 1518, p. 40 (ed. Andre Prevost, Paris, Mame, 1978, p. 388.) — Nota da edição portuguesa.] Destes pobres fugitivos de quem Thomas Morus diz que eram compelidos ao roubo, «72 000 grandes e pequenos ladrões foram executados» no reinado de Henrique VIII. (Holinshed, Description of England, vol. I, p. 186.) No tempo de Isabel, «os malandros eram enforcados apressadamente e, geralmente, não havia um ano em que trezentos ou quatrocentos não fossem devorados e comidos pelo patíbulo». (Strype, Annals of the Reformation and Establishment of Religion, and other Various Occurences in the Church of England during Queen Elisabeth’s liappy Reign, 2nd ed., 1725, vol. II.) Segundo o mesmo Strype, no Somersetshire, num único ano, foram executadas 40 pessoas, 35 foram marcadas a fogo, 37 chicoteadas e 183 postas em liberdade como «incorrigíveis vagabundos». Todavia, diz ele, «este grande número de presos não compreende sequer um quinto dos efectivos criminosos, graças à negligência dos juizes e à tola compaixão do povo». E ele acrescenta: «Os outros Condados da Inglaterra, a este respeito, não eram melhores do que o Somersetshire, enquanto alguns eram mesmo piores.» (retornar ao texto)

(3*) R de rogue, malandro, vadio, em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(222) «Sempre que a legislatura tenta regular os diferendos entre os patrões e os seus operários, os seus conselheiros são sempre os patrões», diz A. Smith.[N208] «O Espírito das Leis é a propriedade», diz Linguet [N209] (retornar ao texto)

(4*) Na edição francesa acrescenta-se: isto é, dos compradores de trabalho. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Em inglês no texto: conservador. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(223) [J. B. Byles], Sophisms of Free Trade. By a Barrister, Lond., 1850, p. 206. Ele acrescenta maliciosamente: «Estivemos suficientemente preparados para intervir a favor do empregador, não pode agora fazer-se nada pelo empregado?» (retornar ao texto)

(6*) Cf. a presente edição, t.l, p. 87, nota 26. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(224) A partir de uma cláusula do Estatuto do 2.° [ano do reinado] de Jaime I, c. 6, vê-se que certos fabricantes de panos se permitiram, quais juizes de paz, ditar a tarifa de salários oficial nas suas próprias oficinas. — Na Alemanha, nomeadamente depois da Guerra dos Trinta Anos, eram frequentes estatutos para manter os salários baixos. «A falta de criados e operários, no campo despovoado, era muito incómoda para os senhores da terra. Todos os aldeãos estavam proibidos de alugar quartos a homens e mulheres solteiros; todos estes inquilinos deviam ser indicados às autoridades e postos na prisão, no caso de se não quererem tomar criados, mesmo que eles se mantivessem com uma outra actividade, semeassem à jorna para os camponeses ou mesmo comerciassem com dinheiro e em cereais. (Kaiserliche Privilegien und Sanctiones für Schlesien, I, 125.) Durante todo um século, nas ordenações dos senhores da terra figura sempre de novo uma queixa amarga acerca da canalha má e petulante, que não se acomoda às condições duras, que não se quer satisfazer com o salário legal; é proibido ao senhor da terra dar mais do que [aquilo] que a região fixou numa taxa. E, todavia, as condições do serviço, depois da guerra, são, por vezes, ainda melhores do que seriam 100 anos mais tarde; a criadagem, em 1652, na Silésia, ainda tinha carne duas vezes por semana; já no nosso século, nesse mesmo lugar, há distritos em que ele só a tem três vezes por ano. A jorna, depois da guerra, também era mais elevada do que nos séculos seguintes.» (G. Freytag (7*).) (retornar ao texto)

(7*) Neue Bilder aus dem Leben des deutschen Volkes, Leipzig, 1862, pp. 35, 36. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(8*) Na edição francesa: do tempo de Isabel. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(9*) Nas 3.ª e 4.ª edições: Estatuto do Trabalho. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(10*) Em inglês no texto: Um decreto para emendar a lei criminal relativa à violência, ameaças e molestação. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(225) O artigo I desta lei diz: «Sendo o aniquilamento de toda a espécie de corporações de cidadãos do mesmo estado e profissão uma das bases fundamentais da Constituição francesa, é proibido restabelecê-las de facto, sob qualquer pretexto e sob qualquer forma que seja.» O artigo IV declara que, se «cidadãos ligados às mesmas profissões, artes e ofícios, tomassem deliberações, fizessem entre si convenções tendentes a recusar concertadamente ou a só conceder por um preço determinado os socorros da sua indústria ou dos seus trabalhos, as ditas deliberações e convenções... são declaradas inconstitucionais, atentatórias da liberdade e da declaração dos direitos do homem, etc.» — portanto, crime de alta traição, totalmente como nos antigos Estatutos dos Operários. (Révolutions de Paris, Paris, 1791, t. III, p. 523.) (retornar ao texto)

(11*) Em francês no texto: Código Penal. Na edição francesa acrescenta-se: e mesmo assim com que luxo de cerimónias! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(12*) Na edição francesa acrescenta-se: que Camille Desmoulins qualifica de «chicaneiro [ergoteur] miserável». Cf. Révolutions de France et de Brabant, Paris, n.° 77, 9 de Maio de 1791, p. 561. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(13*) Em francês no texto: antigos mestres. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(226) Buchez et Roux, Histoire parlementaire, t. X, pp. 193-195 passim. (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N207] Petty Sessions (Pequenas Sessões) — sessões dos tribunais de paz na Inglaterra; julgam os pequenos casos em processo simplificado. (retornar ao texto)

[N208] Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Vol. I, Edinburg, 1814, p. 237. (retornar ao texto)

[N209] Simon-Nicolas-Henri Linguet, Théorie des loix civiles, ou príncipes fondamentaux de la société. T. I, Londres, 1767, p. 236.. (retornar ao texto)

N[210] Leis de coalizão — leis aprovadas pelo Parlamento inglês em 1799 e 1800, que proibiam a criação e a actividade de quaisquer organizações operárias. Estas leis foram revogadas pelo Parlamento em 1824, e no ano seguinte a sua revogação foi novamente confirmada. Mas mesmo depois disso as autoridades limitavam extremamente a actividade das associações operárias. Designadamente, a simples propaganda a favor da filiação dos operários numa associação e da participação em greves era considerada como «coacção» e «violência» e punida como um delito comum. (retornar ao texto)

[N211] As leis contra as «conspirações» já existiam em Inglaterra na Idade Média. Elas proibiam «toda a espécie de acções conspirativas, mesmo que o motivo para elas fosse legítimo». Com base nessas leis eram reprimidas as organizações e a luta de classe dos operários tanto antes da aprovação das leis das coalizões (ver nota N210 acima) como depois da sua abolição. (retornar ao texto)

[N212] Governo do Terror — trata-se do governo da ditadura jacobina em França, de Junho de 1793 até Junho de 1794. (retornar ao texto)

Inclusão 16/10/2019