A Dialética da Natureza

Friedrich Engels


Apêndice
II - A Investigação Científica no Mundo dos Espíritos


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De acordo com o manuscrito. Elaborado entre 1880 e 1882. Publicado, pela primeira vez, no Illustrierter Neue Welt-Kalender für das jahr 1898. (Nota do Instituto Marx-Engels-Lenin)

A DIALÉTICA, que conseguiu penetrar na consciência popular, encontra sua perfeita expressão no velho ditado segundo o qual os extremos se tocam. De acordo com esse dito, dificilmente nos enganaríamos se buscássemos o mais alto grau de fantasia, credulidade e superstição, já que não dizemos nessa tendência científica que, tal como a filosofia alemã da Natureza, tentava enquadrar à força o mundo objetivo dentro dos marcos de seu pensamento subjetivo; mas, e muito melhor, na tendência oposta: aquela que, repousando sobre a simples experiência, encara o pensamento com o soberano desprezo e que, por certo, foi a que contribuiu para que chegasse tão longe a vacuidade do pensamento. Essa é a escola que predomina na Inglaterra. Já o seu criador, o mui gabado Francis Bacon, exige que seu novo método empírico-dedutivo seja aplicado para alcançar-se principalmente o seguinte: prolongação da vida, rejuvenescimento dentro de certos limites, mudança de estatura e de feições, produção de novas espécies, domínio do ar e produção de tempestades. Queixa-se ele de que tais investigações tenham sido abandonadas e, na sua história natural, fornece receitas formais para fazer ouro e realizar diversos milagres. Também Isaac Newton, na sua velhice, empregou grande parte de seu tempo em expor a revelação de São João. De sorte que ninguém se deve espantar pelo fato de que o empirismo inglês, nos últimos anos, por intermédio de alguns de seus representantes – e não dos piores – tenha caído, ao que parece, já sem esperança, na invocação e visão de espíritos, idéias importadas da América do Norte.

O primeiro homem de ciência sobre o qual falaremos, é o eminente zoólogo e botânico Alfred Russell Wallace (1823-1913), o mesmo que, simultaneamente com Darwin, estabeleceu a teoria da evolução das espécies por seleção natural. Em seu folheto On Miracles and Modern Spiritualism (Londres, Burns, 1875), conta ele que suas primeiras experiências nesse ramo da ciência datam de 1844, ano em que assistiu às conferências do senhor Spencer Hall a respeito do mesmerismo, daí resultando ter ele realizado experiências semelhantes com seus alunos. “Interessei-me vivamente pelo assunto e a ele me apliquei com grande ardor”. Não só conseguiu produzir o sono hipnótico, ao lado de fenômenos de rigidez articular e perda da sensibilidade, como também confirmou a exatidão do mapa craniano de Gall (Franz Joseph, 1758-1828), pois ao tocar qualquer dos órgãos de Gall, manifestava-se, no paciente hipnotizado, a atividade correspondente, através de gestos vivos e apropriados. Demonstrou, além disso, que seu paciente, sendo bastante que o tocasse, participava de todas as sensações do operador: embriagou-o, com um copo de água, apenas pelo fato de lhe dizer que era conhaque. Podia perturbar de tal maneira a mente de um rapaz, que este esquecia o próprio nome, fatos que outros mestres conseguem realizar sem mesmerismo. E assim por diante.

