Marx & Engels
Curso de Marxismo da Academia de Moscou

David Riazanov


Sétima Conferência
A crise de 1857-1858. Aumento do movimento operário na Inglaterra, França e Alemanha. A Exposição Internacional de Londres em 1862. A guerra civil na Alemanha. A crise da indústria algodoeira. A insurreição polonesa. Fundação da Primeira Internacional. A ação de Marx. O Manifesto Inaugural.


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Já dizemos que o movimento operário precisou de quase dez anos para se refazer da derrota ultimamente em 1848-1849. Este refazer está relacionado com a crise de 18571858, que se revestiu de caráter mundial e afetou consideravelmente a Rússia. Mostramos como a Europa, que até então havia conservado a tranquilidade exterior, foi obrigada, por meio das classes dirigentes, a buscar, à sua maneira, a solução das questões postas na ordem do dia pela Revolução de 1848 e ainda pendentes. Primeiramente, era necessário se ocupar da questão nacional, da unificação da Itália e da Alemanha. O movimento revolucionário de 1848-1849 se limitou a Europa ocidental, não englobou inteiramente a Inglaterra e, em todo caso, não teve uma repercussão profunda neste país, assim como não atingiu o país mais vasto da Europa, Rússia, nem tampouco os Estados Unidos. Dez anos depois, Rússia e Estados Unidos foram arrastados por este turbilhão. Na Rússia foi posto na ordem do dia a abolição da servidão. É a época das "grandes reformas", época na qual se iniciou um movimento revolucionário que depois de 1860 conduziu à formação de sociedades clandestinas, das quais a mais célebre foi a primeira Zemlyá i Volya (Terra e Liberdade). Nos Estados Unidos surgiu a questão da supressão da escravidão. E esta questão demonstrou muito mais que a russa o processo de internacionalização do mundo, que outrora se limitava a uma parte da Europa. O tema da escravidão, que parecia afetar somente aos Estados Unidos, demonstrou ser muito importante para a própria Europa, a tal ponto que Marx, no prefácio do primeiro tomo de O Capital, declarou que a guerra pela abolição da escravidão na América era o indício de um novo movimento operário na Europa ocidental. Destacamos anteriormente os principais acontecimentos surgidos da violenta subversão econômica; agora focaremos no movimento operário efetivamente.

Começaremos pela Inglaterra, primeiro país do movimento operário. Em 1863, não restava nada mais do antigo movimento revolucionário cartista. Algum historiador afirmara que o cartismo estava morto desde a célebre experiência de manifestação, abortada, de 1848. Na realidade, teve ainda um período de expansão no momento da Guerra da Crimeia. Dirigido por Ernest Johns, excelente orador e brilhante publicista, que com a ajuda de Marx e de seus amigos havia dado vida a melhor publicação socialista de seu tempo, o cartismo pode explorar durante o conflito na Crimeia o descontentamento das massas operárias, que se reforçou, particularmente, ao se constatar que, contrariamente à esperança geral, esta guerra se prolongava. Houve meses durante os quais a Gazeta Popular, órgão central dos cartistas, foi o jornal de maior influência. Os magníficos artigos escritos por Marx contra Gladstone, e especialmente contra Palmerston, chamaram particularmente a atenção. Porém este incômodo foi temporário. Logo após o término da guerra, os cartistas se viram privados do seu jornal. Isso aconteceu não somente pelos desentendimentos entre Johns e seus adversários, mas também por razões mais poderosas que essa.

A primeira reside no prodigioso auge da indústria inglesa desde fins do ano de 1849. Verdade que houveram crises passageiras em certos setores; mas a indústria em seu conjunto estava em plena prosperidade. Não existia o problema do desemprego. Há mais de cem anos, a indústria inglesa não tinha tanta necessidade de mão de obra. A segunda razão está na forte corrente imigratório que, de 1851 a 1855 levou os operários ingleses aos Estados Unidos e à Austrália, onde se haviam sido descobertas ricas minas de ouro. No transcurso de poucos anos, cerca de dois milhões de operários deixaram definitivamente a Inglaterra e, estes operários, como sempre acontece em semelhantes condições, eram o elemento mais forte, mais vigoroso, mais enérgico. Dessa maneira, o movimento operário e, com ele, o movimento cartista, perderam a maior parte das suas forças. A estas razões fundamentais pode-se agregar uma série de razões secundárias.

A medida em que se debilitava a organização cartista, se debilitava igualmente a relação que existia entre os diferentes movimentos. De 1840 a 1850 o movimento cartista já estava em luta contra o movimento profissional. Contudo, as outras formas do movimento operário tendiam igualmente a se especializar, a separar-se do tronco principal. Esta é uma particularidade do movimento inglês da época. Sua história nos mostra com frequência distintas organizações específicas, que começaram subitamente e que chegavam com rapidez a agrupar alguns milhares de membros. Uma destas organizações, por exemplo, se propôs como finalidade a luta contra a embriaguez e o álcool. A organização cartista seguia a linha que oferecia menor resistência. Antes havia ensaiado o combate ao alcoolismo entre seus membros. Agora havia estabelecido como fim específico a fundação de sociedades de moderação em toda Inglaterra, de modo que desviou numerosos elementos do movimento operário geral. Logo, existia outro movimento, o cooperativo, dirigido pelos socialistas cristãos, pois já no movimento cartista havíamos visto sacerdotes. Em umas de nossas conferências recordamos o nome de um revolucionário, o pastor Stephen, que foi, até 1845, um dos oradores mais populares. Mais tarde se desviou consideravelmente à direita e ao seu redor se agruparam vários filantropos e boas almas que foram aos meios operários para pregar o cristianismo prático e a derrubada política do movimento cartista, colocando, em primeiro plano, a organização de sociedades cooperativas. Como este movimento não causava dano algum às classes dominantes, foi ajudado até mesmo por membros do partido governante. Atraiu alguns intelectuais compadecidos com os sofrimentos da classe operária. Assim, do movimento operário surgiu um novo ramo que se propunha apenas um fim específico.

