Anti-Dimitrov
1935/1985 - meio século de derrotas da revolução

Francisco Martins Rodrigues


10. O fim da crise


Edição portuguesa
Pedidos a
elaporelaeditora @ gmail.com
Edição brasileira pela
LavraPalavra Editorial
à venda em neste link
capa capa Brasil
Baixe o livro em pdf (edição portuguesa)

Não encaramos de modo nenhum a teoria de Marx como uma coisa acabada e intocável Pelo contrário, estamos convencidos de que ele se limitou a pôr a pedra angular da ciência que os socialistas devem levar mais longe se não quiserem ser ultrapassados pela vida.” LENINE(1)

Não basta traçar a génese, florescimento e agonia do centrismo como embrião do revisionismo moderno. Falta explicar por que se deixou o movimento comunista devorar por ele sem resistência. A prolongada e cada vez mais profunda crise do movimento marxista desde há meio século tem necessariamente uma base social e política que é preciso pôr a nu. Sem isso, as profissões de fé na vitalidade do marxismo-leninismo, “doutrina sempre jovem e científica”, e na vitória final da revolução, “problema candente que exige solução” (Enver Hoxha), não passam de flores murchas de retórica.

Torna-se necessário portanto concluir este trabalho com um esboço, mesmo sumário, das grandes linhas de classe que fizeram emergir o centrismo como corrente dominante no movimento comunista e o conduziram ao revisionismo. E tentar vislumbrar o que fica para diante.

A era do terror

A revolução socialista de Outubro abriu uma nova época na História, não apenas do ponto de vista da revolução, mas também do ponto de vista da contra-revolução. O dobre a finados de 1917 provocou um encarniçamento da resistência da burguesia como Lenine dificilmente poderia prever quando caracterizou o imperialismo como “a reacção em toda a linha”. As convulsões da agonia da burguesia são mais selvagens do que as de qualquer outra classe até hoje condenada a morrer.

Porque a concentração e internacionalização do capital financeiro, a sua fusão com o aparelho de Estado e a revolução tecnológica elevaram o seu potencial terrorista a níveis inimagináveis no passado, criando verdadeiros centros mundiais organizadores da contra-revolução. E também porque a perspectiva do socialismo e do comunismo, ao anunciar o fecho do ciclo histórico da exploração do homem pelo homem, galvaniza todas as energias das classes exploradoras numa ânsia desesperada de sobrevivência. Para elas, a ditadura do proletariado é verdadeiramente o fim do mundo.

É neste quadro que se desencadeiam as duas gigantescas ofensivas terroristas que atravessam a nossa época: o fascismo hitleriano, que inaugurou o extermínio industrializado e culminou no genocídio da II Guerra Mundial; e a chantagem nuclear do imperialismo americano, que vem da guerra até aos nossos dias e, entrelaçada com o fascismo, deu suporte a uma sucessão ininterrupta de massacres, de Hiroshima, Coreia e Vietname, à Palestina, Indonésia, América Latina, etc.

Na lógica demente dos imperialistas, a dizimação metódica e maciça de todos os focos de resistência tornou-se o remédio preventivo adequado para o perigo da revolução.

Esta dimensão planetária do terror burguês tinha que provocar um abalo profundo no movimento operário e uma tendência geral para o refluxo da revolução proletária. Era inevitável que a repetição do feito dos operários russos passasse a ser vista como irrealizável. Mesmo percebendo a farsa das promessas imperialistas de bem-estar e liberdade, a classe operária sentiu-se manietada pela ferocidade de que ele dá provas. Ou seja: os meios de luta do movimento operário atrasaram-se perante a explosão do terror burguês. A correlação de forças entre o proletariado e o Estado burguês desequilibrou-se brutalmente a favor da contra-revolução.

Isto tinha que fazer alastrar no movimento operário a desorientação, a receptividade ao reformismo, a tendência para o adiamento da revolução, a busca da protecção da pequena burguesia e da burguesia liberal, o florescimento exuberante de mil e uma variedades de oportunismo.

Há uma relação directa bem visível entre cada um dos saltos da ofensiva terrorista da burguesia e as duas grandes capitulações do movimento comunista: o compromisso centrista do 7º congresso da Internacional responde como um eco ao desencadeamento da bestialidade nazi; e a corrupção revisionista internacional dos últimos 30 anos é a réplica à ameaça americana de aniquilamento do mundo.

Atribuir qualquer destas duas capitulações simplesmente à cobardia e à traição dos dirigentes deixa por responder a questão: como puderam eles fazer-se aceitar pelos comunistas e pelo movimento operário? E evidente que, num e noutro caso, os dirigentes oportunistas convenceram o movimento a capitular porque lhe apresentaram essa capitulação como a única saída para uma desvantagem que todos reconheciam ser real.