Ocorre, porém, que eu também tive ocasião de conhecer esse senhor Spencer Hall, em Manchester, no inverno de 1843-44. era um charlatão ordinaríssimo, que percorria o país sob a proteção de alguns padres, realizando exibições hipnótico-frenológicas, por intermédio de uma jovem, a fim de demonstrar a existência de Deus, a imortalidade da alma e a falsidade do materialismo então ensinando pelo owenistas em todas as grandes cidades. A moça era mergulhada em sono hipnótico e, tão logo o operador tocava qualquer dos órgãos de Gall, no seu crânio, ela fazia gestos e tomava atitudes teatrais, que demonstravam a entrada em atividade do órgão correspondente; por exemplo: se tocada no órgão do amor às crianças (filoprogenitividade), ela acariciava e beijava uma boneca, etc. O bondoso Hall havia assim enriquecido a geografia craniana de Gall com uma nova ilha de Baratária: no ápice do crânio, ele havia descoberto um órgão – o da veneração – que, ao ser tocado, fazia cair de joelhos sua senhorita hipnotizada; e esta unia suas mãos, em oração, e apresentava aos filisteus assombrados ali reunidos um anjo em êxtase. Esse era o clímax e o cavalo de batalha da exibição. A existência de Deus ficava assim demonstrada.

A mim e a um conhecido meu aconteceu qualquer coisa parecida com o que sucedeu ao senhor Wallace: os fenômenos nos impressionaram e tratamos de ver até que ponto poderíamos reproduzi-los. Um inteligente menino de doze anos ofereceu-se para servir às nossas experiências. Olhando-o suavemente nos olhos ou acariciando-o era fácil transportá-lo ao estado hipnótico. Mas, talvez porque fôssemos menos crédulos e nos entregássemos menos ardorosamente ao trabalho que o Sr. Wallace, o fato é que chegamos a resultados inteiramente diferentes. Exceto a rigidez muscular e a ausência de percepção sensorial, facilmente provocadas, encontramos um estado de completa passividade da vontade, ligado a uma peculiar hipersensibilidade. O paciente, ao sair de sua letargia, devido a qualquer estímulo externo, apresentava uma vivacidade muito maior do que no estado de vigília. Quanto à misteriosa relação com o operador, não havia sinal; qualquer pessoa podia pôr em atividade o hipnotizado, com a mesma facilidade. Pôr em ação os órgãos cranianos de Gall era, para nós, coisa de somenos; fomos até muito mais longe: podíamos, não somente, trocá-los entre si e distribuí-los por todo o corpo, como também nos era possível produzir uma quantidade de outros órgãos: o do canto, o do assobio, o do trombetear, do dançar, o do Box, o da costura, o da sapataria, o do fumar, etc., sendo que os colocávamos onde nos aprouvesse. Wallace embriagava seus pacientes com água; nós, entretanto, descobrimos no dedo grande do pé um órgão da embriaguez que, apenas por nós tocado, fazia com que uma esplêndida comédia de bêbados fosse logo representada. Mas entenda-se bem: nenhum órgão apresentava a mínima sombra de atividade enquanto não se fizesse compreender ao paciente aquilo que dele se esperava; e o rapaz rapidamente progrediu, nessas práticas, e de tal forma que bastava uma ligeira indicação para que ele entrasse em atividade em hipnotizações posteriores, a menos que lhe déssemos outras atribuições. O paciente possuía, inclusive, uma dupla memória: uma, para o estado de vigília e outra, par ao hipnótico. No que respeita à passividade da vontade de sua absoluta sujeição à vontade de uma terceira pessoa, a mesma perde toda a sua milagrosa aparência, bastando para isso recordarmos que esse estado resultou da sujeição da vontade do paciente à do operador e que a mesma não pode ser restabelecida sem a interferência deste. O mais poderoso magnetizador do mundo está perdido, no momento em que seu paciente lhe rir à face.

Enquanto nós, com o nosso frívolo ceticismo, chegávamos à conclusão de que o fundamento da charlatanice magnético-frenológica residia numa série de fenômenos que, na sua maior parte, diferem apenas, em certo grau, daqueles que se verificam no estado de vigília, não permitindo portanto uma interpretação mística, o ardor do Sr. Wallace conduziu-o a uma série de fraudes e enganos em virtude dos quais confirmava, em todos os seus detalhes, o mapa craniano de Gall, estabelecendo uma relação misteriosa entre operador e paciente(I). Ao longo de todo o relatório do senhor Wallace, sincero até à ingenuidade, torna-se evidente que se preocupou muito menos em investigar os fundamentos reais da charlatanice e muito mais em reproduzir todos os fenômenos, fosse como fosse. É necessária apenas essa disposição de ânimo para transformar, em pouco tempo, o primitivo investigador em um simples adepto, mediante certas fraudes. O senhor Wallace termina manifestando sua crença nos milagres magnético-frenológicos, já quase instalado no mundo dos espíritos.

