
Camaradas:
Foi-me entregue em 28 de Fevereiro a resolução datada de Dezembro que me expulsa do Comité Central. O Partido vai ser informado de que sou expulso do CC por indisciplina, deserção e roubo, “e não por discordâncias de carácter político“. Quanto a mim, a vossa resolução, apoiando-se aparentemente nos factos, não passa de uma tentativa para desnaturar os factos e ocultar ao Partido os motivos reais da minha expulsão do Comité Central.
É verdade que eu rompi a disciplina do Partido e abandonei as tarefas que me estavam confiadas. Vós expulsais-me por isso do CC; mas deveis ter a coragem de dizer ao Partido por que motivo um membro do CC, militante do Partido desde 1952, funcionário do Partido na clandestinidade desde 1954, que sempre foi disciplinado, que sempre cumpriu os seus deveres de revolucionário perante o inimigo, se transforma subitamente num indisciplinado e num desertor.
Eu vou explicar-vos porquê. Até à reunião de Agosto de 1963 do Comité Central, eu acreditei na possibilidade de se combaterem e corrigirem, mantendo o respeito pela disciplina, as tendências e desvios oportunistas cada vez mais graves de que me ia apercebendo na direcção do Partido. Depois da reunião de Agosto, eu cheguei à conclusão de que era impossível, nas condições actuais, esperar uma correcção dos erros oportunistas por parte do Comité Central. Punham-se-me assim duas alternativas: ou submeter-me à disciplina e continuar a luta no âmbito do CC (o que, depois da reunião de Agosto, era uma posição platónica, sem qualquer valor prático) ou romper efectivamente com a disciplina para tentar por todos os meios opor-me ao avanço do oportunismo que domina a direcção do nosso Partido. É evidente que eu não tinha outra escolha senão a que fiz.
Continuar a acatar a disciplina e a desempenhar as minhas tarefas de membro do CC seria, quanto a mim, colaborar numa empresa revisionista que prejudica os interesses superiores do Partido. Eu não estou disposto a fazê-lo; quero afirmá-lo claramente para que tomeis todas as resoluções que vos pareçam necessárias. Foram precisamente as minhas convicções de comunista que me levaram a desrespeitar a disciplina; esta foi a única posição coerente e de princípios que eu podia tomar, porque a disciplina e a unidade do Partido devem ser uma arma ao serviço do triunfo das ideias marxistas-leninistas e não uma arma para facilitar o triunfo das ideias revisionistas no seio do partido do proletariado.
Vós expulsais do Comité Central um elemento que foi indisciplinado; seria bom que começásseis por expulsar todos aqueles que abandonam o marxismo-leninismo e conduzem o Partido numa via errada.
É falso que eu tenha roubado o Partido. Quando em princípio de Dezembro resolvi mudar de instalação e levar ao conhecimento dos militantes as divergências existentes no Comité Central, trouxe comigo alguns haveres do Partido que me estavam distribuídos; em 13 de Janeiro escrevi-vos uma carta afirmando a minha disposição de devolver todos esses haveres logo que fosse possível (esta carta foi recebida por um membro do Comité Central entre 15 e 20 de Janeiro). Vós preferis “ignorar“ tudo isto (e nesse sentido datais de Dezembro uma resolução que é posterior) para poder melhor desnaturar os factos e apresentar-me ao Partido como um ladrão.
Só posso concluir que a dificuldade em enfrentardes a luta de princípios que se está travando no seio do Partido vos leva a recorrer a deturpações e calúnias para tentar desviar a discussão dos verdadeiros problemas. E é só isso que pode explicar que, em reuniões do Partido, se esteja a procurar denegrir-me junto dos militantes, chegando ao ponto de aludir aos meus “desvios oportunistas“ do passado. Que desvios foram esses? A que vos referis? Se estais tão interessados em discutir com o Partido a minha actividade de militante, em vez de discutir as divergências de princípios existentes, então só tendes um procedimento honesto a seguir, que é apresentar a minha biografia de militante e as cartas e documentos que venho dirigindo há anos ao Comité Central. Por mim não temo o julgamento do Partido.