Não enumeraremos todas as formas particulares do movimento operário; somente nos deteremos no movimento profissional. Este movimento não encontrara, é verdade, nos anos que se seguiram a 1850, condições de desenvolvimento tão favoráveis como as que possuía o movimento cooperativo ou a luta contra o alcoolismo; contudo, chocou-se com uma resistência menos poderosa que o velho movimento cartista. Em 1851 foi fundada na Inglaterra a primeira e sólida união nacional de operários da engenharia mecânica. Dirigida por dois operários enérgicos que conseguiram superar o espirito puramente corporativo do movimento profissional inglês, a tendência a não se organizar uniões para mais de um ou dois condados no máximo. Não podemos esquecer de que as condições da indústria inglesa dificultavam consideravelmente a extensão das uniões. Quase toda a indústria têxtil estava concentrada em dois condados, da mesma forma em que na Rússia se concentrava nos governos de Moscou e de Ivanovo-Vozenessensk, cada um dos quais, evidentemente, era muito maior que um condado inglês. Porém, o defeito principal dos sindicatos ingleses não residia em sua pouca expansão territorial, mas em sua estreiteza corporativa. Cada profissão, somente em uma e mesma indústria, se organizava em uma união específica. Por essa característica, o movimento profissional que teve grande desenvolvimento após 1850, não estava em condições de criar formas de organização que permitisse organizar, em vasta escala, a luta contra os industriais. Enquanto a indústria prosperava, a maior parte dos operários conquistavam facilmente aumentos de salário. Ademais, os industriais, em franca concorrência, pelo aumento dos salários e melhorias das condições de trabalho tratavam de atrair os operários, demasiado escassos para satisfazer as necessidades dos novos ramos que surgiam na indústria. Durante esses anos, o capitalismo se esforçou para atrair à Inglaterra os operários do continente, alemães, franceses e belgas.

Nessas condições, o movimento profissional, ainda que conseguisse se desenvolver pouco a pouco, ficou, porém, em um nível muito baixo. As distintas uniões que se formaram nos ramos de uma mesma indústria permaneciam divididas dentro do país e ainda, nos limites de uma cidade. Os conselhos locais inexistiam.

A crise de 1857-1858 trouxe consideráveis mudanças nesta situação. Como dizemos, o sindicato melhor organizado era o dos operários da engenharia mecânica, composto pelos trabalhadores mais qualificados. Esta indústria, o mesmo vale para a têxtil, não trabalhava unicamente para o mercado interno. A partir da década de 1850, ambas eram indústrias privilegiadas que gozavam do monopólio no mercado mundial: os operários qualificados empregados nelas obtinham facilmente concessões dos industriais, que alcançavam lucros exorbitantes. Desta forma, a "união sagrada" entre patrões e operários começou a se estabelecer. As consequências da crise, apesar de agudas, se apagaram rapidamente. A distância existente entre operários qualificados e os que não o eram aumentava a cada dia, fato que contribuiu para debilitar, nesses ramos da indústria, o movimento grevista.

Entretanto, nem todos os operários estavam tranquilos. A crise teve um efeito particularmente forte sobre os operários da construção civil, que desde então estavam à frente da luta da classe operária inglesa, como havia estado os têxteis em meados de 1840 e os operários da engenharia mecânica até 1850.

O desenvolvimento do capitalismo provocou então um aumento extraordinário da população urbana e, por consequência, uma necessidade cada vez maior de moradia. Daí a prosperidade da indústria da construção civil. Até 1840, a Inglaterra construiu febrilmente ferrovias e até 1850 passou por uma espécie de febre de edificar. Novas casas foram erguidas aos milhares e chegaram a ser uma mercadoria da mesma forma que o algodão ou a lã. Por sua organização técnica, a indústria da construção civil estava ainda no estágio manufatureiro, mas já ficava nas mãos dos grandes capitalistas. O empresário de construções comprava o terreno e construía centenas de casas que, em seguida, alugava ou vendia. As casas inglesas não se parecem com as russas: são, em geral, pequenas casas de ladrilho construídas segundo um único modelo: às vezes tem somente dois ou três pisos, cuja superfície total não supera a de um departamento de quatro ou cinco peças em Moscou, mas ao invés de estar justapostas, foram feitas uma sobre a outra. Isso fez com que alguns economistas de então contassem fábulas sobre os operários ingleses que, diziam, ocupavam toda uma casa. Na realidade, as casas dos operários ingleses estavam abarrotadas de inquilinos como um asilo noturno.

O desenvolvimento da indústria da construção civil atraiu à cidade um grande número de operários oriundos do campo. Esta indústria é bastante complexa e exige operários de distintas classes. Empregava carpinteiros, estucadores, pedreiros, tapeceiros, em uma palavra, não somente os operários que intervêm na construção, mas também no arranjo e na decoração de uma casa. O desenvolvimento da construção civil está estreitamente ligado ao da indústria mobiliária, da tapeçaria e da arte. O aumento considerável da população urbana provoca igualmente o desenvolvimento da grande indústria de calçados e de vestuário.

Em consequência disso, a crise de 1857-1858 gerou uma repercussão especialmente forte sobre estes novos ramos da produção capitalista. Inumeráveis operários ficaram privados de trabalho e constituíram o exército de concorrência aos demais trabalhadores. Os industriais aproveitaram-se desta circunstância para oprimir os operários, rebaixar os salários e aumentar a jornada de trabalho. Para surpresa dos industriais, os operários responderam, em 1859, com uma greve em massa, que foi uma das maiores graves feitas em Londres até então. Ademais, a greve dos operários da construção civil foi sustentada pelos trabalhadores dos novos ramos industriais recém-criados. Isto atraiu tanto a atenção da Europa como os acontecimentos políticos da época. Até nos diários e revistas moscovitas encontramos, sobre esta greve, correspondências mais extensas do que às vezes se publicavam nos diários russos sobre determinadas greves da Europa ocidental. Tal greve deu origem a uma série de assembleias e reuniões. Entre os oradores, aparecia com frequência o nome de Crerner, quem na reunião de Hyde Park declarou que a greve dos operários da construção civil era a primeira escaramuça entre a economia do trabalho e a economia do capital. Outros operários, como Odger, fizeram igualmente uma agitação intensa. Foram editadas várias proclamações. Destacamos, de passagem, que a famosa conversa entre o operário e o capitalista, umas das páginas mais brilhantes de O Capital, está em parte baseada, quase textualmente, na proclamação lançada pelos operários na greve de 1859-1860.