Acabou de instalar-se no ano de 1865. Voltando de seus doze anos de viagens pela zona tropical, as experiências com a mesa giratória o introduziram na intimidade de um grupo de diversos mediums. A rapidez com que se verificaram seus progressos, como foi completo o seu domínio desses temas, demonstra-o o já referido folheto. Espera ele, não só que aceitemos como boa moeda todos os supostos milagres de Home, dos irmãos Davenport e outros mediums (todos os quais se exibem mais ou menos por dinheiro, tendo sido, em sua maior parte, denunciados como impostores), mas também toda uma série de histórias de espíritos, pretendidamente autênticas, relativas aos tempos antigos. As pitonisas do Oráculo grego, as bruxas da Idade Média, eram mediums; e Jamblico descreve, com grande precisão, em seu De Divinatione, “os mais assombrosos fenômenos do espiritismo moderno”.

Apenas um exemplo de como o senhor Wallace trata a confirmação científica e a autentificação desses milagres. Constitui, certamente, uma grande pretensão essa de que devemos crer que os mencionados espíritos se deixem fotografar; e, evidentemente, temos o direito de exigir que tais fotografias de espíritos sejam autentificadas do modo mais incontestável, antes de as aceitarmos como genuínas. Pois muito bem: o senhor Wallace, (Pág. 187), conta-nos que, em março de 1872, a senhora Guppy (em solteira Nicholls), uma distinta médium, deixou-se fotografar, com seu marido e com seu filhinho, em casa do Sr. Hudson, em Notting Hill, e que, em duas fotografias distintas, aparecia por detrás dela, como que lhe dando a bênção,uma figura feminina, ricamente vestida de gase branca, com traços fisionômicos aparentemente orientais. “Por conseguinte, uma das duas coisas é absolutamente certa(II): ou ali estava presente um ser vivo, inteligente mas invisível; ou então o Sr. e a Sra. Guppy, o fotógrafo, e outra qualquer pessoa, planejaram uma perversa impostura, mantendo-a desde então. Mas eu conheço muito bem o Sr. e a Sra. Guppy e tenho a absoluta convicção de que são tão incapazes de uma impostura dessa espécie como qualquer sério investigador da verdade, no domínio da ciência”.

Em conseqüência: ou impostura, ou fotografia de espíritos. De acordo. E, na impostura, ou o espírito já estava nas chapas fotográficas, ou então deviam estar implicadas na fraude quatro pessoas, ou três se deixarmos de lado o velho Sr. Guppy (que morreu aos 84 anos de idade, em janeiro de 1875), como irresponsável ou como subornado (era bastante colocá-lo por trás do biombo espanhol, no fundo da cena). Não é necessário perder tempo para provar que um fotógrafo podia conseguir, sem dificuldade, um modelo do espírito. O fato é que o fotógrafo Hudson, pouco tempo depois, passou a ser perseguido publicamente devido a sua habitual falsificação de fotografias de espíritos e o Sr. Wallace diz então, conciliador:”Uma coisa está clara: no caso de ter havido alguma impostura, esta foi logo descoberta pelos próprios espiritualistas”. Por conseguinte, não é possível confiar-se muito no fotógrafo. Resta a Sra. Guppy: a seu favor existe apenas “a absoluta convicção” de seu amigo Wallace a respeito de sua honorabilidade. Nada mais? De forma alguma. Em favor da absoluta confiança de que é credora a Sra. Guppy, existe a sua afirmação de que, certa noite, nos princípios de junho de 1871, foi transportada pelo ar, em estado de inconsciência, desde a sua casa, situada em Highbury Hill Park, até a Rua Lamb’s Conduit, 69 (à distância de três milhas inglesas, em linha reta), e depositada sobre a mesa dessa casa de n°. 69, no meio de uma sessão espírita. As portas da casa encontravam-se fechadas e, apesar de ser a Sra. Guppy uma das mulheres mais gordas de Londres (isso nos parece bastante esclarecedor), sua súbita entrada não deixou a mínima abertura, nem na porta, nem no teto (relatado em o Echo, jornal londrinense, de 8 de junho de 1871). E, depois de tudo isso, quem não acreditar na autenticidade das fotografias de espíritos é uma alma sem salvação.

