Manual de Economia Política

Academia de Ciências da URSS


Capítulo XIV — As Crises Econômicas


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O Fundamento das Crises Capitalista de Superprodução

A partir do início do século XIX, da época em que surgiu a grande indústria mecânica, o curso da reprodução ampliada capitalista é interrompido periodicamente pelas crises econômicas.

As crises capitalistas são crises de superprodução. As crises manifestam-se, antes de tudo, em que as mercadorias não encontram saída porque foram produzidas em quantidade maior do que podem comprar os principais consumidores — as massas populares, cujo poder aquisitivo está limitado dentro de marcos muito estreitos. Os “excedentes” de mercadorias entulham os depósitos. Os capitalistas diminuem a produção e dispensam operários. Centenas e milhares de empresas são fechadas. Cresce aceleradamente o desemprego. Grande número de pequenos produtores da cidade e do campo são arruinados. A falta de saída para as mercadorias produzidas leva ao transtorno do comércio. Rompem-se as relações de crédito. Os capitalistas sentem uma carência aguda de dinheiro em mão para os pagamentos. O “crack” irrompe nas bolsas — caem aceleradamente as cotações das ações e de outros títulos. Espraia-se a onda de bancarrotas de firmas industriais, comerciais e bancárias.

A superprodução de mercadoria na época das crises não é absoluta, mas relativa. Isto significa que o excesso de mercadoria existe apenas em comparação com a procura solvente, mas não em comparação com as necessidades reais da sociedade. Durante as crises, as massas trabalhadoras sentem uma privação particularmente aguda do mais essencial, suas necessidades são satisfeitas em condições piores do que em qualquer outra época. Massas de milhões passam fome porque foi produzido demasiado ’ trigo, pessoas padecem de frio porque se extraiu “demasiado carvão. Os trabalhadores são privados dos meios de vida, precisamente porque produziram estes meios de vida em quantidade demasiada. Tal é a escandalosa contradição do modo de produção capitalista, no qual, segundo as palavras do socialista utópico francês Fourier, “a abundância torna-se fonte de indigência e privações”.

As comoções da vida econômica ocorriam frequentemente também nos modos de produção pré-capitalistas. Mas eram provocadas por quaisquer calamidades extraordinárias, espontâneas ou sociais: inundações, secas, guerras sangrentas ou epidemias devastavam as vezes países inteiros, condenavam as populações a fome e ao perecimento. Todavia, a distinção radical entre estas comoções econômicas e as crises capitalistas reside em que a fome e a miséria, provocadas por tais comoções, eram consequência do desenvolvimento insuficiente da produção, da carência aguda de produtos. Enquanto isso, no capitalismo, as crises são geradas pelo crescimento da produção em face do baixo nível de vida das massas populares, pelo “excesso” relativo de mercadorias produzidas.

Como foi demonstrado anteriormente (no capítulo III), a produção e a circulação mercantil simples já encerra a possibilidade das crises. Entretanto, as crises só se tornam inevitáveis no capitalismo, quando a produção adquire cada vez mais um caráter social, enquanto que o produto do trabalho socializado de muitos milhares e milhões de operários destina-se a apropriação privada dos capitalistas. A contradição entre o caráter social da produção e a forma capitalista privada de apropriação dos resultados da produção, contradição fundamental do capitalismo, constitui o fundamento das crises econômicas de superprodução. Assim, a inevitabilidade das crises radica-se no próprio sistema de economia capitalista.

A contradição fundamental do capitalismo manifesta-se como oposição entre a organização da produção nas empresas por separado e a anarquia da produção no conjunto da sociedade. Em cada fábrica por separado, o trabalho dos operários é organizado e subordinado a vontade única do empresário. Mas na sociedade em conjunto, como resultado do domínio da propriedade privada dos meios de produção, reina a anarquia da produção, que exclui o desenvolvimento planificado da economia. Por isso, são inevitavelmente violadas as condições complexas que se fazem necessárias para a realização do produto social na reprodução ampliada capitalista. Estas violações se acumulam gradualmente enquanto não irrompe a crise, momento em que o processo de realização chega a um completo transtorno.

