Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
O progresso dos sentimentos na Inglaterra
(Marx. New-York Daily Tribune, 25 de dezembro de 1861)


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Londres, 7 de dezembro de 1861

Os amigos dos Estados Unidos deste lado do Atlântico aguardam ansiosamente que medidas conciliatórias sejam adotadas pelo governo federal. Mas, não o fazem concorrendo com o canto frenético da imprensa britânica acerca de um incidente de guerra, o qual, de acordo com os próprios advogados ingleses, encontra sua explicação em um simples erro de procedimento, e pode ser resumido na afirmação de que houve uma violação do direito internacional, porque o Capitão Wilkes, ao invés de levar consigo o Trent, sua carga, seus passageiros e os emissários [sulistas], levou apenas os Emissários. Tampouco provoca apreensão dos que desejam o bem da Grande República de que, a longo prazo, ela não se mostre capaz de lidar com a Inglaterra, mesmo que sobrecarregada pela guerra civil e, menos ainda, esperam que os Estados Unidos venham a abdicar, por um só momento que seja, e na hora sombria do julgamento, da posição orgulhosa que ocupam no conselho das nações. Os fatores que os mobilizam são de natureza bem diferente.

Em primeiro lugar, a tarefa prioritária dos Estados Unidos é a de esmagar a rebelião e restabelecer a União. O desejo supremo na mente da escravocracia e de seus fantoches do Norte sempre foi mergulhar os Estados Unidos em uma guerra com a Inglaterra. O primeiro passo da Inglaterra, assim que rompessem as hostilidades, seria reconhecer a Confederação Sulista, e o segundo acabar com o bloqueio. Em segundo lugar, nenhum general, se não for forçado, aceitará combater na hora e sob as condições escolhidas pelo inimigo.

“Uma guerra com a América”, diz o Economist, um jornal da profunda confiança de Palmerston, “será sempre um dos mais lamentáveis acontecimentos na história da Inglaterra; porém, se vier a ocorrer, o momento atual é certamente o período no qual nos traria o mínimo de prejuízo, e o momento único de nossa história conjunta no qual poderia nos proporcionar uma compensação parcial e eventual.”

As mesmas razões responsáveis pela avidez inglesa de aproveitar qualquer pretexto decente para a guerra neste “momento único” deveriam impedir os Estados Unidos de fornecerem tal pretexto neste “momento único”. Não se vai à guerra com o objetivo de provocar no inimigo “o mínimo de prejuízo”, e nem de lhe proporcionar através da guerra, ‘uma compensação parcial e eventual’. A oportunidade do momento estaria inteiramente de um lado, o lado do inimigo dos Estados Unidos. É necessário algum esforço de raciocínio para provar que o momento de uma furiosa guerra no interior de um estado, é o menos oportuno para se iniciar outra, no exterior? Em qualquer outro momento as classes mercantis da Grã-Bretanha encarariam uma guerra contra os Estados Unidos com o máximo horror. Agora, pelo contrário, um grande e influente setor da comunidade mercantil há meses vem pressionando o governo para romper o bloqueio violentamente, e, assim, fornecer ao principal ramo da indústria britânica sua matéria prima. O temor de uma redução das exportações inglesas para os Estados Unidos perdeu o apelo, uma vez que tal redução já ocorreu efetivamente. “Eles” (os estados do Norte) diz o The Economist, “são consumidores amaldiçoados, em lugar de ser bons.” O vasto crédito habitualmente concedido pelo comércio inglês aos Estados Unidos, principalmente pela aceitação das faturas obtidas junto à China e a Índia, já se reduziu a um quinto do que era em 1857. Por último, mas não menos importante, a França Dezembrista, falida, paralisada internamente, atormentada por dificuldades no exterior, aposta em uma guerra anglo-americana como uma verdadeira dádiva divina e, para conseguir o apoio inglês na Europa, utilizará todo seu poder para apoiar a “Pérfida Albion” do outro lado do Atlântico. Basta ler os jornais franceses. O tom de indignação que forjaram para eles mesmos em sua terna preocupação para com a “honra da Inglaterra”, suas ferrenhas diatribes quanto à necessidade inglesa de vingar o ultraje contra a Union Jack [bandeira britânica], sua denúncia vil de tudo o que é americano, seriam verdadeiramente apavorantes, se não fossem ao mesmo tempo nojentos e ridículos. Por fim, se os Estados Unidos cederem neste caso, não diminuirão nem um pingo de sua dignidade. A Inglaterra reduziu a queixa a um mero erro de procedimento, um engano técnico, do qual se tornou sistematicamente culpada em todas as guerras marítimas, mas contra o qual os Estados Unidos nunca deixaram de protestar, e sobre o qual o Presidente Madison discorreu, em sua mensagem inaugural da guerra de 1812, como uma das violações mais chocantes do direito internacional. Se os Estados Unidos puderem se defender fazendo a Inglaterra pagar em sua própria moeda, ainda que do resultado da ação de um único de seus capitães, agindo por responsabilidade própria, eles serão acusados de se negarem peremptoriamente a reconhecer, aquilo que sempre denunciaram como uma usurpação sistemática por parte da marinha britânica!

