Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
O Times de Londres e os Príncipes de Orléans na América
(Marx. New-York Daily Tribune, 7 de novembro de 1861)


capa

Londres, 12 de outubro de 1861

Por ocasião da visita do Rei da Prússia à Compiègne, O Times de Londres publicou alguns artigos atrevidos, provocando grande ofensa do outro lado do Canal. O Pays, Journal de l’Empire, por sua vez, caracterizou os articulistas do The Times como pessoas cujas mentes foram envenenadas pelo gim e cujas penas haviam sido mergulhadas na lama. Este intercâmbio ocasional de invectivas tem por único objetivo desorientar a opinião pública, já que são íntimas as relações que conectam a imprensa [a Praça das Gráficas] ao Palácio das Tulherias. Não existe, para além das fronteiras da França, bajulador maior do Homem de Dezembro [Luís Bonaparte] do que o Times de Londres e seus serviços são ainda mais inestimáveis à medida que o jornal assume, vez por outra, o ar e o tom de Catão, o censor em relação ao seu Cesar. Por meses o Times cobriu a Prússia de insultos. Amplificando o lamentável affair Macdonald(1), ele dizia a Prússia que a Inglaterra ficaria contente em ver a transferência das províncias do Reno do bárbaro domínio dos Hohenzollern para o despotismo esclarecido de um Bonaparte. Isto exasperou não apenas a dinastia prussiana, mas também o povo. O jornal enunciou a ideia de uma aliança anglo-prussiana no caso de um conflito da Prússia com a França. Ele empenhou todas as suas forças para convencer a Prússia de que não deveria esperar nada da Inglaterra e que o melhor que poderia fazer seria entrar em entendimento com a França. Quando, por fim, o fraco e hesitante monarca prussiano decidiu pela visita à Compiègne, o Times pôde exclamar orgulhosamente “quorum magna pars fui(2), porém agora o Times chega também ao ponto de apagar da memória dos britânicos o fato de ter sido o desbravador a serviço da monarquia prussiana. Por isto o estrondo de seus trovões teatrais. Por isto o estrondo de resposta do Pays, Journal de l’Empire.

O London Times então recuperou agora sua condição de mortal antagonista do Bonapartismo e, portanto, o poder de emprestar sua ajuda ao Homem de Dezembro. Uma oportunidade logo se ofereceu. Luís Bonaparte, é claro, mostra-se muito sensível com relação a tudo o que diz respeito à reputação de seus rivais na disputa pela coroa francesa. Ele se cobriu de ridículo no caso do panfleto do Duque d’Aumale contra PlonPlon(3) e, com suas atitudes, fez mais em benefício da causa orleanista do que todos os seus partidários combinados. Nos últimos dias, mais uma vez, o povo francês foi convocado para traçar um paralelo entre PlonPlon e os príncipes da Casa de Orleans. Quando PlonPlon partiu para a América, circularam caricaturas em Faubourg St. Antoine, representando-o como um homem gordo em busca de uma coroa, mas professando, ao mesmo tempo, ser um viajante inofensivo com uma aversão peculiar ao cheiro de pólvora. Enquanto PlonPlon retorna à França sem qualquer outro laurel além daqueles obtidos na Crimeia e na Itália, os príncipes de Orleans cruzam o Atlântico para prestar serviço nas fileiras do exército nacional. Daí uma grande agitação no campo de Bonaparte. Não seria bom dar vazão à raiva bonapartista através da imprensa venal de Paris. Pois assim os temores do imperador seriam traídos, o escândalo do panfleto renovado, comparações odiosas seriam provocadas entre os príncipes exilados que lutam sob bandeira republicana contra escravizadores de milhões de trabalhadores e o outro príncipe exilado, que prestou juramento como um policial inglês para compartilhar a glória de pôr abaixo um movimento de trabalhadores ingleses.

Quem poderá tirar o Homem de Dezembro deste dilema? Quem senão o The London Times? Se este mesmo London Times, que nos dias 6,7,8 e 9 de outubro de 1861 despertou as fúrias do Pays, jounal de l’Empire com suas cínicas restrições à visita à Compiègne, se este mesmo jornal tivesse vindo a público em 12 de outubro, com um ataque impiedoso contra os príncipes de Orleans devido ao seu alistamento nas fileiras do exército nacional dos EUA, Luís Bonaparte teria comprovado suas acusações contra os príncipes de Orléans? Teria sido o artigo do Times publicado em francês, comentado pelos jornais parisienses, enviado pela Chefia de Polícia de Paris a todos os jornais de todos os departamentos e circulado pela França inteira como a sentença imparcial do The London Times, o inimigo pessoal de Luís Bonaparte, sobre os últimos procedimentos dos príncipes de Orléans? Como consequência, The Times de hoje saiu com um ataque ainda mais violento contra aqueles príncipes.