Essa greve que, após algum tempo, terminou por um compromisso, que em Londres seria organizado o primeiro conselho das uniões. Os três principais dirigentes deste conselho foram Odger, Crerner e Howell, operários e membros posteriormente do primeiro conselho geral da Primeira Internacional. Já em 1861, este conselho era uma das organizações mais influentes. Como ocorreu com nossos primeiros "soviets", se converteram da mesma forma em uma organização política que se esforçou para atuar em todos os acontecimentos que interessavam aos operários. À imagem deste conselho, foram criados outros em muitos lugares da Inglaterra e da Escócia, e assim, em 1862, houve novamente na Inglaterra organizações operárias de classe. Os centros políticos e econômicos dessas organizações eram os conselhos das uniões (trade unions).

Vejamos agora a França, país onde os estragos da crise não foram menos fortes do que na Inglaterra. Repercutiu profundamente sobre a indústria têxtil, assim como sobre toda a indústria de objetos de luxo. Como já nos referimos, a guerra empreendida por Napoleão em 1859 foi um meio de desviar o descontentamento dos operários. No início de 1860, a crise afetou particularmente a indústria artística parisiense. Mas Paris também era uma cidade populosa, com um grande desenvolvimento desde 1850, onde florescia igualmente a indústria da construção civil. Uma das grandes reformas de Napoleão III foi a reconstrução de uma série de bairros e a supressão das velhas ruas estreitas, que foram transformadas em largos e em avenidas, onde era impossível levantar barricadas. Durante alguns anos, o prefeito de Paris, Haussmann, se ocupou da metódica reconstrução da cidade. Assim, pois, da mesma forma que em Londres, um grande número de operários da construção civil estava em Paris. Foram estes que, desde os peões até os operários mais altamente qualificados, constituíram os principais quadros do novo movimento operário que se desenvolveu a partir de 1860. Quando se conhece detalhadamente a história da Primeira Internacional na França se comprova que a maioria dos seus membros, e os mais eminentes, foram operários qualificados da construção civil e da indústria artística.

O ressurgimento do movimento operário após 1860 fez renascer os velhos grupos socialistas, dentre os quais há que mencionar, em primeiro lugar, os proudhonianos. Nessa época, Proudhon ainda estava vivo, quando depois de algum tempo encarcerado, emigrou para a Bélgica e, diretamente ou por intermédio dos seus seguidores, exercia certa influência no movimento. Mas a doutrina que pregava depois de 1860 era um pouco distinta da que desenvolvia no momento de sua polêmica com Marx. Era uma teoria completamente pacífica adaptada ao movimento operário legal. Os proudhonianos queriam a melhoria da situação dos operários, e os meios que propunham para tal se adaptavam principalmente às condições de vida dos artesãos. O principal de tais meios era o crédito com juros muito baixos ou, se fosse possível, nenhum. Para aplicar essa tática, recomendavam a organização de sociedades de crédito, cujos membros se ajudariam e prestariam mutuamente serviços. Daí o nome de mutualismo. Sociedade de ajuda mútua, renúncia as greves, legalização das sociedades operárias, crédito sem interesse, nenhuma intervenção na luta política direta, melhoramento da situação somente pela luta econômica que, desde o princípio, não deveria atentar contra as bases do regime capitalista: este era, em essência, o programa dos mutualistas que, sob alguns aspectos, pode-se considerar mais moderado que o de seu mestre. Paralelamente a esse grupo havia outro, mais à direita, dirigido pelo jornalista Armand Levy, outrora estreitamente relacionado com a emigração polonesa e preceptor dos filhos do poeta Michiewicz. Mantinha relações com o príncipe Plonplon, a quem já conhecemos como protetor do senhor Vogt. O terceiro grupo, o menos numeroso, porém composto exclusivamente por revolucionários, era o dos blanquistas, que desenvolviam sua propaganda entre os operários, os intelectuais, os estudantes e os literatos, a este grupo pertenciam, entre outros, Paul Lafargue e Charles Longuet, que mais tarde, se tornariam genros de Karl Marx. Clemenceau também frequentava esses círculos. Todos esses jovens e os operários estavam sob a influência de Blanqui que, ainda que estivesse preso, mantinha frequentes relações com o exterior e entrevistas com seus amigos. Eram os blanquistas os inimigos mais encarniçados do império napoleônico e que se dedicavam à propaganda clandestina.

Tal era o estado do movimento operário na Inglaterra e na França até 1862, época na qual se produziram vários acontecimentos que motivaram um contato mais estreito entre os operários franceses e ingleses. A Exposição Internacional de Londres possibilitou essa aproximação. Esta exposição foi a indicação de um novo estágio da produção capitalista, da grande indústria que faz desaparecer os países isolados para transformá-los em uma parte da economia mundial. A primeira exposição foi organização em Londres em 1851, após a revolução de fevereiro; a segunda, em Paris, em 1855, e a terceira novamente em Londres.

Esta exposição permitiu realizar em Paris uma agitação entre os operários. O grupo de Armand Levy se dirigiu ao presidente da comissão organizadora da seção francesa. O presidente, que era o príncipe Plon-plon, entregou subsídios para o envio de uma delegação operária.

Essa generosidade provocou discussões acaloradas em todas as oficinas parisienses. Os blanquistas, evidentemente, se colocaram de forma categórica contra a aceitação dessa esmola do governo. Mas outro grupo, onde predominavam os mutualistas, não era da mesma opinião. Este opinava que era necessário aproveitar a possibilidade legal. O dinheiro — diziam — foi entregue para enviar delegados operários. Era necessário exigir que a delegação não fosse nomeada pelas autoridades, mas sim eleitas pelas oficinas. Esta eleição permitiria desenvolver uma excelente propaganda e os operários trataram de fazer seus candidatos vencerem.

