A Doutrina Comunista do Casamento

David Riazanov


Capítulo V


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Escutando os discursos ou lendo os livros de nossos supostos comunistas, eu teria que, reconheço-o, repetir cousas que nos provocariam náuseas, ainda há quarenta anos. Nos nossos antigos círculos, já existiam teóricos do "casamento de curta duração" que falavam com desprezo da "honra estampada dos esposos e das esposas" e que estavam, portanto, no mesmo nivel inferior que os pavões lúbricos dos meios nobres e burgueses, ou como esses indivíduos surgidos da classe operária que os nossos operários denominam tão justamente "touros de fabrica". É verdade que durante aquela época, essas teóricas "radicais" não eram apresentadas sob o rotulo de marxistas ou comunistas.

Mas — direis, talvez — Marx e Engels não se afastaram, portanto, do grau de evolução que eles tinham atingido no seu Manifesto Comunista? Tendes razão. Após a revolução de 1848, Marx empreende novamente a analise detalhada da evolução da sociedade burguesa, estuda as leis do desenvolvimento do regime capitalista, e examina novamente todas as condições que determinam a situação da classe operária na época da dominação do capital. Um problema tão importante como o do casamento e da família não podia ser desprezado. A exploração sempre crescente do trabalho das mulheres e das crianças apresenta um dos traços mais característicos da fase industrial no desenvolvimento do capitalismo.

Com efeito, em 1850, Marx pôs-se novamente a estudar "o problema feminino". Marx e Engels consagraram muito tempo à questão "feminina" enquanto os comunistas de hoje preferem a divisão do trabalho entre homens e mulheres, mesmo nas organizações do partido: a secção feminina só se ocupa do domínio "feminino", a masculina, do domínio "masculino". Nos papeis de Marx, encontrei alguns cadernos de 1852 onde ele observava sistematicamente as passagens dos livros sobre a historia da mulher e da família em épocas diversas. Já então, Marx constata que as formas da família tais como as vemos no curso da historia, nos diferentes povos, apresentam, no fundo, diferentes fases de sua evolução, que encontram sua expressão típica em cada povo. Essa idéia foi resumida por Marx no primeiro volume do Capital.

Marx teve ocasião de se pronunciar sobre o problema feminino, ainda antes daquela época, a propósito dos debates que tiveram lugar nas diversas secções da Primeira Internacional. Nessa questão, os proudhonianos franceses, seguindo o seu mestre, defenderam idéias mui reacionárias. A seu entender, a esfera da atividade feminina deveria limitar-se ao lar conjugal. No desenvolvimento do trabalho feminino, eles viam um fenômeno que desorganiza a família e impede a mulher de se ocupar do seu trabalho de economia.

À proposta do Conselho Geral, o Primeiro Congresso da Primeira Internacional de Genebra adotou, em setembro de 1866, a resolução elaborada por Marx. Entre outras, liam-se as declarações seguintes:

"Fazer participar as crianças e os adolescentes dos dois sexos, na grande causa da produção social, essa tendência da industria moderna é considerada pelo congresso como sã e legitima, e como um sinal de progresso, bem como, sob a dominação do capital, ela torna-se um mal terrível. Numa sociedade bem organizada, toda criança, a partir de nove anos, deve tornar-se um operário produtor; nenhum adulto são poderá livrar-se da submissão à lei geral da natureza que nos ordena trabalhar afim de ter a possibilidade de comer, — e trabalhar não só intelectualmente como também fisicamente".

No primeiro volume do Capital, encontramos uma exposição mais detalhada dessa idéia. Marx demonstra que no seu desenvolvimento, o capitalismo abala os fundamentos da família antiga e modifica não só as relações entre marido e mulher, como também entre pais e filhos.

"Desde que a jurisdição das usinas se põe a regularizar o trabalho dito domestico, ela torna-se considerada como uma irrupção na esfera da pátria potestas ou, como se diz hoje, no do poder paterno. No seu ócio, o parlamento, durante muito tempo, não ousava tomar essa medida e limitava-se a pronunciar frases hipócritas. Mas o poder dos fatos termina por forçar a burguesia à reconhecer que a grande industria, combinada com as bases econômicas da antiga organização e o trabalho da família, destruíam as antigas relações familiares. Foi-se forçado a proclamar os direitos das crianças".

Mas a grande industria não se limita a destruir a antiga família: ela cria, ao mesmo tempo, elementos que contribuirão para a criação de uma nova família.

"A desorganização das antigas relações de família sob o regime capitalista tem parecido horrível e ignóbil; todavia, a grande industria estabelece os novos fundamentos das formas superiores da família e das relações entre os sexos, graças ao papel positivo que ela atribue às mulheres, aos menores e às crianças de ambos os sexos na produção socialmente organizada, fora da esfera familiar. Diga-se de passagem, que também é absurdo considerar-se perfeita a forma da família germano-cristã, como a dos Romanos, Gregos ou Orientais; no seu conjunto, todas essas formas apresentam fases progressivas de evolução humana. Do mesmo modo, é evidente que a composição do pessoal operário em individues de sexos e idades diferentes deve tornar-se uma fonte de progresso humano, em circunstancias favoráveis, embora sob a forma grosseira do capitalismo, onde o operário é destinado à produção e não a produção ao operário, esse fenômeno constitui uma fonte de vicio e de escravidão".

É de se notar que, no primeiro volume do Capital, Marx faz sobressair mais de uma vez

"que a aurora da civilização humana, são apenas famílias e tribos que entram em relação entre si como unidades independentes e não indivíduos".

Mas, nessa época, ele concebe que a forma primitiva da sociedade é a família da qual somente mais tarde nasce um agrupamento mais vasto, a Tribo. Essa concepção aparece também na segunda edição em 1872. Mais tarde, Marx renuncia a essa idéia. Na sua nota para a terceira edição do Capital, Engels assinala:

"seus estudos aprofundados da primitiva existência dos homens fizeram Marx conceber que a família não se transformou em tribo, mas que pelo contrario, a forma primitiva da sociedade humana era espontaneamente a tribo, criada segundo o principio do vinculo do sangue; não é senão posteriormente, quando os vínculos da tribo começaram enfraquecer, que múltiplas formas da família se desenvolveram".

A mudança das idéias de Marx foi provocada pela "Sociedade antiga" de Morgan, aparecida em 1877. Nos papeis de Marx encontramos todo um vasto caderno de citações do livro de Morgan. Segundo Engels, Marx tinha a intenção de expor os resultados dos estudos de Morgan, com os dados da concepção materialista da historia, mas esse projeto não foi por ele realizado. Esse trabalho foi concluído por Engels, que utilizou não somente as passagens do livro de Morgan, citadas por Marx, como também os velhos cadernos que acima falamos. Por conseguinte, o livro de Engels: A origem da família da propriedade privada e do Estado é um trabalho executado em comum por Marx e Engels. Um elevado numero de fatos citados por Engels foram extraídos das compilações de Marx.


Inclusão 13/09/2011