Fascismo nas Colonias

George Padmore

Fevereiro de 1938


Primeira Edição: Controversy, Vol. 2, No. 17, February 1938.

Tradução: Jorge Fonseca de Almeida - com base na versão disponível em https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/fascism-colonies.htm acedido a 25 de Agosto de 2021

HTML: Fernando Araújo.

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Proposta Nova Lei da Sedição

Apesar da nomeação de uma Comissão Real para analisar as condições de trabalho na Trinidad, a situação política nessa colónia continua a piorar. As concessões económicas temporárias como o aumento dos salários e diminuição das horas de trabalho, que muitas camadas da classe operária forçaram os patrões a conceder na sequência da greve geral, estão ameaçadas. Porque o Governo está a iniciar uma política do tipo Fascismo Colonial que se não for imediatamente contestada levará inevitavelmente os operários a perder os seus direitos cívicos mais elementares, nomeadamente o direito de reunião, de opinião e a liberdade de imprensa.

As autoridades propuseram a aprovação da Lei da Sedição; ficam proibidas as reuniões públicas ao ar livre; os editores dos jornais são ameaçados com processos judiciais; desembarcaram tropas britânicas para guardar os centros industriais da ilha; foi aprovada uma soma de $51.000 para armar uma melícia de voluntários da classe média destinada a proteger os interesses estabelecidos; tudo isto enquanto vários líderes sindicais, incluindo Uriah Butler,(1) Presidente do Partido dos Trabalhadores e Cidadãos do Império Britânico pela Autonomia, foram presentes ao Tribunal Criminal sob acusação de homicídio, sedição e incitamento à revolta. Butler foi condenado a dois anos de prisão. Uma onda de terrorismo e de intimidação varre o país.

Análise da Situação

Os trabalhadores das Índias Ocidentais, os Negros e os caribenhos, estão entre os trabalhadores mais mal pagos do mundo e, consequentemente, o seu nível de vida é extremamente baixo. Nos últimos anos, as suas condições tornaram-se quase intoleráveis, devido ao desemprego e ao aumento do custo de vida. Desorganizados e sem quaisquer direitos políticos, têm sido incapazes de obter qualquer forma de apoio social, apesar do fato de que durante anos o Capitão A. A. Cipriani, que, até recentemente, era visto como o líder indiscutível das massas trabalhadoras da ilha, ter vindo a apelar ao Governo para que tomasse medidas para melhorar as condições dos trabalhadores.

Cipriani(2) é um branco nativo, com ascendência na Córsega e descendente dos Bonapartes. É o presidente do Partido Trabalhista de Trinidad e um dos sete membros não oficialmente eleitos do Conselho Legislativo.

Em Maio último, Cipriani foi nomeado pelo Governo como um dos dois representantes da colónia para a cerimónia da Coroação.(3) Durante a sua ausência os patrões, nomeadamente os dos campos petrolíferos, começaram a racionalizar a indústria, e os trabalhadores levados ao desespero iniciaram a 19 de Junho uma greve com ocupação do local de trabalho. Mal a greve foi decretada, os gestores das empresas pediram ajuda ao Governo para a esmagar. A polícia foi enviada de Porto de Espanha para o sul da ilha, onde se localiza o centro da indústria petrolífera. Quando lá chegaram começaram imediatamente a espancar os grevistas e a expulsá-los dos campos de petróleo.

Na Trinidad a maioria dos trabalhadores industriais e agrícolas vivem em cabanas ou aquartelamentos no interior das instalações das empresas para que sempre que se atrevem a fazer greve a primeira coisa que os patrões fazem é declará-los ocupantes ilegais e expulsá-los conjuntamente com as suas famílias. Embora os trabalhadores protestassem contra serem postos na rua, concordaram em desocupar pacificamente a propriedade de seus amos.

Os problemas começaram quando o líder grevista Butler falava à multidão num descampado nas imediações dos campos petrolíferos. A polícia armada de pistolas tentou dispersar a multidão e prender Butler. Desencadeou-se uma luta no decurso da qual um cabo da polícia foi morto e vários civis feridos. No dia seguinte o Governador deu ordens para ao comandante local das Forças para recrutar um corpo de voluntários de entre a população branca. Este corpo foi armado e ficou a controlar os campos petrolíferos no Point Fontin e em Fyabad. Esta provocação despoletou uma maior revolta que resultou na morte de 10 trabalhadores e 16 trabalhadores feridos. Entretanto o Governador telegrafou para o Colonial Office(4) a pedir reforços. Na manhã de dia 22 de Junho o H.M.S. Ajax(5) chegou a Porto de Espanha e desembarcaram centenas de fuzileiros e de marinheiros. Dois dias depois o cruzeiro Apollo desembarcou mais tropas que foram destacadas para controlar a refinarias de petróleo e os pontos estratégicos da capital.

