Raça, Nação, Povo

Georges Politzer

1939


Primeira Edição: Publicado originalmente em POLITZER, G. A Filosofia e os Mitos, trad. de Eduardo Francisco Alves, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978, pp. 63–76

Fonte: https://medium.com/katharsis/g-politzer-raça-nação-povo-1939-72bf4c9507fa

Colaboração: Bruno Bianchi

HTML: Fernando Araújo.

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Para todos os homens civilizados, fascismo é, daqui em diante, sinônimo de barbárie. Para um homem civilizado, que pode pensar e sentir de outra forma que não sob o constrangimento do terror material e moral, a cultura, ou seja, a civilização realmente assimilada se manifesta necessariamente pela repugnância às práticas do fascismo nas políticas interna e externa.

Mas existe um aspecto do fascismo que é bastante conhecido em seu conjunto, sem ser entretanto sempre apreendido em todo seu significado: é a “ideologia” que o fascismo terminou por se adjudicar e que é conhecida sob o nome de racismo.

A experiência, pouco a pouco, ensina a todos que o racismo significa os pogroms no interior, a subjugação de povos livres, a nova guerra imperialista no exterior. Sabe-se igualmente que racismo significa obscurantismo: a supressão dos direitos da ciência e da consciência, a proibição da livre pesquisa científica, a ciência e a filosofia rebaixadas ao nível da apologética mais vulgar.

Mas coloca-se também a questão de saber por que o fascismo fixou-se precisamente sobre a noção de raça, por que escolheu como invólucro precisamente o racismo.

Encontram-se às vezes respostas que são pouco claras e que arriscam fazer com que se tome a aparência pela realidade.

É um fato, por exemplo, que os fabricantes da mitologia racista utilizaram os autores “pangermânicos” do pré-guerra. Hitler refere-se, em Mein Kampf, expressamente a Chamberlain. Donde se conclui às vezes que o racismo é simplesmente o pangermanismo do pré-guerra.

Está claro que existem, entre o pangermanismo do pré-guerra e o racismo atual, não somente imagens comuns, mas também raízes comuns. Para alcançá-las seria preciso abandonar o domínio da ideologia pura, não se contentar em “deduzir” as ideologias umas das outras. Seria preciso, ao contrário, esclarecer as relações ideológicas pelas relações sociais, e estas últimas pelo estudo das relações econômicas.

Se não se segue tal método, escorrega-se simplesmente da ideia, segundo a qual o racismo é apenas o pangermanismo, à tese banal e reacionária da “eterna Alemanha sempre a mesma”, noção anti-histórica, porque a “eternidade” da Alemanha, como de qualquer país ou de qualquer realidade, não consiste na identidade intemporal de uma essência metafísica, mas numa evolução histórica concreta que é, como qualquer evolução, “uma luta de tendências opostas”, segundo a definição bem conhecida de Lênin. E, porque metafísica, essa ideia da alma da velha Alemanha é uma ideia puramente mística. Adotando-a, aproximamo-nos não apenas de uma certa literatura reacionária francesa, mas também de um dos aspectos da propaganda racista, que brande, ela também, a ideia mística da antiga alma germânica. Termina-se assim por fixar o conteúdo efetivo do racismo segundo o que o racismo diz de si mesmo.

Por outro lado, é verdade que o racismo se refere à biologia. Malgrado todo o seu terror, e malgrado toda a sua propaganda por meio da mística, ele se encontra na incapacidade de dispensar um arremedo que seja de justificação racional.

O racismo constrói, portanto, uma fabulação biológica que deve servir-lhe de justificativa diante dessa razão que lhe agradaria, mas que não pode, abolir. Aí, também, a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude.

Certos adversários do racismo deixam-se enganar pelas referências à biologia. Não que considerem que a biologia justifique a mitologia racista do sangue, mas admitem que o racismo é um “biologismo”, e é na biologia que procuram a diferença entre as ideologias alemãs reacionárias do pré-guerra e o racismo de hoje em dia. Dizem então que o pangermanismo é político, enquanto que o racismo é biológico.

De fato, o problema reside em determinar o fundo verdadeiro dessa biologia. O que caracteriza o biologismo nazista é que sua explicação não se encontra na biologia.

