Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
Os amigos da Secessão na Câmara dos Comuns. Reconhecimento do embargo americano
(Marx. Die Presse, número 70 de 12 de março de 1862)


capa

Londres, 8 de março de 1862

Parturiuent montes!(1) Os amigos ingleses de Secéssia estão ameaçando, desde a abertura do Parlamento, com a “proposta” de um embargo americano. A proposta foi, por fim, levada à Câmara dos Comuns no formato bastante modesto de uma mera moção, na qual se pediu ao governo que “dispusesse de mais documentos relativos ao estado do embargo” — mas mesmo essa discreta moção foi indeferida, sem ao menos passar pela formalidade de uma convocatória.

O senhor Gregory, o proponente, membro da Galway,(2) havia proposto já em sessões parlamentares anteriores uma moção de reconhecimento da Confederação sulista — e isso pouco antes do início da Guerra Civil. Não podemos negar certa sofisticação no discurso que deu este ano. Sua fala, contudo, sofre de um mal desagradável: ela se dividiu em duas partes, uma cancelando a outra. A primeira descreveu os efeitos desastrosos que o embargo causaria à indústria têxtil inglesa, exigindo, portanto, o cancelamento do embargo. A outra parte argumentou que, com base em papéis apresentados pelo Ministério, assim como nas duas petições dos senhores Yancey, Mann e do senhor Mason, não existe um embargo, a não ser no papel. Desta feita, ele não deveria mais ser reconhecido como tal. O senhor Gregory temperou suas evidências retomando continuamente uma citação do Times. O Times — uma lembrança pouco oportuna de seus oráculos me vem à mente neste momento —, agradece o senhor Gregory em um editorial onde o expõe ao ridículo público.

A proposta do senhor Gregory recebeu apoio do senhor Bentinck, um ultra-tory que há anos, do lado dos conservadores, tem em vão se esforçado para executar uma secessão contra o senhor Disraeli.(3)

Tratou-se de um espetáculo em si e por si mesmo ridículo, onde se pôde ver os supostos interesses da indústria inglesa (na pessoa de Gregory, o representante de Galway, uma região portuária insignificante a oeste da Irlanda) e Bentinck (o representante de Norfolk, um distrito 100% agrícola).

Com os dois ergueu-se o senhor Forster, representante de Bradford, um centro da indústria inglesa. O discurso de Forster merece atenção mais detida, uma vez que atestou de uma vez por todas a vacuidade dos discursos feitos pelos secessionistas na Europa acerca da situação do bloqueio americano. Em primeiro lugar, disse ele, os Estados Unidos cumpriram todas as formalidades exigidas pela legislação internacional. Eles não declararam ter qualquer porto em situação de bloqueio sem declaração prévia, sem uma indicação específica da hora de sua reabertura e sem estipular os 15 dias após os quais deve ser proibida a entrada e saída de navios neutros estrangeiros.

O falatório sobre a “ineficácia” legal do embargo baseia-se, assim, somente nos casos supostamente frequentes em que o mesmo é violado. Diz-se que antes da abertura do Parlamento, 600 navios haviam rompido com o bloqueio. Gregory agora está reduzindo o número para 400. Sua prova se pauta em duas listas, uma entregue em 30 de novembro pelos comissários sulistas Yancey e Mann, e outra, uma lista suplementar do governo entregue por Mason. Segundo Yancey e Mann, mais de 400 navios romperam a barreira entre o dia da proclamação do bloqueio e o dia 20 de agosto, entrando ou saindo da eclusa. No entanto, de acordo com os relatórios oficiais da alfândega, o número total de navios que entraram e saíram totaliza meros 322. Deste número, 119 zarparam antes da declaração do embargo, 56 antes de terminado o prazo de quinze dias [para o início do embargo]. Sobram 147 navios. Destes 147 navios, 25 eram embarcações fluviais que velejavam da Irlanda a Nova Orleáns, onde permanecem abandonadas; 106 eram embarcações costeiras. Ou seja: todos, menos 3, eram barcos “quase-inland”[que não vão para o alto mar], para usarmos a expressão do próprio senhor Mason. Desses 106, 66 navegaram entre Mobile e Nova Orleans. Todo mundo que conhece esta costa sabe como é de mal gosto chamar o movimento de um barco por massas d’água que dificilmente tocam o mar aberto, arrastando-se ao longo da costa apenas, de “obstrução de bloqueio”. O mesmo se aplica aos navios situados entre Savannah e Charleston, que se esgueiram entre ilhas através de faixas fluviais estreitas.