Na caça a maiores lucros, os capitalistas ampliam a produção, aperfeiçoam a técnica, introduzem novas máquinas e lançam enormes massas de produtos no mercado. Nesta mesma direção atua a tendência constante a baixa da taxa de lucro, condicionada pelo aumento da composição orgânica do capital. Os empresários se esforçam por compensar a queda da taxa de lucro com o aumento da massa de lucros por meio da ampliação da produção, da elevação da quantidade de mercadorias fabricadas.

Desse modo, é inerente ao capitalismo a tendência a ampliação da produção, ao enorme crescimento da capacidade produtiva. Mas, como resultado do empobrecimento da classe operária e dos camponeses, a procura solvente dos trabalhadores atrasa-se em relação ao crescimento da produção, reduz-se de modo relativo. Em consequência disso, a ampliação da produção capitalista choca-se inevitavelmente com os marcos estreitos do consumo das massas fundamentais da população.

O objetivo da produção capitalista — a obtenção de lucros em escala cada vez maior — entra inevitavelmente em contradição com o meio necessário para atingir tal objetivo, com a ampliação da produção. A crise representa, no curso da reprodução ampliada capitalista, o momento em que essa contradição se manifesta sob a forma aguda de superprodução de mercadorias que não encontram saída.

A contradição fundamental do capitalismo manifesta-se exteriormente no antagonismo de classe entre o proletariado c a burguesia. O capitalismo se caracteriza pela ruptura entre duas importantes condições da produção: entre os meios de produção, que se concentram nas mãos dos capitalistas, c os produtores diretos, que estão privados dos meios de produção e possuem apenas sua força de trabalho. Esta ruptura se revela claramente nas crises de superprodução, quando de um lado surge um excesso de meios de produção e de produtos, um excedente de capital, e de outro lado um excesso de força de trabalho, as massas de desempregados, privadas dos meios de existência.

As crises acompanham inevitavelmente o modo de produção capitalista. Elas não podem ser eliminadas enquanto existir o capitalismo.

O Caráter Cíclico da Reprodução Capitalista

As crises capitalistas de superprodução repetem-se com determinados intervalos, de 8 a 12 anos. A inevitabilidade das crises é determinada pelas leis econômicas gerais do modo de produção capitalista, as quais atuam em todos os países que seguem o caminho de desenvolvimento capitalista. Ao mesmo tempo, o curso de cada crise, suas formas de manifestação e particularidades dependem também das condições concretas de desenvolvimento deste ou daquele país.

Já no fim do século XVIII e começo do século XIX, ocorreram na Inglaterra crises parciais de superprodução, que atingiram ramos isolados da indústria. A primeira crise industrial, que abarcou a economia do país em seu conjunto, desencadeou-se na Inglaterra em 1825. Em 1836 a crise começou na Inglaterra e depois estendeu-se aos Estados Unidos. A crise de 1847/1848, que abrangeu a Inglaterra, uma série de países do continente europeu e os Estados Unidos, já foi em essência uma crise mundial. A crise de 1857 atingiu os principais países da Europa e da América. Seguiram-se as crises de 1866, 1873, 1882 e 1890. A mais profunda foi a crise de 1873, que assinalou o começo da passagem do capitalismo pré-monopolista para o capitalismo monopolista. No século XX ocorreram crises em 1900/1903 (esta crise começou na Rússia, onde sua ação foi consideravelmente mais forte do que em qualquer outro país), em 1907, em 1920/1921, em 1929/1933, em 1937/1938, e depois da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, em 1948/1949 e em 1953/1954. No fim de 1957, começou nos Estados Unidos uma nova crise.

O período entre o começo de uma crise e o começo de outra crise denomina-se ciclo. O ciclo consiste de quatro fases: crise, depressão, reanimação e ascenso. A fase fundamental do ciclo é a crise, que constitui o ponto de partida do novo ciclo.