Os chefes nazistas, naturalmente, sabem disso muito bem. Eis porque desejam proibir que se busque a origem por trás da biologia. Rosenberg escreveu em O Mito do Século XX:

“A luta entre o sangue e o mundo circundante, entre o sangue e o sangue, representa o último fenômeno que podemos atingir, para trás do qual não nos é dado buscar e fazer pesquisas”.

Mas não é porque Rosenberg proíbe de procurar mais atrás da mitologia biológica que nós devemos nos abster de tais pesquisas e pararmos nessa ideia de que o racismo é uma obstrução sofrida pela biologia. Ao contrário, devemos encetar essa pesquisa. Achamos então que o que é decisivo no racismo não é a biologia, mas essa fração, a mais reacionária do grande capital, e de que o fascismo representa a ditadura.

Estas poucas observações tendem a mostrar que uma análise aprofundada do racismo é necessária, por meio de um método seguro e que seja realmente científico.

Uma tal análise, de fato, não nos proporciona somente a compreensão teórica. Nessa questão, a ligação entre a teoria e a prática é particularmente decisiva. É na medida em que compreendermos verdadeiramente o que é o racismo que poderemos lutar mais eficazmente contra ele.

Em seu relatório diante da Conferência Nacional do Partido Comunista, que se realizou em janeiro último, Maurice Thorez, examinando o conjunto dos problemas colocados diante dos franceses, abordou a questão do racismo. Ele trouxe, a respeito de um dos aspectos mais decisivos e menos compreendidos até agora, uma análise cuja contribuição teórica e prática não se poderia sublinhar suficientemente: diz respeito ao problema das relações entre raça e nação. Maurice Thorez retomou a pergunta de Renan: “O que é a nação?” Ele nos forneceu uma resposta da qual pode-se dizer sem hesitação que passará para a história como uma etapa decisiva na evolução da consciência nacional dos franceses.

Para muitos, o racismo é simplesmente um “nacionalismo exacerbado”. De fato, Hitler explorou a exasperação do sentimento nacional dos alemães em seguida à humilhação imposta a uma grande nação pelo Tratado de Versalhes, a ocupação do Ruhr e toda a política preconizada com relação à República de Weimar pelos reacionários franceses, à época antiweimarianos e hoje em dia pró-hitleristas. De resto, Hitler batizou seu movimento de “nacional-socialismo”, e Mein Kampf contém numerosas passagens sobre a “organização” do retorno necessário das massas ao chauvinismo.

Mas uma coisa é o sentimento que o racismo deseja explorar, e outra o seu conteúdo efetivo. É preciso não confundir os meios pelos quais ele deseja se introduzir nas consciências com os objetivos que realmente persegue. Se o racismo se apresenta como nacional-socialismo, ele é tão antinacional quanto é antissocialista.

Foi sobre esta oposição entre raça e nação que Maurice Thorez chamou nossa atenção. Alguns acreditam que o racismo consiste em identificar raça e nação, em dar à ideia de nação um conteúdo biológico. Maurice Thorez demonstrou que o racismo deseja substituir a nação pela raça e que, desejando esta substituição, ele trabalha pela destruição do próprio fato nacional. À nação, à comunidade de homens historicamente constituída, fascismo pretende opor a união das pessoas da mesma raça, do mesmo sangue. Maurice Thorez citou este texto característico do Rheinfront hitlerista:

“A velha ideia do Estado, baseada sobre a nacionalidade, ideia emprestada do oeste da Europa, está sendo liquidada”.

É a própria doutrina do racismo. Falando do Estado, Hitler escreveu em Mein Kampf que

“seu objetivo reside na conservação e no desenvolvimento de uma comunidade de seres vivos da mesma espécie, física e mentalmente”,

e que “os Estados que não correspondem a essa finalidade são fracassos, abortos”.(1) Por sua vez, Rosenberg proclama que “o velho nacionalismo está morto”, da mesma forma que “a velha Igreja judaico-oriental-síria” e o “velho socialismo”.(2) Ele diz expressamente que o racismo “não tem que fazer nascer um entusiasmo pelo nacionalismo em si”. O racismo, portanto, levanta a raça contra a nação e as nações, o Estado racista contra o Estado nacional e os Estados nacionais. O nacionalismo cuja morte ele proclama é o nacionalismo autêntico, cujo conteúdo é a afirmação real da nação.