Segundo o cônsul inglês Bunch, esses barcos rasos só estiveram em mar aberto durante uns poucos dias. Uma vez que deduzimos os 106 costeiros, restam 16 embarcações que partiram para portos estrangeiros: 15 dos quais são portos do continente americano (sobretudo o de Cuba), e 1 para o de Liverpool. O “navio” que desembarcou em Liverpool era uma escuna, assim como o resto dos “navios”, com a única exceção de uma chalupa.(4) “Falou-se demais”, esbravejou o senhor Forster, “sobre embargos aparentes”. Seria a tal lista dos Srs. Yancey e Mann uma lista fictícia, então? Uma análise similar foi feita da lista suplementar de Mason, através da qual se mostrou como o número de cruzadores que escaparam foi de apenas 3 ou 4, enquanto na última guerra anglo-americana nada menos que 516 cruzadores americanos quebraram o bloqueio e causaram distúrbios no litoral inglês. “O bloqueio [atual], ao contrário, tem sido maravilhosamente eficaz desde seu início”.

Outras evidências foram dadas pelos cônsules ingleses, mas acima de todas estão as flutuações de preços do Sul. Em 11 de janeiro, o lucro do algodão de Nova Orleans foi de 100% nas exportações para a Inglaterra; o lucro na importação de sal foi de 1.500%; o lucro dos contrabandos da guerra foi ainda incomparavelmente maior. Apesar dessa perspectiva de lucro sedutora, era tão impossível enviar algodão para a Inglaterra quanto sal para Nova Orleans ou Charleston. De fato, Gregory não reclama que o bloqueio é ineficaz, mas que é eficaz até demais. Ele pede que ponhamos um fim nele e, com isso, que ponhamos um fim na paralisia da indústria e do comércio. Uma das respostas dadas a isso diz:

“Quem está pedindo a esta Câmara para que rompa o bloqueio? Os representantes dos distritos afetados? Será que esse grito vem de Manchester, onde as fábricas estão tendo de ser fechadas, ou de Liverpool, onde os navios estão parados nas docas devido à falta de carga? Ao contrário. Ele vem de Galway e é apoiado por Norfolk”.

Do lado favorável à Secessão, o senhor Lindsay, um grande construtor de navios de North Shields, se fez notar. Lindsay ofereceu seus estaleiros navais à União e viajou para Washington para fazê-lo. Lá teve o desprazer de ver suas ofertas comerciais rejeitadas. Desde então, passou a demonstrar simpatia pela Secéssia.

O debate terminou com um discurso elaborado do Sir R. Palmer, o advogado-geral, que falou em nome do governo. Este demonstrou, com fundamentação legal, a vigência jurídica internacional e a adequação do bloqueio. Nessa ocasião, de fato, tal qual o lorde Cecil o acusou, ele rasgou em pedaços as “novas regras” proclamadas na Convenção de Paris de 1856.(5) Entre outras coisas, expressou surpresa ante o fato de Gregory e seus associados, dentro de um parlamento britânico, ousarem evocar a autoridade do monsieur de Hautefeuille. Esta, aliás, é uma “autoridade” recém-inventada no campo dos bonapartistas. Os ensaios de Hautefeuille em La revue contemporaine sobre os direitos marítimos de países neutros demonstram a mais completa ignorância ou má fé ante ordens superiores.

Com o fiasco completo dos secessionistas do Parlamento sobre a pauta do embargo, todas as perspectivas de uma ruptura entre a Inglaterra e os Estados Unidos foram postas de lado.


Notas:

(1) No original em latim: “as montanhas estão parindo!”. A frase completa, de autoria de Horácio na Ars poetica, 137, é: “parturiunt montes; nascetur ridiculus mus” (as montanhas estão parindo, um rato ridículo nascerá). No contexto, Horácio critica empreendimentos em torno do qual se gera uma enorme comoção pública, mas que terminam produzindo pouco efeito. (retornar ao texto)

(2) Galway County foi um círculo eleitoral (uma constituency) do parlamento britânico focado nos interesses irlandeses. William Henry Gregory, um liberal, foi ali ativo entre 1857 e 1871. (retornar ao texto)

(3) Referência a Benjamin Disraeli, aristocrata que atuou no campo dos conservadores britânicos e como primeiro-ministro em duas ocasiões. Ele teve papel central na criação do Partido Conservador moderno, definindo suas políticas acentuadamente imperialistas. (retornar ao texto)

(4) O autor ressalta o tamanho inexpressivo das embarcações: a chalupa possui apenas um mastro, e é utilizada quase exclusivamente para cabotagem; a escuna é um pouco maior, contando com dois mastros. (retornar ao texto)

(5) A dita Convenção propôs o acordo de paz que deu fim à Guerra da Crimeia, criando novos precedentes jurídicos internacionais acerca da questão do direito de navegação por rios e regiões costeiras. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022