Manual de Economia Política

Academia de Ciências da URSS


Capítulo IV - O Capital e a Mais-valia. A Lei Econômica Fundamental do Capitalismo


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A Base do Regime Capitalista

A análise das relações de produção da sociedade capitalista em seu aparecimento, desenvolvimento e declínio constitui o conteúdo principal do O Capital, de Karl Marx.

A base do regime burguês é a propriedade capitalista sobre os meios da produção. A propriedade capitalista sobre os meios de produção é a propriedade privada dos capitalistas, propriedade que não provém do trabalho e é utilizada para a exploração dos operários assalariados. Segundo a caracterização clássica feita por Marx,

“o modo de produção capitalista repousa no fato de que as condições materiais da produção encontram-se nas mãos dos que não trabalham, sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, ao passo que a massa possui apenas a condição pessoal da produção — a força de trabalho.”(27)

A produção capitalista baseia-se no trabalho assalariado. Os trabalhadores assalariados estão livres das limitações feudais, mas, como também se acham privados dos meios de produção, veem-se compelidos, pela ameaça da fome, a vender sua força de trabalho aos capitalistas. A exploração do proletariado pela burguesia constitui a principal característica do capitalismo e a relação entre a burguesia e o proletariado é a principal relação de classe da sociedade capitalista.

Nos países onde impera o modo de produção capitalista, ao lado das formas capitalistas de economia, conservam-se, em grau maior ou menor, restos consideráveis das formas pré-capitalistas de economia. O “capitalismo puro” não existe em nenhum país. Além da propriedade capitalista, existe nos países burgueses a grande propriedade dos latifundiários sobre a terra, como também existe a pequena propriedade privada dos produtores mercantis simples — os camponeses e artesãos —, que vivem do próprio trabalho. A pequena produção desempenha um papel secundário. A massa dos pequenos produtores da cidade e do campo é explorada pelos capitalistas e latifundiários, que possuem as fábricas e usinas, os bancos, as empresas comerciais e a terra.

O modo de produção capitalista apresenta duas etapas em seu desenvolvimento: a pré-monopolista e a monopolista. As leis econômicas do capitalismo atuam em ambas as etapas do seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o capitalismo monopolista distingue-se por uma série de particularidades essenciais, as quais serão tratadas mais adiante.

Passemos ao exame da essência da exploração capitalista.

Transformação do Dinheiro em Capital

Todo capital começa sua trajetória sob a forma de uma determinada soma de dinheiro. O dinheiro, em si mesmo, não é capital. Assim, por exemplo, quando pequenos produtores individuais intercambiam suas mercadorias, o dinheiro funciona na qualidade de meio de circulação, mas não como capital. É a seguinte a fórmula da circulação mercantil: M (mercadoria) D (dinheiro) M (mercadoria), isto é, a venda de uma mercadoria para a compra de outra. O dinheiro transforma-se em capital quando ele é usado com o fim de explorar o trabalho alheio. A fórmula geral do capital é D—M—D, isto é, a compra para a venda, com fins de enriquecimento.

A fórmula M—D—M indica que um valor de uso é trocado por outro: um produtor se desfaz de determinada mercadoria, da qual ele não necessita, e recebe em troca outra mercadoria, da qual precisa para o seu consumo. Aqui, o objetivo da circulação é um valor de uso.

Inversamente, na fórmula D—M—D, os pontos inicial e final do movimento coincidem; tanto ao começar, como ao terminar, o capitalista encontra-se com dinheiro em mãos. O movimento do capital seria carente de sentido se, ao findar-se a operação, a soma de dinheiro em mãos do capitalista fosse a mesma que ao iniciar-se. Para o capitalista, todo o sentido de sua atividade consiste em que, como resultado da operação, haja em suas mãos maior quantidade de dinheiro do que antes. O objetivo da circulação é o aumento do valor do capital.

Consequentemente, a fórmula geral do capital é a seguinte: D—M—D’, onde D’ representa uma quantidade incrementada de dinheiro.

O capital que o capitalista adianta, isto é, que ele lança em circulação, retorna ao seu possuidor com um certo acréscimo.

De onde se origina o acréscimo do capital? Tentando ocultar a verdadeira fonte do enriquecimento dos capitalistas, os economistas burgueses afirmam com frequência que o acréscimo do capital se originaria, supostamente, da circulação mercantil. Essa afirmação é insustentável.

Vejamos. Se são trocadas mercadorias e dinheiro de igual valor, isto é, equivalentes, nenhum dono de mercadorias pode extrair da circulação um valor maior do que aquele que está cristalizado em sua mercadoria. Se os vendedores conseguem vender suas mercadorias acima do seu valor, suponhamos, em 10 por cento, então, no que se refere aos compradores, estes deverão pagar aos vendedores 10 por cento além do valor das mercadorias. De tal modo, o que os produtores ganham, quando funcionam como vendedores, perdem, quando o fazem como compradores. Entretanto, na realidade o crescimento do capital opera-se dentro de toda a classe dos capitalistas.

É evidente que o proprietário do dinheiro, convertido em capitalista, deve encontrar no mercado uma mercadoria tal que, no processo do seu uso, crie valor — e um valor maior do que aquele que ela própria possui. Em outras palavras, o proprietário do dinheiro deve encontrar no mercado uma mercadoria, cujo valor de uso possua, ele próprio, a propriedade de ser fonte de valor. Esta mercadoria é a força de trabalho.

