Os Trabalhadores Brancos e os Negros

George Padmore

Maio de 1938


Primeira Edição: Controversy, Volume 2, Número 20, Maio de 1938.

Tradução: Jorge Fonseca de Almeida - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/white-workers-black.htm

HTML: Fernando Araújo.

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Lenine falou do “aburguesamento” do estrato superior dos trabalhadores britânicos como uma arma poderosa nas mãos dos imperialistas na sua luta contra a Revolução Social. E realçou que o processo de identificação dos interesses desta aristocracia operária com os interesses da classe dominante é um elemento emergente do desenvolvimento do capitalismo no seu estádio imperialista. Em lado nenhum este fenómeno é mais claro do que na África do Sul, onde os trabalhadores brancos divorciaram completamente os seus interesses dos interesses dos trabalhadores nativos, à custa dos quais engordam. Pois “o trabalhador branco vive assombrado pelo medo da competição das grandes massas de trabalhadores nativos”, é o que se declara num documento de um sindicato sul-africano.

“A auto preservação é a primeira lei da natureza, e por conseguinte a política seguida até aqui tem sido a de “colocar os nativos no seu lugar” de maneira a que os lugares mais bem pagos sejam mantidos como coutada especial dos trabalhadores europeus. Esta política, que tem o apoio do Partido Trabalhista da União, implementada através da legislação tem acentuado a divisão entre os trabalhadores brancos e os trabalhadores negros”.

“A política do movimento trabalhista para a indústria é a política “civilizada” que significa na prática a substituição dos trabalhadores europeus por trabalhadores nativos ou por trabalhadores de cor sempre e onde tal seja possível” decidiu o Congresso da União dos Sindicatos Sul-africanos de 1925. Assim, sob pressão do movimento trabalhista branco o Governo aprovou a Lei da Barreira da Cor (Colour Bar Act) em 1926. Esta Lei legaliza a discriminação racial na indústria tornando crime a contratação de trabalhadores negros para ocupações qualificadas. Isto levou a que todos os trabalhadores brancos tenham uma posição hierarquicamente superior à dos trabalhadores negros. Mais ainda, garante que os trabalhadores brancos tenham sempre um ordenado mínimo superior a qualquer trabalhador negro. Nas minas de ouro por exemplo isto significa que o trabalhador branco receba um ordenado mínimo de £1 por dia contra uma média de £2 10 [duas libras e meia] pagos a um trabalhador negro por um mês de trinta dias de trabalho.

Os trabalhadores europeus da África do Sul constituem o grupo mais parasitário da classe operária internacional. Graças à Barreira de Cor eles têm um nível de vida que na Grã-Bretanha apenas estaria ao alcance dos trabalhadores e profissionais mais altamente colocados. Obviamente que estão interessados em alinhar as suas posições com as dos capitalistas na exploração dos negros e esta divisão, arbitrariamente criada, é agravada pelo facto dos trabalhadores brancos fazerem parte de uma minoria racial estrangeira que está determinada em manter a sua dominação sobre a maioria nativa. Esta atitude chauvinista foi formulada há alguns anos atrás por Sir Thomas Watts numa carta ao The Times:

“O homem branco, inglês ou holandês, está determinado a fazer tudo o que puder para permanecer e, mais importante, para dominar. Para isso espera ter a compreensão e o apoio do seu País Natal. Mas se esta lhe for negada isso não o dissuade. Aos que defendem que a Inglaterra não se deve envolver num ato de tão grande injustiça, eu respondo que sendo este assunto de tal forma vital e importante para nós na África do Sul nenhuma consideração ética, nomeadamente referente aos Direitos do Homem, pode interferir”.

