Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
Neutralidade inglesa — sobre a situação dos estados sulistas
(Marx. Die Presse, número 332 de 4 de dezembro de 1862)


capa

Londres, 29 de novembro de 1862

As negociações entre o Gabinete local e o governo em Washington acerca do Corsário SS Alabama ainda estão pendentes, ao passo que já se iniciam novas negociações sobre um novo aparelhamento de navios de guerra confederados em portos ingleses. O professor Francis W. Newman, um dos representantes teóricos do radicalismo inglês, publicou uma carta no Morning Star de hoje na qual, entre outras coisas, diz:

“Após o cônsul americano em Liverpool [T. H. Dudley] ter assegurado por um advogado inglês que o caso do Alabama é ilegal, ele dirigiu um protesto formal ao Lorde John Russell. Os oficiais legislativos da Coroa [W. Atherton e R. Palmer] foram consultados a respeito e igualmente declararam ilegal o aparelhamento do Alabama. No entanto, perdeu-se tanto tempo no processo que o navio pirata terminou escapando. Neste instante, uma frota de navios mais ou menos encouraçados está a postos em Liverpool pronta para romper o bloqueio americano de forma violenta. Além disso, um enxame de navios piratas aguarda para seguir o Alabama em sua carreira infame. Será que nosso governo vai piscar mais uma vez dando passe livre aos sucessores do Alabama? Temo que sim. O Sr. Gladstone, em seu discurso em Newcastle, disse ter sido informado de que o presidente rebelde [Jefferson Davis], a quem ele louvou, logo teria uma marinha.(1) Isso é uma alusão para a marinha que seus amigos de Liverpool estão construindo? [...] O Lorde Palmerston e o Lorde Russell, assim como o partido Tory, estão tão agitados pelo ódio ao republicanismo que perderam todos os pudores e dúvidas — enquanto isso, o Sr. Gladstone, um provável Primeiro Ministro no futuro, declara-se como um admirador dos usurpadores que se uniram para perpetuar e expandir a escravidão”.(2)

Dos jornais que chegaram hoje da América, o Richmond Examiner, um órgão dos Confederados, talvez seja o mais interessante. Ele contém um artigo detalhado sobre a situação, cujos aspectos mais interessantes resumirei no seguinte trecho:

“O aumento extraordinário e repentino dos poderes marítimos do inimigo nos ameaça com prognósticos sombrios. Essa força adquiriu tamanho alcance que, em grande respeito, parece-nos mais perigosa do que as potências do inimigo em terra. Os ianques agora comandam 200 navios a mais do que no irromper da guerra. Grandes preparativos têm sido feitos para operações navais do próximo inverno e, sem contarmos as naus já prontas para serviço, cerca de 50 navios encouraçados estão em processo de construção. Temos todos os motivos para crer que, no armamento e na construção de seus barcos, a frota ianque que aportará em nossa costa neste inverno ultrapassa as precedentes de forma significativa. Os objetivos das expedições subsequentes são da maior importância. Elas têm a intenção de capturar nossos últimos portos, completar o bloqueio e, por fim, abrir brechas para a invasão de distritos sulistas, pondo assim as Leis de Emancipação em prática a partir do início do Ano Novo. Seria tolo negar os benefícios a serem acumulados por nossos inimigos com a captura de nossos últimos portos, ou ignorar tal infortúnio com um pensamento de consolação de que, ainda assim, sempre poderemos golpear o inimigo lutando nossas batalhas no interior. [...] Com Charleston, Savannah e Mobile nas mãos dos inimigos, o bloqueio seria levado a cabo com uma severidade a qual nem mesmo os padecimentos que sofremos até então podem nos dar ideia. Teríamos de desistir de qualquer intenção de construir uma frota deste lado do Oceano Atlântico e nos submetermos, mais uma vez, à humilhação de render as naus em construção ao inimigo, ou ainda de destrui-las. Nosso grande sistema de conexões ferroviárias nos estados algodoeiros seria mais ou menos desmembrado e, talvez tarde demais, descobríssemos que a guerra terrestre, na qual esperanças tão esplêndidas estão apoiadas, teriam que ser levadas a cabo sob circunstâncias que impedem o sustento, provisionamento e a concentração de grandes exércitos. [...] Os resultados desastrosos da captura de nossos portos seriam insignificantes, porém, ante um perigo maior, o maior perigo desta guerra — a ocupação de pontos nos estados algodoeiros a partir dos quais o inimigo poderá levar seu plano de emancipação a cabo. Grandes esforços, naturalmente, estão sendo feitos para salvaguardar que essa medida rasteira dos abolicionistas fracasse, e para prevenir o espírito de vingança que o Sr. Lincoln arrolhou dentro de uma garrafa até 1º. de janeiro, para não perder o gás nesse meio-tempo. [...] Neste momento está acontecendo um atentado contra nosso lado mais vulnerável; o coração do Sul será envenenado [...] A predição de desgraça futura não cai bem aos ouvidos das massas, que creem cegamente no governo e consideram o vangloriar-se como um ato de patriotismo [...] Não afirmamos que Charleston, Savannah e Mobile não estão em condições de se defenderem. No Sul, há naturalmente dezenas de autoridades militares assegurando que esses portos sejam mais impenetráveis que Gibraltar; mas militares e seus porta-vozes iludiram o povo até demais com falsa segurança. [...] Ouvimos a mesma história a respeito de Nova Orleans. De acordo com certa descrição, suas defesas ultrapassam as de Tiro contra Alexandre [da Macedônia].(3) Não obstante, o povo despertou uma bela manhã para ver a bandeira do inimigo erguida sobre seu cais. [...] A situação de nossas defesas portuárias é um segredo de círculos de oficiais. Mas indícios do passado recente não são nada consoladores. Poucas semanas atrás, Galveston caiu nas mãos dos inimigos quase sem contra-atacar. Os jornais locais foram proibidos de escrever sobre as medidas de defesa da cidade. Nem um grito de ajuda ressoou, a não ser aquele que chegou emudecido aos ouvidos do governo. O povo não se sublevou. Requereu-se, apelando para seu patriotismo, que permanecesse na ignorância, que confiasse em seus líderes e se submetesse aos decretos de precaução. Dessa feita, mais um prêmio caiu no colo do inimigo [...] Seu método de encobrir todos os assuntos militares com um manto de segredos terminou por produzir maus frutos no Sul. Ele pode ter silenciado as críticas e encoberto os erros dos governantes, mas não cegaram o inimigo. Ele sempre parece estar bem instruído acerca da situação de nossas defesas, enquanto nosso povo só descobre suas fraquezas quando já caíram nas mãos dos ianques.”


Notas:

(1) W. E. Gladstone. Speech in Newcastle on October 7, 1862. The Times, número 2372, 09/11/1862. (retornar ao texto)

(2) Ver F. W. Newman. To the editor of the Morning Star.The Morning Star, 29/11/1862. (retornar ao texto)

(3) O cerco da cidade de Tiro (no atual Líbano) durou de janeiro a julho de 322 AC, resultando em cerca de 7000 mortos em batalha. O caso foi descrito nas Vidas Paralelas de Plutarco (ver capítulo sobre Alexandre). (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022