A Força de Trabalho como Mercadoria. O Valor e o Valor de Uso da Mercadoria Força de Trabalho

A força de trabalho, como o conjunto das capacidades físicas e intelectuais, que o homem emprega no processo da produção dos bens materiais, é um elemento necessário para a produção em qualquer forma de sociedade. Entretanto, somente sob o capitalismo a força de trabalho transforma-se em mercadoria.

O capitalismo é a produção mercantil no seu mais alto estádio de desenvolvimento, quando também a força de trabalho torna-se mercadoria. Com a transformação da força de trabalho em mercadoria, a produção mercantil assume um caráter universal. A principal característica da produção capitalista é a exploração do trabalho assalariado, e a contratação do operário pelo capitalista não é senão a compra-e-venda da mercadoria força de trabalho: o operário vende sua força de trabalho e o capitalista compra-a.

Contratando o operário, o capitalista recebe por determinado prazo sua força de trabalho e dela dispõe plenamente. O capitalista aplica esta força de trabalho no processo da produção, no qual se opera o crescimento do capital.

Do mesmo modo que qualquer outra mercadoria, a força de trabalho é vendida por determinado preço, a base do qual está o seu valor. Qual é este valor?

Para que o operário se mantenha capaz de trabalhar, ele necessita satisfazer suas necessidades de alimentação, roupa, calçado, habitação, etc.. A satisfação dessas exigências vitalmente necessárias significa a reposição da energia vital que ele despendeu — muscular, nervosa, cerebral —, ou seja, o restabelecimento de sua capacidade de trabalho. Além disso, porém, o capital necessita de uma torrente ininterrupta de força de trabalho; por isso, o operário deve ter a possibilidade não só de subsistir, ele próprio, como de manter sua família. Isto garanta a reprodução, isto é, a permanente renovação da força de trabalho. Por fim, o capital necessita não apenas de trabalhadores sem qualificação, mas também dos operários qualificados, que saibam lidar com máquinas complexas, e esta qualificação requer determinados gastos de trabalho para a instrução. Por isto, os gastos com a produção e a reprodução da força de trabalho incluem também certo mínimo de dispêndios para a instrução das novas gerações da classe operária.

De tudo isto decorre que o valor da força de trabalho como mercadoria é igual ao valor dos meios de existência necessários a manutenção do operário e de sua família.

“O valor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário a sua produção e, consequentemente, também a reprodução deste objeto especial de comércio.”(28)

No processo de desenvolvimento histórico da sociedade, modificam-se tanto o nível das necessidades habituais do operário, como os meio% de satisfação destas necessidades. Em diferentes países, o nível das necessidades habituais do operário não é o mesmo. As particularidades do caminho histórico percorrido por um determinado país e as condições em que se tenha formado a classe dos operários assalariados determinam em grande medida o caráter de suas necessidades. As condições climáticas e outras condições naturais também exercem certa influência sobre o consumo do operário em alimentos, roupa e habitação. Na composição do valor da força de trabalho não entram apenas o valor dos objetos de consumo necessários ao restabelecimento das forças físicas do homem, mas também as despesas para a satisfação de determinadas necessidades culturais do operário e de sua família, necessidades que decorrem das condições sociais em que vivem e são educados os operários (instrução das crianças, compra de jornais, livros, cinema, teatro, etc.).

Os capitalistas, onde quer que seja, empenham-se em restringir as condições materiais e culturais de vida da classe operária ao mais baixo nível, ao mesmo tempo em que os operários oferecem resistência a estas tentativas dos empresários e travam uma luta tenaz pela elevação do seu nível de vida.

Pondo mãos a obra, o capitalista compra tudo o que é necessário a produção: instalações, máquinas, equipamentos, matérias-primas, combustíveis. Em seguida, ele contrata os operários e tem início na empresa o processo de produção. Quando a mercadoria está fabricada, o capitalista vende-a. O valor de uma mercadoria pronta inclui: em primeiro lugar, o valor dos meios de produção que foram gastos — matérias-primas reelaboradas, combustível utilizado, determinada parte do valor das instalações, máquinas e equipamentos; em segundo lugar, o novo valor criado pelo trabalho dos operários daquela empresa.

Que representa este novo valor?

O modo de produção capitalista pressupõe um nível relativamente alto da produtividade do trabalho, no qual, para criar um valor igual ao valor de sua força de trabalho, o operário não precisa mais do que uma parte da jornada de trabalho. Suponhamos que uma hora de trabalho simples médio crie um valor igual a 1 dólar e que o valor diário da força de trabalho seja igual a 4 dólares. Nesse caso, para repor o valor diário de sua força de trabalho o operário deve trabalhar durante 4 horas. Ora, o capitalista comprou a força de trabalho para todo o dia e obriga o proletário a trabalhar não apenas 4 horas e sim durante todo o dia de trabalho, que é, admitamos, de 8 horas. Nessas 8 horas, o operário cria um valor igual a 8 dólares, ao passo que o valor de sua força de trabalho é de 4 dólares.

Vemos, agora, em que consiste o valor de uso específico da mercadoria força de trabalho para o comprador desta mercadoria — o capitalista. Comprando a força de trabalho, o capitalista coloca a sua disposição a capacidade do operário para o trabalho. O capitalista utiliza a força de trabalho por ele comprada no processo de trabalho, que é, ao mesmo tempo, o processo de criação do valor. Portanto, o valor de uso da mercadoria força de trabalho é a sua propriedade de ser fonte de valor, e de um valor maior do que aquele que ela própria possui.

A Produção da Mais-valia — Lei Econômica Fundamental do Capitalismo

O valor da força de trabalho e o valor por ela criado no processo do seu emprego são duas grandezas distintas. A diferença entre essas duas grandezas é a premissa necessária para a exploração capitalista.