A crise é a fase do ciclo em que a contradição entre o crescimento das possibilidades produtivas e a redução relativa da procura solvente manifesta-se de forma tempestuosa e destruidora. Nesta fase do ciclo, revela-se a superprodução de mercadorias que não encontram saída; ocorre uma queda brusca nos preços; a carência aguda de meios de pagamento é seguida pelo “crack” da bolsa, que provoca bancarrotas em massa; tudo isto conduz a diminuição brusca da produção, ao crescimento do desemprego, a redução dos salários. A depreciação de mercadorias, o desemprego, a destruição direta de máquinas, de equipamentos e de empresas inteiras significam uma enorme devastação das forças produtivas da sociedade. Por meio do arruinamento e da liquidação de muitas empresas, por meio da destruição de parte das forças produtivas, a crise adapta violentamente, e num prazo certo, as proporções da produção as proporções da procura solvente.

“As crises sempre representam apenas a solução violenta e temporária das contradições existentes, são explosões violentas que restabelecem num instante o equilíbrio violado.”(76)

A depressão é a fase do ciclo que surge imediatamente depois da crise. Esta fase do ciclo se caracteriza pelo fato de que a produção industrial se encontra em estado de estancamento, os preços das mercadorias são baixos, o comércio marcha debilmente, existe abundância de capital monetário livre. No período da depressão, criam-se as premissas para a reanimação e o ascenso posteriores. Os estoques de mercadorias acumulados em parte são destruídos e em parte são liquidados a preços baixos. Os capitalistas se esforçam por encontrar saída para a situação de estancamento da produção, por meio da redução do custo de produção. Eles alcançam este objetivo, em primeiro lugar, mediante o aumento da exploração dos operários, o rebaixamento dos salários e a elevação da intensidade do trabalho; em segundo lugar, mediante o reequipamento das empresas, a renovação do capital fixo, a introdução de aperfeiçoamentos técnicos, com o objetivo de tornar a produção lucrativa com os preços baixos que resultaram da crise. A renovação do capital fixo impulsiona o crescimento da produção numa série de ramos. As empresas que fabricam equipamento conseguem encomendas e, por sua vez, promovem a procura de diversos tipos de matérias-primas e materiais. Assim se abre a saída da depressão e ocorre a passagem a reanimação.

A reanimação é a fase do ciclo no curso da qual as empresas recobrem-se da comoção e os capitalistas passam a ampliação da produção. Gradualmente, o nível da produção atinge as proporções anteriores, os preços se elevam, crescem os lucros. A reanimação conduz ao ascenso.

O ascenso é a fase do ciclo no decorrer da qual a produção ultrapassa o ponto mais alto atingido no ciclo anterior, nas vésperas da crise. Durante o ascenso são construídas novas empresas industriais, estradas de ferro, etc.. Os preços sobem, os comerciantes tratam de comprar mercadorias na maior quantidade possível, tendo em vista a futura elevação dos preços, e deste modo incitam os industriais a uma ampliação ainda maior da produção. Os bancos concedem empréstimos, de bom grado, aos industriais e comerciantes. Tudo isto cria a possibilidade de ampliar as proporções da produção e do comércio muito além dos limites da procura solvente. Assim surgem as condições para a crise de superprodução seguinte.

Antes da irrupção da crise, a produção atinge o nível mais alto, mas as possibilidades de venda parecem ainda maiores. A superprodução já existe, mas de forma oculta. A especulação faz os preços subirem e infla desmesuradamente a procura de mercadorias. Os excedentes de mercadorias acumulam-se. Em grau ainda maior, o crédito oculta a superprodução: os bancos continuam a conceder créditos a indústria e ao comércio, sustentando artificialmente a ampliação da produção. Quando a superprodução atinge o grau mais alto, eclode a crise. Depois, todo o ciclo se repete.

