Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
O debate parlamentar acerca do discurso da rainha(1)
(Marx. Die Presse, número 42 de 12 de fevereiro de 1862)


capa

Londres, 7 de fevereiro de 1862

A abertura do Parlamento foi uma cerimônia sem brilho. A ausência da rainha e a leitura do Discurso do Trono pelo lorde chanceler [Gladstone] invalidou qualquer efeito dramático. O Discurso do Trono em si foi curto, sem ser impactante. A cerimônia recapitulou os faits accomplis [fatos consumados] da política internacional e se referiu a documentos submetidos ao Parlamento que julgam os mesmos fatos. Apenas uma observação gerou certa comoção, aquela em que a rainha diz que trust — que crê, que espera — não haver razão para se temer uma perturbação da paz dentro da Europa. A frase implica que a paz europeia está relegada ao campo da esperança, da crença.

Os cavalheiros que propuseram a réplica ao Discurso do Trono em ambas as Câmaras foram, de acordo com a prática parlamentar, comissionados para tal pelos ministros há três semanas. Também em conformidade com o procedimento habitual, a resposta consiste em um amplo eco do Discurso do Trono e em elogios que os ministros despejam sobre si próprios em nome do Parlamento. Quando o Sir Francis Burdett passou na frente dos peticionistas oficiais da proposta do ano de 1811, aproveitando-se da oportunidade para submeter o Discurso do Trono a uma crítica mordaz, a própria Magna Carta pareceu estar sob perigo. Desde aquela época, nenhuma monstruosidade do tipo voltou a ocorrer.

O interesse do Discurso do Trono limita-se, portanto, a “advertências” dos clubes de opositores oficiais e “contra-advertências” dos ministros. Dessa vez, porém, o interesse foi mais acadêmico do que político. Tratou-se do melhor discurso fúnebre por parte do príncipe Albert, que durante sua vida considerou o fardo da oligarquia inglesa tudo, menos leve. De acordo com o vox Populi, Derby e Disraeli foram os vencedores do prêmio acadêmico — o primeiro como orador natural, o outro como um retórico.

A parcela do debate relativa aos negócios voltou-se aos Estados Unidos, México e o Marrocos.

Em relação aos Estados Unidos, os Outs (os sem cargos públicos) elogiaram a política dos Ins (os beati possidentes).(2) Derby, o líder conservador da Câmara dos Lordes, assim como Disraeli, o líder conservador da Câmara dos Comuns, não se opuseram ao Gabinete; opuseram-se um ao outro.

Derby, em primeiro lugar, deu vazão a sua insatisfação relativa à ausência de “pressão interna”. Ele disse ter “admirado” a postura estoica e honrosa dos trabalhadores fabris. No que diz respeito aos proprietários das fábricas, contudo, poderia ter deixado seus elogios à parte. Para eles, a perturbação americana veio bastante a calhar, já que a superprodução e transição de todos os mercados teriam imposto para si, de qualquer forma, limitações nas negociatas.

Derby então procedeu com um violento ataque contra o governo da União, “o qual expôs a si e ao povo à mais indecorosa humilhação” e não agiu de maneira “cavalheiresca”, uma vez que não tomou iniciativa, entregando voluntariamente Mason, Slidell e companhia, fazendo, em seguida, as devidas reparações. Seu apoiador na Câmara dos Comuns, o senhor Disraeli, de pronto compreendeu como a decaída de Derby prejudicaria as esperanças dos conservadores de tomarem para si o Ministério. Assim, ele declarou na contramão deles:

“Quando considero as grandes dificuldades com as quais os estadistas da América do Norte tiveram de se deparar [...], ouso dizer que eles as confrontaram de maneira viril e corajosa”.

Em contrapartida — com uma consistência habitual a ele — Derby protestou contra as “novas doutrinas” do direito marítimo. A Inglaterra já teria confirmado os direitos de [nações] beligerantes contra as pretensões das neutras. O Lorde Claredon, contudo, fez uma concessão “perigosa” em Paris no ano de 1856. Felizmente, esta não foi ratificada pela Coroa, de forma que “não alterou o estatuto do direito internacional”. O senhor Disraeli, por sua vez, claramente em concordância com o ministério, evitou tocar nesse ponto de qualquer jeito.

Derby aprovou a política não-intervencionista do ministério. Ainda não é chegado o tempo de reconhecimento da Confederação sulista, supõe-se, embora ele tenha exigido documentos autênticos para fins de julgamento de “quão efetivo e, portanto, quão legalmente vinculante é o bloqueio”. O Lorde John Russell, por sua vez, declarou que o governo da União se valeu de um número suficiente de navios no bloqueio, mas não o conduziu de modo consequente em toda a parte. O Sr. Disraeli não se permitiu proferir qualquer juízo acerca da natureza do bloqueio, mas demanda documentos do Ministério para fins de esclarecimentos. Ele está dando alertas acerca de um reconhecimento precipitado da Confederação já que a Inglaterra se empenha, neste momento, em ameaçar outro Estado americano (o México), cuja independência ela própria foi a primeira a reconhecer [...].(3)

Em problemas internos mal se tocou. Derby alertou apenas os membros do parlamento para que, em consideração “ao estado de espírito da rainha”, não evocassem controvérsias “perturbadoras” como a reforma parlamentar. Ele está pronto para pagar seu tributo de admiração regular à classe trabalhadora inglesa, contanto que ela sofra sua exclusão da representação popular com o mesmo estoicismo abstinente com que sofreu no caso do bloqueio americano.

Seria um equívoco se quiséssemos inferir um futuro idílico a partir dessa abertura idílica do Parlamento. Muito pelo contrário! A dissolução do Parlamento ou a dissolução do Ministério é o lema da sessão deste ano. Mais tarde descobriremos quais são as chances para cada uma dessas alternativas.


Notas:

(1) O discurso ao qual o autor se refere foi proferido pela rainha Vitória e reproduzido no The Times, no. 42163, 07/02/1862. (retornar ao texto)

(2) “Aqueles que foram agraciados com um cargo” (em latim no original). (retornar ao texto)

(3) Os trechos seguintes foram suprimidos por não estarem ligados com o tema da Guerra de Secessão. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022