
São poucos os elementos de que disponho, mas como me parece que há camaradas do CC que desconhecem a situação, acho de interesse apresentar alguns desses elementos; eles justificam, quanto a mim, a afirmação que fiz na minha última carta ao CC sobre o assunto: a denúncia pelo nosso CC do dogmatismo como perigo principal no movimento comunista é, na situação actual, uma ajuda à corrente oportunista predominante em diversos partidos comunistas e operários. Defendo que o nosso CC reveja este problema com cuidado e corrija o mais breve possível a posição tomada em 19 de Janeiro.
Aos camaradas que admitem haver alguns aspectos oportunistas na acção do PC Italiano, mas defendem que esses aspectos nada têm a ver com a linha geral do Partido, que seria correcta:
“Em primeiro lugar, avançar para o socialismo significa movimento e não estancamento. Toda a melhoria, mesmo limitada das condições dos trabalhadores, qualquer golpe dado ao sistema de privilégios e exploração, são um facto positivo. Não existe nada mais estúpido nem mais prejudicial que a política do 'quanto pior, melhor'. Sempre a temos rechaçado, sempre exigimos medidas concretas para melhorar as condições de trabalho. Mas para além dessas medidas contingentes aparecem duas questões substanciais: a estrutura económica e a direcção política da sociedade com o objectivo de diminuir e possivelmente demolir o domínio absoluto dos grupos burgueses dirigentes“.
“A estes pontos opõe-se uma objecção aparentemente muito séria. A luta por este objectivo desenvolve-se no âmbito do Estado actual, que mantém a sua índole burguesa. Está bem. Sabemos qual é a natureza de classe do Estado que não muda por se aprovarem uma ou várias nacionalizações. Trata-se de ver se, partindo da presente estrutura estatal, realizando as profundas reformas previstas na Constituição, pode desenvolver-se um movimento e obter-se resultados tais que modifiquem o actual bloco governante e criem condições, aproveitando as quais as classes trabalhadoras possam conquistar as funções que legitimamente lhes correspondem“.
“Aceitando esta perspectiva que, na essência, é um avanço para o socialismo na paz e na democracia, introduzimos o conceito de evolução gradual, no qual é bastante difícil precisar quando se operam mudançasqualitativas. Podemos predizer que nos países capitalistas desenvolvidos se produzirá uma luta que pode estender-se por um largo período de tempo, durante o qual as classes trabalhadoras combaterão para se converter em classe dirigente“. (Informe do cam. Togliatti ao 10.° Congresso do PCI, citado em Tempos Novos, n.° 51, 1962) ([mns do autor]) itálicos meus).
“Nós lutamos por uma reforma profunda do nosso regime político e económico: ela exprime-se no respeito e na aplicação da Constituição pelos nossos governantes, numa reforma agrária e industrial que deve permitir libertar os trabalhadores e os consumidores da pressão dos monopólios privados e acrescer o bem-estar de todo o País“. (...)
“É um facto que na Itália as reformas estão na ordem do dia. Algumas são muito profundas: no domínio político, a constituição das regiões que deve quase coroar o sistema de autonomia local e criar um verdadeiro estado de direito do cidadão. Este estado existe só no papel; no domínio económico, uma reforma da propriedade para limitar a grande propriedade e dar a terra aos que a trabalham, uma reforma industrial para nacionalizar os grandes monopólios e introduzir o princípio da gestão operária. No domínio da segurança social, a reforma deve assegurar a todos condições de existência mais humanas. No domínio do ensino, é preciso fazer desaparecer o analfabetismo e constituir uma escola única com a duração de 10 anos“ (...).
“A reivindicação de reconhecer as comissões internas e os seus direitos deve abrir caminho à questão do controlo operário na produção e das suas reformas. Não nos encontramos numa situação revolucionária aguda, quando o controlo está no centro da luta pelo poder Encontramo-nos contudo numa situação em que, para se opor ao poder absoluto dos monopólios, para evitar que aumente o desequilíbrio entre a retribuição e o rendimento do trabalho, para permitir os despedimentos só na base da “justa causa“, para impedir que as medidas de automatização sejam exclusivamente uma vantagem enorme para o lucro em detrimento do assalariado e do consumidor, o controle de organismos de empresa aparece como necessário“.
“É preciso que as nossas reivindicações sejam enquadradas numa acção de 'renascimento', pondo problemas políticos de fundo, como a criação do organismo regional, a industrialização do Sul, uma reforma agrária geral, uma nova política para a cooperação, a nacionalização dos monopólios eléctricos, a reclamação de suspender o Mercado Comum Europeu e sobretudo a denúncia da política clerical“.
“Contra os comunistas ou sem os comunistas, não se defende, não se renova, não se alarga a democracia italiana“ (...) “Nós combateremos para defender, alargar, reforçar a democracia e o regime parlamentar, contra todo o germe, toda a tentativa, todo o perigo de degeneração autoritária e reaccionária“ (Informe do cam. Togliatti na reunião do CC do PCI, Outubro 1958, publicado no Bulletin pour l'étranger).
“Nós devemos impedir os despedimentos colectivos. Devemos defender e demonstrar que isso é justo e necessário do ponto de vista nacional, geral, mas que isso também é justo e possível do ponto de vista da empresa. Se impusermos a estabilidade da ocupação de mão-de-obra numa grande empresa, se obrigarmos portanto o capitalismo a considerar o nível de mão-de-obra como um dado constante, o capitalismo será obrigado a modificar os seus cálculos e a sua plataforma produtiva. O capitalismo deverá orientar-se para novos investimentos, tendo um carácter extensivo para a criação de novas fontes de trabalho e de ocupação da mão-de-obra. Este raciocínio vale em especial para os grandes grupos que dispõem de imensas reservas de capitais“. (Intervenção de Pesenti na reunião do CC do PCI, Outubro 1958) (itálicos meus).
É possível que estas citações que pude recolher em materiais que me chegaram às mãos sejam pouco significativas quanto à linha do PCI; mas reunidas às afirmações que se podem ler na Revista Internacional, elas são bastantes para caracterizar concepções que me parecem contrárias ao marxismo-leninismo. Recentemente, um camarada do Secretariado do Comité Central do nosso Partido disse-me que “o comunismo é uma coisa diferente daquilo que eu imagino“. Penso que é esse camarada e o CC que estão em erro. De qualquer modo, para ajudar a esclarecer onde está o erro, digo o que penso das ideias transcritas acima.
Quaisquer que sejam as condições particulares de Itália, nada pode justificar que o problema do poder seja diluído a ponto de não se distinguirem as etapas e de se desarmar o proletariado na luta pela conquista do poder. “Reformar“, “renovar“ a democracia, proceder a um “renascimento“, combater a “degeneração“ autoritária, fazer respeitar a Constituição, “obrigar” os monopólios a seguir outra via... o que há nestas fórmulas senão a sobrevalorização das conquistas democrático-burguesas, pondo em segundo plano que a direcção, o poder continua nas mãos da grande burguesia? A “evolução gradual“ é uma fórmula reformista igual a tantas outras que já surgiram no passado, significa o abandono da luta pelo poder, desta vez à sombra das novas condições históricas.“
30-4-63
Saudações comunistas
C.