O curso cíclico da reprodução capitalista encontra sua expressão concreta na conjuntura econômica. Denomina-se conjuntura a situação geral da economia em determinado período, neste ou naquele país, em uma ou outra região, ou no mundo capitalista em conjunto. Os índices da conjuntura são dados sobre O movimento da produção, as grandes construções, o desemprego, o nível de salário, o comércio (interno e externo), os preços, as operações bancárias e da bolsa, O nível dos juros, etc.. As modificações da conjuntura têm como seu fundamento geral a mudança das fases do ciclo capitalista.

Cada crise impulsiona a renovação maciça do capital fixo. Esforçando-se para restabelecer a lucratividade de suas empresas em face da brusca rebaixa dos preços, os capitalistas intensificam a exploração dos operários, introduzem novas máquinas e tornos, empregam novos métodos de produção. a custa da intensificação da exploração da classe operária, do arruinamento dos pequenos produtores, da absorção de muitas empresas dos concorrentes, os grandes capitalistas realizam novas inversões de capital. Desse modo, a saída da crise é criada pelas forças internas do modo de produção capitalista.

Entretanto, com a passagem a reanimação e ao ascenso, acumulam-se de novo, inevitavelmente, violações das condições de reprodução, desproporções, contradições entre o crescimento da produção e os limites estreitos da procura solvente. Em consequência disso, depois de um intervalo mais ou menos determinado, eclode inevitavelmente uma nova crise de superprodução.

“Embora sejam muito diferentes e não coincidam entre si os períodos durante os quais se inverte capital, as crises, apesar disso, sempre constituem o ponto de partida para grandes e novas inversões de capital. Consequentemente, se encararmos a sociedade em conjunto, a crise gera. em maior ou menor grau, uma nova base material para o ciclo seguinte de rotações.”(77)

Nos ramos decisivos da indústria, a duração da vida dos meios de produção fundamentais, levando-se em conta não só o desgaste físico como também o desgaste moral, é de cerca de dez anos, em média. A renovação periódica maciça do capital fixo é o fundamento material da periodicidade das crises, que se repetem regularmente no decurso da história do capitalismo.

Cada crise prepara terreno para novas crises. Com o desenvolvimento do capitalismo, aumenta a profundidade e a força destruidora das crises.

As Crises Agrárias

No capitalismo, a indústria é a esfera dominante da produção social, que predomina sobre as outras esferas e determina seu desenvolvimento. O desenvolvimento da indústria capitalista conduz a reorganização da agricultura em bases capitalistas. a medida em que a agricultura é atraída a órbita das relações capitalistas, ela cai, cada vez mais, sob a ação das leis da reprodução capitalista, que levam inevitavelmente as crises econômicas de superprodução. As crises de superprodução na agricultura são denominadas crises agrárias.

A inevitabilidade das crises agrárias é condicionada pela mesma contradição fundamental do capitalismo, que constitui o fundamento das crises industriais. Ao lado disso, as crises agrárias possuem algumas particularidades: frequentemente elas têm um caráter mais prolongado, mais dilatado, em comparação com as crises industriais.

A crise agrária do último quarto do século XIX, que abrangeu os países da Europa ocidental, a Rússia, e depois também os Estados Unidos, começou na primeira metade da década de 70 e prolongou-se, de uma ou outra forma, até meados da década de 90 do século XIX. Ela foi provocada pelo fato de que, em consequência do desenvolvimento do transporte marítimo e da ampliação da rede ferroviária, começou a entrar no mercado europeu, em grande quantidade, o trigo mais barato proveniente da América, da Rússia e da Índia.