O segundo dos eminentes adeptos do espiritismo, entre os homens de ciência ingleses, é o Sr. William Crookes (1832-1919), o descobridor do elemento químico tálio e inventor do radiômetro (na Alemanha também chamado moinho de luz). O Sr. Crookes começou a investigar as manifestações espíritas por volta de 1871, empregando, para tal fim, uma série de aparelhos físicos e mecânicos, balanços de mola, baterias elétricas etc. Se lançou mão do aparelho principal, que seria uma inteligência crítico-cética e se continuou, até o fim, num estado favorável para o trabalho, é o que veremos. Seja como for, depois de um tempo não muito longo, o Sr. Crookes foi tão inteiramente conquistado como o Sr. Wallace. Conta-nos ele que, desde alguns anos, uma jovem “a senhorita Florence Cook, vem apresentando notáveis qualidades de médium; e, nos últimos anos, essa mediunidade alcançou seu mais elevado grau na criação de uma perfeita forma feminina (que ele afirma ser de origem espiritual) que se apresentou descalça, vestida de roupas brancas esvoaçantes, enquanto que a médium estava vestida de negro, amarrada e profundamente adormecida, numa sala contígua”. Esse espírito, que disse chamar-se Katey e que era curiosamente parecida com a Srta. Cook, certa noite foi repentinamente agarrado e retido pela cintura pelo Sr. Volckman (atual marido da Sra. Guppy) para verificar se não se tratava de uma outra edição da Srta. Cook. O espírito demonstrou ser uma forte e valente jovem, defendeu-se vigorosamente, houve intervenção dos espectadores, as luzes se apagaram e, quando a calma foi restabelecida, a sala foi novamente iluminada, depois de alguma luta; o espírito havia desaparecido e a Srta. Cook permanecia amarrada e inconsciente no seu canto. Mas afirma-se que o Sr. Volckmann sustenta, até hoje, que foi a senhoria que ele agarrou e a mais ninguém. Para esclarecer o fato cientificamente, um famoso perito em eletricidade, o Sr. Varley, por ocasião de uma outra experiência, fez com que a corrente de uma bateria elétrica passasse pelo corpo do médium, a Srta. Cook, de maneira que esta não poderia fazer o papel de espírito, sem interromper a corrente. No entretanto, o espírito apareceu. Por conseguinte, tratava-se de um ser distinto da Srta. Cook. Coube ao Sr. Crookes fazer a verificação final do fato. Seu primeiro passo foi no sentido de conquistar a confiança da senhorita espiritualista. Essa confiança (assim o declara o mesmo Sr., no Spiritualist de 5 de junho de 1874), “foi crescendo gradualmente e de tal forma que ela, afinal, se recusava a tomar parte numa sessão que não fosse por mim arranjada e dirigida. Dizia ele que me queria sempre a seu lado, perto de seu gabinete; verifiquei que (uma vez consolidada sua confiança e tendo ela se convencido de que não faltaria a nenhuma das promessas que lhe havia feito), os fenômenos cresceram consideravelmente de intensidade e se tornou evidente que não poderia ser obtidos de outra maneira. Freqüentemente me consultava a respeito das pessoas presentes às sessões e sobre os lugares que lhes deviam ser destinados, já que ultimamente se havia tornado muito nervosa devido a certas sugestões e conselhos maldosos, segundo os quais, além de outros processos de investigação, mais científicos, devia-se também aplicar a violência”.

