Discurso sobre o Requerimento referente ao "Voto de Congratulações pelo 29º Aniversário da Revolução Soviética"[N1]

Luiz Carlos Prestes

11 de novembro de 1946


Primeira Edição: Anais do Senado Federal, vol. 2, 11-11-46, pp. 101-116.
Fonte: Luiz Carlos Prestes; O Constituinte, O Senador (1946-1948), Edições do Senado Federal, 2003.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2007.
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SR. CARLOS PRESTES - Peço a palavra.

SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Senador.

SR. CARLOS PRESTES - Sr. Presidente, o requerimento em debate é de minha autoria. As palavras, que tive ocasião de pronunciar, nesta Casa, a respeito do evento, a que se refere a data de 7 de novembro, 292 aniversário da revolução proletária, da revolução russa, mereceram do nosso nobre colega, Senador pelo Distrito Federal, Sr. Hamilton Nogueira, reparos que foram externados na última sessão desta Casa.

Desejaria encurtar a discussão do assunto e falar o menos possível. Sinto-me, porém, na obrigação de esclarecer alguns pontos daquele meu discurso e também na contingência de fazer alguns reparos ao parecer da Comissão de Diplomacia e Tratados. São, assim, dois os assuntos que me trazem à tribuna. Lamento ter de prender por alguns minutos a atenção de meus colegas, nesta sessão, que já vai tão longa.

Repito e insisto no sentido do meu discurso. Já o declarei de início ao apresentar o requerimento.

Não vim fazer propaganda ideológica; não vim fazer propaganda de meu partido. Se meu discurso for lido com a necessária atenção e serenidade, será fácil verificar que procurei simplesmente exaltar um acontecimento histórico, nas suas causas e conseqüências, em relação ao povo russo. Porque o acontecimento é sem dúvida notável, constituindo, como tive ocasião de afirmar, talvez o maior do século XX.

Sr. Hamilton Nogueira - Na opinião de V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Na minha opinião e na de quem estudar e analisar a História.

Sr. Aloysio de Carvalho - O século XX ainda não terminou. Talvez fosse mais acertado V. Exa. dizer da primeira metade do século.

SR. CARLOS PRESTES - Pelo menos, até agora. Não fazemos profecia. Como fato histórico, até este momento, não tenho conhecimento de outro maior que haja ocorrido no mundo inteiro. Realmente, este século ainda não terminou. Talvez ainda haja acontecimento maior. O socialismo vitorioso no mundo inteiro será certamente acontecimento ainda maior. Mas o que disse, no meu discurso, foi que a 7 de novembro se fez a revolução socialista. Ninguém pode contestar que esta revolução levou o povo russo ao socialismo, por meio de lutas e sofrimentos, com a vitória da União Soviética.

Que a Rússia, com este movimento, progrediu, que deixou de ser aquela Rússia atrasada e miserável de 1917, derrotada nas guerras de 1904 e 1914, para ser a Rússia dos dias de hoje, ao lado das grandes nações como a Inglaterra e os Estados Unidos, pelas suas indústrias, pelo seu poderio, pela sua importância no cenário mundial, é fato que ninguém pode negar. A Rússia, por essa força, conseguiu esmagar um exército mais forte do que o do Kaiser de 1914 e o japonês de 1904, e também o exército nazista, preparado pelo que há de mais reacionário no capital financeiro da Inglaterra e dos Estados Unidos, que contribuíram para o fortalecimento da Alemanha nazista. Prepararam Hitler para utilizá-lo como gendarme da Europa contra o proletariado. . .

Sr. Hamilton Nogueira - V Exa. nega qualquer influência ou a participação da Inglaterra e dos Estados Unidos na luta contra o nazismo? V. Exa. nega a influência dessas duas nações na vitória da Rússia?

SR. CARLOS PRESTES - Não me referi à nação, referi-me à parte reacionária do capital financeiro.

Sr. Hamilton Nogueira - V. Exa. está dizendo que essas nações fortaleceram o nazismo.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa. me perdoe. Cada uma das palavras tem determinado sentido. Referi-me aos elementos reacionários do capital financeiro inglês e americano. Eles não representam nem a Inglaterra nem os Estados Unidos.

Sr. Hamilton Nogueira - De pleno acordo.

SR. CARLOS PRESTES - Todos sabemos que a nação norte-americana é profundamente democrata; que o povo é antifascista e contrário à guerra, assim como os ingleses.

Sr. Hamilton Nogueira - Com que prazer ouço, pela primeira vez, essa declaração de V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Lamento que assim seja porque nela insisti continuadamente. O nobre colega não encontrará um só dos meus discursos, nem documento do meu partido em que se não faça referência clara, incisiva, aberta aos elementos mais reacionários do capital financeiro inglês e americano. Assim, o que disse nada tem que ver com os povos americano e britânico.

Sr. Hamilton Nogueira - V. Exa. está repetindo as minhas palavras; foi exatamente o que afirmei em meu último discurso.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa., se quiser, descobrirá também essas referências no meu.

Sr. Ferreira de Souza - Aliás, foi desmentido pela própria Rússia, quando fez o acordo com o nazismo, por intermédio de Molotoff.

SR. CARLOS PRESTES - Esse acordo, na época, não foi bem compreendido; entretanto, após a guerra, todo mundo esclarecido viu a sua importância, para o próprio esmagamento do nazismo.

Sr. Hamilton Nogueira — Mas, no começo da guerra, a Rússia apoiou o nazismo para imprensar a Polônia.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa. sabe que naquele tempo Chamberlain governava a Inglaterra, o mesmo Chamberlain que esteve em Munique. Não deve ignorar que Daladier, que governava a França, também lá esteve. Os que naquele momento governavam esses países europeus estavam ao lado de Hitler, contra a União Soviética. Antes de iniciada a guerra, Stalin usou expressão muito clara. Já isso em 1939, meses antes, portanto, de agosto do mesmo ano, quando foi feito o pacto.

"Não estamos dispostos a tirar castanhas do fogo para os outros", dizia Stalin em princípios de 1939. E o que eles desejavam era justamente isto. E o pacto com a Alemanha foi a única maneira tática de agir, foi a única maneira da União Soviética evitar, naquele momento, um ataque nazista com o apoio dos imperialistas contra sua fronteira. Porque, na verdade, era justamente aquilo que dizia Stalin e que desejavam os elementos mais reacionários do capital financeiro. Era difícil compreender essa atitude naquele momento. Muitos comunistas mesmo não a compreenderam. Era uma necessidade histórica.

Por que foi a Polônia esmagada?

Porque, em vez de se apoiar na União Soviética, preferiu arrimar-se em Hitler, e teve a resposta decisiva, conseqüente. Se o governo polonês de então formasse ao lado da União Soviética, poderia ter vencido a guerra contra a Alemanha nazista. Mas não, fez justamente aquilo que mais dificultou a aliança da Inglaterra e da França com a Rússia.

Sr. Hamilton Nogueira — O nazismo e o fascismo apertaram as mãos quando esmagaram a Polônia e se encontraram nas linhas de frente. Esmagar os povos pequenos, as pequenas nações é covardia.

SR. CARLOS PRESTES - Esta, a história. Foi o que pretendi assinalar no meu discurso; nada mais. Apenas quis contar os fatos.

Hoje, completando as conclusões de minha oração, senti necessidade de, em resumo, declarar que a Rússia, a União Soviética, é o esteio máximo da paz. A URSS lutou pela paz, enquanto nos outros países existiam os mais reacionários elementos que cercavam e instigavam os agressores.

Sr. Hamilton Nogueira — Todos presenciamos a história e sabemos que V. Exa. não está relatando fielmente o que ocorreu. A questão é de fato. Comunistas e nazistas apertaram as mãos na frente da Polônia.