A produção de trigo custava mais barato na América em decorrência do cultivo de novas terras férteis e da existência de terras livres, pelas quais não se cobrava a renda absoluta. A Rússia e a Índia podiam exportar trigo para a Europa ocidental a preços baixos porque os camponeses russos e indianos, sufocados por tributos superiores as suas forças, eram obrigados a vender o trigo a preços ínfimos. Os arrendatários capitalistas e os camponeses europeus, em face da elevada renda, aumentada pelos grandes proprietários de terra, não podiam suportar essa concorrência. Depois da Primeira Guerra Mundial, com a enorme redução do poder aquisitivo da população, desencadeou-se na primavera de 1920 uma aguda crise agrária, que golpeou com força particular os países não-europeus (Estados Unidos, Canadá, Argentina, Austrália). A agricultura ainda não se havia recuperado desta crise quando, no fim de 1928, manifestaram-se evidentes sintomas de uma nova crise agrária que se iniciava no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil e na Austrália. Essa crise abarcou os países fundamentais do mundo capitalista que exportavam matérias-primas e gêneros alimentícios.

A crise abrangeu todos os ramos da agricultura, entrelaçou-se com a crise industrial de 1929 a 1933 e prolongou-se até o começo da Segunda Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se novamente a crise agrária nos maiores países que exportam produtos agrícolas — Estados Unidos, Canadá, Argentina, Austrália, e numa série de ramos da agricultura dos países da Europa ocidental.

Explica-se o caráter dilatado das crises agrárias pelas seguintes causas principais:

Em primeiro lugar, os proprietários de terra, por força do monopólio da propriedade privada sobre a terra, também durante as crises agrárias obrigam os arrendatários a pagar, nas proporções anteriores, o arrendamento fixado no contrato. Em face da queda dos preços das mercadorias agrícolas, a renda agrária é paga as custas da redução posterior do salário dos operários agrícolas, as custas do lucro e, por vezes, até mesmo as custas do capital adiantado pelos arrendatários. Em consequência disso, torna-se muito difícil a saída da crise por meio da introdução de técnica aperfeiçoada e da redução do custo de produção.

Em segundo lugar, no capitalismo, a agricultura é um ramo atrasado em comparação com a indústria. A propriedade privada da terra, as sobrevivências de relações feudais, a necessidade de pagamento da renda absoluta e diferencial aos proprietários de terra — tudo isto impede o livre afluxo de capitais para a agricultura, retarda o desenvolvimento de suas forças produtivas. A composição orgânica do capital na agricultura é mais baixa do que na indústria; o capital fixo, cuja renovação maciça é a base material da periodicidade das crises industriais, desempenha na agricultura um papel menor do que na indústria.

Em terceiro lugar, os camponeses, pequenos produtores de mercadorias, esforçam-se durante as crises para conservar o volume anterior da produção, a fim de manter-se a qualquer preço no pedaço de terra que é seu ou arrendado, e o fazem a custa de trabalho desmedido, subalimentação, exploração predatória do solo e do gado. Isto aumenta ainda mais a superprodução de produtos agrícolas.

Assim, a base comum do caráter dilatado das crises agrárias é o monopólio da propriedade privada sobre a terra, as sobrevivências feudais a ele ligadas e o atraso relativo da agricultura em comparação com a indústria.

O peso principal das crises agrárias recai sobre as massas fundamentais do campesinato. A crise agrária arruína as massas de pequenos produtores mercantis; promovendo a ruptura das relações de propriedade estabelecidas, ela acelera a decomposição do campesinato e o desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura. Ao mesmo tempo, as crises agrárias exercem uma influência destruidora na agricultura dos países capitalistas, provocando a redução da área cultivada e da quantidade de gado.

As Crises Econômicas Periódicas e o Agravamento das Contradições do Capitalismo

Constituindo uma explosão violenta de todas as contradições do modo de produção capitalista, as crises econômicas levam inelutavelmente a um aprofundamento e agravamento posteriores destas contradições.

Em regra, as crises capitalistas de superprodução possuem um caráter geral. Iniciando-se em qualquer ramo de produção, elas abrangem rapidamente toda a economia nacional. Nascendo em um ou em alguns países, elas se estendem a todo o mundo capitalista.