No nosso exemplo, o capitalista gasta 4 dólares na contratação do operário e recebe um valor de 8 dólares, criado pelo trabalho do operário. Ao capitalista reverte o capital inicialmente desembolsado, junto com um aumento, ou um excedente igual a 4 dólares. Este aumento constitui precisamente a mais-valia.

A mais-valia é o valor criado pelo trabalho do operário assalariado acima do valor de sua força de trabalho e do qual o capitalista se apropria gratuitamente. Dessa maneira, a mais-valia é o resultado do trabalho não pago do operário.

O dia de trabalho na empresa capitalista divide-se em duas partes: o tempo de trabalho necessário e o tempo de trabalho suplementar; e o trabalho do operário assalariado divide-se também em trabalho necessário e trabalho suplementar. Durante o tempo de trabalho necessário, o operário reproduz o valor de sua força de trabalho e durante o tempo de trabalho suplementar cria a mais-valia.

No capitalismo, o trabalho do operário constitui um processo de uso da mercadoria força de trabalho pelo capitalista, ou um processo em que o capitalista extrai a mais-valia do operário. O processo de trabalho no capitalismo caracteriza-se por duas particularidades fundamentais. Em primeiro lugar, o operário trabalha sob o controle do capitalista, ao qual pertence o trabalho do operário. Em segundo lugar, ao capitalista pertence não apenas o trabalho do operário, como também o produto deste trabalho. Tais particularidades do processo de trabalho transformam o trabalho do operário assalariado numa carga pesada e detestável.

O objetivo imediato da produção capitalista é a produção da mais-valia. De acordo com isto, só é trabalho produtivo no capitalismo aquele que cria mais-valia. Pois se o operário não cria a mais-valia, seu trabalho é improdutivo e supérfluo para o capital.

Diferentemente das formas anteriores de exploração, isto é, do escravismo e do feudalismo, a exploração capitalista apresenta-se dissimulada. Quando o operário assalariado vende sua força de trabalho ao capitalista, esta aparece, a primeira vista, como uma transação corrente entre possuidores de mercadorias, uma troca, como outra qualquer, de mercadoria por dinheiro, efetuada de acordo com a lei do valor. Entretanto, a transação de compra-e-venda da força de trabalho constitui somente a forma exterior, atrás da qual se oculta a exploração do operário pelo capitalista e se esconde a apropriação pelo empresário, sem qualquer equivalente, do trabalho não pago do operário.

Na análise da essência da exploração capitalista, pressupomos que o capitalista, ao contratar o operário, paga-lhe todo o valor de sua força de trabalho, determinado pela lei do valor. Mais adiante, quando do exame do salário, será mostrado que, diferentemente dos preços das outras mercadorias, o preço da força de trabalho geralmente se desvia para baixo do seu valor. Isto torna ainda maior a exploração da classe operária pela classe dos capitalistas.

O capitalismo oferece ao operário a possibilidade de trabalhar e, consequentemente, de viver, mas somente na medida em que trabalhe gratuitamente para o capitalista durante uma certa quantidade de tempo. Saindo de uma empresa capitalista, o operário, na melhor das hipóteses, irá cair em outra empresa capitalista, onde será submetido a uma exploração igual ou ainda maior. Desmascarando o sistema do trabalho assalariado como um sistema de escravidão assalariada, dizia Marx que se o escravo romano estava sujeitado por cadeias, o operário assalariado está atado ao seu proprietário por grilhões invisíveis. Este proprietário é a classe dos capitalistas, em seu conjunto.

A mais-valia criada pelo trabalho não remunerado dos operários assalariados é a fonte comum dos ingressos não originados do trabalho próprio, percebidos por diferentes grupos da burguesia: industriais, comerciantes, banqueiros e também pela classe dos proprietários de terra.

O trabalho suplementar não é uma invenção do capital. Por leda parte, onde quer que a sociedade seja formada por exploradores c explorados, a classe dominante suga o trabalho suplementar das classes exploradas. O senhor de escravos e o senhor feudal, nas condições do domínio da economia natural, empregavam a parte esmagadora do produto suplementar do trabalho dos escravos e dos servos na satisfação imediata de suas necessidades e dos seus caprichos. Diferentemente dos senhores de escravos e feudais, o capitalista transforma todo o produto do trabalho suplementar dos operários assalariados em dinheiro. Parte desse dinheiro é gasto pelo capitalista na compra de artigos de consumo e de objetos de luxo, mas outra parte ele faz retornar ao negócio como capital adicional, que proporcionará uma nova mais-valia. Por isso, segundo as palavras de Marx, o capital revela uma voracidade verdadeiramente canina pelo trabalho suplementar.

“O objetivo permanente da produção capitalista — diz Marx — consiste em, com um mínimo de adiantamento de capital, produzir o máximo de mais-valia ou de produto suplementar.”(29)

Este objetivo é atingido através da ampliação da produção e da crescente exploração do trabalho assalariado.

A caça a mais-valia suscita uma encarniçada concorrência entre os capitalistas e conduz a ampliação cada vez maior da produção, ao desenvolvimento da técnica e ao crescimento das forças produtivas da sociedade burguesa. Nenhuma das formas anteriores de regime explorador — nem a escravidão, nem o feudalismo — possuiu tal força propulsora da ampliação da produção e do desenvolvimento da técnica.

Ao mesmo tempo, a caça a mais-valia, dando origem a profundas contradições antagônicas entre o trabalho e o capital, agrava a anarquia da produção, imprime ao desenvolvimento da produção capitalista extremas contradições, um caráter desigual e provoca um enorme desperdício das forças produtivas.