Hoje não é difícil admitir que um certo compasso de espera na marcha da revolução proletária mundial era inevitável, até o movimento comunista ser capaz de elaborar respostas eficazes para a barbárie fascista-imperialista. Novos problemas, desconhecidos na época de Lenine, vieram colocar-se à luta pela hegemonia do proletariado, à ligação entre a vanguarda e as massas, à edificação do partido, à passagem da defensiva à ofensiva, aos métodos de insurreição e de guerra civil, à construção da ditadura do proletariado, etc. Era inevitável um certo período de derrotas, confusão e dispersão, até o partido comunista conseguir fazer valer as leis gerais da revolução proletária nas novas condições históricas.

Mas isto não chega por si só para explicar um tão prolongado bloqueamento da revolução proletária e, o que é mais, o definhamento e desagregação das fileiras marxistas, o eclipse do pensamento marxista. O Estado burguês, com todo o seu poder, já teria sido certamente submergido pela maré revolucionária do proletariado se não tivesse encontrado novos apoios sociais, que lhe serviram de veículo político e ideológico junto do movimento operário.

Base social do centrismo

Com efeito, o que houve de novo na estrutura do imperialismo no último meio século foi a ascensão sucessiva e combinada de três novas correntes burguesas, cujo entrelaçamento manietou o movimento operário e desfigurou o marxismo, primeiro sob a forma de centrismo, depois como revisionismo. Foram elas: a nova pequena burguesia assalariada nos países capitalistas, a nova burguesia de Estado na União Soviética e a burguesia nacional dos países dependentes.

Nos países capitalistas, observou-se, a partir da crise de 1929-1933, o florescimento monstruoso, como verdadeira gangrena, das camadas pequeno-burguesas assalariadas (técnicos, quadros, aristocracia e burocracia operária, intelectuais, serviços). Esta nova pequena burguesia criou uma armadura envolvente que começou a enquadrar a classe operária nos domínios produtivo, ideológico, político, sindical, injectando-lhe em doses maciças a sua própria atitude reformista de submissão ao imperialismo.

Todo o quadro da luta de classes nesses países foi revolucionado. A classe operária passou a defrontar o envolvimento total por parte de uma pequena burguesia de novo tipo, não em declínio mas em crescimento acelerado, agente por natureza do capital monopolista e do seu Estado. O seu comportamento face ao movimento operário orienta-se espontaneamente para o objectivo de o mobilizar ao seu serviço, como força de pressão e regateio junto do capital financeiro e, se necessário, reprimir todas as veleidades de actuação revolucionária independente da classe operária.

Não se pode dizer que este movimento social fosse uma surpresa. Lenine já assinalara no Imperialismo o aparecimento de uma oposição democrática pequeno-burguesa ao imperialismo e sublinhara o seu carácter inevitavelmente reformista, conservador do sistema. Já nessa obra, escrita em 1916, Lenine contestava o falso optimismo de se julgar possível a conquista dessas camadas para o campo da revolução e alertara para um fenómeno novo da maior gravidade, a tendência para a “decomposição temporária do movimento operário” se não conseguisse sacudir a influência do reformismo pequeno-burguês propagado pela aristocracia operária, intelectualidade, quadros, etc.

E foi exactamente essa decomposição que se começou a processar nos anos 30, com a corrupção imperialista dos partidos social-democratas a funcionar como motor para a lenta deslocação para a direita dos partidos comunistas, ansiosos por ganhar as boas graças da pequena burguesia.

Na União Soviética, a ditadura do proletariado estiolava nos finais dos anos 20, submetida ao cerco interno da pequena burguesia e ao cerco externo do imperialismo. A “segunda revolução” conduzida por Staline, ao tentar anular as cedências da NEP por uma fuga para a frente, apoiada nos aparelhos do partido e do Estado e não na iniciativa revolucionária das massas operárias, deu nascimento a uma estrutura económica formalmente socialista mas também a novas relações de classe.

Aquilo que a gaguejante crítica albanesa até hoje referiu como “desvios na construção do socialismo” (afastamento entre os quadros e as massas, desaparecimento do controle operário, tecnocratismo e burocratismo, violações da democracia interna do Partido, relações incorrectas entre o Partido e as massas sem partido, etc.) formou na realidade um quadro social novo, no qual o poder foi transferido das mãos da classe operária para as dos quadros (técnicos, políticos, administrativos) que se constituíram gradualmente numa nova classe. Formou-se na União Soviética um tipo original de burguesia, até então desconhecido — a burguesia “socialista” de Estado, sustentada pela exploração dos operários e camponeses por intermédio da propriedade estatizada.