Cada crise conduz a uma brusca redução da produção, a queda dos preços por atacado das mercadorias e das cotações das ações na bolsa, a diminuição do volume do comércio interno e externo. O volume da produção cai ao nível existente vários anos atrás. No século XIX, os países capitalistas, durante as crises, tiveram o nível de sua atividade econômica reduzido ao de 3 a 5 anos atrás, e no século XX ao nível de dezenas de anos atrás.

A extração de carvão nos Estados Unidos caiu em 9,1% durante a crise de 1873, em 7,5% na de 1882, em 6,4% na de 1893, em 13,4% na de 1907, em 27,5% na de 1920/1921, em 40,9% na de 1929/1933. A produção de ferro gusa nos Estados Unidos caiu em 27% durante a crise de 1873, em 12,5% na de 1882, em 27,3% na de 1893, em 38,2% na de 1907, em 54,8% na de 1920/1921, e 79,4% na de 1929/1933.

Na Alemanha, o volume total da produção industrial caiu em 6,1% durante a crise de 1873, em 3,4% na de 1890, em 6,5% na de 1907, e 40,6% na de 1929/1933.

Na Rússia, em decorrência da crise de 1900/1903, a fundição de ferro gusa reduziu-se de 17% em 1903, em comparação com 1900, a laminação de trilhos em 30% e a extração de petróleo diminuiu de 10% em 1903, em comparação com 1901.

Com a crise de 1857, os Estados Unidos foram lançados dois anos para trás quanto a extração de carvão, quatro anos quanto a produção de ferro gusa; dois anos quanto a exportação e três anos quanto a importação. Com a crise de 1929, os Estados Unidos foram lançados para trás 28 anos quanto a extração de carvão, 36 anos quanto a produção de ferro gusa, 31 anos quanto a produção de aço, 35 anos quanto a exportação e 31 anos quanto a importação.

Com a crise de 1929, a Inglaterra foi lançada 35 anos para trás quanto a extração de carvão, 76 anos quanto a produção de ferro gusa, 23 anos quanto a produção de aço e 36 anos quanto ao comércio exterior.

As crises econômicas revelam claramente o caráter rapace do capitalismo. Durante cada crise, enquanto milhões de pessoas se encontram em condições de extrema penúria, condenadas a miséria e a fome, são destruídas massas enormes de mercadorias que não encontram saída — de trigo, de batatas, de leite, de gado, de algodão. São fechados ou demolidos usinas inteiras, estaleiros, altos-fornos, são destruídas culturas cerealíferas e técnicas, são derrubadas plantações - de árvores frutíferas.

Nos anos de crise (1929/1933), nos Estados Unidos, foram demolidos 92 altos-fornos, 72 na Inglaterra, 28 na Alemanha e 10 na França. A tonelagem dos navios destruídos nestes anos atingiu mais de 6,5 milhões de toneladas de registro.

A ação destrutiva das crises agrárias pode ser vista pelos seguintes dados. Nos Estados Unidos, de 1926 a 1937, mais de 2 milhões de granjas foram vendidas compulsòriamente, em pagamento de dívidas. A renda proveniente da agricultura reduziu-se de 6,8 bilhões de dólares em 1929, a 2,4 bilhões em 1932. Nesse mesmo período, a venda de máquinas e equipamentos agrícolas diminuiu de 458 milhões de dólares para 65 milhões de dólares anuais, ou seja, em 7 vezes, e o consumo de adubos artificiais reduziu-se quase a metade.

O governo dos Estados Unidos adotou todas as medidas para a redução da produção agrícola. Em 1933 foram destruídos por meio de re-aração, 10,4 milhões de acres de culturas algodoeiras, foram comprados e exterminados 6,4 milhões de porcos e o trigo foi queimado nas fornalhas das locomotivas.

No Brasil, foram destruídos cerca de 22 milhões de sacas de café, e, na Dinamarca, 117 mil cabeças de gado.