Na verdade, o ganho de tal procedimento estaria todo do lado americano. A Inglaterra, por um lado teria reconhecido o direito dos Estados Unidos de capturar e levar a julgamento diante de uma corte naval americana cada navio inglês colocado a serviço da Confederação. Por outro lado, ela, de uma vez por todas, e aos olhos de todo o mundo, renunciaria a uma reivindicação da qual não foi levada a desistir nem na paz de Ghent, em 1814, nem nas negociações realizadas entre Lorde Ashburton e o Secretário Webster em 1842. A questão que se coloca é a seguinte: vocês preferem registrar o “evento desagradável” em sua própria conta ou, cegos pelas paixões do momento, incluí-lo na fatura de seus inimigos em casa e no exterior.

Desde o dia da semana em que lhes enviei minha última correspondência, os fundos consolidados britânicos [consols] caíram novamente, sendo que o declínio, em comparação com a última sexta-feira, totalizou dois por cento, passando os preços atuais de 89 ¾ a 7/8 por dinheiro e 90 a 1/8 da nova conta em nove de janeiro. Esta cotação corresponde à cotação dos fundos consolidados britânicos durante os dois primeiros anos da Guerra Anglo-Russa. Tal declínio se deve inteiramente à interpretação bélica dos jornais americanos transmitida pelo último correio, ao tom de exacerbação da imprensa britânica, cujos dois dias de moderação não passaram de uma finta, ordenada por Palmerston, para enviar tropas para o Canadá, à proclamação proibindo a exportação de armas e material para a confecção de pólvora e, finalmente, às declarações ostensivas realizadas diariamente tratando da formidável preparação para a guerra nas docas e nos arsenais marítimos.

De uma coisa vocês podem estar certos, Palmerston quer um pretexto legal para a Guerra com os Estados Unidos, porém encontra nos conselhos do gabinete a mais determinada oposição, da parte dos senhores Gladstone e Milner Gibson, em menor medida, e Sir Cornewall Lewis. “O nobre visconde” é respaldado por Russell, um abjeto instrumento em suas mãos, e todo o coventículo Whig. Se o governo de Washington fornecer o pretexto desejado, o Gabinete atual se dividirá, sendo substituído por uma administração Tory. As etapas preliminares para esta mudança de cenário já foram acordadas entre Palmerston e Disraeli. Daí o furioso grito de guerra do Morning Herald e do The Standard, aqueles lobos famintos uivando na perspectiva das migalhas a muito perdidas do esmoler público.

Os desígnios de Palmerston podem ser demonstrados chamando alguns fatos à memória. Foi ele quem insistiu na proclamação, que reconhecia os secessionistas como beligerantes, na manhã do dia 14 de maio, após ter sido informado, por telégrafo de Liverpool, que o Sr. Adams chegaria a Londres na noite do dia 13 de maio. Após uma acirrada luta com seus colegas, ele despachou 3000 homens para o Canadá, um exército ridículo, se o objetivo fosse cobrir uma fronteira de 1500 milhas, mas uma astuta prestidigitação se o objetivo fosse apoiar a rebelião e irritar a União. Ele, várias semanas atrás, incitou Bonaparte a propor uma intervenção armada conjunta “na luta internacional”, apoiou este projeto no conselho ministerial, e só não conseguiu colocá-lo em prática devido à resistência de seus colegas. Ele e Bonaparte então recorreram à intervenção no México como uma segunda opção [pis aller], operação que serviu a dois propósitos, provocar ressentimento por parte dos americanos e simultaneamente fornecer um pretexto para o envio de uma esquadra, pronta, segundo o The Morning Post, “a cumprir com qualquer obrigação que uma conduta hostil da parte do governo de Washington nos exija cumprir nas águas do Atlântico Norte.” No momento em que a expedição começou, The Morning Post, juntamente com The Times e outros alevinos menores da imprensa de escravos de Palmerston, afirmaram ser uma medida excelente e uma ação filantrópica de baixo custo, uma vez que exporia a Confederação de proprietários de escravos a um duplo fogo – o do Norte antiescravista e o da força antiescravista formada pela Inglaterra e a França. E o que diz este mesmo Morning Post, esta curiosa mistura de Jenkins e Rhodomonte, de pelúcia e arrebentação, em sua edição de hoje, por ocasião do discurso de Jefferson Davis? Ouçamos o oráculo de Palmerston:

“Devemos considerar esta intervenção como uma que pode se manter inoperante durante um considerável período de tempo; e embora o governo do Norte esteja’ muito distante para assumir sua atitude, entrando materialmente nesta questão, a Confederação Sulista, por outro lado, estende-se por uma grande distância ao longo da fronteira com o México, de modo a poder emprestar sua disposição amistosa para com os autores da insurreição, sem qualquer consequência. O governo do Norte tem invariavelmente criticado a nossa neutralidade, porém o Sul com diplomacia e moderação reconhece nela tudo o que poderíamos fazer por ambas as partes, e seja tendo em vista tanto nossas transações no México, quanto nossas relações com o governo de Washington, a paciência amigável da Confederação sulista é um importante ponto a nosso favor.”

Devo observar que o Nord de três de dezembro – um jornal russo, portanto iniciado nos desígnios de Palmerston – insinua que a expedição ao México foi colocada em marcha prioritariamente, não por seus propósitos ostensivos, mas para uma guerra contra os Estados Unidos.

A carta do General Scott produziu uma reação tão benéfica na opinião pública e mesmo na Bolsa de Valores de Londres, que os conspiradores de Downing Street e das Tulherias acharam necessário abrir mão do Patrie, afirmando com ares de conhecimento derivado de fontes oficiais, que a captura dos comissários sulistas do Trent foi diretamente autorizada pelo governo de Washington.


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Inclusão: 18/08/2022