É portanto sua verdadeira essência que o racismo revela quando se atira selvagemente contra as nações livres, quando assassina a nação espanhola, quando suprime a independência nacional dos tchecos e dos eslovacos. Não é o racismo que se contradiz. São seus atos que contradizem aqueles que tomaram a sério o conteúdo de sua demagogia.

É conhecida a resposta de Renan à pergunta “O que é a nação?”.

Afirmando que “a nação é uma alma, um princípio espiritual”, Renan desejava opor expressamente a nação, produto do devenir histórico da humanidade, à raça, princípio zoológico.

“A história humana, escrevia ele, difere essencialmente da zoologia. A raça não existe aí da mesma forma como entre os roedores ou os felinos, e não se tem o direito de sair pelo mundo apalpando o crânio das pessoas e depois agarrá-las pelo pescoço, dizendo: ‘Tu és do nosso sangue, tu nos pertences’. Fora dos caracteres antropológicos, existe a razão, a justiça, a verdade, o belo, que são os mesmos para todos”.

Renan negou energicamente a realidade das “raças puras”.

“Os países mais nobres, a Inglaterra, a Itália, a França, são aqueles onde o sangue é mais misturado. Será a Alemanha, a esse respeito, uma exceção? Será ela um país germânico puro? Que ilusão!”

Da mesma forma, para o fascismo a raça é hoje em dia um “mito”. Mas precisamente um dos aspectos essenciais dessa substituição do princípio nacional pelo “princípio racial” é que este simboliza a vontade de destruir tudo que significa consciência, civilização e humanidade, a distância histórica entre a raça e a nação.

“Nesta hora atual, dizia ainda Renan, a existência das nações é boa, mesmo necessária. Elas são a garantia da liberdade, que se perderia se o mundo só tivesse uma lei e um senhor.”

O fascismo não deseja nações-garantia-de-liberdade. Não quer essas comunidades de homens, historicamente formadas, cuja consciência nacional contém a memória dos progressos já alcançados e a esperança dos progressos por alcançar, cuja vontade de independência limita suas possibilidades de expansão. O fascismo não quer encontrar à sua frente povos heroicos como o povo espanhol que, lutando contra a subjugação, defende com sua liberdade a liberdade do mundo.

Eis porque o obscurantismo racista proclama abertamente que é preciso apagar da memória dos homens e da sociedade todo aquele período histórico que é o do desenvolvimento solidário das nações, da consciência nacional e das luzes: as trevas devem substituir as luzes, a alma racial — a “Rassenseele” — o sentimento nacional, grupos de homens batizados de raças, as nações livres. Mas a “pureza” dessas “raças” é apenas a máscara grosseira da submissão total dos homens ao grande capital. Pois este sonha em realizar a ferro e fogo a “criação” (é o termo racista que substitui oficialmente a palavra “educação”) de uma humanidade para sempre surda aos apelos da história.

Maurice Thorez não se limitou a mostrar o conteúdo essencialmente antinacional do racismo. Face à barbárie racista, ergueu a afirmação da nação, de seu conteúdo espiritual, superior ao conteúdo biológico da raça, de seu porvir certo e necessário.

“Sabemos muito bem, disse Maurice Thorez, como a nação francesa foi constituída, através dos séculos, por vinte raças que se fundiram nesse imenso cadinho que foi e continua sendo o nosso país, com seu solo, com suas riquezas naturais, seu clima privilegiado, sua situação única, com suas condições naturais que, desde as épocas mais longínquas, dispuseram os habitantes de nosso país, e aqueles a quem acolhia, ao amor pelo trabalho, ao senso de medida, ao espírito de método e clareza, às qualidades que são dos franceses, aos defeitos que são também os nossos, a tudo que constitui — língua, mentalidade, além da comunidade de território e de vida econômica — o caráter da nação francesa.”(3)

Esta é uma escala de valores bastante diferente da que possui a barbárie racista. A escala de valores de uma nação civilizada. Somos uma nação não “apesar” da fusão de raças, mas “por causa” dessa fusão. Nossa consciência é nacional não por ser o instinto de uma raça, mas por ser a consciência de uma nação cuja história “difere essencialmente da zoologia”.