Este grupo, dirigido pelos operários Tolain e Perrachón, conseguiu impor seu ponto de vista. As eleições nas oficinas ocorreram e quase todos os candidatos do segundo grupo foram eleitos. Os blanquistas boicotaram estas eleições, enquanto o grupo de Levy não conseguiu obter nenhum mandato. Deste modo foi organizada a delegação dos operários parisienses. Da Alemanha, também foi enviada uma delegação operária a Londres, delegação estreitamente vinculada ao grupo de trabalhadores que havia assumido a organização do congresso e se relacionado com Lassalle.

Desta maneira, a Exposição Internacional de Londres permitiu o encontro de operários franceses, ingleses e alemães. Esses grupos de operários se reuniram, efetivamente, e é a essa reunião a que historiadores remontam a data da fundação da Internacional. Recomendamos o livro de Steklov sobre a história da Internacional: vejamos o que disse sobre da reunião em Londres:

"A Exposição Internacional de 1862 foi a ocasião que permitiu aos operários ingleses e a seus camaradas do continente vincular-se e se entender. Em Londres, no 5 de agosto de 1862, foi efetuada a recepção solene de 70 delegados operários franceses por seus camaradas ingleses. Nos discursos pronunciados nessa ocasião, se falou da necessidade de estabelecer uma vinculação internacional entre os proletários que, como homens, cidadãos e trabalhadores, têm os mesmos interesses e aspirações".

Isso é, infelizmente, uma lenda. Na realidade, essa reunião, como demonstramos há tempos, teve um caráter completamente distinto. Foi realizada com a participação e a aprovação dos representantes da burguesia e das classes dirigentes, e os discursos que ali foram pronunciados não ofenderam aos patrões e nem alarmaram a polícia, pois os capitalistas ingleses que durante a greve dos operários da construção civil foram os dirigentes dos empresários, também participaram da reunião. Os trade-unionistas ingleses se negaram ostensivamente a participar desta reunião. Eis aqui porque não se pode considerar esse encontro como o início da Internacional.

Evidentemente, se operários da Alemanha e da França chegaram a Londres, estes deveriam se encontrar com os também operários franceses e alemães emigrados após 1848. O lugar onde se encontravam os operários de diferentes nacionalidades, após 1850, foi a sociedade de educação operária fundada em 1840 por Schapper e seus camaradas. O refeitório e o café desta sociedade estavam situados precisamente no bairro onde se alojaram os estrangeiros. Até a guerra imperialista, da qual uma das primeiras vítimas foi a sociedade operária alemã, que contava então com 74 anos de existência, este bairro continuou sendo o centro de reunião dos estrangeiros. É isso o que pude comprovar pessoalmente durante minha residência em Londres, onde estive entre 1909 e 1910 para trabalhar no Museu Britânico. Não existia então outro lugar onde se pudesse encontrar tantos operários estrangeiros. Após a declaração de guerra, o governo inglês se apressou em fechar o clube alemão.

A verdade é que em Londres alguns membros da delegação francesa entraram em contato com velhos emigrados franceses, de igual modo que os operários alemães de Leipzig e de Berlim renovaram a amizade com os velhos camaradas. Mas isto não foi outra coisa que relações fortuitas, de natureza tão pouco propícia para a fundação da Internacional como a reunião de 5 de agosto, a qual Steklov, como outros historiadores, atribui tal importância.

Mas dois fatos muito importantes se produziram então; o primeiro foi a guerra civil nos Estados Unidos. A questão da abolição da escravidão, como já disse, estava há algum tempo na ordem do dia. Chegou a se revestir de tamanha acuidade que conduziu a um conflito tão violento entre os estados do Sul e os do Norte que, para manter a escravidão, os primeiros resolveram separar-se da União e constituir-se em república independente. Uma guerra, que teve consequências inesperadas e muito desagradáveis para todo mundo capitalista, eclodiu então. Nessa época, os estados do Sul possuíam quase todo o monopólio da produção de algodão, e abastecia a indústria algodoeira do mundo inteiro. O Egito produzia nessa época muito pouco algodão; a Índia oriental e o Turquestão não forneciam nada ao mercado europeu. Dessa forma, a Europa se encontrava privada de algodão. Quando a indústria em seu conjunto, havia completamente se refeito da crise de 1857-1858, uma crise sem precedentes alcançou a indústria algodoeira e afetou não somente a Inglaterra, mas também a França, a Alemanha e ainda a Rússia, onde a fábrica de Projorov sofreu consideráveis perdas. A falta de algodão provocou um encarecimento considerável de todas as demais matérias primas da indústria têxtil. É verdade que os grandes capitalistas sofreram menos que os outros, mas os pequenos e os médios tiveram que fechar suas fábricas. Milhares de operários europeus ficaram na indigência.

Os governos se limitaram a dar esmolas miseráveis. Os operários ingleses que, pouco antes, durante a greve dos operários da construção civil, haviam dado um exemplo de solidariedade, se puseram a organizar a obra de socorro. A iniciativa foi tomada pelo conselho das trade unions de Londres. Foi constituído um comitê especial, e o mesmo se fez na França, onde este comitê foi dirigido pelos representantes do grupo que havia organizado a eleição da delegação operária para a exposição de Londres. Estabeleceram-se relações entre ambos comitês. Assim, os operários ingleses e franceses tiveram uma nova prova da estreita ligação de interesses que existia entre os operários de diferentes países.

A guerra civil dos Estados Unidos provocou um violento transtorno na vida econômica da Europa e afetou igualmente aos operários ingleses, alemães, franceses e até mesmo os operários russos das províncias de Moscou e Vladimir. Por isso no prefácio do primeiro tomo de O Capital, Marx afirma que a Guerra de Secessão do século XIX foi o alarme para a classe operária, tal qual a guerra de independência dos Estados Unidos contra Inglaterra foi o sinal para a burguesia francesa antes da revolução.