A jovem espiritualista retribuiu essa confiança, tão carinhosa quanto científica, na mais larga medida. Apareceu, inclusive (coisa de que já não podemos nos admirar), na casa do Sr. Crookes, brincou com as crianças, contando-lhes “anedotas sobre suas aventuras na Índia”; contou também ao Sr. Crookes “algumas das mais amargas experiências de sua vida passada”; permitiu que lhe tomasse o pulso e contasse as suas pulsações; e finalmente fez-se fotografar ao lado do Sr. Crookes. “Esse espírito materializado – diz o Sr. Wallace – depois de ter sido visto, tocado e fotografado e depois de se haver conversado com ele, desapareceu completamente de uma pequena sala donde não se podia sair senão atravessando outro compartimento contíguo, cheio de espectadores”; o que não constitui grande façanha levando-se em conta que esses espectadores deviam ser suficientemente amáveis para manifestarem ao Sr. Crookes, em cuja casa ocorriam tais fatos, a mesma confiança que este demonstrava ter nos espíritos.

Infelizmente, esses “fenômenos perfeitamente autenticados”, não são levados a sério nem mesmo elos espiritualistas. Vimos mais atrás como o muito espiritualista Sr. Vockman tomou a iniciativa de agarrar duma forma bem material. Pois bem: um membro espiritual da “British National Association os Spiritualists”, esteve também presente a uma sessão da Srta. Cook e verificou, sem dificuldade, que a sala por cuja porta entrou e desapareceu o espírito, comunicava-se com o mundo exterior por meio de uma segunda porta. O comportamento do Sr. Crookes, também presente, deu “o golpe de graça em minha crença de que, nessas manifestações, podia haver alguma coisa verídica” (Mistic London, pelo Ver. C. Maurice Davies, Londres, Tinsley Brothers). E, além de tudo mais, chegou o dia em que, na América do Norte, se descobriu como se materializavam as Kateys. Um casal por nome Holmes realizou exibições em Filadélfia, nas quais aparecia também uma Katey, que recebeu numerosos presentes de seus adeptos. Mas um cético não descansou até encontrar as pegadas dessa Katey que, por sinal, havia feito já, noutra ocasião, uma greve por falta de pagamento; e descobriu-a, numa casa de pensão: uma jovem de carne e osso, indiscutivelmente, e tendo em seu poder todos os presentes que haviam feito ao espírito.

Também o Continente Europeu preocupou-se com o problema desses cientistas visionários. Uma corporação científica de São Petersburgo (não sei exatamente se a Universidade ou a próprio Academia) encarregou os senhores Conselheiros de Estado Aksadoff e o químico Butleroff de investigarem os fundamentos dos fenômenos espiritistas, ao que parece não tendo resultado coisa alguma da missão de que foram encarregados. Por outro lado, a dar crédito aos ruidosos anúncios dos espiritistas, - a Alemanha também agora produziu o seu homem na pessoa do senhor professor Zöllner, de Leipzig.