As crises acarretam inúmeros males a classe operária, as massas fundamentais do campesinato, a todos os trabalhadores. Provocam o desemprego em massa, que condena ao ócio forçado, a miséria e a fome centenas de milhares e milhões de pessoas. Os capitalistas utilizam o desemprego para aumentar a exploração da classe operária e rebaixar o nível de vida dos trabalhadores.

O número de operários ocupados na indústria de transformação dos Estados Unidos, durante a crise de 1907, reduziu-se em 11,8%. Durante a crise de 1929/1933, o número de operários da indústria de transformação norte-americana diminuiu de 38,8%, e a soma de salários pagos caiu de 57,7%. Segundo dados de estatísticos norte-americanos, no período de 1929 a 1938, como resultado do desemprego, foram perdidos 43 milhões de homens-ano.

As crises agravam em alto grau a insegurança da existência dos trabalhadores, seu receio pelo dia de amanhã. Não encontrando trabalho durante anos, os proletários perdem sua qualificação; após o término da crise, muitos deles já não podem voltar a produção. Pioram as condições de moradia dos trabalhadores, aumenta o número de pessoas sem teto que vagueiam pelo país em busca de trabalho. Nos anos de crise, eleva-se bruscamente o número de suicídios de pessoas levadas ao desespero, cresce a mendicidade e a delinquência.

As crises conduzem ao agravamento das contradições de classe entre o proletariado e a burguesia, entre as massas fundamentais do campesinato e os latifundiários, usurários e camponeses ricos que os exploram. Nas condições de crise, a classe operária é privada de muitas conquistas por ela obtidas em luta árdua e prolongada contra os empresários e o Estado burguês. Isto demonstra aos operários que o único caminho para se libertarem da exploração e da insegurança é a destruição do sistema de escravidão assalariada capitalista.

As mais amplas massas do proletariado, condenadas pelas crises a imensas privações, impregnam-se de consciência de classe e de decisão revolucionária. A incapacidade da burguesia para dirigir as forças produtivas da sociedade quebranta a fé das camadas pequeno-burguesas da população na solidez da ordem capitalista. Verifica-se o agravamento da luta de classes na sociedade capitalista.

Durante as crises, o Estado burguês corre em auxílio dos capitalistas com subsídios monetários, que são pagos afinal de contas pelas massas trabalhadoras. Utilizando o aparelho de violência e coerção, o Estado ajuda os capitalistas a realizarem uma ofensiva contra o nível de vida da classe operária e dos camponeses. Isto agrava o empobrecimento das massas trabalhadoras. Ao mesmo tempo, as crises revelam a impotência do Estado burguês em face das leis espontâneas do capitalismo.

As crises constituem o índice mais evidente de que as forças produtivas criadas pelo capitalismo ultrapassaram os marcos das relações de produção burguesas, motivo por que estas últimas se tornaram um freio para o crescimento posterior das forças produtivas.

“A crise demonstra que a sociedade contemporânea poderia produzir uma quantidade de produtos incomparavelmente maior, a fim de melhorar a vida de todo o povo trabalhador, se a terra, as fábricas, as máquinas, etc. não fossem usurpadas por um punhado de proprietários privados, que extraem milhões da miséria popular.”(78)

Cada crise torna mais próxima a derrocada do modo de produção capitalista.

Os economistas burgueses tentam por todos os meios ocultar a verdadeira natureza e as causas das crises, porquanto nas crises se manifestam, de modo particularmente claro e agudo, as contradições insolúveis do capitalismo, que evidenciam a inevitabilidade de sua ruína. Tentando dissimular a inevitabilidade das crises no capitalismo, eles habitualmente as consideram como resultado de causas acidentais, que poderiam ser eliminadas — segundo pensam — com a conservação do sistema de economia capitalista.