Para manter este domínio não é permitido a nenhum trabalhador negro filiar-se num sindicato branco. O movimento sindical europeu na África do Sul é representado pelo Conselho do Comércio e do Trabalho composto pelo Congresso do Comércio e pela Federação dos Sindicatos do Cabo e as respetivas organizações e associações sindicais afiliadas. Estas organizações totalizam mais de 100 sindicatos e associações cobrindo setores como a construção, a metalurgia, as minas, a tipografia, o têxtil e o agroalimentar. Este movimento não só recusa a filiação de negros como recusa a unir-se com as organizações nativas. A União Industrial e Comercial (UIC) fundada em 1919 pelo jovem nativo do Nyassaland, Clemens Kadalie, foi a primeira tentativa de organizar um sindicato operário negro. Apesar de ter sido concebido como uma pura organização sindical as condições da África do Sul forçaram a UIC a assumir a liderança das lutas politicas, para além das lutas puramente económicas, dos negros. Apesar da perseguição oficial e da hostilidade do movimento sindical branco, a UIC ganhou uma enorme força económica e tornou-se um formidável instrumento politico nas mãos dos negros.

Em 1928 a UIC apelou ao Comité Coordenador dos Sindicatos – a organização conjunta do Congresso dos Sindicatos e da Federação Sindical do Cabo – para que fosse incluída com os trabalhadores brancos num movimento sindical unificado. Em resposta o Comité emitiu um comunicado reconhecendo que “mais cedo ou mais tarde o movimento sindical nacional deve incluir todas as organizações genuínas de trabalhadores independentemente da sua cor, religião ou setor laboral. A questão é quando e como” e o documento prossegue sugerindo que é necessário “um grande esforço de propaganda entre os membros dos sindicatos antes que a filiação possa ocorrer com benefícios para todos”. Temiam que a filiação da UIC pudesse derrotar nas votações internas as organizações europeias e forca-las a abandonar as suas práticas discriminatórias.

O medo de perder os seus privilégios é o fantasma que assombra os trabalhadores brancos e os conduz a aliarem-se com os capitalistas contra os nativos. Esta unidade de raça, oposta à unidade de classe, é responsável pelo alastrar do chauvinismo que penetra todos os estratos da sociedade europeia e fazem da União um estado Fascista clássico. Aqui uma minoria racial de 1,800,000 impiedosamente reprime 6,5 milhões de negros na sua própria terra, negando-lhes os mais elementares direitos humanos democráticos.

Os nativos estão cercados por um sistema de leis de passagem que limitam a sua liberdade de movimento e os reduzem à servidão. Leis rígidas negam-lhes a liberdade de expressão, de imprensa, e de reunião e proíbem-lhes a presença nas ruas de Joanesburgo e de outras cidades a partir das nove da noite. Como não têm direito de representação os seus males não podem ser reparados por meios parlamentares.

Vergado sob o peso dos impostos, suportando os custos económicos da União e afastado dos seus frutos, só resta um caminho ao nativo. Só podendo contar consigo mesmo deve procurar os caminhos e as vias de organizar as suas forças e de explorar todos os conflitos no campo da classe dominante que lhe permitam fazer avançar a sua causa rumo ao objetivo da autodeterminação. Neste esforço de unidade os negros devem também atrair para a sua causa os indianos e outros trabalhadores de cor da África do Sul que também são vítimas da discriminação racial. Isto não significa que devam rejeitar qualquer assistência ou apoio que trabalhadores brancos politicamente avançados lhes queiram prestar pontualmente, individualmente ou em grupo, mas seria uma desilusão para os negros depositarem alguma fé no Partido Trabalhista Sul-africano ou na burocracia do movimento sindical branco que estão cada vez mais identificados com o Estado. Mesmo os pobres e os desempregados brancos que poderiam aproximar-se dos trabalhadores negros e de cor, estão a ser organizados contra os nativos pelos Fascistas, nomeadamente os de organizações como os Novos Guardas, os Camisas Cinzentas, o Movimento Nacional-Socialista Democrático e até o partido do Dr. Malan que atualmente lidera uma campanha com vista à expulsão dos Judeus da África do Sul e pela interdição de todos os negros das cidades.

O futuro da África do Sul está ligado ao futuro da Europa, e por isso os trabalhadores nativos devem cerrar fileiras e preparar-se para que quando a oportunidade chegar possam desferir um golpe decisivo contra o brutal sistema imperialista Afrikander que os reduziu a uma condição pouco diferente da escravidão.


Inclusão: 01/07/2020
Última alteração: 03/07/2020