A produção da mais-valia é a lei econômica fundamental do capitalismo. Marx escreveu:

“A produção da mais-valia, ou do lucro — tal é a lei absoluta deste modo de produção.”(30)

A essência desta lei consiste em assegurar a criação da maior massa possível de mais-valia para os capitalistas, através da ampliação da produção, do desenvolvimento da técnica e da crescente exploração do trabalho assalariado. A produção da mais-valia, como lei econômica que é do movimento do capitalismo, condiciona a inevitabilidade do crescimento e do aprofundamento de suas contradições.

Lênin chamou a doutrina da mais-valia de pedra angular da teoria econômica de Marx. Revelando a essência da exploração capitalista, Marx assestou um golpe mortal nas afirmações dos economistas burgueses acerca da harmonia dos interesse de classe no capitalismo e forneceu a classe operária uma poderosa arma ideológica em sua luta pela libertação do jugo do capital.

O Capital como Relação Social de Produção. Capital Constante e Capital Variável

Os economistas burgueses consideram capital qualquer instrumento de trabalho, qualquer meio de produção, a começar pelo pau e a pedra do homem primitivo. Semelhante definição do capital tem por fim ocultar a essência da exploração do operário pelo capitalista, apresentar o capital sob o aspecto de uma condição eterna e imutável da existência de qualquer sociedade humana.

De fato, a pedra e o pau usados pelo homem primitivo serviam-lhe como instrumentos de trabalho, mas não eram capital. Também não são capital os instrumentos e a matéria-prima do artesão, os implementos, a semente ou o gado de tração do camponês que explora uma economia baseada no trabalho individual. Os meios de produção só se transformam em capital em determinado estádio do desenvolvimento histórico, quando constituem propriedade privada do capitalista e servem como meio de exploração do trabalho assalariado. Com a liquidação do regime capitalista, os meios de produção passam para a propriedade social e cessam de ser capital. Desse modo, o capital não é uma coisa, e sim uma determinada relação social entre os homens no processo da produção e que tem um caráter historicamente transitório.

O capital é o valor que, através da exploração de operários assalariados, produz mais-valia. Segundo as palavras de Marx, o capital é

“o trabalho morto que, como um vampiro, só se nutre sugando trabalho vivo e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo ele absorve.”(31)

No capital está implícita a relação de produção entre a classe dos capitalistas e a classe operária, relação que consiste no fato de que os capitalistas, como donos que são dos meios e das condições de produção, exploram os trabalhadores assalariados que criam para eles a mais-valia.

Esta relação de produção, como todas as demais relações de produção da sociedade capitalista, assume a forma de relação entre coisas e se apresenta como uma propriedade das coisas mesmas — os meios de produção — de proporcionar lucros aos capitalistas.

Nisto consiste o fetichismo do capital: no modo de produção capitalista cria-se a enganosa aparência de que, supostamente, os meios de produção (ou determinada quantidade de dinheiro, com a qual se podem comprar meios de produção) possuem em si mesmos a milagrosa capacidade de proporcionar ao seu proprietário uma renda regular, que não se origina do trabalho.

As diferentes partes do capital não desempenham o mesmo papel no processo de formação do valor do produto saído da empresa capitalista.

O empresário gasta determinada parte do capital na construção das instalações fabris, na aquisição de equipamentos e máquinas, na compra de matérias-primas, de combustível e dos materiais auxiliares. O valor desta parte do capital transfere-se para a nova mercadoria produzida, na medida em que os meios de produção são empregados ou se desgastam no processo do trabalho. Esta parte do capital, que existe sob o aspecto do valor dos meios de produção, e cuja grandeza não varia no processo da produção, chama-se, por isso, capital constante.

Outra parte do capital é gasta pelo empresário na compra de força de trabalho, isto é, na contratação de operários. Em troca desta parte do capital gasto, no fim do processo de produção o empresário recebe um novo valor, que foi produzido pelos operários em sua empresa. Este novo valor, como já vimos, é menor que o valor da força de trabalho comprada pelo capitalista. Dessa maneira, a parte do capital gasta na contratação de operários varia de grandeza no processo de produção: cresce em consequência da criação pelo operário da mais-valia, da qual o capitalista se apropria. Esta parte do capital, despendida na compra de força de trabalho (isto é, na contratação de operários) e que cresce no processo de produção, chama-se capital variável.

Marx designa o capital constante com a letra c, o capital variável com a letra v e a mais-valia com a letra m. Foi Marx quem, pela primeira vez, dividiu o capital em duas partes, uma constante, outra variável. Graças a esta divisão foi revelado o papel particular do capital variável, que é despendido na compra de força de trabalho. A exploração dos operários assalariados pelos capitalistas é a verdadeira fonte da mais-valia.

A descoberta do duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria serviu a Marx de chave para estabelecer a diferença entre o capital constante e o capital variável, para a descoberta da essência da exploração capitalista. Marx mostrou que, com o seu trabalho, o operário cria simultaneamente um novo valor e transfere para a mercadoria produzida o valor dos meios de produção. Como trabalho concreto, determinado, o trabalho do operário transfere para o produto o valor dos meios de produção gastos e como trabalho abstrato, como um gasto geral de força de trabalho, cria um novo valor. Estes dois aspectos do processo de trabalho se diferenciam muito claramente. Assim, por exemplo, no caso de ser duplicada a produtividade do trabalho na indústria da fiação, o fiandeiro, durante sua jornada de trabalho, transfere para o produto o dobro do valor dos meios de produção (uma vez que elabora o dobro da massa de algodão), mas o valor novo por ele criado será o mesmo que antes.