Por essa altura a greve já tinha alastrado a Porto de Espanha marinheiros, estivadores, manipuladores de gruas, carregadores, e trabalhadores das obras públicas tinham declarado solidariedade com os operários dos campos petrolíferos. Realizaram-se manifestações espontâneas com os trabalhadores a manifestaram-se nas principais ruas da cidade com faixas e gritando slogans como “Pedimos pão e dão-nos chumbo quente” e “Parem de assassinar os trabalhadores indefesos dos campos petrolíferos”.

Apesar da exibição de força militar mobilizada pelo Governador para intimidar as pessoas, os grevistas recusaram-se a voltar ao trabalho até que as suas reivindicações fossem atendidas. A greve era agora geral em toda a ilha. Milhares de caribenhos nas plantações de açúcar recusaram-se a trabalhar. Em várias partes do país os transportes motorizados começaram a parar por falta de gasolina; os navios atracados no porto da cidade de Porto de Espanha não conseguiam desembarcar as suas cargas. Toda a vida económica do país parou.

Alarmados com o enorme desperdício de petróleo nos campos petrolíferos, as companhias decidiram negociar com os líderes da greve. Contudo o Governo decidiu obstruir as negociações ameaçando prender Butler que por essa altura estava já na clandestinidade. A Polícia determinada a apanha-lo ofereceu uma recompensa de £100 aos operários que quisessem trair o seu líder. No entanto os grevistas rejeitaram desdenhosamente tal oferta e nomearam uma comissão para as negociações com os patrões. Depois de muito regatear as empresas concordaram com algumas das reivindicações e os homens regressaram ao trabalho.

Os Departamentos Governamentais, nomeadamente as Obras Públicas, também aumentaram os salários dos operários e introduziram as oito horas de trabalho. Até os varredores de ruas empregados da Câmara de Porto de Espanha receberam um aumento de ordenado.

A falta de vitaminas dos Nativos

O Governador, ao analisar a situação perante o Concelho Legislativo, admitindo a justiça da luta dos trabalhadores, declarou que:

“Quando cheguei à Trinidad, fiquei dolorosamente impressionado com a pobreza, nomeadamente com a constituição física da população caribenha. Eu vinha dos Mares do Sul, para onde os caribenhos tinham sido levados em circunstâncias semelhantes, para trabalhar nas plantações de açúcar, mas aí os homens têm claramente uma figura mais fina. Penso no meu Relatório escrito em 1935. Ele refere a visita de um médio holandês. Ele percorreu o país em companhia de um dos nossos médicos. Ele estava chocado com as evidências de malnutrição que observou nestas áreas. Disse que tinha 20 anos de experiência nas Índias Ocidentais Holandesas e que, embora tivesse tido já contacto com as consequências resultantes da falta de vitaminas, nunca tinha visto condições tão aflitivas como as que existiam entre a população trabalhadora caribenha – homens e mulheres -que claramente sofria de falta de todas as vitaminas conhecidas. No hospital o médico indicou-me aleatoriamente diversos casos e mostrou-me as terríveis consequências que as doenças provocadas pela falta de vitaminas causam entre a população trabalhadora caribenha”.

Esta confissão perturbou de tal maneira a opinião pública que o Governador, com a autorização do Secretário de Estado das Colónias, nomeou uma Comissão para investigar as causas da agitação e as condições de trabalho na ilha.

Política de Repressão

Inspirados pelo seu sucesso os operários começaram pela primeira vez na História da ilha a organizar sindicatos para salvaguardar os ganhos obtidos e para lutar pelo direito à contratação coletiva. Mas, como seria de esperar, os patrões, organizados na poderosa Câmara de Comércio, opuseram-se ferozmente ao sindicalismo e denunciaram os sindicatos como organizações ilegais e ninhos de sedição e de bolchevismo, e dizendo que não fariam quaisquer acordos com eles.

Para abafar qualquer crítica, a primeira coisa que o Governador fez, foi impor a censura da imprensa durante a greve e ameaçar os editores locais com prisão sumária se se atrevessem a comentar as medidas militares que tinha adotado ou a perseguição que a Polícia com a ajuda dos militares tinham montado para apanhar Butler e outros líderes sindicais. Aldeias inteiras foram cercadas e levadas a cabo revistas casa-a-casa.