SR. CARLOS PRESTES - O povo americano não é pela guerra. Não será o presidente Truman, eleito na democracia americana, que poderá facilmente arrastar o povo americano a novo conflito. Os americanos odeiam a guerra. O próprio Roosevelt somente conseguiu fazê-los pegar em armas depois do ataque a Pearl Harbour. Mas, dentro dos Estados Unidos, existem elementos reacionários, do capital financeiro, que querem a guerra e alimentam as grandes empresas telegráficas e noticiosas, que estão criando ambiente para a guerra, provocando-a de todas as formas. O mesmo se passa na Inglaterra.

Essas, as observações que fiz ao encaminhar o requerimento de congratulações com a União Soviética. Não se tratava, portanto, de propaganda ideológica ou partidária. Naturalmente sou comunista, sou socialista. Olho a União Soviética como a parte do mundo onde o socialismo já está realizado, onde as antigas hipóteses de Marx — hoje teorias verificadas na prática — são realidade. Já existe socialismo na Rússia. Pode dizer-se tudo quanto se queira da Rússia, mas afirmar-se que na União Soviética existe propriedade burguesa é falso. Propriedade burguesa é a propriedade dos meios de produção por meio da qual se explora o trabalho alheio.

Sr. Hamilton Nogueira — V. Exa. disse que citei uma constituição atrasada. A Constituição russa, que citei, é a última, de 1936.

SR CARLOS PRESTES - Propriedade privada não quer dizer propriedade burguesa. Propriedade burguesa, repito, é a posse dos meios de produção por meio dos quais se explora o trabalho humano. É o dono da fábrica, o dono das máquinas vivendo da mais-valia do trabalho humano. Entretanto, propriedade privada não é propriedade burguesa, e o socialismo não nega a propriedade privada, a propriedade para gozo individual.

Sr. Hamilton Nogueira - Permita-me V. Exa. um aparte. Suponhamos que um Estado qualquer, seja qual for o regime, dê a determinado grupo ou indivíduo um lote de terra, com direito a inventário. Que diferença V. Exa. faz entre isso e propriedade burguesa?

O SR. CARLOS PRESTES - A diferença está em que a propriedade burguesa é aquela que determina rendimento, lucro; na propriedade privada não há lucro, porque este, se existe, é por meio do trabalho de terceiros, por meio de mais-valia. Pela mais-valia é que é possível explorar o trabalho alheio. Na União Soviética não se explora o trabalho de ninguém; lá ninguém vive do trabalho de outrem.

Sr. Hamilton Nogueira — É aspecto louvável da Constituição russa essa do direito do proprietário. Mas está em contradição absoluta com a doutrina de Marx, porque pela doutrina de Marx a propriedade cabe apenas ao Estado. O Estado é proprietário dos meios de produção. A Constituição russa é o antagonismo daquilo que mais se afirmou. Por isso é que volto a esse período histórico, em que a verdade tem que se afirmar sobre a ficção. No ponto a que V. Exa. se refere, a Constituição russa é perfeita. Lá há muita coisa certa, inclusive quando diz que quem não trabalha não come. Mas isso não é de Marx e sim de São Paulo; é a repetição do que vinha no Gênesis: ganharás o pão com o suor do teu rosto. Porque possui aspectos positivos é que, em muitas partes, a doutrina de Marx tem valor; mas não porque sejam intrinsecamente marxistas, e, sim, porque reproduzem certas verdades universais. É matéria de textos.

SR. CARLOS PRESTES - O que contesto é que na União Soviética exista burguesia, quer dizer, uma classe que, senhora dos meios de produção, viva do trabalho alheio. Realmente, como acaba de afirmar V. Exa., lá quem não trabalha não come. Lá existe a propriedade privada, a particular, mas por meio dela a ninguém é lícito explorar o trabalho de terceiros.

São estas as afirmações que precisava fazer. Infelizmente, meu discurso foi tomado noutro sentido e determinou a resposta que a mim muito honrou, do Senador Hamilton Nogueira. S. Exa. veio dizer-nos, no seu discurso, que não é comunista, que não é marxista. Todos sabíamos disto e eu não pretendia, de forma alguma, nem é nossa intenção nos dias de hoje, fazer catequese propriamente comunista.

Sr. Hamilton Nogueira - Mas eu teria o prazer de fazer a catequese de V. Exa.

SR CARLOS PRESTES - É muito comum os católicos fazerem catequese. Mas nós, comunistas, temos a certeza de que as condições objetivas de hoje trarão o proletariado para as fileiras do nosso partido. Por isso, não fazemos catequese, esperando que as próprias condições objetivas se encarreguem.

Sr. Hamilton Nogueira — É nosso objetivo fazer com que os mais categorizados representantes do Partido Comunista estejam conosco. Seria a nossa maior alegria.

SR. CARLOS PRESTES - O Partido Comunista é um partido político; tem seu programa e seus estatutos. Ser membro do Partido Comunista não é obrigatoriamente ser marxista. Nas fileiras do nosso partido existem pessoas de todas as ideologias, de todas as crenças; há católicos, protestantes, espíritas, ateus e materialistas também.

Sr. Hamilton Nogueira — V. Exa. não pode dizer isso, porque importa em contradição. O comunismo é doutrina que se funda no ateísmo, e o católico, pelos seus princípios, não pode fazer parte de partido ateu.

SR. CARLOS PRESTES — Mas o nosso partido é um partido político. Todos os que estejam de acordo com seu programa e com seus estatutos, nele poderão ingressar. Seus estatutos não obrigam ninguém a ser marxista ou materialista.

Sr. Hamilton Nogueira — Acredito que V. Exa. queria fazer isso para transformá-los em ateus. Nenhum católico, porém, pode ingressar no Partido Comunista.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa. talvez não saiba que no Partido Comunista da Itália, hoje, já existem alguns padres católicos e que o mesmo se passa no Partido Comunista tcheco.

Sr. Hamilton Nogueira - Não é verdade. Só se forem outros bispos de Maura.

Sr. Cícero de Vasconcelos - Uma vez que o padre católico se torne comunista, deixa de ser padre, de ser católico, de exercer suas funções.

SR. CARLOS PRESTES - Há padres católicos dentro das fileiras do Partido Comunista brasileiro e talvez, dentro de alguns dias, possamos apresentar à nação o nome de ilustre vigário que aceitou ser candidato à assembléia constituinte estadual dentro da lista do Partido Comunista, quer dizer, sob a legenda do nosso partido.

Sr. Hamilton Nogueira - Mas é um absurdo isto. Pode ser um comunista vestido de sotaina.

Sr. Ferreira de Souza - Padre materialista?

Sr. Cícero de Vasconcelos — Seria até escandaloso!

SR. CARLOS PRESTES - De maneira que o partido é político. Temos nosso programa político; não admitimos lutas religiosas dentro do nosso partido.

O marxismo para nós é uma ciência — a ciência da evolução social; ciência baseada no materialismo, sem dúvida.

Sr. Hamilton Nogueira — Fundada no materialismo mais absoluto. Como católico não pode fazer parte de agremiação cujo fundamento é materialista. É a primeira vez, no mundo inteiro, que o Partido Comunista se manifesta dessa maneira, apresentando-se como verdadeira colcha de retalhos ideológicos.

SR CARLOS PRESTES - Quanto ao materialismo, é lógico.

Sr. Hamilton Nogueira - É a fragmentação do Partido Comunista do Brasil. V. Exa. está confessando a fragmentação do comunismo no Brasil, que não pode manifestar-se por um todo ideológico.

Sr. Ferreira de Souza — V. Exa. abjura do credo marxista.

SR. CARLOS PRESTES - Se V. Exa. ouviu meus discursos na Assembléia Constituinte. . .

Sr. Hamilton Nogueira - Repito: está se dando a fragmentação do Partido Comunista no Brasil.

SR. CARLOS PRESTES - A fragmentação do comunismo ou a fragmentação do catolicismo? Porque na verdade são católicos que estão ingressando em nossas fileiras.