A Taxa de Mais-valia

O grau de exploração do operário pelo capitalista encontra sua expressão na taxa de mais-valia.

Denomina-se taxa de mais-valia a relação entre a mais-valia e o capital variável (isto é, m/v), expressa em porcentagem. A taxa de mais-valia mostra em que proporção o trabalho despendido pelo operário divide-se em trabalho necessário e trabalho suplementar, ou, em outras palavras, que parte do dia de trabalho o proletário gasta na reposição do valor de sua força de trabalho e que parte do dia de trabalho ele trabalha de graça para o capitalista. Marx designa a taxa de mais-valia pela letra m'. Desse modo, m' = m/v No exemplo dado anteriormente (no item "A Força de Trabalho como Mercadoria" deste capítulo), a taxa de mais-valia, expressa em porcentagem, é a seguinte: m' = m/v = 4 dólares/4 dólares x 100 = 100%.

Aqui, a taxa de mais-valia é igual a 100 por cento. Isto significa que, no caso em apreço, o trabalho do operário divide-se em partes iguais em trabalho necessário e trabalho suplementar. Com o desenvolvimento do capitalismo, cresce a taxa de mais-valia, que exprime a elevação do grau de exploração do proletariado pela burguesia. Ainda mais rapidamente cresce a massa de mais-valia, uma vez que aumenta o número de operários assalariados explorados pelo capital.

No artigo Os Salários dos Operários e os Lucros dos Capitalistas na Rússia, escrito em 1912, Lênin fez o seguinte cálculo que mostra o grau de exploração do proletariado na Rússia de antes da revolução. Segundo os resultados de um inquérito oficial nas fábricas, realizado em 1908, e no qual, obviamente, eram exageradas as cifras indicativas dos salários dos operários e diminuídas as proporções dos lucros dos capitalistas, o salário dos operários ascendia a 555,7 milhões de rublos, enquanto os lucros dos capitalistas iam a 568,7 milhões de rubros. O número total de operários das empresas da grande indústria fabril, objeto do inquérito, era de 2 milhões e 254 mil. Portanto, o salário médio de cada operário era igual a 246 rublos por ano e ao mesmo tempo cada operário proporcionava, em média, ao capitalista 252 rublos de lucros anualmente.

Consequentemente, na Rússia tzarista o operário trabalhava menos de metade do dia de trabalho para si e mais de metade para o capitalista.

A Produção da Mais-valia Absoluta. O Dia de Trabalho e seus Limites. A Luta pela Diminuição do Dia de Trabalho

A fim de aumentar a mais-valia, cada capitalista aspira a ampliar por todos os meios a parte de trabalho suplementar arrancada ao operário. Nos primeiros estádios de desenvolvimento do capitalismo, quando a técnica era rudimentar e se desenvolvia com relativa lentidão, tinha importância primordial o aumento da mais-valia através da prolongação do dia de trabalho.

Tomemos como exemplo um dia de trabalho de 12 horas de duração, das quais 6 horas são de trabalho necessário e as outras 6 de trabalho suplementar. Representemos este dia de trabalho como uma linha, na qual cada divisão é igual a uma hora.

Dia de trabalho = 12 horas
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Tempo de trabalho
necessário = 6 horas
Tempo de trabalho
suplementar = 6 horas
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Suponhamos que o capitalista aumenta a mais-valia por ele recebida mediante a prolongação do dia de trabalho em 2 horas. Em tal caso, o dia de trabalho teria a seguinte representação gráfica:

Dia de trabalho = 14 horas
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Tempo de trabalho
necessário = 6 horas
Tempo de trabalho
suplementar = 8 horas
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A grandeza do tempo de trabalho suplementar aumenta em consequência da prolongação absoluta do dia de trabalho em seu conjunto, enquanto permanece invariável o tempo de trabalho necessário. A mais-valia produzida mediante a prolongação da jornada de trabalho chama-se mais-valia absoluta.

Na corrida pela elevação da taxa de mais-valia, os capitalistas empenham-se em dilatar desmesuradamente o dia de trabalho. Chama-se dia de trabalho aquela parte do dia durante a qual o operário encontra-se na empresa a disposição do capitalista. Se isto fosse possível, o empresário obrigaria seus operários a trabalharem 24 horas por dia. Entretanto, durante certa parte do dia o homem deve refazer suas forças, descansar, dormir, alimentar-se. Isto impõe limites puramente físicos ao dia de trabalho. Além destes, o dia de trabalho também possui limites morais, uma vez que o operário precisa de tempo para a satisfação de suas necessidades culturais e sociais.

Manifestando uma fome canina de trabalho suplementar, o capital não quer levar em conta não só os limites morais, mas nem mesmo os limites puramente físicos do dia de trabalho. Segundo as palavras de Marx, o capital é impiedoso em relação a vida e a saúde do operário. A brutal exploração da força de trabalho reduz a duração da vida do proletário e acarreta a elevação da mortalidade entre a população operária.

No período do aparecimento do capitalismo, o poder estatal promulgava leis especiais no interesse da burguesia, a fim de obrigar os operários assalariados a trabalhar o maior número de horas possível. A técnica mantinha-se, então, num nível baixo, as massas de camponeses c artesãos podiam trabalhar independentemente e por isso o capital não tinha um excesso de operários a sua disposição.

