Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
A opinião dos jornais e a opinião do povo
(Marx. Die Presse, número 359 de 31 de dezembro de 1861)


capa

Londres, 25 de dezembro de 1861

Políticos da Europa continental que, segundo a imprensa londrina, possuem um termômetro para o temperamento do povo inglês, estão sendo necessariamente falaciosos neste momento. Com as primeiras notícias sobre o caso Trent, o orgulho nacional inglês inchou, e o chamado para a guerra contra os Estados Unidos soou por praticamente todas as camadas sociais. A mídia londrina, em contrapartida, fingiu moderação e mesmo o Times mostrou ceticismo sobre haver de alguma forma um casus belli.

De onde vem esse fenômeno? Palmerston não tinha certeza se os juristas da coroa se encontravam na posição de elaborar qualquer pretexto legal para a guerra. Uma semana e meia antes da chegada do La Plata em Southampton, agentes da Confederação sulista de Liverpool voltaram-se ao gabinete inglês, denunciando a intenção de cruzadores americanos estacarem nos portos ingleses e de interceptarem os senhores Mason, Slidell etc. em alto mar, exigindo assim uma intervenção por parte do governo inglês. Com base no parecer dos juristas reais, o governo recusou o pedido. Daí vem o tom pacífico e moderado da imprensa londrina, em contraste com a impaciência belicosa do povo. No entanto, assim que os juristas da coroa — o procurador-geral e procurador solicitor, ambos membros do gabinete — encontraram um pretexto técnico para tramar um combate com os Estados Unidos, as posições do povo e da imprensa se inverteram. A febre por guerra na imprensa galgou na mesma medida em que foi escasseando no povo. Neste instante, uma guerra contra a América, em todas as camadas do povo inglês, com exceção dos amigos do algodão e dos fazendeiros, é tão impopular quanto o grito de guerra predomina em meio à imprensa.

Preste atenção na imprensa londrina! No topo dela se encontra o Times, cujo redator-chefe, Bob Lowe, foi outrora um demagogo na Austrália, cuja derrota instigou em prol da Inglaterra. Trata-se de um membro subordinado do gabinete, um tipo de ministro de assuntos culturais e mero capacho de Palmerston. O Punch é o bobo da corte do Times, que transforma seu palavrório grandiloquente em piadas rápidas e caricaturas insípidas. Um dos redatores-chefe do Punch foi posto por Palmerston na Board of Health [Comissão de Saúde] com um salário de 1.000 libras esterlinas/ano.

O Morning Post é, em partes, propriedade privada de Palmerston. Uma outra parte dessa estranha instituição está vendida a diplomatas franceses. O restante pertence à haute volée [a alta classe] e fornece os relatórios mais precisos para puxa-sacos de corte e costureiros. O Morning Post, portanto, é notório entre o povo inglês como o mordomo do resto da imprensa.

O Morning Advertiser é a propriedade comum dos “abastecedores licenciados”, ou seja, de donos de bar com permissão para vender bebidas alcoólicas que não sejam cerveja. Além disso, é o órgão dos pietistas ingleses e dos tipos esportivos, ou seja, do pessoal que faz das corridas de cavalos, das apostas, do boxe e de coisas similares uma profissão. O editor deste jornal, o Sr. Grant, antes utilizado pelo jornal na qualidade de estenógrafo, é uma pessoa muito pouco versada em dotes literários, embora tenha obtido a honra de se juntar às festas privadas de Palmerston. Desde então, ele sonha acordado com o “ministro verdadeiramente inglês” a quem denunciara, no estopim da última guerra russa, como “espião russo”. Assoma-se a isso que o santo patrono deste jornal de pinguços está sob o comando do conde Shaftesbury, e que Shaftesbury é genro de Palmerston. Shaftesbury é o papa dos homens do baixo clero, os mesmos que arrolham o Sanctus Spiritus no espírito profano do bom anunciante.(1)

Ah, o Morning Chronicle! Quantum mutatus ab illo!(2) Enquanto, por cerca de meio século, foi o grande órgão do partido Whig, e não obstante um rival do Times, sua estrela terminou por empalidecer desde a guerra dos whigs. Passou por metamorfoses de todos os tipos, transformando-se em um penny paper [um jornal de um centavo], tentando viver de notícias sensacionalistas até, por exemplo, tomar partido do encrenqueiro Palmer. Mais tarde o jornal se vendeu para a embaixada francesa, que logo, porém, ficou cansada de jogar dinheiro fora. Então ele se aventurou no antibonapartismo, mas não obteve a melhor das sortes. Por fim, encontrou um comprador (por tanto tempo ansioso) na pessoa dos senhores Yancy e Mann — os agentes da Confederação sulista em Londres.