Sr. Ferreira de Souza — E a tática comunista, mas essa tática não cabe mais no Brasil. V. Exa. é capaz até de mandar comunistas comungarem na igreja, e ninguém acreditará nisso.

SR. CARLOS PRESTES - Não. Eu sou marxista, sou ateu e sou comunista; mas dentro do Partido Comunista há católicos, há ateus, há protestantes.

Sr. Hamilton Nogueira - Essas afirmações seriam muito interessantes num comitê democrático, para arregimentar prosélitos. Mas, no Senado, é julgar que somos crianças. V Exa. poderá fazer tais afirmações na Universidade do Povo, na imprensa popular, não entre nós. V. Exa. tenha paciência.

SR. CARLOS PRESTES - O partido é político.

Sr. Hamilton Nogueira — Se for verdade o que o Senador Carlos Prestes afirma, não há mais Partido Comunista no Brasil. S. Exa. declara que todo indivíduo pode aceitar essas idéias?

SR. CARLOS PRESTES - É um partido político que tem programa político, e quem estiver de acordo com esse programa poderá ingressar em suas fileiras.

Sr. Hamilton Nogueira — Faço questão de acentuar que o partido não possui mais substrato filosófico. Todo indivíduo de qualquer base ideológica pode ser comunista. . .

SR. CARLOS PRESTES - De qualquer base ideológica, é equívoco de V. Exa. Desde que não contrarie os princípios estabelecidos pelo proletariado.

Sr. Hamilton Nogueira — A maioria do proletariado do Brasil não aceita o Partido Comunista.

SR. CARLOS PRESTES - O que afirmo a V. Exa. e creio que posso afirmá-lo na minha qualidade de dirigente do Partido Comunista. . .

Sr. Hamilton Nogueira — No Comitê Democrático e na Universidade do Povo, como na propaganda, V. Exa. pode fazer tal afirmação.

SR. CARLOS PRESTES - Não é a primeira vez, Sr. Senador Hamilton Nogueira, que exponho estas idéias. Na tribuna da Assembléia Constituinte tive ocasião de afirmar que o Partido Comunista é um partido político.

Sr. Hamilton Nogueira - Aí está certo.

SR. CARLOS PRESTES - O Partido Comunista como V. Exa. julga, o Partido Comunista da opinião de V. Exa. esse nunca existiu.

V. Exa., influenciado por propaganda contrária à União Soviética, contrária ao proletariado, chegou assim a imaginar um Partido Comunista como o descrevem seus inimigos. Não é isso. Nunca foi. O Partido Comunista é um partido político.

Não estou falando por mim; estou falando em nome de meu partido, de meus eleitores. V. Exa. sabe que o Partido Comunista, em 2 de dezembro de 1945, só possuía uns 7.000 membros e eu fui eleito por 155 ou 157 mil votos. Compreende V. Exa. que isso representa votos de muitas pessoas que não eram membros do meu partido.

Sr. Hamilton Nogueira - V. Exa. sabe que houve chapas com o nome de V. Exa. e o meu.

SR. CARLOS PRESTES - Quer dizer que muitos de seus partidários colocaram meu nome junto ao de V. Exa., na mesma chapa.

Sr. Hamilton Nogueira — Com o que muito me honro pessoalmente, embora sem a menor conivência com as idéias de V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Enfim, insisto em afirmar justamente que isso é um equívoco e creio que minhas palavras podem servir para esclarecer, pelo menos, ao Sr. Senador Hamilton Nogueira, que o Partido Comunista doutrinário, ideológico, não é o Partido Comunista do Brasil, nem outro partido comunista. Porque os Partidos Comunistas são partidos políticos, que tem programa político e dentro deles há pessoas de todas as crenças e ideologias.

Sr. Ferreira de Souza - Tática comunista.

Sr. Hamilton Nogueira - Muito bem. Gosto da confissão. Nisso, os senhores são campeões.

SR. CARLOS PRESTES - Agradeço muito a V. Exa., porque é uma das coisas mais difíceis em política.

Sr. Hamilton Nogueira - Acredito. Mas, de vez em quando, deixam o rabinho de fora.

SR CARLOS PRESTES - No ano passado, a nossa tática era mais precisa que a da União Democrática Nacional, que então era golpista.

O Partido Comunista é um partido, com programa e estatuto. Ser membro do partido é aceitar seu programa e seu estatuto. Do ponto de vista ideológico há crença religiosa; do ponto de vista político, na questão religiosa, o que exigimos é a separação da Igreja do Estado, e que a religião seja do foro íntimo de cada um. Aceitamos o materialismo, o marxismo como ciência, e ciência exata, porque já verificada na prática.

Não é pelo fato de supor que o Partido Comunista não seja partido, ou que o marxismo fosse obrigatório, que o nobre Senador se julgou no dever de trazer algumas considerações a respeito.

Sr. Hamilton Nogueira - O Partido Comunista do Brasil não difere nada do Partido Comunista da Rússia. Se fosse assim, V. Exa. não teria tanto interesse na data de hoje, quando não houve da parte da Rússia nenhum interesse pelo nosso 7 de Setembro, nossa grande data. Entretanto, para mim, o 7 de Setembro vale mais que o 7 de Novembro. Queria que V. Exa. nos trouxesse qualquer manifestação de congratulações da Rússia soviética, da Rússia de agora, depois do reatamento das nossas relações diplomáticas.

SR. CARLOS PRESTES — Isto não é assunto para estarmos tratando agora. Confesso a V. Exa. que, como socialista, admiro e vejo na União Soviética a primeira realização do socialismo. A minha admiração pela União Soviética é a mesma que os homens esclarecidos tiveram ao apreciar a Revolução Francesa.

Sr. Hamilton Nogueira — E a deturpação do socialismo. O Partido Comunista na Rússia só tem 2% de membros do proletariado. A casta militar suplantou o proletariado.

Sr. Ferreira de Souza - V. Exa. preza a absoluta liberalidade religiosa de seu Partido? Tem a Rússia completa liberdade religiosa?

SR. CARLOS PRESTES - Estive na Rússia três anos e verifiquei que lá existe completa liberdade religiosa.

Sr. Hamilton Nogueira - Outros estiveram oito anos e dizem o contrário.

Sr. Ferreira de Souza — Não é esta a informação dos que lá estiveram, inclusive o Embaixador Davies, que teve de empregar grande soma de esforço para salvar um capelão católico norte-americano, perseguido pelo governo.

SR. CARLOS PRESTES - Aos numerosos livros contra a União Soviética é possível responder com montanhas de outros favoráveis à mesma. V. Exa. sabe que muitos escritores e jornalistas de renome mundial, como Bernard Shaw, estiveram na União Soviética e, no entanto, emitiram sobre aquele país opinião diversa da de V. Exa.

Sr. Hamilton Nogueira — Nem toda a União Soviética é comunista. Apenas dois e meio por cento dos proletários russos faz parte do Partido Comunista.

Sr. Ferreira de Souza - Mas acho que a Igreja Católica na Rússia não tem liberdade.

SR. CARLOS PRESTES - Posso assegurar a V. Exa. que foi a revolução de 1917 que proporcionou à Rússia liberdade de religião. Isso pode parecer um paradoxo, mas é verdade.

Sr. Hamilton Nogueira - Estou me referindo à liberdade de religião. Se houvesse, ninguém teria interesse em dizer que não existia. Desejo uma explicação de V. Exa. Quando condeno e combato o comunismo, não quero justificar a Rússia dos czares, porque era um governo totalitário, de opressão das classes pobres, onde os judeus viviam horrivelmente maltratados. Dessa ditadura passou-se à outra, a militar, em que os proletários não têm direitos assegurados, como V. Exa. disse, e vivem debaixo de um regime militar e de uma casta burocrática.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa. está equivocado. Sr. Hamilton Nogueira - V. Exa. não o poderá desmentir.