Esta transferência de poder não se fez contudo de um só golpe. Atravessou uma longa etapa intermédia, na qual os quadros foram assumindo a gestão do regime, esvaziando por dentro o poder dos sovietes e a ditadura do proletariado, sob uma aparência de continuidade. O “ultrabolchevismo” de Staline, com o poder desmesurado dos aparelhos e as suas tenebrosas lutas internas, correspondeu a esse carácter transitório do poder, que trocava silenciosamente a dinâmica proletária revolucionária dos primeiros anos por uma dinâmica capitalista, à sombra de instituições imutáveis. E foi a tentativa para impedir a livre expressão das novas relações sociais em gestação que mergulhou o “marxismo-leninismo” soviético na típica petrificação dogmática dos anos 30 a 50.

Compreende-se bem que este processo original de formação “clandestina” da nova burguesia tivesse criado o terreno ideal para a configuração do centrismo, com a exploração do trabalho assalariado, o nacionalismo, o conservadorismo cultural e todo o cortejo de misérias da ideologia “socialista de todo o povo”, ocultos sob a carapaça da ditadura do proletariado e do internacionalismo.

Nos países dependentes, a maturação das burguesias nacionais, que só veio a assumir expressão plena depois da II Guerra Mundial, vinha já de trás (Turquia, Índia, China, etc.). Desde o final dos anos 20, à medida que as contradições inter-imperialistas começaram a encaminhar-se para a guerra, tornou-se sensível a formação de um vasto movimento de libertação nacional conduzido pela burguesia.

Mas esta segunda vaga das revoluções burguesas surgia quando o mundo estava já completamente repartido entre as potências e o mercado capitalista mundial açambarcado. As burguesias nacionais, incapazes de enfrentar uma luta desigual, lançaram-se a arrancar das mãos do movimento operário e camponês a direcção das lutas de libertação nacional, explorar no seu interesse o sentimento nacional que inflamava as massas e servir-se da luta revolucionária como moeda de troca para chegar a compromissos negociados com o imperialismo.

O movimento de libertação nacional, burguês pela sua essência, camponês pela sua base de apoio, ao enfeixar as reivindicações radicais e os métodos revolucionários de luta numa perspectiva nacionalista burguesa, tornou-se um dos componentes activos da nova ideologia centrista que se formava no movimento comunista. Não foi por acaso que a questão da política a adoptar face ao Kuomintang na China se tornou desde os anos 20 uma das fontes de mais agudas lutas no seio da Internacional, prenunciando a opção de classe que viria a ser feita mais tarde. A Democracia Nova de Mao Tsetung foi justamente o reflexo dentro do partido comunista chinês da pressão da burguesia nacional em ascenso.

Foi pois da conjunção destas três correntes de classe intermédias, ao entrarem em contacto com o movimento operário em refluxo, que nasceu o centrismo. A viragem do 7º congresso da IC foi a fusão centrista do marxismo com o nacional-reformismo em ascenso por todo o mundo.

Que o imperialismo, fase de agonia do regime capitalista, possa ter produzido novas correntes burguesas intermédias dotadas de tal vitalidade, só parecerá contraditório a quem encarar a queda do capitalismo e o ascenso do socialismo como um processo linear, sem saltos, sem recuos, sem fenómenos novos imprevisíveis.

Durante meio século, o ascenso das novas correntes burguesas e o seu efeito desorganizador sobre o movimento operário criaram condições propícias para que o lugar do marxismo fosse usurpado pelo centrismo e mais tarde pelo revisionismo. Hoje parece haver indicações de que a correlação de forças se modifica novamente e que esta época chega ao fim.

Ascensão e decadência do centrismo

Existiu de facto o centrismo? Ou não será mais correcto classificar a viragem do 7º congresso pura e simplesmente como iniciadora do revisionismo? É essa a tese defendida, por exemplo, pelo PC do Japão (Esquerda), a quem se deve uma crítica metódica à degeneração da União Soviética e do movimento comunista, e que situa o nascimento do revisionismo nos anos 30.

Mas esta tese, se apresenta à primeira vista a vantagem de demarcar com nitidez os limites entre marxismo-leninismo e oportunismo, tem o inconveniente de não captar as características particulares do período que medeia entre o 7º congresso da IC e o 20° congresso do PCUS. Durante esse período intermédio, o equilíbrio instável entre a linha proletária revolucionária descendente e a linha reformista pequeno-burguesa em ascenso determinou o surgimento dessa forma específica de oportunismo que é o centrismo.