Com este objetivo, os economistas burgueses proclamam, como causa final das crises, a violação “casual” da proporcionalidade entre os ramos da produção, ou o atraso “temporário” do consumo em relação a produção, propondo assegurar tipos de “consumo” como a corrida armamentista e a guerra para curar o capitalismo das crises. Todavia, tanto a desproporcionalidade na produção como a contradição entre a produção e o consumo são formas de manifestação inevitáveis da contradição fundamental do capitalismo, que não pode ser eliminada enquanto ele subsista. Alguns economistas burgueses chegam a afirmar que as crises são engendradas pelo movimento das manchas solares, que exerceriam influência nas colheitas e, consequentemente, em toda a vida econômica.

A fim de dissimular a inevitabilidade das crises no capitalismo, os economistas burgueses constroem numerosas “teorias da conjuntura”, nas quais as oscilações da conjuntura, que refletem o curso cíclico da reprodução capitalista, são explicadas pela maior quantidade possível de “fatores”, de ordem casual ou derivada. Nos intervalos entre as crises, os defensores da burguesia se manifestam habitualmente com .afirmações grandiloquentes de que chegou o fim das crises e de que o capitalismo ingressou no caminho do desenvolvimento sem crises. Entretanto, a crise seguinte demonstra toda a falsidade de semelhantes assertivas. A vida revela invariavelmente a mais completa inconsistência de todas as receitas para curar o capitalismo das crises.

A Tendência Histórica do Desenvolvimento do Capitalismo. O Proletariado como Coveiro do Capitalismo

Depois que o capitalismo se tornou o regime dominante, o processo de concentração da propriedade em poucas mãos avançou a passos gigantescos. O desenvolvimento do capitalismo conduz ao arruinamento dos pequenos produtores, que passam as fileiras do exército dos operários assalariados. Ao lado disso, aguça-se a luta de concorrência entre os capitalistas, como resultado da qual um capitalista elimina muitos outros. A concentração do capital significa a concentração de imensas riquezas nas mãos de um círculo cada vez mais estreito de pessoas.

Desenvolvendo as forças produtivas e socializando a produção, o capitalismo cria as premissas materiais do socialismo. Juntamente com isso, o capitalismo engendra seu coveiro — a classe operária, que assume o papel de chefe e dirigente de todas as massas trabalhadoras e exploradas. O desenvolvimento da indústria é acompanhado pelo crescimento numérico do proletariado, pelo aumento de sua coesão, consciência e organização. O proletariado se ergue, cada vez mais decididamente, na luta contra o capital. O desenvolvimento da sociedade capitalista, que leva ao agravamento das contradições antagônicas a ela inerentes e ao agravamento da luta de classes, prepara as premissas necessárias para .a vitória do proletariado sobre a burguesia.

A expressão teórica dos interesses radicais da classe operária é o marxismoo socialismo cientifico, que constitui uma concepção do mundo íntegra e harmoniosa. O socialismo científico ensina ao proletariado a unir-se para a luta de classe contra a burguesia. Os interesses de classe do proletariado coincidem com os interesses do desenvolvimento progressivo da sociedade, fundem-se com os interesses da maioria esmagadora da sociedade, pois a revolução socialista significa a destruição de toda a exploração.

Se, na aurora do capitalismo, alguns usurpadores — os capitalistas e latifundiários — expropriaram as massas populares, o desenvolvimento do capitalismo leva a inevitabilidade da expropriação dos poucos usurpadores pelas massas populares.

“O monopólio do capital torna-se uma algema para este modo de produção que cresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu envoltório capitalista. Este salta em pedaços. Soa a hora da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.”(79)

Tal é a tendência histórica do desenvolvimento do modo de produção capitalista.


Notas de rodapé:

(76) K. Marx, O Capital, vol. III, 1955, p. 259. (retornar ao texto)

(77) K. Marx, O Capital, vol. II, 1955, p. 182. (retornar ao texto)

(78) V.I. Lênin, As Lições da Crise, Obras, vol. V, p. 76.(retornar ao texto)

(79) K. Marx, O Capital, vol. I, 1955, p. 766. (retornar ao texto)

Inclusão 28/03/2015