SR. CARLOS PRESTES - A União Soviética passou por épocas de governo sem dúvida muito fortes, para poder defender a nação. Mas a União Soviética é hoje regida pela Constituição mais democrática do mundo.

Sr. Hamilton Nogueira - Já é uma confissão. É a primeira vez que um comunista diz isso. É bom acentuá-lo.

SR. CARLOS PRESTES - Não é novidade. Costumou-se chamar a esse primeiro tempo de comunismo de guerra, que foi necessário naquelas condições de novembro de 1917. Uma conjuntura que talvez não se venha a repetir no mundo, porque foi em um país atrasado, cercado pelo mundo capitalista, em que o proletariado, pela primeira vez na história, assume o poder. Foi uma conjuntura toda particular que facilitou a eclosão revolucionária naquele momento, coisa que não é fácil repetir-se no mundo, depois de uma guerra da natureza da última a que assistimos.

As massas camponesas e as nacionalidades viviam oprimidas, criando-se assim condições muito particulares para a eclosão revolucionária de novembro de 1917. Por outro lado, as circunstâncias eram as mais desfavoráveis para o jovem Estado soviético. Isolado, teve que se defender e lutar contra os grandes países imperialistas que o atacavam.

A respeito do materialismo, sobre o qual pareceu ao nobre Senador Hamilton Nogueira que era nosso desejo fazer propaganda, isto é, fazer propaganda da ideologia marxista desse comunismo ideológico, desse materialismo que, devo dizer, não é vulgar. . .

Sr. Hamilton Nogueira — Só há um materialismo, o filosófico.

SR. CARLOS PRESTES - Perfeitamente. Já que V. Exa. refere-se ao materialismo filosófico, permita-me, então, que leia algumas palavras do padre Ducatillon, que não justificam a opinião de V. Exa.

Sr. Hamilton Nogueira - O padre Ducatillon não justifica V. Exa. Por ser filósofo é substancialmente contra o materialismo.

SR. CARLOS PRESTES - O padre Ducatillon não é marxista, não é materialista, mas um homem sereno.

Sr. Hamilton Nogueira - Nesse ponto, estou de acordo com V. Exa. É um católico na sua mais alta expressão.

SR. CARLOS PRESTES - É um homem sereno e que sabe ser o marxismo uma ciência. E certo que não se pode falar de ciência sem primeiro entrar profundamente no seu estudo; do contrário é repetir as tolices, as vulgaridades já conhecidas.

Sr. Hamilton Nogueira - E é o que aconselho a V. Exa. fazer. V. Exa. deveria recolher todos os folhetos do Partido Comunista.

SR. CARLOS PRESTES — Já disse que não pretendo fazer propaganda ideológica. Mas peço que antes de atacar o marxismo se compreenda que ele é uma ciência.

Não se pode falar de biologia sem se aprofundar no seu estudo; não se pode falar de marxismo, baseando-se apenas em pessoas que nada conhecem dessa matéria, como Tristão de Ataíde e outros, citados por V. Exa. São pessoas completamente ignorantes na matéria.

Sr. Hamilton Nogueira - Toda ciência tem método e objetivos próprios. V. Exa. está para o marxismo como Haeckel para a biologia: não sabe nada.

SR CARLOS PRESTES - O padre Ducatillon, a respeito do marxismo, tem palavras inteiramente diferentes das de V. Exa. A verdade é que, longe de querer destruir a grandeza humana, o materialismo, o comunismo, diz o padre Ducatillon, pretende instalar-se sobre bases reais e verdadeiras e salvar das ficções essa democracia ontológica de que V. Exa. fala.

Sr. Hamilton Nogueira — Aliás, o padre Ducatillon seria contra os conceitos de V. Exa. Já que V. Exa. dirige pessoalmente a mim, tenho que responder, o que farei na primeira oportunidade.

SR. CARLOS PRESTES - Diz o padre Ducatillon o seguinte:

"A verdade é que, longe de destruir a grandeza humana, o materialismo, o comunismo, pretende instalar-se sobre bases reais e verdadeiras e salvar-se das ficções, das ilusões e das mentiras do idealismo. É o homem que toma conhecimento de sua realidade total, diante das grandes realidades do mundo e da vida."

Esta a afirmação do padre Ducatillon que, incontestavelmente, estudou o marxismo e opinou a respeito em trabalho muito interessante.

Sr. Hamilton Nogueira — Em qualquer doutrina, em qualquer atitude filosófica ou religiosa, temos que considerar dois aspectos. A respeito do marxismo, por exemplo, devemos ver o marxismo de intenção e o de fato. O de intenção é de uma grande dignidade, de uma grande nobreza, como qualquer sistema filosófico. Bergson chegou ao

materialismo. Ele é respeitado sob todos os pontos de vista. De maneira que os marxistas como ele e os marxistas em substância são respeitados pelas suas intenções. De fato, querem melhorar a espécie humana. O ponto de partida é filosófico. V. Exa. usa a expressão "ontológica", aliás errada.

Eu não duvido nem da sinceridade nem da intenção de V. Exa., como de nenhum outro comunista ou socialista. Eu os considero laborando em erro, mas não posso negar a responsabilidade das intenções e das idéias do ponto de vista da sinceridade de cada um. Respeito-as porque acho que na vida nada há de mais elevado respeitável em cada homem do que sua sinceridade em face da vida. Isso não nego a V. Exa. absolutamente.

SR. CARLOS PRESTES - Desejo abreviar o mais possível as minhas considerações. É claro que por compreender mal o meu discurso é que o Senador Hamilton Nogueira trouxe a sua palavra para dizer não ser comunista, o que aliás já sabemos. Entretanto, as afirmações que fez a respeito do marxismo, bem como as autoridades que citou, é que nos parecem falsas.

Sr. Hamilton Nogueira - Eu só citei Marx, Lenine e Stalin. V. Exa. nega essas autoridades?

SR. CARLOS PRESTES - Peço a V. Exa. que me deixe concluir.

Sr. Hamilton Nogueira — Sr. Presidente, peço a V. Exa. que me inscreva para o expediente de amanhã pois desejo mostrar a S. Exa. os textos que li.

SR CARLOS PRESTES - O materialismo e o marxismo foram também definidos por Marx. Infelizmente, tenho de fazer referência a Marx, no seu prefácio à Crítica da Economia Política. Marx disse, claramente, o que compreendia por materialismo histórico e materialismo dialético. Nos seus primeiros estudos da situação econômica e social da sociedade disse o seguinte:

"A conclusão geral a que cheguei é que, uma vez alcançada, serviu de fio condutor em meus estudos, pode ser sumariamente assim formulada: na produção social dos meios de sua subsistência, os homens contraem relações determinadas necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a certo grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constituem a estrutura econômica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas sociais da consciência. O modo de produção da vida material determina em geral o processo social político e intelectual da vida. Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas, ao contrário, é a sua maneira de ser social que determina a sua consciência. A uma grau determinado do seu desenvolvimento, as forças produtivas, materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção vigente, ou, para nos servirmos da expressão jurídica cabível no caso, com as relações de propriedade dentro das quais se tinham desenvolvido até então. Essas relações, que constituíam formas de desenvolvimento das forças produtivas, tornam-se, conseqüentemente, seus obstáculos. Começa, então, uma época de revolução social. A transformação da base econômica subverte, mais ou menos lenta ou rapidamente, toda a imensa superestrutura. No estudo dessas transformações, é preciso sempre distinguir entre a revolução material das condições econômicas de produção — rigorosamente contestável com o auxílio das ciências da natureza — e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas, ou filosóficas, as formas ideológicas em suma, por meio das quais os homens adquirem consciência desse conflito e o conduzem até o fim. Do mesmo modo que não se pode julgar uma pessoa pela opinião que ela tem de si própria, também não se pode julgar um período de subversão pela consciência que ele tem de si mesmo; ao contrário, é necessário explicar-se essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma estrutura social nunca desaparece antes que tenham sido desenvolvidas todas as forças produtivas que pode comportar, e nunca se estabelecem relações de produção novas e superiores antes que as condições materiais de sua existência tenham sido amadurecidas no próprio bojo da velha sociedade. Por isso, a humanidade nunca formula problemas que não possa resolver; ou, observando as coisas mais de perto, sempre se constatará que o próprio problema surge apenas onde as condições materiais para solucioná-lo já existem ou estão em vias de se formar. Caracterizados em suas grandes linhas os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser indicados como outras tantas etapas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do processo de produção social, antagônica não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que resulta das condições da vida social dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para superar esse antagonismo. Com essa estrutura social, termina a pré-história da sociedade humana."