É sabido que, durante anos, o Sr. Zöllner (Johann Karl Friedrich, 1834-1882), trabalhou ardorosamente no problema da quarta dimensão do espaço, descobrindo que muitas coisas irrealizáveis no espaço tridimensional são perfeitamente possíveis no espaço a quatro dimensões; assim é que, neste último, pode-se virar pelo avesso uma esfera metálica fechada, tal qual uma luva, sem praticar nela nenhuma abertura; da mesma forma, se pode fazer um nó em uma corda de comprimento infinito por ambos os lados, ou numa outra que tenha seus extremos fixados em alguma parte; e dois anéis fechados e separados, podem ser enlaçados entre si sem abrir qualquer deles; e muitos outros artifícios dessa espécie. Pois bem: segundo as últimas e triunfais notícias do mundo dos espíritos, diz-se que o Sr. Professor Zöllner apelou para um ou mais médiuns no sentido de ajudá-lo a determinar, com maiores detalhes, as possibilidades da quarta dimensão. Diz-se que o êxito foi assombroso; que, depois duma sessão, o braço da cadeia sobre o qual ele descansava o seu braço (enquanto que sua mão não abandonava a mesa) se havia enlaçado com seu braço; que um fio fixado em ambos os extremos da mesa, aparecia com quatro nós, etc. Resumindo: diz-se que todas as maravilhas da quarta dimensão foram realizadas pelos espíritos, como um simples brinquedo. É preciso recordar que relata referos não externo opinião a respeito da exatidão do boletim dos espíritas; se o mesmo contiver inexatidões, o Sr. Zöllner deveria ficar-me agradecido por lhe dar eu a oportunidade de fazer, no mesmo, as necessárias correções. Mas, no caso de serem reproduzidas, sem tergiversações, as experiências do Sr. Zöllner, o fato indicará uma nova era não só na ciência dos espíritos, como também na matemática. Os espíritos demonstram a existência da quarta dimensão, da mesma forma que esta comprova a existência dos espíritos. E, uma vez que isso tenha sido estabelecido, será aberto um campo completamente novo e incomensurável para a ciência. Toda a matemática e toda a ciência anteriores serão transformadas numa simples escola preparatória destinada ao estudo da quarta dimensão e mesmo de outras dimensões superiores; bem como para a mecânica, para a física, para a química e para a fisiologia dos espíritos que se movem nessas dimensões superiores. O Sr. Crookes, por acaso, não terá estabelecido cientificamente a perda de peso que experimentam as mesas e os outros móveis, quando de sua transição (como agora podemos denominar o fenômeno) à quarta dimensão? E, por acaso, o Sr. Wallace não declara que isso prova que, nela, o fogo não produz danos no corpo humano? Teremos agora, pois, inclusive a fisiologia dos corpos espirituais! Respiram, têm pulso, (e, portanto, pulmões, coração e aparelho respiratório) e, conseqüentemente, estão, pelo menos, tão perfeitamente equipados quanto nós naquilo que se refere aos demais órgãos corporais. Isso porque a respiração requer hidratos de carbono, cuja combustão se verifica nos pulmões; e esses hidratos de carbono só podem ser provenientes de fora; portanto, os espíritos devem ter estômago, intestinos e seus acessórios; e uma vez que tenhamos comprovado isso, o resto se segue sem dificuldade. Mas a existência de tais órgãos, deixa prever a possibilidade de os mesmos se tornarem enfermos; por conseguinte, é de prever que o Sr. Virchow venha a escrever uma patologia celular do mundo dos espíritos. Considerando finalmente, que a maior parte desses espíritos são delicadas senhoritas, que não se diferenciam das mulheraças terrestres senão pela sua beleza sobrenatural, é possível que não tarde muito em ser estabelecido pelo Sr. Crookes, pela batida do pulso, o coração feminino não falha, abre-se também, no terreno da seleção natural,uma quarta dimensão, na qual já não já por que temer que a confundamos com a feroz social democracia.

Isso é bastante. Assim fica demonstrado, de forma palpável qual o caminho mais seguro par anos transferirmos do terreno da ciência para o do misticismo. Já não se trata da extravagante teoria da filosofia da Natureza, mas sim do mais vulgar de todos os empirismos: o que despreza todas as teorias, o que desconfia de qualquer atividade do pensamento. Não é a necessidade apriorística que demonstra a existência dos espíritos, mas sim a observação empírica realizada pelos Srs. Wallace, Crookes & Cia. Já que acreditamos nas investigações espectroscópicas de Crookes, que conduziram à descoberta do tálio; e nos ricos estudos e descobertas de Wallace, no arquipélago Malaio; querem também que manifestemos a mesma credulidade em relação às experiências e descobertas espiritistas desses mesmos investigadores. E se manifestamos a nossa opinião, dizendo que entre as duas há uma pequena diferença, isto é, que, nas primeiras, podemos verificar a sua exatidão e, nas segundas, não, replicam esses visionários espiritistas, dizendo que esse não é o caso, que eles estão prontos a nos dar a oportunidade de verificar também a realidade das aparições espíritas.