Luís Bonaparte é, com certeza, astuto demais para compartilhar da cegueira jurídica dos manipuladores oficiais da opinião pública com relação à Guerra Americana. Ele sabe que o verdadeiro povo da Inglaterra, França, Alemanha e Europa considera a causa dos Estados Unidos como sua própria causa, como a causa da liberdade e que, não obstante toda a mistificação remunerada, eles consideram o solo dos Estados Unidos como o território livre dos milhões de despossuídos da Europa, como sua terra da promissão, precisando ser defendida agora, espada em mãos, das garras sórdidas do senhor de escravos. Ademais, Luís Bonaparte sabe que na França as massas associam a luta pela manutenção da União à luta de seus antepassados pela independência americana e que cada francês que empunha sua espada pelo Governo Nacional [dos EUA] parece apenas continuar o legado de Lafayette. Portanto, Bonaparte sabe que, se alguma coisa for capaz de conquistar as boas opiniões dos franceses em relação aos príncipes de Orleans será o seu alistamento nas fileiras do exército nacional dos Estados Unidos. Ele estremece com esta simples noção e consequentemente o The London Times, seu reprovável bajulador, diz hoje aos príncipes de Orleans que “eles não obterão nenhum aumento de popularidade junto à nação francesa inclinando-se para servir neste campo de ação ignóbil”. Luís Bonaparte sabe que todas as guerras travadas na Europa entre nações hostis desde o seu golpe de Estado foram guerras simuladas, infundadas, arbitrárias e levadas a cabo sob falsos pretextos. A guerra da Rússia e a guerra da Itália, para não falar das expedições de pirataria contra a China, a Cochinchina e assim por diante, jamais atraíram a simpatia do povo francês, instintivamente ciente de que tais guerras foram conduzidas apenas com o propósito de reforçar as correntes forjadas pelo golpe de estado. A primeira grande guerra da história contemporânea é a guerra americana.

Os povos da Europa sabem que os escravocratas do Sul iniciaram esta guerra declarando que a continuação da escravatura não era mais compatível com a continuação da União. Consequentemente, os povos da Europa sabem que a luta pela continuação da União é uma luta contra a continuidade da escravocracia e que nesta disputa a forma mais elevada de autogoverno popular concretizado até os dias de hoje é o combate à pior e mais desavergonhada forma de escravização humana já registrada nos anais da história.

Luís Bonaparte, naturalmente, lamenta profundamente que os príncipes de Orléans tenham embarcado em uma guerra, que se diferencia, tanto pela enormidade de suas dimensões e a grandeza de seus propósitos, das guerras infundadas, arbitrárias e medíocres pelas quais a Europa tem passado desde 1849. Como consequência The London Times declara: “Ignorar a diferença entre uma guerra conduzida por nações hostis e este, que é o conflito civil mais infundado e arbitrário registrado na história, é uma espécie de ofensa contra a moralidade pública.”

The Times, é claro, é obrigado a encerrar seu ataque contra os príncipes de Orleans por estes estarem “inclinando-se para servir em campo de ação tão ignóbil”. Com profunda reverência em face do vencedor de Sebastopol e Solferino, diz The London Times, “é insensato ousar uma comparação entre ações como Springfield e Manassas e as façanhas de Sebastopol e Solferino.”

O próximo despacho evidenciará o uso premeditado do artigo do The Times pelos órgãos que apoiam o imperador. Um amigo em tempos de necessidade vale proverbialmente mil amigos em tempos de prosperidade e o aliado secreto do The London Times encontra-se agora em situação muito ruim.

Uma escassez de algodão apoiada por uma escassez de grãos; uma crise comercial aliada a um problema agrícola e ambos combinados com uma redução das receitas alfandegárias e um constrangimento monetário que obrigaram o Banco da França a reduzir sua taxa de desconto para seis por cento, a entrar em transações com a Rothschilds e a Baring para obter um empréstimo de dois milhões de libras esterlinas no mercado londrino, visando penhorar ações do governo francês, e com tudo isso mostrar apenas uma reserva de 12.000.000 contra passivos de mais de 40.000.000. Esse estado de coisas econômicas apenas prepara a situação para os pretendentes rivais apostarem em dobro. Já houve motins do pão [distúrbios provocados pela fome] em Faubourg St. Antoine e esse é o momento mais inadequado para permitir que os Príncipes de Orleans ganhem popularidade. Daí a correria feroz do The London Times.


Notas:

(1) Em setembro de 1860, um capitão do exército inglês – MacDonald- foi preso em Bonn e processado pelas autoridades locais. O governo britânico explorou o incidente para reforçar sua propaganda anti-prussiana. (retornar ao texto)

(2) Em que tomei grande parte. Virgilio, Eneida, II, 6. (retornar ao texto)

(3) Apelido de Napoleão José Bonaparte, conde de Meudon, conde de Moncalieri ad personam, 3.º príncipe titular de Montfort e primo de Luís Bonaparte. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022