A situação modificou-se com a difusão da produção mecanizada e com o aumento da proletarização da população. O capital passou a dispor de operários em quantidade suficiente, os quais, ante a ameaça de morrer de fome, eram obrigados a submeter-se aos capitalistas. Com isto desapareceu a necessidade das leis prolongando o dia de trabalho. O capital passou a ter a possibilidade de prolongar o dia de trabalho a limites extremos, recorrendo a coação econômica. Em tal situação, a classe operária iniciou uma luta tenaz pela redução do dia de trabalho. Precisamente na luta pela redução legal do dia de trabalho, como o indicou Marx,

“dos movimentos econômicos dispersos dos operários nasce em toda parte um movimento político, isto é, um movimento da classe que aspira a satisfazer os seus interesses numa forma geral, isto é, numa forma que seja obrigatória para toda a sociedade.”(32)

Foi a Inglaterra o primeiro país onde se desencadeou a luta pela promulgação de leis reduzindo o dia de trabalho.

Como fruto de uma prolongada luta, os operários ingleses conseguiram que fosse promulgada, em 1833, uma lei fabril que reduzia o trabalho das crianças de até 13 anos para 8 horas e o trabalho dos adolescentes de 13 a 18 anos para 12 horas diárias. Em 1844, foi promulgada outra lei reduzindo o trabalho feminino para 12 horas e o das crianças para 6 horas e meia. Na maioria dos casos, o trabalho das mulheres c crianças era utilizado juntamente com o trabalho dos homens. Por isso, nas empresas abrangidas pela legislação fabril começou a difundir-se o dia de trabalho de 12 horas para todos os operários. Por uma lei de 1847, o trabalho dos adolescentes e das mulheres foi reduzido para 10 horas. Uma lei de 1901 estabeleceu a redução do dia de trabalho dos operários adultos para 12 horas nos cinco primeiros dias da semana e para 5 horas e meia aos sábados.

À medida que crescia a resistência dos operários, as leis de redução do dia de trabalho começaram a aparecer também em outros países capitalistas. Depois da promulgação de cada uma destas leis, os operários tinham que travar uma luta tenaz para que fossem aplicadas.

Luta particularmente árdua pela redução legal do tempo de trabalho desencadeou-se depois que a classe operária apresentou, como seu lema de combate, a reivindicação do dia de trabalho de 8 horas. Esta reivindicação foi apresentada em 1866 pelo Congresso Operário da América e pelo Congresso da I Internacional, por proposta de Marx. A luta pelo estabelecimento do dia de trabalho de 8 horas tornou-se parte inseparável não só da luta econômica, como também da luta política do proletariado.

Na Rússia tzarista, as primeiras leis fabris apareceram em fins do século XIX. Depois das memoráveis greves do proletariado de S. Petersburgo, uma lei de 1897 reduziu o dia de trabalho para 11 horas e meia. Segundo as palavras de Lênin, esta lei foi uma concessão imposta, arrancada em combate pelos operários russos ao governo tzarista.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, predominava na maioria dos países capitalistas desenvolvidos o dia de trabalho de 10 horas. Em 1919, sob a influência da Grande Revolução Socialista de Outubro, que estabeleceu o dia de trabalho de 8 horas na Rússia Soviética, e do medo da burguesia em face da ascensão do movimento revolucionário, os representantes de uma série de países capitalistas firmaram em Washington um acordo instituindo o dia de trabalho de 8 horas em escala internacional, mas depois todos os grandes Estados capitalistas recusaram-se a ratificar esse acordo. Entretanto, sob a pressão da classe operária, foi introduzido em muitos países capitalistas o dia de trabalho de 8 horas. Mas os patrões compensaram a redução do dia de trabalho mediante uma brusca intensificação do trabalho. Numa série de países capitalistas, ao lado de uma extenuante intensificação do trabalho, subsiste um longo dia de trabalho, principalmente na indústria bélica. Nos países coloniais e dependentes, o proletariado sofre com os dias de trabalho extremamente prolongados.

A Produção da Mais-valia Relativa.

O aumento da mais-valia através do prolongamento do dia de trabalho choca-se, como vimos, com a resistência dos operários. Isto obriga os capitalistas a buscar outro método de elevação do grau de exploração do operário.

Tal método, mantendo invariável a duração do dia de trabalho, consiste em reduzir o tempo de trabalho necessário e, em consequência, aumentar a mais-valia recebida pelo capitalista. O aumento da produtividade do trabalho nos ramos dedicados a produção de objetos de consumo dos operários e também, nos que fornecem instrumentos e materiais para a produção destes objetos de consumo, conduz a uma redução do tempo de trabalho necessário a produção de tais objetos. Devido a isto, diminui o valor dos meios de existência dos operários e baixa, correspondentemente, o valor da força de trabalho. Se anteriormente eram gastas 6 horas na produção dos meios de existência do operário, agora, digamos, gastam-se apenas 4 horas. Em tal caso, o dia de trabalho passará a ter a seguinte representação gráfica:

Dia de trabalho = 12 horas
|—|—|—|—|—|—|—|—|—|—|—|—|
Tempo de trabalho
necessário = 4 horas
Tempo de trabalho
suplementar = 8 horas
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A duração do dia de trabalho permaneceu a mesma, mas a grandeza do tempo de trabalho suplementar aumentou devido ao fato de se haver modificado a relação entre o tempo de trabalho necessário e o tempo de trabalho suplementar. A mais-valia, que surge em consequência da diminuição do tempo de trabalho necessário e do correspondente aumento do tempo de trabalho suplementar como resultado da elevação da produtividade do trabalho, chama-se mais-valia relativa.