Essa afirmação de Marx, que não nega, absolutamente, o direito, nem a superestrutura jurídica da sociedade.

Sr. Hamilton Nogueira - Responderei a V. Exa. com Marx, Lenine e Stalin.

SR. CARLOS PRESTES - Numa sociedade socialista, como a existente na União Soviética, existem a lei e o Direito. É o direito socialista, o direito do proletariado. Aliás, basta existir a Constituição, que é cumprida, para sabermos que existe o direito. E o direito da infra-estrutura social e econômica, diferente da infra-estrutura econômica capitalista, onde há antagonismo de classe, o que não existe na União Soviética.

Sr. Hamilton Nogueira - A verdade é imutável. V. Exa. não poderá contestar.

SR. CARLOS PRESTES - Chegaremos lá, Sr. Senador, chegaremos às verdades imutáveis. Sabemos — porque o mundo e a evolução histórica o tem provado — que não há nenhuma verdade absoluta; todas estão variando dia a dia.

Sr. Hamilton Nogueira — É claro que V. Exa., com a sua doutrina, não pode acreditar nessa verdade.

SR. CARLOS PRESTES - Em determinada época, o que é moral numa parte é imoral noutra; e V. Exa. sabe que a moral é uma dessas coisas variáveis, em que não pode haver o conceito de verdade absoluta e eterna.

Sr. Hamilton Nogueira - É preciosa a afirmação de V. Exa. O que é moral numa parte é imoral noutra. O que é verdade da Rússia é imoral aqui.

SR CARLOS PRESTES - Logo a moral não é tão absoluta nem tão variável, para ser eterna.

Sr. Ferreira de Souza - Realmente, a moral depende do conceito que dela se faça. O conceito é que é coisa diferente. Muitas vezes nossas discussões giram em torno de palavras.

SR. CARLOS PRESTES - Não vou fazer a citação de Engels. Peço seja ela incluída no meu discurso. A respeito de direito, referir-me-ei ao conceito de Estado que nós, marxistas, materialistas, adotamos:

"O Estado, força organizada, surgiu inevitavelmente, em certo grau de desenvolvimento da sociedade, quando esta, dividida em classes irreconciliáveis, não poderia substituir sem um 'poder' pretensiosamente acima e até certo ponto dela separado. Nascida dos antagonismos de classe, o Estado se torna o Estado da classe mais poderosa, etc."

E, depois de outras considerações:

"A sociedade, que reorganizará a produção, . . . nas bases de uma apreciação livre e igualitária dos produtores, transportará toda a máquina do Estado para onde, daí por diante, será o seu lugar: o museu de antiguidades ao lado do arco e do machado de bronze. Porque do governo dos homens passaremos ao governo das coisas, aos planos de produção e distribuição indispensáveis ao progresso social."

Sr. Hamilton Nogueira - E o espírito desaparece dentro desse materialismo!

SR. CARLOS PRESTES - Pelo contrário. A luta intensa pela vida leva o homem a expandir-se com maior liberdade.

Sr. Hamilton Nogueira - Tem a GPU da Rússia.

SR. CARLOS PRESTES - Hoje as elites, isto é, os que vivem do trabalho das grandes massas podem falar em espírito e cultura; mas para os pobres e explorados, que vivem nas minas de carvão, em São Jerônimo, no Rio Grande do Sul, como eu próprio vi, para esses não há tempo para pensar no espírito ou na cultura.

Sr. Hamilton Nogueira — Neste ponto, estou de acordo com V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Na União Soviética, onde não existe falta de trabalho e o trabalho está assegurado a todos, são cada vez mais adotadas medidas para a defesa da verdadeira expansão do espírito humano, que lá se pode desenvolver convenientemente, ao contrário do que sucede na sociedade capitalista.

Sr. Hamilton Nogueira - O paraíso de Shangrilá, por mais que V. Exa. queira afirmá-lo, não existe. Como V. Exa., protesto contra a situação miserável desses trabalhadores. Estou com V. Exa. para combater as brutalidades capitalistas, mas jamais pelos processos comunistas.

SR. CARLOS PRESTES — Contestando e procurando negar a existência do Direito na União Soviética — premissa fundamental do discurso do nobre Senador Hamilton Nogueira —, fala S. Exa. em Direito Natural.

Sr. Hamilton Nogueira - Não nego a existência do Direito na Rússia, mas ele existe como instrumento de terror. Amanhã citarei a V. Exa. os textos.

SR CARLOS PRESTES - Veremos, Sr. Senador, o que é chamado terror na União Soviética. É impossível a um povo aterrorizado, fazer a guerra. Um povo aterrorizado, revoltado, desejando a queda do regime, não pode formar em tomo dele, consolidando-o e defendendo-o.

Sr. Hamilton Nogueira - Colaborou numa guerra e venceu.

Sr. Ferreira de Souza - V. Exa. não acha uma contradição na sua expressão? Então, no caso da Alemanha, o povo não teria ficado ao lado de Hitler?

Sr. Hamilton Nogueira — É uma questão de nomes.

SR. CARLOS PRESTES - Realmente, o povo alemão ficou ao lado de Hitler, e por isso está pagando. Hitler soube explorar descontentamentos existentes na Alemanha. Mas estava tão contra a verdade que foi derrotado. A derrota foi a conseqüência de seu erro. Ao passo que a União Soviética saiu vitoriosa. Se tivesse sido derrotada, então, sim, V. Exa. poderia falar.

Sr. Ferreira de Souza - Saiu vitoriosa juntamente com outras nações. O regime não tem nenhuma participação como regime.

SR. CARLOS PRESTES - A Alemanha também não estava isolada.

Sr. Ferreira de Souza - Era, incontestavelmente, um grupo menor.

SR. CARLOS PRESTES - Estava com o Japão e algumas nações satélites de Hitler.

Sr. Ferreira de Souza - Perdoe V. Exa. as minhas repetidas intromissões. Aliás, sempre ouço V. Exa. com grande interesse e por isso aparteio um pouco. Mas havia muita diferença.

SR. CARLOS PRESTES - Não pretendendo discutir Filosofia do Direito. Meu fraco é muito grande no assunto. Aliás, não haveria mesmo tempo para reunir material, a fim de demonstrar como é arcaica e está abandonada a velha teoria do Direito Natural.

Sr. Hamilton Nogueira — Têm a palavra os juristas para responder a V. Exa.

Sr. Ferreira de Sousa — Então, V. Exa. vai me permitir que o aparteie, porque a seara é minha. V. Exa. declarou que é fraco nesse terreno. Acho que realmente é fraco, porque, se não o fosse, não diria que a teoria do Direito Natural é arcaica. V. Exa. saberia que há uma corrente moderníssima do Direito pugnando pelo Direito Natural. Eu poderia citar a V. Exa. autores moderníssimos como Cathrine, Stammler, Geny, Renard, Le Fur, e outros, todos partidários do Direito Natural.

Sr. Hamilton Nogueira - Ao contrário. Há o renascimento do Direito Natural.