Outro acontecimento do interesse aos operários de distintos países surgiu. A servidão acabara de ser abolida na Rússia e era preciso realizar uma série de reformas nos outros setores da administração e da vida econômica. Ao mesmo tempo, o movimento revolucionário se fortalecia e exigia reivindicações mais radicais. As regiões fronteiriças, compreendida Polônia, se agitavam. O governo czarista escolheu a ocasião para terminar com um só golpe com a sedição exterior e interior; provocou a insurreição da Polônia e, ao mesmo tempo, com a ajuda de Katkov e de outros escritores venais, incentivou o patriotismo panrusso. A Muraviev e seus asseclas foi designada a tarefa de reprimir a insurreição polonesa.

No ocidente, onde o czarismo era odiado de forma unânime, a insurreição polonesa despertou grande simpatia. Distintos estados, França e Inglaterra, entre outros, concedeu completa liberdade de ação aos defensores dos sublevados poloneses, para dessa forma, dar vasão ao descontentamento reinante entre os operários. Na França foram organizadas várias assembleias, e igualmente um comitê, em cuja direção central estavam Tolain e Perrachón. Na Inglaterra, Cremer e Odger, por parte dos operários, e o professor Beesley, por parte dos intelectuais radicais, se puseram à frente do movimento em favor dos poloneses. Em abril de 1863, convocaram em Londres um grande encontro presidido pelo professor Beesley e no qual Cremer discursou em defesa dos poloneses. A assembleia adotou uma resolução que indicava que os operários franceses e ingleses deveriam exercer pressão sobre seus respectivos governos para obrigá-los a intervir no conflito ao lado da Polônia. Se decidiu também organizar um encontro internacional. Esta reunião foi realizada em Londres, presidido pelo mesmo Beesley, em 22 de julho de 1863. Odger e Cremer falaram em nome dos operários ingleses e Tolain em nome dos franceses. Todos eles demonstraram a necessidade de restaurar a independência da Polônia. Isso foi o objeto único de seus discursos. Mas no dia seguinte foi realizada uma reunião que não é mencionada pelos historiadores da Internacional. Ela foi organizada por iniciativa do conselho londrino das trade unions mas, desta vez, sem a participação dos elementos burgueses. Odger demonstrou ali a necessidade de uma união mais estreita entre os operários ingleses e os demais do continente. O problema se formatou concretamente. Já comentamos que os operários ingleses sofriam a forte concorrência dos operários franceses e belgas e, especialmente, dos operários alemães. Nessa época, a fabricação do pão, que estava nas mãos das grandes empresas, era feita principalmente por operários alemães; numerosos operários franceses trabalhavam nas construções, na indústria mobiliária e na arte. Por isso os tradeunionistas aproveitavam todas as oportunidades para influenciar os operários estrangeiros que chegavam à Inglaterra. Ademais, uma organização que agrupasse os operários de diferentes nacionalidades era o meio mais fácil de cumprir seus propósitos.

Ficou decidido então que os operários ingleses fariam um chamado aos operários franceses: transcorreram cerca de três meses antes de que este chamado fosse submetido à aprovação das trade unions de Londres. Foi escrito principalmente por Odger, quem, provavelmente, se inspirou até certo ponto na mensagem de simpatia enviada por Haron aos revolucionários franceses no fim do século XVIII.

Nessa época a insurreição polonesa acabara de ser reprimida, com uma ferocidade até então inédita, pelo governo czarista. A mensagem quase não falava dela. Para ter uma ideia do seu caráter, leiamos a seguinte passagem:

"A fraternidade dos povos é extremamente necessária dentro do interesse dos operários. Cada vez que tentamos melhorar nossa situação por meio da redução da jornada de trabalho ou do aumento dos salários, os capitalistas nos ameaçam com a contratação de operários franceses, belgas e alemães, que realizariam nosso trabalho por um salário menor. Desgraçadamente, esta ameaça se cumpre muitas vezes. A culpa, é verdade, não é dos camaradas do continente, mas exclusivamente da ausência de toda inteligência, entre os assalariados dos distintos países. Há que esperar, porém, que esta situação terminará logo, pois com nossos esforços para conseguir que os operários mal pagos se ponham no nível dos que recebem salários elevados, impediremos que os empresários possam usar de alguns de nós contra nós mesmos para fazer diminuir nosso nível de vida conforme seu espírito mercantil".

Essa mensagem foi traduzida ao francês pelo professor Beesley e enviada a Paris em novembro de 1863. Em Paris, serviu de base para a agitação nas oficinas. Mas a resposta dos operários franceses ainda demorou algum tempo. Se preparavam então para as eleições complementares do corpo legislativo que seriam realizadas em março de 1864. E nessa ocasião, um grupo de operários, onde figuravam Tolain e Perrachón, colocaram uma questão muito importante: Os operários devem ter seus próprios candidatos ou devem se limitar a apoiar os candidatos radicais? Em outros termos: é necessário separar-se distintamente da oposição burguesa e intervir com uma plataforma específica ou se deve marchar a reboque dos partidos burgueses? Essa questão foi arduamente discutida no fim de 1863 e começo de 1864. Se resolveu intervir separadamente e sustentar a candidatura de Tolain. Também ficou decidido expressar os fundamentos dessa ruptura com a democracia burguesa em uma plataforma específica que, de acordo com o número de assinaturas, recebeu o nome de Manifesto dos Sessenta. Em sua parte teórica, em sua parte crítica ao regime burguês, este manifesto responde inteiramente ao espirito proudhoniano. Mas, ao mesmo tempo, se aparta claramente do programa político do seu mestre, ao preconizar a formação de uma organização política específica dos operários e reclamar o lançamento de candidaturas operárias ao parlamento, para ali defender os interesses do proletariado.