O Daily Telegraph é propriedade privada de um tal Levy. Seu jornal foi cunhado pela própria imprensa inglesa como o mob paper [órgão de mídia popular] de Palmerston. Ao lado dessa função, ele leva adiante crônicas de escândalo. Não foi característico desse Telegraph que, com a chegada do Trent, tenha declarado a notícia de que, por ordens superiores, a guerra seria impossível. O tom de dignidade e moderação presente na tal notícia pareceu tão estranho para o próprio jornal que ele publicou meia dúzia de artigos comentando a moderação e dignidade exibida na ocasião. Assim que o equilíbrio voltou a ser balançado, o Telegraph tentou se fazer de inocente frente a sua antiga impulsividade e soltou, na frente de todos os seus camaradas, um altissonante uivo de guerra.

O Globe é o periódico noturno ministerial, que obtém subsídios oficiais de todos os ministérios [encabeçados por] whigs.

Os jornais tory Morning Herald e Evening Standard, ambos pertencem à mesma butique. São determinados por uma motivação dupla: por um lado, pelo ódio herdado contra “as colônias inglesas rebeladas” e, por outro, pela flutuação crônica em seus cofres. Eles sabem que uma guerra contra a América dinamitaria o atual gabinete de coalizão, abrindo espaço para um gabinete tory. Com ele, os subsídios oficiais para o Herald e o Standard retornariam [para os próprios bolsos]. Lobos famintos, assim, não poderiam uivar mais alto por sua caça do que esses jornais tory uivam por uma guerra contra a América, e pela chuva de ouro que lhe traria como comitiva!

Quanto aos nomes dignos de menção da imprensa diária londrina restam o Daily News e o Morning Star, ambos opostos aos que anunciam uma guerra. O Daily News teve seu desenvolvimento inibido em função de uma ligação com o lorde John Russell, e o Morning Star (órgão de Bright e Cobden) pôs em risco sua influência em função de seu caráter de “jornal da paz a qualquer custo”.

A maioria dos seminários londrinos é mero eco da mídia diária e, portanto, preponderantemente belicista. O Observer se encontra sob soldo dos ministérios. O Saturday Review ambiciona por dar mostras de esprit e crê tê-lo encontrado quando finge toda aquela imponência cínica acerca de preconceitos “humanitaristas”. Para dar mostras de esprit, os advogados corrompidos, padrecos e mestres-escolas que escrevem para o tal jornal sorriram um sorriso amarelo de admiração para os escravocratas desde o início da Guerra Civil Americana. Mais tarde, é óbvio, eles entoaram a trombeta da guerra junto com o Times. Agora já estão esboçando contra os Estados Unidos planos de campanha cuja imbecilidade crassa é de arrepiar os cabelos.

Com exceções mais ou menos respeitáveis, mencionemos o Spectator, o Examiner e, especialmente, a MacMillan’s Magazine.

Vê-se daí: de forma geral, a imprensa londrina está representando nada além de Palmerston e mais Palmerston. Com a exceção dos órgãos dos representantes do algodão, os jornais da província constituem um contraste louvável em relação a ela. Palmerston quer guerra, e o povo inglês não. Os próximos acontecimentos mostrarão quem vencerá esse duelo, Palmerston ou o povo. De qualquer forma, ele está travando um jogo perigoso, assim como Louis Bonaparte no começo de 1859.


Notas:

(1) A piada de Marx é difícil de traduzir: o Morning Advertiser, órgão de mídia até hoje existente, é especialista em anúncio de bebidas e do circuito de pubs ingleses. Na época era administrado por pietistas. O termo Spiritus e spirit são usados em alemão e inglês, respectivamente, tanto para designar bebida alcoólica forte quanto uma entidade da dimensão espiritual. (retornar ao texto)

(2) Retirado da Eneida (II, 274) de Virgílio: “quanto se mudou do que era!”. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022