SR. CARLOS PRESTES - Isto se explica. O mundo está atravessando uma crise muito séria. O proletariado cada dia mais cresce em força. A revolução socialista avança pelo mundo. Os elementos mais reacionários do capitalismo procuram, ideologicamente também, defender-se, criando teorias reacionárias, capazes de acautelar os interesses do capitalismo mais reacionário.

Sr. Ferreira de Souza — Os preceitos do Direito Natural não são ligados ao capitalismo.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa. há de concordar que os publicistas dos séculos XIX e XX aceitam que o Direito é produto da cultura humana, é fenômeno social histórico conseqüência da evolução da sociedade.

Sr. Ferreira de Sousa — A consciência dos homens é que cria o Direito.

SR. CARLOS PRESTES - O Direito surge das relações entre os homens.

Sr. Ferreira de Sousa - Essas afirmações não enfirmam, em absoluto, a corrente naturalista.

SR. CARLOS PRESTES - Já Tobias Barreto definia esse Direito.

Sr. Ferreira de Souza - V. Exa. é que se está mostrando arcaico. Depois de Tobias Barreto, há muita coisa.

Sr. Hamilton Nogueira - Já tinha a alegria por João Barbalho. Agora, verei por Tobias Barreto.

SR. CARLOS PRESTES - Na verdade, há muita coisa, mas quis citar Tobias Barreto, porque foi o homem que, pelo talento, conseguiu romper com a teoria do Direito Natural e mostrar quanto era arcaico e como já nada o justificava.

Sr. Ferreira de Sousa - É uma escola vitoriosa.

SR. CARLOS PRESTES — Vitoriosa num País como o nosso, de restos feudais, ou nos países em que a reação é grande.

Sr. Ferreira de Sousa — Restos feudais é jogo de palavras que não tem nenhuma aplicação ao caso. V. Exa. não pode dizer que Renard defende os restos do feudalismo.

SR. PRESIDENTE (fazendo soar os tímpanos) — Peço aos Srs. senadores que não interrompam o orador, pois S. Exa. dispõe de pouco tempo para terminar suas considerações.

Sr. Ferreira de Souza - S. Exa. está tratando de uma questão interessante e entrou na minha seara.

SR. CARLOS PRESTES - Vou terminar, Sr. Presidente. Quero ver se concluo dentro de poucos minutos. Já disse Tobias Barreto:

"O Direito não é uma idéia apriorística, não é um postulado metafísico, nem caiu dos céus sobre nossas cabeças; não é também uma abstração resultante das leis da evolução que ainda se acham em estado de incógnitas, mas é a disciplina das forças sociais, é princípio de seleção legal na luta pela existência."

E, no seu celebre concurso, na Faculdade de Direito, dirigindo-se a um dos seus contendores dizia:

"V. Sª. começa por um princípio que eu não admito; o Direito Natural para mim é apenas uma frase, é um primum desiderium, é a expressão de um quem me dera; mas não tem valor científico, porque carece de realidade."

Quem me dera, Srs. Senadores, essa democracia, que jamais existiu, essa democracia ontológica a que se refere o meu ilustre colega, Sr. Senador Hamilton Nogueira.

É justamente esse que é o Direito. No seu discurso, o Sr. Senador Hamilton Nogueira, depois de citar Tristão de Ataíde, teve ocasião de descer um pouco à realidade. Eis o trecho de Tristão de Ataíde, citado por S. Exa.:

"Em primeiro lugar, o Direito é uma arma do egoísmo burguês, é um sistema da injustiça social; segundo, sendo assim, devia desaparecer totalmente, no futuro da sociedade organizada e nas bases do sistema comunista; terceiro, a transição do capitalismo ao comunismo exige, porém, da ditadura do proletariado a manutenção por algum tempo do direito burguês, como arma de transformação social."

Tristão de Ataíde pretendendo citar Lenine.

Sr. Hamilton Nogueira - É o texto de Lenine. Amanhã, mostrarei a V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Lenine, referindo-se ao Direito na sociedade socialista, não nega que na mesma existe esse Direito. A negação do Direito na Rússia foi a premissa de todo o discurso no nobre Senador.

Sr. Hamilton Nogueira - Como instrumento de terror. É claro que como meio de ação, de tática.

Sr. Ferreira de Sou%à - Onde há relação humana há Direito.

Sr. Hamilton Nogueira - Na sociedade de V. Exa. não há lugar para os juristas.

SR. CARLOS PRESTES - Diz o meu caro colega:

"Uns negam o Direito Natural; outros o afirmam. Mas o fato é que existe um Direito Natural imanente à natureza das coisas. Nesse sentido é que tenho para mim como perfeita a definição de Montesquieu, que considera a lei como a relação natural que deriva da natureza das coisas."

O Direito não surge da natureza das coisas, das relações entre as coisas, o Direito surge como superestrutura das relações entre os homens.

Não é esse Direito ontológico a que se refere Montesquieu. Montesquieu já reagiu contra essa velha concepção do direito.

Sr. Hamilton Nogueira - Ao contrário, a sobreestrutura só existe quando há a estrutura. E essa estrutura é a natureza das coisas. A superestrutura não destrói a estrutura.

SR. CARLOS PRESTES - Depois de declarar a inexistência do Direito Natural na União Soviética, refere-se S. Exa. à impossibilidade de existir liberdade na democracia russa porque afirma: "Na Rússia não há democracia."

Sr. Hamilton Nogueira — É claro.

SR. CARLOS PRESTES - Mas prestemos atenção. A democracia a que se refere S. Ex- é a democracia ontológica. Ora, como essa democracia não existe em parte alguma, é claro que ela não existe na União Soviética.

Sr. Hamilton Nogueira — É a única que existe. Não pode haver democracia na União Soviética. É irrisória a afirmação de V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Por que não, Sr. Senador?

Sr. Hamilton Nogueira — Porque é a mais implacável das ditaduras. Comunismo e fascismo são a mesma coisa.

SR. CARLOS PRESTES - Vou citar a Constituição da União Soviética, para verificar qual o verdadeiro sentido da democracia proletária, da democracia socialista, da democracia na União Soviética.

Sr. Ferreira de Souza - O mal dessa palavra democracia é admitir adjetivos.

SR. CARLOS PRESTES - Na verdade, vivemos na democracia burguesa, essa democracia burguesa que Lenine chamava ditadura da burguesia.

Quando as sociedades se dividem em classes, quase sempre a minoria domina a maioria, e o Estado se torna da classe mais poderosa. . .

Sr. Hamilton Nogueira - É precisamente o que existe na Rússia. A maioria domina os proletários, os explorados.

SR. CARLOS PRESTES - . . . para manter uma massa oprimida e desesperada. Enfim, essa burguesia com a qual agora já concorda o Senhor Senador Hamilton Nogueira. . .

Sr. Hamilton Nogueira — Jamais, não concordo absolutamente.

SR. CARLOS PRESTES - Essa democracia que agora defende ou que diz defender, concordo que é uma democracia.

Sr. Hamilton Nogueira - Jamais; isto é por conta de V. Exa. SR. CARLOS PRESTES - Já é algo para nos felicitarmos, tratando-se de uma pessoa que se coloca em posição tão intransigente do ponto de vista ideológico. A verdade é que aqueles que, como os católicos, colocam seu sentimento religioso acima de tudo, são de fato intolerantes.

Sr. Hamilton Nogueira - Quer dizer que V. Exa. duvida da sua concepção histórica em face da vida? Duvida do seu marxismo? Eu também não tenho a menor dúvida. O próprio Tobias Barreto disse — já que V. Exa. tanto o aprecia — o que agora vou repetir: Todos temos de ser tolerantes em face da verdade, mas tolerantes em face dos homens. Eu, no terreno de minhas idéias, tenho que ser intolerante; mas no terreno social, sou da mais absoluta tolerância.

SR. CARLOS PRESTES - Como V. Exa. sabe, referi-me à Constituição de 91. Referi-me, também, à democracia das constituições republicanas e da atual Constituição. Vossa Excelência concorda com essa democracia?

