Revolução, Preto e Branco

George Novack

Maio de 1939


Primeira Edição: no periódico The New International por ocasião da publicação de The Black Jacobins, de C.L.R. James

Fonte: https://www.marxists.org/archive/novack/1939/05/james.htm

Tradução: Kamil Ourives Cruz

HTML: Fernando Araújo.

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Os Jacobinos Negros narra a história de um dos maiores episódios da grande Revolução Francesa: os conflitos na ilha caribenha de São Domingos que culminaram no único levante escravo de sucesso na história e o estabelecimento da República Negra livre do Haiti.

Historiadores pouco fizeram para eliminar a ignorância reinante em relação a esses eventos significativos. Mesmo autoridades em Revolução Francesa como Mathiez sistematicamente minimizam a importância das colônias e diminuem sua influência sobre os desenvolvimentos revolucionários na França. Historiadores do Haiti cometem o erro oposto de tratar sua história inicial sem a devida atenção às suas profundas conexões com a Europa.

Um dos méritos singulares do trabalho de James é que ele evita ambos os casos de reducionismo. Ao longo de seu livro, ele enxerga as lutas de classes em São Domingos e na França como dois lados de um processo histórico unificado transcorrendo em interação indissociável entre si. Com uma riqueza de detalhes pitorescos e precisos, ele mostra como as fases da revolução na colônia e na metrópole correram em paralelo e se correlacionaram.

A prosperidade baseada no comércio com a ilha açucareira de São Domingos fortaleceu tanto a burguesia marítima de Marselha, Bordeaux e Nantes que elas se tornaram as principais promotoras do movimento de protesto contra o Antigo Regime. Os impulsos iniciais da Revolução Francesa desencadearam a série de guerras civis em São Domingos que levaram, em agosto de 1791, à insurreição de seu meio milhão de escravos negros contra seus senhores. Em sua busca pela emancipação, esses rebeldes lutaram contra todas as forças das ordens superiores da ilha e se aliaram temporariamente aos espanhóis e ingleses. Sua atitude, contudo, foi radicalmente revertida da noite para o dia quando a escravidão foi oficialmente abolida nos domínios franceses no auge da maré revolucionária em 1794. Ligados à França por essa promessa de liberdade, os antigos escravos lutaram heroicamente para defender o novo regime revolucionário de seus inimigos internos e externos. De 1794 a 1799, a segurança da França foi mantida pelas vitórias dos soldados caribenhos sobre os exércitos da Espanha e da Inglaterra.

Não obstante este inestimável serviço à França, os haitianos(1) aprenderam novamente que “aqueles que querem ser livres devem lutar por isso”(2). Em um primeiro momento, a revolução tentara ignorá-los. O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” era interpretado para valer unicamente aos brancos e somente depois aos mulatos. Apenas se levantando contra seus senhores é que os escravos foram capazes de aproveitar o decreto de abolição. Mas mesmo após haverem conquistado sua condição jurídica de homens livres por meio dos Jacobinos brancos, os Jacobinos negros só conquistaram segurança social duradoura e independência nacional contando apenas com sua própria força armada organizada. Quando Napoleão se engajou para forçar os negros de volta à escravidão, os haitianos tiveram de aniquilar seus exércitos tão impiedosamente quanto haviam feito com os ingleses.

As tradições de autoconfiança e de luta implacável contra a perfídia, forjadas nas consecutivas guerras contra as classes dominantes de brancos e mulatos em São Domingos, contra o imperialismo espanhol e inglês e contra a reação burguesa de Bonaparte, permitiram aos haitianos manter sua independência nacional até a intervenção americana(3) no presente século.

Este livro fornece respostas irrefutáveis a ideias preconcebidas de ordem reacionária sobre a inferioridade inerente à raça negra. Os líderes negros tratados nestas páginas, embora houvessem acabado de sair da escravidão, mostram-se iguais e em certos aspectos superiores aos seus adversários brancos como soldados, estadistas e governantes. James apresenta uma avaliação crítica e justa da figura de destaque de Toussaint L’Ouverture, um cocheiro e escravo até os 46, porém comandante da ilha dez anos depois, a quem ele iguala a Napoleão. Não há descrições menos interessantes de outras personalidades como Rigaud, Dessalines, Christophe, Sonthonax e outros.

Se eventos vindouros projetam suas sombras antes, eventos passados lançam luz adiante. A questão sobre o destino dos povos coloniais tem ainda maior importância para a presente fase do imperialismo do que na era da revolução democrático-burguesa. Os Jacobinos Negros demonstra como é indestrutível o vínculo entre a luta por libertação dos povos coloniais escravizados e os movimentos de massa revolucionários na metrópole, como seus interesses mútuos exigem apoio recíproco na luta comum contra a opressão reacionária e como os escravos mais oprimidos e aviltados podem atender ao chamado da liberdade, produzir grandes líderes, destruir seu inimigos e encontrar uma solução para os seus problemas.

O alto preço de Os Jacobinos Negros inevitavelmente restringirá sua circulação. Felizmente, James escreveu um curto panfleto incorporando o essencialde seu trabalho maior sobre os eventos em São Domingos. Uma História da Revolta Negra também trata das lutas dos escravos na América do Norte e na África e fornece um relato valioso dos recentes movimentos negros ali e no Caribe. Esta útil e acessível parcela de informação deve estar nas mãos de todos os internacionalistas revolucionários.


Notas de rodapé:

(1) Optou-se pela utilização do termo haitianos ao invés de dominicanos, utilizado por Novack para se referir aos dominicanos ocidentais, ou seja, os habitantes da porção francesa da Ilha de São Domingos antes da Proclamação do Haiti (NT). (retornar ao texto)

(2) Referência ao discurso do abolicionista estadunidense Frederick Douglass em 1863. Tradução livre (NT). (retornar ao texto)

(3) Optou-se pela tradução direta ao invés do termo estadunidense (NT). (retornar ao texto)

Inclusão 27/02/2019