Desde então outras medidas mais diretas foram tomadas para restringir a atividade sindical, nomeadamente a proibição de reuniões públicas. É significativo que esta medida tenha sido tomada apenas depois dos membros da Comissão de Inquérito provenientes do Reino Unido terem partido da colónia. Numa carta dirigida ao Presidente da Câmara e aos concelheiros municipais de Porto de Espanha, o Honorável A. W. Seymour, C.M.G.(6) apelou a que esse órgão cooperasse com o Governador proibindo os operários de usar as praças públicas ou os espaços abertos da cidade para fazer as suas reuniões.

Na Trinidad, como na maioria das colónias, existem poucos espaços fechados adequados para a realização de assembleias de operários e os que existem são propriedade dos patrões que, naturalmente, não os alugariam aos sindicatos, mesmo se os operários tivessem possibilidade de o fazer. Assim os únicos locais onde os operários podem realizar as suas reuniões são os espaços comuns e uma vez que estes espaços estão sob a jurisdição da Empresa Municipal o Governo, para levar a cabo o seu ataque à liberdade de discurso e de reunião, precisa do apoio do Câmara.

Mas o Governo foi ainda mais longe na sua determinação de abafar todas as críticas e de instilar o medo de Deus nos corações dos nativos.

No dia 13 de Novembro, na reunião do Conselho Legislativo, um órgão composto na sua maioria por altos funcionários públicos e pelos nomeados pelo Governador em representação dos grandes interesses ligados ao petróleo, agricultura, comércio, foi aprovada em primeira instância um novo regulamento anti sedição. A Lei prevê que:

  1. Quem promover, tentar, preparar, praticar ou conspirar com outros para fazer qualquer tipo de ato de sedição, ou quem emita palavras com intenção sediciosa, comete um delito.
  2. Quem publicar, vender, colocar à venda, distribua ou imprima com vista a publicação, publique, escreva, componha, faça, produza, importe ou tenha na sua posse, controlo qualquer publicação sediciosa será considerado culpado de um delito.
  3. Os culpados destes delitos definidos nesta secção serão punidos com multa que não pode exceder os 4.000 dólares ou a prisão com ou sem trabalhos forçados por prazo que não exceda os dois anos ou multa e prisão ou se condenados sumariamente por um magistrado a multa que não exceda os 4.080 dólares ou a prisão que não exceda os seis meses ou a multa e prisão.

Três dias depois, coincidindo com o julgamento de Butler e de outros líderes sindicalistas no Tribunal Criminal, o Governador num gesto ameaçador para a populaça chamou o H.M.S. York para o porto de Porto de Espanha e trouxe o regimento Sherwood Foresters(7) das Bermudas num navio canadiano a vapor. E para agravar a humilhação a manutenção desta força será paga pelos contribuintes da Trinidad.

A intimidação atingiu um tal ponto que até os membros do Conselho Legislativo não podem abrir a boca sem correr o risco de serem presos. Por exemplo, numa reunião recente do Conselho Legislativo o Governador, para além de sobrecarregar a colónia com a conservação e manutenção da guarnição britânica, votou a atribuição da verba de $51.000 para rearmar as forças voluntárias locais sob o pretexto de a colónia se ter de preparar para uma possível invasão. Contudo o Capião Cipriani objetou contra a atribuição de uma verba tão considerável a gastos militares num momento em que os operários sofrem os efeitos da depressão económica. Descreveu a medida como sendo uma medida de classe: armar as forças para reprimir a agitação operária em favor dos patrões. O Governador tomou nota das declarações de Cipriani e disse que as ia enviar para o Procurador-Geral, acrescentando que não existem privilégios para os membros do Conselho Legislativo.

O Sr. Lloyd Smith, jornalista nativo e editor do Sunday Chronical, está a ser acusado de sedição por ter publicado uma carta assinada por um antigo funcionário público alegadamente por esta ser depreciativa para o departamento em causa. O Sr. Smith vai ser levado a julgamento na próxima semana.

10 Anos de prisão para líder sindical

Uma onda de repressão similar varre também a colonia vizinha da Trinidad, a ilha de Barbados que também foi cenário de agitação laboral.(8) Vários líderes operários estão a ser acusados de sedição e rebelião no Tribunal Criminal. O julgamento dos acusados ainda não terminou mas um homem chamado Ultic Grant(9) foi condenado a 10 anos de prisão por participar numa manifestação de desempregados em Bridgetown no decurso da qual seis homens foram mortos e vários foram feridos. Também desembarcaram fuzileiros na ilha. Desde então o Governador dos Barbados, Sir Mark Young,(10) que tem reputação de ser menos complacente com os nativos do que Fletcher, foi colocado na Trinidad, onde o Duque de Montrose,(11) Presidente das Companhias Petrolíferas, exigiu ao Colonial Office que estabelecesse uma base naval para proteger os interesses instalados.