Nos primeiros estádios do desenvolvimento do capitalismo, a mais-valia absoluta tinha predominância, mas com a introdução da produção mecanizada, quando uma técnica altamente desenvolvida possibilita uma rápida elevação da produtividade do trabalho, os capitalistas manifestam a tendência de intensificar a exploração dos operários, principalmente através do aumento da mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, tal como antes, eles se empenham na prolongação do dia de trabalho e particularmente no aumento da intensidade do trabalho. Para o capitalista, a intensificação do trabalho dos operários surte o mesmo efeito que a prolongação do dia de trabalho: a prolongação do dia de trabalho de 10 para 11 horas ou a elevação da intensidade do trabalho de um décimo proporciona-lhe o mesmo resultado. De outro lado, a intensificação do trabalho tem para o capitalista importância análoga a elevação da produtividade: conduz ao crescimento do trabalho suplementar e, com isso, a modificação da correlação entre o trabalho necessário e o trabalho suplementar.

A Mais-valia Extraordinária

Uma variedade da mais-valia relativa é a mais-valia extraordinária. É obtida naqueles casos em que capitalistas isolados introduzem em suas empresas máquinas e métodos de produção mais aperfeiçoados em relação aqueles empregados na maioria das empresas do mesmo ramo. Por esse meio, alguns capitalistas obtêm em suas empresas uma produtividade do trabalho mais elevada em relação as condições médias existentes naquele ramo da produção. Em consequência, o valor individual da mercadoria produzida nas empresas desses capitalistas revela-se inferior ao valor social desta mercadoria. Mas, como o preço da mercadoria é determinado pelo seu valor social, esses capitalistas auferem uma taxa mais elevada de mais-valia em relação a taxa corrente.

Tomemos o seguinte exemplo. Suponhamos que numa fábrica de cigarros um operário produz 1000 cigarros por hora e trabalha doze horas, das quais, seis ele gasta para criar um valor igual ao valor de sua força de trabalho, Se for introduzida na fábrica uma máquina que duplique a produtividade do trabalho, nesse caso o operário, trabalhando as mesmas doze horas que antes, produz já não 12 000 cigarros por dia, mas sim 24 mil. O salário do operário é reposto por uma parte do valor novo criado, valor cristalizado (descontando-se o valor da parte do capital constante transferido ao produto) em 6 mil cigarros, isto é, no produto de três horas de trabalho. Com o industrial fica a outra parte do valor novo criado, valor cristalizado (descontando-se o valor da parte do capital constante transferido ao produto) em 18 mil cigarros, isto é, no produto de nove horas de trabalho.

Desse modo, verifica-se uma redução do tempo de trabalho necessário e uma correspondente prolongação do tempo de trabalho suplementar. Para repor o valor de sua força de trabalho, o operário já não gasta seis horas, mas apenas três; seu trabalho suplementar cresceu de seis para nove horas. A taxa de mais-valia terá triplicado.

A mais-valia extraordinária é o excedente da mais-valia em relação a taxa normal, excedente que é auferido por aqueles capitalistas que reduzem o valor individual das mercadorias produzidas em suas empresas.

A obtenção da mais-valia extraordinária é sempre um fenômeno transitório nas empresas isoladas onde ocorre. Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos industriais do mesmo ramo introduz em suas empresas as novas máquinas e os que não tiverem capital bastante para fazê-lo arruínam-se na luta de concorrência. Como resultado disto, diminui o tempo socialmente necessário para a produção de uma determinada mercadoria, reduz-se o valor desta, e o capitalista que se antecipou aos demais no emprego de aperfeiçoamentos técnicos cessa de receber a mais-valia extraordinária. Todavia, tendo deixado de existir numa empresa, a mais-valia extraordinária surge em outra onde tenham sido introduzidas novas máquinas, ainda mais aperfeiçoadas.

Cada capitalista cuida apenas do seu próprio enriquecimento. Mas, como resultado final das ações dispersas dos diferentes empresários, aperfeiçoa-se a técnica e se desenvolvem as forças produtivas da sociedade capitalista. Ao mesmo tempo, a caça a mais-valia impele cada capitalista a ocultar dos concorrentes suas conquistas técnicas, engendra os segredos comerciais e tecnológicos. Fica, pois, patente que o capitalismo opõe determinados limites ao desenvolvimento das forças produtivas.

O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo processa-se sob uma forma contraditória. Os capitalistas só empregam novas máquinas quando isto determina a elevação da mais-valia. A introdução de novas máquinas é a base para elevar por todos os meios o grau de exploração do proletariado; o progresso da técnica realiza-se ao preço de incontáveis privações e sofrimentos de muitas gerações da classe operária. É assim, da maneira mais rapace, que o capitalismo trata a principal força produtiva da sociedade — a classe operária, as massas trabalhadoras.

A Estrutura de Classe da Sociedade Capitalista. O Estado Burguês

Os modos de produção escravista e feudal caracterizavam-se por uma estratificação da sociedade em diferentes classes e estados, o que criava uma complexa estrutura hierárquica da sociedade. A época burguesa simplificou as contradições de classe e substituiu as diferentes formas de privilégios hereditários e de dependência pessoal pelo poder impessoal do dinheiro, pelo ilimitado despotismo do capital. No modo de produção capitalista a sociedade cinde-se cada vez mais em dois campos hostis, em duas classes contrapostas — a burguesia e o proletariado.

A burguesia é a classe que possui os meios de produção e utiliza-os para a exploração do trabalho assalariado. A burguesia é a classe dominante na sociedade capitalista.

O proletariado é a classe dos operários assalariados, privados dos meios de produção e por isso obrigados a vender sua força de trabalho aos capitalistas. a base da produção mecanizada, o capital submeteu completamente a si o trabalho assalariado. Para a classe dos operários assalariados, a condição proletária tornou-se uma sina para a vida inteira. Devido a sua situação econômica, o proletariado é a classe mais revolucionária.