É certo que não se pode desprezar impunemente a dialética. Por maior que seja o desdém que tenhamos por todo o pensamento teórico, não é possível estabelecer a relação entre dois fatos naturais, ou verificar a conexão entre eles existente, sem auxílio do pensamento teórico. A questão consiste apenas em saber se pensamos corretamente, ou não; e o desprezo pela teoria constitui evidentemente o caminho mais seguro para que pensemos de forma naturalista e, portanto, erradamente. E, pensamento incorreto, sendo levado até a sua conclusão lógica, chegará inevitavelmente ao oposto de seu ponto de partida. Por conseguinte, o desprezo empírico votado à dialética recebe o seu castigo ao conduzir alguns dos mais intransigentes empiristas à mais estúpida de todas as superstições: o moderno espiritismo.

A mesma coisa acontece com a matemática. Os metafísicos que se dedicam a esse ramo da ciência, alardeiam, com enorme orgulho, a absoluta irrefutabilidade dos resultados de sua ciência. Mas, entre esses resultados, figuram também as grandezas imaginárias que, assim, adquirem uma certa realidade. Mas, uma vez que alguém se tenha acostumado a atribuir à √-1 ou à quarta dimensão alguma realidade que escape à nossa inteligência, não representa nada dar um passo mais e aceitar o mundo dos espíritos e dos médiuns. É como dizia Ketteler de Dollinger(1): “O homem tem defendido tantos disparates, durante a sua existência, que podia ter admitido, realmente, no negócio, a infalibilidade”.

Diante dos fatos, o simples empirismo é incapaz de refutar os empiristas. Em primeiro lugar, os fenômenos superiores apresentam-se imediatamente, quando o investigador de que se trata está tão emaranhado em sua trama que só vê o que deve ou aquilo que quer ver; tal como procede o Sr. Crookes, com a sua inimitável ingenuidade. Mas, em segundo lugar, aos espíritas não interessa centenas de fatos denunciados como imposturas, bem como dezenas de supostos médiuns serem, provadamente, vulgares mistificadores. Enquanto cada um dos alegados milagres não tenha sido esclarecido, o terreno está livre para que continuem existindo. É o que diz claramente Wallace no que se refere às fotografias falsificadas de espíritos. A existência das falsificações prova a autenticidade das que não são falsificadas.

E assim se vê obrigado o empirismo a refutar os importunos visionários espíritas, n ao por meio de experiências empíricas, mas sim apoiando-se em considerações teóricas e dizendo, com Huxley: “A única coisa boa que consigo ver na demonstração da verdade do espiritismo é que ele fornece um argumento mais contra o recurso ao suicídio. É melhor viver como um varredor de rua do que morrer e ser obrigado a dizer tolices através de um médium que recebe um guinéu por sessão!”


Notas de rodapé:

(I) Conforme já foi dito, os pacientes aperfeiçoam-se com a prática. Por conseguinte, é muito possível que, quando a sujeição da vontade se torna habitual, a relação entre os participantes vai-se fazendo mais íntima, os fenômenos individuais se intensificam e se refletem debilmente, inclusive no estado de vigília. (N. de Haldane) (retornar ao texto)

(II) O mundo dos espíritos está num plano superior ao da gramática. Um humorista simulou estar dominado pelo espírito do gramático Lindley Murray. E quando perguntaram ao espírito se estava presente, o mesmo respondeu: I are (americanismo, em vez de I am). O médium era norte-americano (N. de Haldane) (retornar ao texto)

(1) Um intelectual católico que aceitava o dogma da infalibilidade do Papa. (N. de Haldane) (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2019