Proudhon aprovou vivamente o Manifesto dos Sessenta e escreveu a este respeito um livro, que é uma de suas melhores obras. O redigiu nos últimos meses de sua vida, mas morreu antes da sua publicação. Se intitula Da Capacidade Política da Classe Operária; ali Proudhon reconheceu aos operários o direito de possuir uma organização de classe independente. Aprovou o novo programa dos operários de Paris, no qual se via a melhor demonstração da grande capacidade política que possui a classe operária. Ainda que mantenha seu velho ponto de vista sobre as greves e as associações de ajuda mútua, seu livro, por seu espírito de protesto contra a sociedade burguesa e sua tendência proletária, lembra sua primeira obra sobre a propriedade. Esta apologia da classe operária chegou a ser um dos livros preferidos dos operários franceses. E quando se fala da influência das doutrinas de Proudhon na época da Primeira Internacional, não se pode esquecer que se tratava da doutrina de Proudhon tal como resultou após a publicação do Manifesto dos Sessenta. Sob esta forma, o proudhonismo teve grande influência na orientação dos intelectuais revolucionários russos. A obra póstuma de Proudhon foi traduzida para o russo por Mihailovsky.

Passou quase um ano até que a classe operária parisiense elaborasse uma resposta aos camaradas ingleses. Para levá-la a Londres foi designada uma comissão especial. Para recepcionar a delegação, se organizou uma assembleia em 28 de setembro de 1864, no salão Saint-Martin, no centro. Beesley a presidia. O salão estava repleto. Primeiro, Odger leu o manifesto dos operários ingleses. O manifesto dos franceses foi lido por Tolain. Eis um extrato:

"Progresso universal, divisão do trabalho, liberdade de comércio, eis aqui os três fatores que devem atrair nossa atenção, pois são suscetíveis de transformar radicalmente a vida econômica da sociedade. Constrangidos pela força das coisas reais e pelas necessidades do tempo, os capitalistas constituíram poderosas uniões financeiras e industriais. Se nós não tomarmos medidas de defesa, seremos esmagados impiedosamente. Nós, os operários de todos os países, devemos nos unir e opor uma barreira intransponível à ordem vigente, que ameaça dividir a humanidade em uma massa de homens famintos e furiosos de uma parte, e de outra uma oligarquia de reis e de burgueses engordados. Ajudemo-nos uns aos outros para conseguir tal propósito".

Os operários franceses apresentaram um projeto de organização. Seria preciso constituir uma comissão central composta por representantes de todos os países em Londres, e em todas as principais cidades da Europa subcomissões em contato com esta comissão central, que submeteria a exame algumas questões. O organismo central devia elaborar a ordem do dia. Para a determinação definitiva da forma de organização se convocaria um congresso internacional na Bélgica. Mas, se perguntaria, qual foi a participação de Marx? Nenhuma. Já relatamos em todos seus detalhes a preparação da jornada de 28 de setembro de 1864, a qual remontamos a história da Internacional, para saber que tudo o que foi feito nessa assembleia, desde o princípio até o fim, foi obra dos próprios operários. Até o presente não citamos uma só vez o nome de Marx, que assistiu a esta memorável assembleia na qualidade de convidado. Como participou desta? A resposta a tal pergunta nos foi oferecida por uma mensagem que por acaso encontrei entre os papéis de Marx:

"Senhor Marx, o Comitê de organização do encontro vem respeitosamente perguntar-lhe se quereis assistir a ele. Com a apresentação desta nota poderás entrar na sala, onde as 7 horas e meia se reunirá o Comitê. Vosso afetuoso, Cremer".

Ao encontrar esta carta nos perguntamos o que induziu Cremer a convidar Marx. Por que o convite não foi dirigido a muitos outros emigrados radicados em Londres e em relações mais estreitas com os ingleses e franceses do que Marx? Por que Marx foi eleito para o comitê da futura Internacional?

A este respeito podem ser feitas diversas conjecturas; a que tem mais aparência de verdade é a seguinte. Assinalamos o papel representado pela sociedade operária alemã, cujos locais em Londres eram pontos de reunião dos operários dos diversos países. Esta sociedade adquiriu ainda maior importância quando os operários ingleses compreenderam a necessidade de construir ligação com os alemães para evitar os prejuízos da concorrência entre operários que, por meio de agentes, os empresários atraíam à Londres. Daí as estreitas relações pessoais existentes com os membros da velha Liga dos Comunistas: Eccarius, Lessner e Pfender. Os dois primeiros eram alfaiates e o terceiro, estucador e pintor. Todos participavam ativamente do movimento operário em Londres e conheciam muito bem os organizadores e dirigentes do conselho das trade unions. De forma verossímil, nesta circunstância que Cremer e Odger conheceram Marx, que, devido à polêmica com Vogt, havia retomado relações com a sociedade operária alemã.

Assim, pois, o verdadeiro papel de Marx, que não foi fundador da Primeira Internacional, mas que logo chegou ao posto de principal orientador, somente se iniciou após a fundação desta Internacional. Vimos que o comitê eleito na assembleia de 28 de setembro não recebeu nenhuma diretiva: não tinha nem programa, nem estatutos, nem sequer um nome. Existia já em Londres uma sociedade internacional, a "Liga Geral", que ofereceu hospitalidade ao Comitê. Nas atas da primeira assembleia realizada por este Comitê figuram os nomes dos representantes desta Liga, que não eram senão perfeitos burgueses. Eles tampouco propuseram ao novo Comitê a fundação de uma nova sociedade. Alguns deles falavam da organização de uma nova associação internacional na qual poderiam ingressar não somente os operários, mas todos os que aspirassem a uma união internacional e ao melhoramento da situação política e econômica das massas trabalhadoras. E a esta instância dos trabalhadores, Eccarius e Vitlock, este último, um velho "cartista", deram a nova sociedade o nome de "Associação Internacional dos Trabalhadores". A proposição foi sustentada pelos ingleses, entre os quais "cartistas", membros da antiga "Sociedade operária", berço do cartismo.

O nome dado à nova associação internacional fixou imediatamente seu caráter, pois em seguida foram alijados os burgueses da "Liga Geral": o Comitê foi convidado a buscar outro local. Puderam, felizmente, encontrar um pequeno lugar não distante da sociedade operária alemã e no mesmo bairro onde viviam os emigrados e operários estrangeiros.