A 10 de Janeiro o Sr. Ormsby-Gore anunciou que o Rei tinha aceitado a demissão de Sir Murchison Fletcher.(12) Demissão que devia ser uma tomada de consciência para os Socialistas. O Governador era um Imperialista, mas porque teve a coragem de criticar publicamente as condições de escravização na ilha, os barões do açúcar e os reis do petróleo não lhe perdoaram.

Ao fim de 140 anos como Colónia da Coroa o povo da Trinidad e das outras colónias caribenhas sofrem ainda de um conjunto de problemas económicos, políticos e sociais que se têm agravado pelos métodos autocráticos dos administradores coloniais. É mais que tempo duma mudança profunda das constituições políticas destas colónias em direção à autodeterminação. Essa é a tarefa que a História colocou nas mãos das massas trabalhadoras da Caraíbas- caribenhos e Negros; porque a burguesia caribenha é uma das classes dominantes coloniais mais reacionárias e nunca fará concessões a menos que obrigada.

É o dever dos Socialistas britânicos e dos sindicalistas apoiar estes operários das colónias.


Notas do tradutor para português:

(1) Tubal Uriah Butler (1897-1977) foi um líder político e sindical Negro caribenho. Liderou a “marcha da fome” dos trabalhadores dos campos petrolíferos em direção a Porto de Espanha a capital da colónia em 1935. Pela sua política firme de defesa dos trabalhadores foi expulso do Partido Trabalhista em 1936, tendo imediatamente formado o seu próprio partido. Organizou as revoltas operárias de 1937 nos campos de petróleo e nas fábricas de açúcar pelo que foi preso e condenado sob falsas acusações. Esteve preso de Setembro de 1937 a Maio de 1939. Quando começou a II Grande Guerra foi de novo preso, situação em que passou todo o período da guerra. Depois da guerra o seu partido ganhou as eleições, mas o representante inglês promoveu uma cisão no partido de Butler e para chefe do governo local o chefe da fação rival. (retornar ao texto)

(2) Arthur Andrew Cipriani (1875-1945), nasceu em Porto de Espanha na Trinidad filho de um dono de uma plantação. Durante a I Grande Guerra teve um papel ativo no recrutamento de caribenhos para o exército britânico para combater na Europa. Foi eleito diversas vezes para Presidente da Câmara de Porto de Espanha. Foi o fundador do Partido Trabalhista e o Presidente da Central Sindical Associação dos Trabalhadores da Trinidad. (retornar ao texto)

(3) refere-se eventualmente à coroação de Jorge VI que teve lugar a 12 de Maio de 1937. (retornar ao texto)

(4) O Colonial Office era o Ministério das Colónias britânico. (retornar ao texto)

(5) HMS é a sigla de His/her´s Majesty Ship ou seja o Navio de Sua Magestade. O HMS Ajax era um cruzador, um navio de guerra fortemente armado e couraçado e escoltado por um hidroavião. (retornar ao texto)

(6) Condecoração inglesa. A sigla C.M.G. significa Cavaleiro da Ordem de São Miguel e São Jorge, ambos santos militares. (retornar ao texto)

(7) Um regimento do exército britânico. Existiu de 1881 a 1970. (retornar ao texto)

(8) Esta agitação laboral ocorreu no ano de 1937. Um dos líderes da greve foi Clement Payne, hoje considerado Herói Nacional, tendo como seus lugares-tenentes Menzies Chase, Darnley Alleyne, Israel Lovell e Ulric Grant. (retornar ao texto)

(9) O líder sindical Ulric Grant só veio a ser libertado em 1942 tendo passado 6 anos, de 1937 a 1942, na prisão. (retornar ao texto)

(10) Mark Aitchison Young (1886-1974) foi um prepotente administrador colonial britânico tendo exercido o seu poder em África, nomeadamente na Serra Leoa, mas também nas Caraíbas, nos Barbados e na Trinidad e na Ásia em Hong-Kong. (retornar ao texto)

(11) Os Duques de Montrose são uma família aristocrática de origem escocesa muito conservadora e reacionária. O 7º Duque de Montrose foi Ministro da Agricultura do Governo racista da Rodésia de Ian Smith e um dos signatários da Declaração Unilateral de Independência. (retornar ao texto)

(12) Murchison Fletcher (1878-1954) foi um administrador colonial britânico tendo exercido os seus poderes repressivos no Sri Lanka e no Fidji antes de se tornar Governador de Trinidad e Tobago. Foi odiado pelo povo da Trinidad. (retornar ao texto)

Inclusão: 06/09/2021