Sr. Hamilton Nogueira - Concordo e V. Exa. mesmo já concordou.

SR. CARLOS PRESTES - Esse é um passo adiante. A própria Igreja Católica no Brasil, ainda no fim do século passado, não aceitava a Carta de 91 e fazia declaração muito clara nesse sentido.

Sr. Hamilton Nogueira - Mas uma coisa é a Carta de 91 e outra a de 1946.

SR. CARLOS PRESTES - Por quê?

Sr. Hamilton Nogueira - Do ponto de vista doutrinário, o Estado da Carta de 91 — e aí está nossa intransigência — era um Estado inteiramente leigo, não reconhecendo absolutamente nenhum direito à Igreja, nem na educação dos filhos.

SR. CARLOS PRESTES - Leigo é o Estado atual. Há separação completa entre o Estado e a religião.

Sr. Hamilton Nogueira — Mas reconhece o fator religioso. A prova é que a Carta de 91 não permitia o ensino religioso nas escolas.

SK CARLOS PRESTES - E V. Exa. concorda com a liberdade de consciência? É maior essa liberdade de consciência, agora, que no princípio do século passado?

Sr. Hamilton Nogueira — De pleno acordo, V. Exa. sabe que arrastei as maiores injúrias por ter defendido a liberdade do Partido Comunista.

SR. CARLOS PRESTES - V. Exa., por certo, não desconhece a célebre pastoral do Cardeal Arcoverde.

Sr. Hamilton Nogueira — No segundo Império, a Igreja sofreu muito com a intervenção do Estado. O regime de Pedro II favoreceu o desenvolvimento de um Estado amparado em idéias materialistas. A Igreja não obstante, por sua própria força de expansão, cresceu e está crescendo cada vez mais no Brasil.

SR. CARLOS PRESTES - Felizmente, nesse assunto, a Igreja muito tem progredido, pois já aceita agora a divisa de "Ordem e Progresso" de nossa bandeira.

SK PRESIDENTE - Informo ao orador que se está esgotando o tempo de que dispõe.

SR. CARLOS PRESTES - Obrigado a V. Exa.: A própria divisa "Ordem e Progresso" não era aceita pela Igreja, sendo mesmo, às vezes, arrancada a bandeira que nas igrejas cobria uma urna mortuária. No entanto, o bispo do Pará, para atacar a nós comunistas, diz hoje que já aceita essa divisa do Pavilhão Nacional.

Sr. Cícero de Vasconcelos — A bandeira nacional sempre esteve nas Igrejas com a divisa Ordem e Progresso, presidindo a todos os atos da Igreja Católica. Nós não poderíamos, em absoluto, aprovar tais atos, razão por que protesto. Nunca retiramos a bandeira brasileira das igrejas, que, repito, sempre presidiu os nossos atos.

Sr. Vergniaud Wanderley — Mandou depois retirar.

SR. CARLOS PRESTES - Perfeitamente.

Sr. Ferreira de Sou%a — V. Exa. cita fatos particulares de um ou outro membro da Igreja, que não responde pela Igreja e nem traduz seu pensamento. V. Exa. sabe que, a princípio, certos elementos da religião combatiam a expressão "liberdade, igualdade e fraternidade".

SR. CARLOS PRESTES - Permitam-me os nobres senadores que termine minhas considerações.

O mais lamentável é que, depois dessas considerações de ordem teórica, depois de levantar o problema de inexistência do Direito na URSS como base, como premissa para seu discurso de contestação ao meu, tenha feito o nobre colega, Sr. Hamilton Nogueira, a citação de alguns desses inúmeros autores que existem no mundo inteiro contra a União Soviética. Era justamente o que não se esperava da atitude democrática de V Exa.

Sr. Hamilton Nogueira - V. Exa. tem o direito de contestá-los.

SR. CARLOS PRESTES - Não pretendo, de forma alguma, responder às citações com outra montanha de livros a favor. Seria interminável o debate.

Sr. Hamilton Nogueira - De pleno acordo; um não mais acabar.

SR. CARLOS PRESTES - Não ocupei a tribuna, no meu primeiro discurso, nem agora, para fazer propaganda ideológica. Quis apenas referir-me ao acontecimento histórico e importante de 7 de novembro de 1917. Foi, entretanto, trazido à baila a falta de democracia na União Soviética.

SR. PRESIDENTE (Fazendo soar o tímpano.) - V. Exa. já ultrapassou o tempo de que dispunha.

SR. CARLOS PRESTES - Permita-me V. Exa. mais alguns minutos para terminar as considerações que venho fazendo.

Entre os diversos artigos da Constituição que evidenciam, claramente, a democracia na União Soviética, vou ler apenas o de nº 25 para mostrar que ela de fato existe. Diz o seguinte:

"Por ser do interesse dos trabalhadores e a fim de consolidar o regime socialista, ficam garantidas por lei aos cidadãos da URSS:

a) a liberdade de palavra;
b) a liberdade de imprensa;
c) a liberdade de reunião e de comícios;
d) a liberdade de desfiles e manifestações nos logradouros públicos.

Estes direitos dos cidadãos são garantidos pelo fato de estarem à disposição dos trabalhadores e de suas organizações, tipografias, estoques de papel, edifícios públicos, ruas, meios de comunicação e outras condições materiais necessárias ao exercício de ditos direitos."

Sabemos o que é liberdade de imprensa na sociedade capitalista. É cada vez mais a liberdade para os ricos possuírem bons jornais. O proletariado luta com dificuldades. A liberdade é teórica. Consta da letra das constituições, mas, para terem seu jornal, só o conseguem depois de grandes dificuldades, cada vez maiores. A liberdade de imprensa, mesmo nos Estados Unidos, é monopólio dos grandes trastes, das grandes empresas jornalísticas, hoje, cada vez maiores, nas sociedades capitalistas.

Está assegurada a liberdade teórica; mas na prática esta liberdade não existe. Argumenta-se que na Rússia há falta de democracia por haver partido único. Mas que é partido? Partido político é organização de classe. Numa sociedade dividida em classes, existem diversas camadas sociais com interesses divergentes. Existem os partidos políticos, inevitáveis. Estão em jogo os interesses existentes. É a fatalidade histórica. Não foi criado por Marx: é a realidade da própria evolução social.

Na União Soviética não existe esta classe; existe uma só, que é a classe proletária lutando pela sua unidade. É a mesma luta que aqui vemos. O proletariado luta para acabar com a exploração da burguesia e chegar ao socialismo, enquanto as outras classes estão se dividindo cada vez mais. É o que se verifica na classe média, em que os elementos pobres, que se proletarizam, têm interesses diametralmente opostos aos daqueles mais ricos, que se vendem ao imperialismo, como os que se prestam a ser advogados das grandes empresas estrangeiras.

Sr. Atílio Vivácqua - V. Exa. não admite que dentro da própria classe possa haver solução para os casos que atentem contra as condições fundamentais do País?

SR. PRESIDENTE (Fazendo soar os tímpanos.) - Peço ao nobre Senador que não permita apartes porque o tempo está esgotado.

SR. CARLOS PRESTES - O Sr. Presidente pede-me que conclua.

A verdade é que o crescimento do nível de vida na Rússia é de fato constatado por todos. Já não me refiro à mudança de situação daquela velha Rússia atrasada da Europa para a Rússia atual, que figura hoje ao lado das nações de maior projeção. Os números que revelam tal progresso não podem ser refutados. Quanto ao nível de vida das grandes massas, é o próprio Governo da União Soviética que honestamente declara ser ainda inferior ao nível da vida média dos Estados Unidos.

Sr. Hamilton Nogueira — Muito bem.

SR. CARLOS PRESTES - Quer dizer, dos Estados Unidos, país capitalista dos mais avançados. Por mais que a indústria soviética tivesse progredido ainda não atingiu aquele grande nível.