“Sim, vinte raças, cuja raiz, preponderante outrora nesta ou naquela província, nesta ou naquela cidade, nos permite perceber, se posso me exprimir assim, as nuanças do tipo nacional em sua feliz diversidade, nos revela ainda os traços distintivos do flamengo e do provençal, do bretão e do alsaciano, de todos esses membros da grande família francesa, de todos esses filhos da República una e indivisível.”

O significado do racismo assim se esclarece inteiramente:

“… É contra esta concepção, contra o fato histórico e social da nação que se levantam hoje em dia o fascismo, o hitlerismo ”,

A raça é a negação da nação ao mesmo tempo no plano ideológico e no plano prático. O racismo no poder deseja destruir de uma só vez a ideia nacional e o fato nacional. Por trás do mito da purificação da raça, procura a destruição do fato histórico e social da nação.

Não há muita necessidade de insistir sobre a importância destas explicações. Elas demonstram que toda orientação em direção ao fascismo é um distanciamento da nação, de seus interesses e de sua defesa. Isto é efetivamente confirmado pela atitude dos hitleristas franceses: seu pretenso “nacionalismo integral” mostra a cada dia sua figura integralmente antinacional.

Por trás desses hitleristas, existem os privilegiados, os parasitas sociais.

“Esses, disse Maurice Thorez, consideram o fascismo como o derradeiro recurso contra as reivindicações justificadas das massas populares. Seguramente que encaram Hitler e Mussolini como policiais cujo sabre tinto de sangue pode-se homenagear, uma vez que, assim creem, graças a eles seus privilégios e seus interesses estarão ao abrigo das reivindicações das massas populares.”

Através de explanações que ganham, à luz dos acontecimentos que se desenrolaram desde então, extraordinário relevo, Maurice Thorez denunciou a atitude contrária aos interesses da França que os parasitas sociais exigiram e obtiveram com relação à Espanha republicana, e que haviam exigido e obtido do governo de Munique.

Hoje em dia, o desmoronamento da política de Munique é patente, reconhecido.

Ninguém ainda esqueceu, contudo, as afirmativas delirantes no dia seguinte aos eventos de Munique: a paz está salva! Leia-se o relatório de Maurice Thorez. Poder-se-á ver com que precisão é desmontada toda a maquinação muniquense, com que clarividência é explicado o voto do grupo parlamentar comunista contra o diktat de Munique, com que segurança se prevê o desmoronamento de toda essa política. Qualquer homem de boa-fé é obrigado a reconhecer: isso é clarividência política verdadeira e verdadeiramente a serviço do país.

E é também dessa clarividência que se ergue a análise em que Maurice Thorez demonstrou que a atitude antinacional dos privilegiados de hoje em dia continua historicamente a atitude antinacional dos privilegiados de ontem.

“Será que em 1792 os nobres, os feudalistas, aqueles que a Revolução burguesa democrática despojava de seus privilégios, não emigravam? Não iam se colocar sob as ordens do rei da Prússia, do imperador da Áustria, para combater os pés-nus, os sem-culotes, os gloriosos soldados dos exércitos da Primeira República, vitoriosos em Valmy, como nos recorda em sua mensagem nosso grande amigo Romain Rolland?”

A nação, disse Renan, é uma grande solidariedade. Os privilegiados, agindo da mesma forma como fizeram ontem, fazendo passar o interesse de classe à frente do interesse nacional, apegam-se atualmente a uma outra solidariedade. Solidários com seus capitais e com seus privilégios, eles vão, sob a forma do racismo, até o ponto de quererem destruir o fato social e histórico da nação. Entre nós, enchem-se de complacência para com esse racismo, que não somente é antinacional em geral, mas visa, além disso, muito especialmente, à destruição da nação francesa.

Revela-se nessa situação, de maneira particularmente surpreendente, o fato de que o povo, a classe operária, representa a afirmação mais resoluta da nação e dos interesses nacionais, porque a nação é antes de tudo o povo. A identificação do povo com a nação, essa a grande ideia desenvolvida por Maurice Thorez.