É evidente que o conteúdo da vossa resolução e das discussões que estão a ser feitas iludirá momentaneamente muitos militantes do Partido sobre as causas reais da minha expulsão do Comité Central; é natural também que consigais intimidar aqueles outros militantes que, conhecendo a situação, vêm insistindo por um largo debate político nas fileiras do Partido. O Comité Central conseguirá assim o seu objectivo de fazer aceitar a minha expulsão do CC. Mas qual pode ser o resultado final destes procedimentos? Ele só pode ser o desprestígio do CC perante o Partido, o agravamento das dificuldades existentes no Partido, o enfraquecimento da luta antifascista. São esses os vossos objectivos?
Pela minha parte, consciente do que o que está em jogo não é o “meu caso“, mas os próprios princípios do Partido, tenciono manter-me fora do terreno dos insultos e calúnias contra camaradas e continuar a lutar por todos os meios para que sejam esclarecidas as graves questões de princípios que nos separam e que estão na base da minha expulsão do Comité Central. Quais são essas questões? Relembro-as uma vez mais, para vos fazer sentir, se possível, a gravidade dos problemas que defrontam hoje o nosso Partido.
Primeira. Deve o Partido continuar a fazer da unidade ideológica e política antifascista a base da sua actividade, desprezar o estudo da luta de classes e do carácter da revolução, comprometer a independência ideológica dos comunistas, depositar as suas esperanças nos acordos com a burguesia antifascista; ou deve antes o Partido estudar e definir as tarefas da revolução democrática-popular como base científica de toda a sua actividade, proclamar o objectivo da instauração dum poder popular, fazer a crítica de princípios ao movimento burguês antifascista e concentrar o seu esforço na iniciativa revolucionária das massas trabalhadoras como base da unidade nacional antifascista?
Segunda. Deve o Partido continuar a furtar-se às tarefas de preparação prática da insurreição popular antifascista, continuar a enfraquecer a sua ligação com a vanguarda operária e camponesa acusada de “aventureirismo“, tender para o imobilismo político e para a dependência do movimento burguês; ou deve antes o Partido estudar e levar à prática as medidas de preparação da insurreição como principal tarefa política actual, conduzir os trabalhadores e patriotas ao desencadeamento da acção armada contra a ditadura, arrancar a iniciativa ao movimento burguês antifascista?
Terceira. Deve o Partido continuar na via dos ataques caluniosos ao Partido Comunista da China e outros partidos que se mantêm fiéis ao marxismo-leninismo, da ocultação e deturpação dos reais problemas em debate no movimento comunista, da reabilitação do grupo revisionista de Tito, da colaboração na campanha revisionista internacional; ou deve antes o Partido abster-se dos ataques a partidos irmãos, respeitar as declarações comuns de 1957 e 1960 que subscreveu, defender o marxismo-leninismo como base da unidade do campo socialista, do movimento comunista internacional e do nosso próprio Partido?
Porque não defendeis a vossa linha contra estas críticas que vêm sendo feitas, não só por mim, mas por centenas de militantes? Porque não demonstrais, com base em argumentos sérios, em que consiste o “dogmatismo“, o “sectarismo“ e o “desespero“ daqueles que vos criticam? Porque não organizais, como vos foi proposto, um profundo debate no Partido sobre estas questões vitais que afligem hoje os comunistas portugueses?
Mais tarde ou mais cedo, o Comité Central será forçado a enfrentar as divergências, será forçado a rever as suas posições e a criticar as concepções oportunistas. O Partido e o povo só terão a ganhar se o CC tiver a coragem e firmeza de princípios de o fazer desde já. Essa é actualmente a tarefa mais decisiva para o êxito da luta antifascista e para a marcha da revolução portuguesa.
Se o Comité Central fugir às suas obrigações perante o Partido, se continuar a pretender resolver com expulsões, insultos e calúnias uma questão de princípios, podereis estar certos de que surgirão comunistas que tomarão sobre si a tarefa da defesa do marxismo-leninismo, da defesa do internacionalismo proletário e da condução do movimento revolucionário português, sejam quais forem as dificuldades que surjam nesse caminho.
Comunico-vos que resolvi dar conhecimento desta carta, assim como das minhas cartas anteriores e da vossa resolução, aos militantes do Partido, para não permitir que se deturpem os factos.
Saudações comunistas
Campos