Mas o nível subiu ou não? Pelos dados que posso apresentar, subiu porque na URSS a indústria de calçado, por exemplo, que em 1914 fabricava 19 milhões de pares e exportava 10, em 1934, quando já se havia dedicado à indústria pesada para formar a sua base siderúrgica, fabricava 120 milhões de pares e não exportava nenhum. Apesar disto, todo o povo gritava por falta de calçado. O mesmo se dará no Brasil, no dia em que as grandes massas camponesas tiverem possibilidade de usar calçado. A verdade é que não temos fábricas capazes de abastecer o nosso povo.

A realidade, porém, é que o nível de vida do povo soviético aumentou. V. Exa. falou nos abortos e nos divórcios. . .

SR. PRESIDENTE - Peço a V. Exa. que conclua; está terminada a fase de discussão.

SR. CARLOS PRESTES - Pediria a V. Exa. mais 10 minutos para dar a minha opinião sobre o parecer da Comissão.

SR. PRESIDENTE - Já foi excedido de muito o tempo de que dispunha V. Exa.

SR. CARLOS PRESTES - Pergunto a V. Exa. se poderei falar amanhã na hora da votação, porque, parece-me, V. Exa. não vai submeter a votos o parecer.

SR. PRESIDENTE - Regimentalmente há número; a menos que algum dos Srs. Senadores peça a palavra.

SR. CARLOS PRESTES - Desejo, pelo menos, fazer uma declaração, antes de V. Exa. submeter o parecer a votos.

SR. PRESIDENTE - Infelizmente, não é possível.

SR. CARLOS PRESTES - Lamento.

Sr. Ferreira de Souza - Por ocasião da votação, S. Exa. poderá pedir a palavra para encaminhá-la. Agora, estamos em fase de discussão.

SR. PRESIDENTE - V. Exa. usará da palavra no momento oportuno. Se o desejar, poderá falar também no expediente.

SR CARLOS PRESTES - Neste caso, eu me submeto.

SR. CÍCERO DE VASCONCELOS - Peço a palavra, Sr. Presidente.

SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Senador.

SR. CÍCERO VASCONCELOS - Sr. Presidente, vou falar para dar uma satisfação àqueles cujos votos me encontro nesta Casa, ao povo católico do Brasil, justificando a razão pela qual votarei a favor do substitutivo apresentado pela Comissão de Diplomacia.

Faço completa distinção entre a Rússia como nação que mantém com o nosso povo relações diplomáticas e o regime que ali foi implantado a 7 de novembro de 1917.

Reconheço que é um pouco difícil fazer esta distinção; entretanto meu voto será encarando de maneira completa e evidente esta diferenciação.

Nunca poderia votar congratulando-me pela instauração do regime comunista, porque considero o comunismo um sistema materialista e ateu.

Por isso, Sr. Presidente, declaro que o meu voto reduz o requerimento a mero ato de cortesia para com uma nação que mantém relações diplomáticas com o nosso País.

SR. PRESIDENTE - Continua a discussão.

SR. HAMILTON NOGUEIRA - Peço a palavra.

Não foi revisto pelo orador.

SR. PRESIDENTE- Tem a palavra o nobre Senador.

SR. HAMILTON NOGUEIRA* - Sr. Presidente, faço minhas as palavras do nobre Senador Cícero de Vasconcelos, e quero reafirmar o que disse em aparte ao nobre colega Senhor Carlos Prestes.

Na justificação do parecer, encontra-se o seguinte:

"É praxe consagrada entre nações amigas a troca de cortesias como a de que cuida o requerimento expresso."

Ora, Sr. Presidente, como acentuei, as relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia já vão de longos meses.

A 7 de Setembro, grande data nacional brasileira, todas as nações do mundo, que mantém relações diplomáticas com o Brasil, mandaram-lhes os seus votos de congratulações. No entanto, posso assegurar que a União Soviética nenhum voto de congratulações nos enviou, nenhuma cortesia para conosco houve da parte desta nação. Ora, se assim aconteceu, não sei o que vamos trocar, uma vez que nada recebemos. Votarei, pois, contra o requerimento. (Muito bem! Muito bem!)

SR. PRESIDEJNTE - Continua a discussão. (Pausa.) Não havendo mais quem peça a palavra passarei à votação.

SR. CARLOS PRESTES - Peço a palavra para encaminhar a votação.

SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Senador.

SR CARLOS PRESTES (Para encaminhar a votação.) - Poucas palavras, Sr. Presidente.

Concordo com o parecer da Comissão. Entretanto sinceramente declaro estranho esse parecer.

O requerimento para mim apresentado foi quase nos mesmos termos pela Comissão de Diplomacia e Tratados da Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado naquela Casa do Poder Legislativo.

A data de 7 de Novembro consta da lista diplomática, onde se lê "União das Repúblicas Socialistas dos Soviets - aniversário da grande revolução socialista."

Quer dizer: os termos do meu requerimento são os da lista diplomática. Ao redigir, fiz questão de colocá-lo estritamente de acordo com a relação fornecida pelo Itamaraty.

Assim, não compreendo o motivo por que a Comissão de Diplomacia e Tratados do Senado julgou indispensável mudar a redação, substituindo expressões justamente iguais às da lista diplomática, que foram aprovados pela Câmara e fazendo com que o Senado adote outra.

Entretanto, folgo em que a Comissão, no parecer, tenha afirmado que não se tratava da questão de imiscuir-se em negócios internos. Não havia razão de ser alguma para isso; em todo o caso. . .

Sr. Flávio Guimarães - Naturalmente, a Comissão teve em vista neste caso que nação alguma pode imiscuir-se em negócios internos de outros. Deve-se procurar a forma diplomática para resolver seus problemas.

SR. CARLOS PRESTES - Compreendo; mas confesso que isso me pareceu estranho.

Folgo de ver - repito - que a Comissão de Diplomacia e Tratados tenha versado o assunto, porque uma das grandes conquistas da última guerra foi justamente a não intervenção nos negócios internos dos outros povos. Evidentemente, isto não se relaciona com a União Soviética, que jamais interveio nos negócios internos do Brasil; mas é de esperar que, no futuro, quando um embaixador como Adolf Berle faça declarações intervindo diretamente nos negócios internos de nossa Pátria, o Senado saiba tomar uma atitude firme contra tal intervenção; e que as palavras recentemente pronunciadas nos Estados Unidos pelo embaixador Pawley, afirmando que as massas ignaras de nossa terra estão sendo enganadas e levadas contra aquele país pelo Partido Comunista, sejam consideradas uma intromissão indébita nos negócios da política interna do Brasil.

Sr. Flávio Guimarães - É uma opinião pessoal do Sr. Embaixador.

SR CARLOS PRESTES - Primeiro, não termos essas massas ignaras a que se refere o Sr. Pawley; segundo o Partido Comunista não está lutando contra os Estados Unidos. Ao contrário, admiramos o povo americano, porque o sabemos democrata e inimigo das guerras. Atacamos, assim, os grandes industriais de material bélico, que constituem com outros a parte mais reacionária do capitalismo ianque.

Nestes termos estou integralmente de acordo com o parecer da Comissão e com o substitutivo por ela apresentado.

SR. PRESIDENTE - Vou submeter a votos o substitutivo apresentado pela Comissão de Relações Exteriores, nos seguintes termos:

"Ao comemorar-se a data nacional da URSS, depois do estabelecimento das relações entre o nosso País e aquela Nação, as quais assinalam uma fase de colaboração entre os dois povos, o Senado Federal congratula-se com a Nação e o Governo Soviético pelo transcurso daquela data!"

Os senhores que o aprovam queiram conservar-se sentados.

Está aprovado.


Notas:

[N1] Discurso pronunciado na 35a Sessão do Senado Federal. (Não foi revisto pelo orador.) (retornar ao texto)

Inclusão 29/10/2007
Última alteração 30/12/2010