O exame da atitude atual das diversas camadas sociais diante do interesse nacional seria já suficiente para estabelecer como essa ideia corresponde à realidade. O curso de tantos sucessivos acontecimentos — a Espanha, Munique, as “reivindicações” de Mussolini, os “dias seguintes” de Munique — mostra a cada dia mais claramente que, uma vez que se trata do destino da França, é no povo, na classe operária que se afirmam os horizontes mais elevados e a mais alta clarividência. Entre eles as ideologias de abdicação e desencorajamento não têm o menor sucesso; entre eles não se aceita pensar que as duas palavras de Kierkegaard, “temor e tremor”, definam doravante a sabedoria do homem e a moral do cidadão. O que se manifesta, ao contrário, nas massas populares, é a resolução inabalável de fazer continuar a França, e sua efetiva capacidade para tanto.

Mesmo no domínio do pensamento, é verdadeiramente chocante constatar que foi a classe operária que retomou o nacionalismo francês, vivificando-o, e que foi ela que voltou a fazer a filosofia das luzes, dos valores vivos e ativos. E são também as massas populares que celebram com mais ardor o sesquicentenário da Revolução, cujos princípios são diariamente insultados pelos retóricos racistas.

“É verdade, disse Maurice Thorez, que a grande Revolução Francesa realizou obra universal, que a nação francesa, generosa e ardente, chamou à vida as outras nações, tocou o dobre de finados definitivo do feudalismo e criou a Europa contemporânea.

Hitler e Mussolini podem blasfemar contra a França da Revolução, podem fulminar impropérios contra o espírito de 1789. Sem a Revolução, sem a democracia, o que seriam eles, senão miseráveis campónios esmagados pelos senhores feudais?”

Seria supérfluo qualquer comentário sobre a autenticidade destas observações. Pode-se dizer, junto com Péguy, que nelas a “honra histórica de nosso povo” foi realmente defendida.

A identificação do povo com a nação, que hoje todos podem observar, está inscrita na história, no próprio devenir da nação. Os acontecimentos mais decisivos da gênese e do desenvolvimento da nação estão ligados à ação das massas populares. Em seu relatório, Maurice Thorez relembrou as principais etapas dessa evolução.

A identificação do povo com a nação surgiu “com um fulgor sem igual” no fim do século XVIII.

Viva a Nação! É o grito que brotou do coração dos camponeses e dos artesãos franceses no impulso da grande Revolução cujo sesquicentésimo aniversário celebramos este ano.

Viva a Nação! É o grito dos ‘patriotas’ de 1972, termo então pejorativo que se atirava aos combatentes do povo.

A Nação francesa! Ela constituiu-se definitivamente sobre as ruínas do feudalismo, do absolutismo real, ao som do canhão das Tulherias e de Valmy, ao canto da Carmagnole, do Ça ira e da Marseillaise.

Mas isso era o resultado de um longo desenvolvimento histórico.

“A explosão revolucionaria, com a tomada da Bastilha, com todos os seus episódios heroicos, com todas aquelas batalhas que viram o derramamento do sangue generoso de nosso povo, ‘abrindo uma nova era da história do mundo’, escreveu Goethe, no anoitecer de Valmy; as transformações sociais, que se tornaram inevitáveis e necessárias pelo desenvolvimento das forças produtivas; a forma nacional do movimento progressista e libertário do terceiro estado, quebrando o conjunto carcomido das províncias, elevando-se acima das particularidades locais, tudo isso, em 1789, era o término de um longo e doloroso processo de lutas seculares travadas pelo povo, sob a direção da burguesia, contra as coisas e os homens do antigo regime.”

É impossível orientar-se nas questões políticas, se não se remonta do político ao social. Mostrando-nos a identificação do povo com a nação, Maurice Thorez resgatou o conteúdo social da ideia nacional. A partir disso, os diversos aspectos do problema, tal como se coloca hoje em dia, esclarecem-se perfeitamente.