Efectivamente, a rota deste novo oportunismo estava rigidamente balizada, à direita, pela colaboração de classes social-democrata, que era necessário combater, à esquerda, pelas lições do leninismo e da revolução de Outubro, que era obrigatório defender. Sair destes limites seria perder a identidade comunista. As condições de existência da nova corrente oportunista explicam assim a fisionomia “bolchevique” militante e a dualidade de posições, que são o seu traço mais enganador.

A plataforma “popular democrática” de Dimitrov introduziu um amálgama original de posições contrárias, que é típico do centrismo. Revolução, sim, mas só depois de afastar o perigo do fascismo e da guerra. Socialismo, sim, mas passando primeiro pela antecâmara da “democracia popular”. Partido, sim, mas liberto do “sectarismo” de se pretender o único representante genuíno dos interesses operários. Harmonizar a rivalidade proletariado-pequena burguesia na Frente Popular. Apontar o proletariado para uma meia revolução aceitável para a pequena burguesia. Temperar o internacionalismo com um novo nacionalismo “progressista”. Temperar o leninismo com um novo humanismo. Corrigir o marxismo com o centrismo.

Durante a sua luta contra Bukarine, Staline retratou com plena justeza o centrismo dos tempos da velha social-democracia como “a subordinação da esquerda à direita sob frases de esquerda” e como “a adaptação, a submissão dos interesses do proletariado aos interesses da pequena burguesia no seio de um único partido comum”.

Só que Staline via o centrismo que ficara para trás e não divisava o novo centrismo que lhe nascia debaixo dos pés. Recusava admitir sequer que ele pudesse renascer nos partidos comunistas, forjados de novo como um bloco proletário revolucionário “monolítico”. Raciocínio antimarxista, porque esquecia que o jogo incessante da luta de classes, a pressão circundante da pequena burguesia, muito mais forte do que no passado, tinham que acabar por introduzir também nos partidos comunistas, como haviam introduzido meio século antes na social-democracia, a diferenciação e a luta entre a corrente proletária revolucionária e a corrente pequeno-burguesa reformista. Ao dar o centrismo como definitivamente morto, Staline estava precisamente a abrir espaço ao nascimento do novo centrismo.

Nos países capitalistas, o centrismo dimitrovista tornou-se indiscutivelmente a forma mais perigosa do oportunismo nas fileiras comunistas, porque conseguiu aquilo que não seria possível ao oportunismo declarado. As garantias e demarcações de princípios dimitrovianas funcionaram como o melhor lubrificante para favorecer a lenta penetração da lógica oportunista no corpo dos partidos, sangrá-los lentamente das suas forças revolucionárias, dissolver todas as tradições de vigilância e firmeza de classe e conduzir o movimento comunista como um todo para o revisionismo e a colaboração de classes.

A partir do 7° congresso, os partidos comunistas foram apanhados na engrenagem do seu próprio oportunismo. A linha geral da unidade antifascista, ao apagar cada vez mais a presença independente do proletariado na cena política, ajudava por isso mesmo a polarizar cada vez mais a luta entre os dois campos burgueses, liberal e fascista, retirava cada vez mais a hipótese de intervenção independente ao proletariado. A iniciativa das operações políticas passou das mãos do proletariado para as da pequena burguesia democrática. O proletariado foi remetido ao papel de força de choque fiel e esforçada da unidade antifascista e anti-imperialista. A revolução proletária saiu silenciosamente da cena. Abriu-se o caminho à degeneração dos partidos comunistas em partidos burgueses para operários.

Era inevitável. Uma vez posto em causa o princípio da hegemonia do proletariado, a dinâmica da luta de classes pôde fazer a sua obra devastadora e dispersar ao vento as imponentes barreiras de “princípios” com que Dimitrov fortificara o seu edifício. Da dualidade de posições do seu relatório só restava aquilo que realmente lhe constituía o cerne — o oportunismo.

No período posterior à guerra, este oportunismo ainda conservava porém uma postura militante, ofensiva, “revolucionária”. Os anos de 1944-1949 corresponderam sem dúvida ao período de máximo esplendor do centrismo: triunfo da unidade democrática sobre o fascismo, reconhecimento universal do poderio da União Soviética, como pilar da nova ordem internacional “democrática”, estabelecimento das democracias populares da Europa Oriental e da Democracia Nova na imensa China, expansão da influência de massas dos partidos comunistas no mundo capitalista. O centrismo tinha a sua justificação teórica na sua dinâmica irresistível.