A burguesia e o proletariado, que são as classes fundamentais da sociedade capitalista, têm interesses opostos e irreconciliavelmente hostis. O desenvolvimento do capitalismo torna mais profundo o abismo entre a minoria exploradora e as massas exploradas.

Juntamente com a burguesia e o proletariado, existem no regime capitalista as classes dos latifundiários e dos camponeses. Estas classes procedem do regime feudal, anterior, mas em certa medida modificam o seu caráter nas condições do capitalismo.

No capitalismo, os latifundiários constituem a classe dos grandes proprietários de terras, que, em geral, arrendam a terra aos capitalistas-arrendatários ou aos pequenos produtores-camponeses, ou, ainda, organizam em suas terras a grande produção capitalista, com emprego do trabalho assalariado.

O campesinato, em sua massa fundamental, é a classe dos pequenos produtores, que exploram sua economia com o próprio trabalho e empregando meios de produção que lhes pertencem. Nos países capitalistas, o campesinato constitui parte considerável da população. As camadas fundamentais do campesinato são exploradas pelos latifundiários, camponeses ricos, comerciantes e usurários. No curso do processo de diferenciação, do campesinato saem constantemente elementos que, de um lado, vão engrossar a massa do proletariado e, de outro, tornam-se camponeses ricos, capitalistas.

Ademais, existem na sociedade capitalista numerosas camadas da pequena burguesia urbana e também da intelectualidade trabalhadora.

O Estado burguês, que veio substituir o Estado feudal em consequência da revolução burguesa, constitui nas mãos dos capitalistas um instrumento de submissão e opressão da classe operária, do campesinato e de todos os trabalhadores. O Estado burguês é o comitê executivo da classe dos capitalistas. As formas dos Estados burgueses são muito variadas, mas, por sua essência, todos estes Estados são uma ditadura da burguesia. As constituições burguesas têm por objetivo a consolidação da ordem social desejável e vantajosa para as classes possuidoras. O Estado burguês declara sagrada e inviolável a propriedade privada sobre os meios de produção — a base do regime capitalista. O Estado burguês garante a propriedade privada capitalista sobre os meios de produção, assegura a exploração dos trabalhadores e reprime sua luta contra o regime capitalista.

O Estado burguês reprime as massas populares por intermédio do seu aparelho administrativo, da polícia, do exército, dos tribunais, dos cárceres, dos campos de concentração e outros meios de violência. Complemento necessário a esses meios de violência é a ação ideológica, com a ajuda da qual a burguesia mantém seu domínio. Trata-se da imprensa burguesa, do rádio, do cinema, da ciência e da arte burgueses, da igreja.

De vez que os interesses da classe dos capitalistas contrapõem-se violentamente aos interesses da esmagadora maioria da população, a burguesia vê-se obrigada a dissimular por todos os meios o caráter de classe do seu Estado. A burguesia tenta apresentar esse Estado como se ele pairasse acima das classes, como se fosse de todo o povo, sob o aspecto de um Estado de “democracia pura”. Na realidade, porém, a “liberdade” burguesa é a liberdade para o capital explorar o trabalho alheio; a “igualdade” burguesa é uma aparência que oculta a desigualdade de fato existente entre exploradores e explorados, entre a sociedade e a fome, entre os proprietários dos meios de produção e a massa de proletários, que possui apenas sua força de trabalho.

À medida que cresce a grande produção capitalista aumenta o número da proletários, que cada vez mais tomam consciência dos seus interesses de classe, desenvolvem-se politicamente e organizam-se para a luta contra a burguesia. Lênin indicou que

“a classe operária não pode travar a luta por sua libertação sem se empenhar em influir sobre os assuntos estatais, sobre a direção do Estado e sobre a promulgação das leis,”(33)

O proletariado utiliza-se das formas da democracia burguesa para consolidar suas posições econômicas e políticas, para ampliar sua influência sobre as outras camadas trabalhadoras, com o fim de liquidar a dominação da burguesia e conquistar a verdadeira democracia.

O proletariado é a classe trabalhadora que está vinculada a forma avançada da economia — a grande produção. Graças a sua função econômica na grande produção, o proletariado é o chefe de todas as massas trabalhadoras e exploradas. O proletariado industrial, como a classe mais revolucionária, mais avançada e organizada da sociedade capitalista, está chamado a unir em torno de si as massas trabalhadoras do campesinato e todas as camadas exploradas da população para a luta pela liquidação da exploração capitalista e pela transformação da sociedade sobre bases socialistas.


Notas de rodapé:

(27) K. Marx, Crítica do Programa de Gotha, K. Marx e F. Engels, Obras Escolhidas, t. II, 1955, p. 16. (retornar ao texto)

(28) K. Marx, O Capital, t. I, 1955, p. 177. (retornar ao texto)

(29) K. Marx, Teorias da Mais-valia (IV t. de O Capital), parte II, 1957, p. 552. (retornar ao texto)

(30) K. Marx, O Capital, t. I, 1955, p. 624. (retornar ao texto)

(31) K. Marx, O Capital, t. I, 1955, p. 238. (retornar ao texto)

(32) K. Marx, Carta a F. Bolte, K. Marx e F. Engels, Obras, t. XXVI, p. 178. (retornar ao texto)

(33) V.I. Lênin, Projeto e Explicação do Programa do Partido Social-Democrata, Obras, t. 2, p. 100. (retornar ao texto)

Inclusão 15/02/2015