O racismo fascista que deseja esmagar o povo é violentamente antinacional, precisamente porque é violentamente antissocial. Não pode haver, e não há, uma afirmação da nação que não possa ser ao mesmo tempo uma afirmação do povo, da classe operária. Colocando-se contra o povo, contra a classe operária, coloca-se contra aqueles que de fato garantem, e garantirão, aconteça o que acontecer, a continuidade e a liberdade da nação. A própria sinceridade do sentimento nacional deve ter por consequência a união com o povo. Separando-se do povo, colocando-se contra ele, é da nação que se está separando e é contra ela que se levanta, e não seria possível haver soerguimento nacional sem a classe operária, ou contra ela, mas somente com ela. Precisamente porque a nação é o povo, uma política verdadeiramente nacional não poderia ter por condição medidas antissociais. É contra a própria nação que uma medida antissocial se dirige, e é a nação que se enfraquece com semelhante política. A contradição não é entre a justiça social e a defesa nacional, mas entre a defesa nacional e a reação social. Percebe-se bem isso, assim que se constata como os inimigos do povo se ligam com os inimigos da nação. Hoje em dia, mais do que nunca, opor-se à defesa da democracia e à defesa da nação é suspeito do ponto de vista mesmo dos interesses da França. Constata-se de resto que são os hitleristas, os que desejam enfraquecer a França, que são ao mesmo tempo os detratores mais encarniçados da democracia.

Quanto à oposição que alguns pretendem estabelecer entre o sentimento nacional e o internacionalismo, não é mais autêntica.

Maurice Thorez citou estas palavras de Jaurès:

“Um pouco de internacionalismo afasta da pátria, muito internacionalismo reconduz à pátria”.

A Espanha foi, a esse respeito, a pedra de toque. Os que pretendem não ser possível unir pátria e humanidade foram os partidários mais encarniçados da não-intervenção que permitiu a derrota provisória da Espanha republicana. Esses não veem na nação o povo, nem na humanidade os povos. Para eles, “nacionalismo” ou “internacionalismo” são nomes que dão, segundo as circunstâncias, à sua incapacidade de resistir, ou à sua vontade de ceder, aos inimigos do povo.

Para a classe operária, nação e humanidade são indissoluvelmente unidas. Esta união na consciência dos trabalhadores é o reflexo do fato de que eles são eles mesmos econômica e socialmente. A classe operária não explora ninguém; ela não tem privilégios sociais a perder que possam colocá-la em contradição com a nação, com o povo, ou seja, consigo mesma. Em seu coração não existe, segundo a expressão de de Kérillis, burguês que possa falar mais alto que o patriota.

Existe um “internacionalismo” que nega a nação: é o dos emigrados de Coblentz, o internacionalismo dos inimigos do povo, dos trustes, dos que fazem passar seus privilégios de classe à frente dos interesses da nação. É também o internacionalismo de seus agentes: o de Franco, o de Henlein e dos hitleristas de qualquer espécie.

Mas o internacionalismo da classe operária é a fraternidade dos povos diante de seus inimigos. Ele inclui a defesa da nação, porque a liberdade real da humanidade é solidária com a liberdade de cada povo.

Não há necessidade de insistir sobre a importância das idéias desenvolvidas por Maurice Thorez, e que ele vem enriquecendo sem cessar. Elas trazem luz sobre problemas essenciais cuja compreensão é decisiva atualmente para todos nós. Elas rompem os velhos esquemas artificiais, as oposições factícias que não correspondem aos fatos, os preconceitos mantidos e explorados pelos inimigos da nação e da humanidade. Elas libertam o espírito, esclarecendo a ação.

Estão, portanto, destinadas a exercer no país uma repercussão profunda, bem além das fileiras das massas populares. Com efeito, elas esclarecem a consciência nacional, que os pretensos “nacionais” procuram apenas obscurecer e extraviar.

Na realidade, todo sofisma sobre o tema da nação é assim desmascarado: torna-se claro que uma ideologia que ensina a odiar o povo não pode ser nacional. Todo ilusionismo dos sofistas do “falso patriotismo” esbarra no reconhecimento claro da identificação do povo com a nação.

Pelas idéias construtivas e verídicas que nos traz, Maurice Thorez trabalhou, uma vez mais, pela realização da união que, mais do que nunca, é a condição da salvação.


Notas de rodapé:

(1) Mein Kampf, p. 434, segundo a tradução de Politzer na citação. (N. do T.) (retornar ao texto)

(2) Der Mythus des zwanzigsten Jahrhunderts, p. 215. (retornar ao texto)

(3) Os textos de Maurice Thorez, citados por Georges Politzer, encontram-se no tomo 16 das Obras, pp. 147–151, Edilions sociales, 1956. (N. do E.) (retornar ao texto)

Inclusão: 05/10/2022