Desde que a sociedade foi denominada, se puseram a compor o programa e a redigir os estatutos. Para compreender o que passou em seguida há que se imaginar uma sessão do comitê executivo de Petrogrado ou de Moscou onde se desenvolveu uma luta entre várias facções ou partidos. O melhor meio de fazer triunfar sua resolução é gerar um acordo para obter maioria. É o que sabem muito bem todos os membros de um comitê de bairro qualquer; é o que sabiam também os membros do comitê da Internacional. E, ao ir a sessão, não esqueceram de levar com eles o maior número possível de camaradas, mas desta forma, desgraçadamente, o comitê se encontrava formado pelos elementos mais diferentes.

Havia, em primeiro lugar, ingleses que, dentre eles mesmos, se dividiam em vários grupos: tradeunionistas, velhos cartistas, velhos owenistas. Havia franceses muito pouco versados nas questões econômicas, mas considerados como especialistas da arte revolucionária. Havia também italianos, muito influentes então porque estavam dirigidos por um homem muito popular entre os ingleses, o velho revolucionário Mazzini, republicano ardoroso e ao mesmo tempo religioso. Estavam ali também emigrados poloneses, para os quais a questão polonesa estava em primeiro plano: estavam, por último, alguns alemães, todos ex-membros da Liga dos Comunistas: Eccarius, Lessner, Lochner, Pfender e, por último, Karl Marx.

Foram apresentados diferentes projetos. Os italianos apresentaram um projeto redigido mais ou menos de acordo com o projeto francês. Na subcomissão na qual Marx participou e defendeu sua tese, por último, ficou encarregado de apresentar seu projeto a secretaria do comitê. Na quarta sessão — em 19 de novembro de 1864 — o projeto de Marx, com algumas insignificantes modificações de forma, foi adotado por esmagadora maioria.

Como conseguiu isso? Com risco de comprometer Marx aos vossos olhos, devemos dizer que isso não foi conseguido sem compromissos firmados, sem conciliação. Como ele mesmo disse em uma carta dirigida a Engels, "tive que introduzir nos estatutos e no programa alguns termos como 'direito', 'moralidade' e 'justiça', mas os introduzi de tal forma que não poderiam se tornar prejudiciais".

Mas esse não é o segredo do êxito obtido por Marx, não é assim que conseguiu em uma assembleia tão acirrada a aprovação quase unânime de sua tese. O segredo do seu êxito reside no talento extraordinário (o que era reconhecido até mesmo por seu inimigo Bakunin) que pôs na composição do Manifesto Inaugural da Internacional. Como reconhecia Marx na mesma carta a Engels, era extremamente difícil expor os pontos de vista comunistas sob uma forma que estivessem aceitáveis para o movimento operário de então. Era impossível empregar a linguagem audaz e revolucionária do Manifesto Comunista. Havia que se esforçar em ser violento no conteúdo e moderado na forma; e Marx desempenhou brilhantemente esta tarefa.

Este manifesto foi escrito 17 anos após o Manifesto Comunista. Aquele e o Manifesto são, pois, do mesmo autor, mas as épocas em que foram escritos e as organizações para as quais e em nome das quais foram compostos, diferem profundamente. O Manifesto Comunista foi composto em nome de um pequeno grupo de revolucionários e de comunistas para um movimento operária ainda muito jovem. Mas já então advertiam que não expunham princípios especiais para impor-lhes ao movimento operário; que se esforçavam somente para ressaltar neste movimento os interesses gerais do proletariado de todos os países, independente das nacionalidades.

Em 1864, o movimento operário havia crescido grandemente, adquirido carácter de massas, mas do ponto de vista do desenvolvimento da consciência de classe estava consideravelmente em atraso comparado à pequena vanguarda revolucionária de 1848. O novo estado maior deste movimento, em nome do qual Marx escrevia, não estava menos atrasado em relação a mencionada vanguarda. Era preciso escrever o novo manifesto sem esquecer o nível de desenvolvimento do movimento operário e dos seus dirigentes, sem renunciar, porém, a nenhuma das teses fundamentais do Manifesto do Partido Comunista.

Conhecemos a tática de frente única adotada pela Internacional Comunista. E Marx, em seu novo manifesto, ofereceu um exemplo clássico da aplicação desta tática. Formulou ali as reivindicações e assinalou todos os pontos acerca dos quais se pode e se deve unir as massas operárias e sobre cuja base se pode prosseguir o desenvolvimento da consciência de classe dos operários. As reivindicações imediatas do proletariado formuladas por Marx comportam logicamente as outras reivindicações do Manifesto Comunista.

Sob todos esses aspectos Marx tinha, certamente, uma superioridade imensa sobre Mazzini, sobre os revolucionários franceses e sobre os socialistas ingleses que estavam na direção da Internacional. Sem modificar em nada seus princípios fundamentais, conseguiu, durante estes 17 anos, desenvolver um trabalho imenso. Nessa época havia terminado o esboço de sua obra gigantesca e se ocupava em refazer o primeiro tomo de O Capital. Marx era então o único homem no mundo que havia estudado muito bem a situação da classe operária e compreendido de igual modo o mecanismo da sociedade capitalista. Em toda Inglaterra não existia um só homem que se impôs, como ele, o trabalho de estudar todos os informes dos inspetores de fábrica e os trabalhos das comissões parlamentares referentes a situação dos diferentes ramos da indústria e das diferentes categorias do proletariado urbano e rural. Marx estava muito mais versado nesta questão do que os operários que eram membros do Comitê. Este compreendia padeiros, que conheciam a situação do seu ofício: sapateiros, conscientes do que se refere a indústria do calçado; carpinteiros e estucadores, bastante informados da situação dos operários da construção; mas somente Marx possuía conhecimento a fundo da situação das categorias mais diferentes da classe operária e sabia vinculá-las com as leis geral da produção capitalista.

O talento de agitador de Marx se evidencia na própria composição deste manifesto. Da mesma forma que no Manifesto do Partido Comunista, partia do fato fundamental do desenvolvimento político, da luta de classes; assim, não começa o novo manifesto com frases gerais, com objetivos elevados, mas com os fatos que caracterizavam a situação da classe operária.

"É positivo que a miséria da classe operária não tenha diminuído no período 1848-1864, e, porém, esse período excepcional não tem exemplo nos anais da história pelo progresso realizado pela indústria e pelo comércio". Referindo-se ao discurso de Gladstone na Câmara dos Comuns, Marx demonstrou que, ainda quando o comércio na Grã-Bretanha triplicou desde 1843, as nove décimas partes dos homens estão forçadas a realizar uma luta encarniçada somente para assegurar sua subsistência. Os criminosos nas prisões se alimentam melhor do que muitas categorias de operários.

Referindo-se aos documentos das comissões parlamentares, Marx assinalava que a maioria da classe operária se alimentava insuficientemente, era alvo de enfermidades, enquanto que as classes possuidoras ampliavam monstruosamente suas riquezas.

Marx deduziu disso que, a despeito das asserções dos economistas burgueses, nem o aperfeiçoamento das máquinas, nem a aplicação da ciência na indústria, nem o descobrimento de novas colônias, nem a emigração, nem a criação de novos mercados, nem a liberdade de comércio puderam suprimir os males que afligiam a classe operária. Daí concluiu, como no Manifesto, que enquanto o regime social permanecesse sobre suas velhas bases, todo novo desenvolvimento das forças produtivas não faria mais do que aprofundar e ampliar o abismo que dividia então as diferentes classes e revelava ainda mais o antagonismo que existe entre elas.

Depois de indicar as razões que contribuíram para a derrota operária de 1848 e provocaram nela a apatia que caracterizava o período de 1849 a 1859, Marx expôs algumas das conquistas dos operários durante esse período. Ante tudo, a lei sobre a jornada de dez horas. A despeito de todas as asserções dos satélites do capital, Marx indicou que a redução da jornada, longe de prejudicar o rendimento do trabalho, pelo contrário, o aumentou. Esta lei, além disso, evidenciou o triunfo do princípio da intervenção do Estado no domínio econômico sobre o velho princípio da livre concorrência. Marx deduziu, como no Manifesto do Partido Comunista, a necessidade para a classe operária de submeter a produção ao controle e direção de toda a sociedade, pois somente uma produção social assim concebida realizaria o princípio fundamental da economia política da classe operária. Assim, a lei da jornada de dez horas não foi somente uma vitória prática; indicava a vitória da economia política da classe operária sobre a economia política da burguesia.

Outra conquista era representada pelas cooperativas fabris fundadas por iniciativa dos operários. Mas, diferindo nisso de Lassalle, que considerava as associações de produção como o ponto de partida para transformação de toda a sociedade, Marx não superestimava sua importância prática. Ao contrário, as preconizava unicamente para demonstrar às massas operárias que a produção dirigida segundo os métodos científicos pode efetuar-se e desenvolver-se sem a classe capitalista que explorava o trabalho operário; que os meios de produção não devem ser monopólio de indivíduos, nem tampouco se transformar em instrumentos de violência e de escravidão; que o assalariamento, assim como a servidão, não é algo eterno, mas um estado transitório, uma forma inferior da produção, que deverá ceder seu lugar à produção social. Uma vez deduzidas estas conclusões comunistas, Marx indicou que, enquanto estas associações de produção se limitassem a um círculo estreito de operários, não estariam ainda em posição de aliviar, ainda que de forma paliativa, a situação da classe operária.

A produção cooperativa deveria ser estendida a todo o país. Situando assim a tarefa da transformação da produção capitalista na produção socialista, Marx ressaltou imediatamente que esta transformação será contrariada por todos os meios pelas classes dominantes; que os proprietários de terras e os capitalistas utilizariam seu poder político para defender seus privilégios econômicos. Por essa razão, o primeiro dever da classe operária consistia em conquistar o poder político: segundo isto, para ele é necessário organizar em todas as regiões, partidos operários. Os operários têm em si mesmos um ator de êxito: sua massa, seu número. Mas esta massa somente adquire sua força quando é compacta, unida, quando está dirigida pela ciência. Sem uma profunda coesão, sem solidariedade fraternal, sem a ajuda recíproca na luta pela emancipação, sem uma organização de caráter nacional e internacional, os operários estariam condenados ao completo fracasso. Guiando-se por estas considerações, acrescentou Marx, os operários de diferentes países resolveram fundar a Associação Internacional dos Trabalhadores.

Como se pode ver, com uma arte surpreendente, ainda que sob uma forma moderada, Marx extraiu da situação efetiva da classe operária todas as deduções fundamentais do Manifesto Comunista: organização de classe do proletariado, derrubada da dominação da burguesia, conquista do poder político pelo proletariado, supressão do trabalho assalariado, nacionalização de todos os meios de produção.

Mas Marx — e com ela terminou o Manifesto Inaugural — colocou ainda outra tarefa política extremamente importante. A classe operária não deve encerrar-se na esfera estreita da política nacional. Devem seguir com atenção todos os problemas da política externa. Se o êxito da obra de libertação da classe operária depende da solidariedade fraternal dos operários de todos os países, não poderia cumprir sua missão se as classes que dirigem a política exterior aproveitassem seus prejuízos nacionais para pôr os operários de diferentes países uns contra os outros, derramar nas guerras de rapina o sangue do povo e desperdiçar seu dinheiro. Por isso, chegou o tempo em que os operários deveriam aprender a conhecer todos os segredos da política internacional; deveriam vigiar a diplomacia de seus respectivos governos, resistir a ela, caso necessário, por todos os meios e unir-se um protesto unânime contra as manipulações criminosas dos Estados. Chegou o tempo de terminar com esse estado de coisas, onde o engano, a espoliação, o roubo, estão autorizados nas relações entre os povos, ou seja, um estado de coisas onde todas as regras consideradas como obrigatórias nas relações entre as pessoas privadas, são constantemente violadas.

Expusemos até aqui as ideias fundamentais deste notável manifesto. Em seguida examinaremos os estatutos e as teses primordiais, porque ao seu redor foi travada uma luta furiosa entre Bakunin e Marx.


Inclusão: 15/11/2019