O descalabro, contudo, seguiu de perto o auge. Em 1956-1961, com os 20° e 22° congressos do PCUS, dir-se-ia que o centrismo tinha os dias contados. A nova plataforma revisionista, ao pôr em causa todo o percurso da União Soviética e do movimento comunista sob Staline (a ditadura do proletariado, a luta armada pelo poder, o anti-imperialismo militante, a denúncia da social-democracia), ao abrir as comportas à livre colaboração de classe por parte dos partidos comunistas, abria também, por isso mesmo, um espaço novo à crítica marxista, até aí manietada pelas fórmulas ambíguas e escorregadias do centrismo.

O empobrecimento do pensamento marxista fora porém tão grande que a única reacção ao revisionismo foi a segunda vaga centrista do PC da China e do PT da Albânia. A polémica contra as teses revisionistas, em vez de revitalizar o marxismo, serviu para revitalizar temporariamente o velho centrismo moribundo, cobrindo com acentos de esquerda, pseudo-leninistas, as suas posições intermédias e ocupando todo o espaço à esquerda dos revisionistas.

De 1965 a 1975, o novo centrismo viveu o seu breve fulgor. Foi a época dourada do maoísmo e da “revolução cultural”, do prestígio internacional do PTA e da proliferação dos grupos ML, apoiados numa conjuntura internacional favorável, com as vitórias do Vietname sobre o genocídio americano, o guevarismo, a explosão radical na Europa, o ascenso dos movimentos de libertação nacional.

Compreende-se que, nestas condições, pudesse ser bloqueada a crítica marxista, embora esta já dispusesse de todos os materiais necessários para uma nova síntese. Foi precisa a guinada espectacular da China para o revisionismo, para que o centrismo se esvaziasse da aparência de vitalidade que lhe fora emprestada pelo maoísmo. A partir daí, começaram a acumular-se, do lado do PTA e do movimento “ML”, sinais inequívocos de crise. Começou a entrada numa etapa nova, em que a crítica ao revisionismo é obrigada a superar as meias-tintas centristas e a deslocar-se para as posições de princípio do marxismo, abandonadas há cinquenta anos.

Conclusão

Três conclusões principais resumem o que atrás ficou dito:

Primeira. Entre o declínio da corrente comunista fundada por Lenine e o despontar da corrente revisionista medeou um período centrista, abrangendo os vinte anos decorridos do 7º congresso da IC ao 20° congresso do PCUS, e cuja função histórica foi configurar o revisionismo e preparar o organismo comunista para o receber. Como ideologia da fusão popular operária-pequeno-burguesa, o centrismo tomou formas diferentes na União Soviética, na China e no mundo capitalista, mas todas convergentes para um mesmo alvo — a manutenção ou restauração da ditadura da burguesia sobre o proletariado, à sombra da revisão do marxismo.

Segunda» A força irresistível do centrismo, e do seu produto superior, o revisionismo, proveio da ofensiva terrorista do imperialismo e do apoio social que lhe foi fornecido pela ascensão de três novas correntes burguesas intermédias; a nova pequena burguesia assalariada nos países capitalistas, a nova burguesia de Estado na União Soviética e a burguesia nacional nos países dependentes. A história do último meio século é a história da decomposição do movimento operário sob o assalto combinado das oposições reformistas burguesas e pequeno-burguesas ao imperialismo.

Terceira. Mesmo depois de ter gerado o revisionismo, o centrismo não se extinguiu, mas encontrou um prolongamento com a chamada corrente “marxista-leninista”, liderada pelo PC da China e pelo PT da Albânia. A luta “de princípios” deste novo centrismo tinha que fracassar porque se apoiava no arsenal enferrujado do velho centrismo — a experiência soviética, dos anos 30 a 50, o 7º congresso da IC, as democracias populares, a Democracia Nova da China, etc. A crise em que se afunda a corrente “marxista-leninista”, com a Albânia a preparar-se para seguir as pisadas da União Soviética e da China (seja qual for a forma original que aí tome a passagem ao capitalismo de Estado) comprova que a plataforma transitória do centrismo só serve como ponte de passagem para o revisionismo.

Entramos agora no que tudo indica ser um ponto de viragem na trajectória sinuosa do marxismo e do movimento operário. A falência do novo centrismo “ML”, a revelação plena da base burguesa do revisionismo e da sua incapacidade para concorrer com o imperialismo, a corrupção desmedida da social-democracia, a capitulação das burguesias nacionais nos países dependentes testemunham a falência da linha dimitrovista de colaboração “democrática” das classes populares. Meio século de domínio absoluto do oportunismo teve a vantagem de provar a mentira das vias “mais fáceis”; não há alternativa para o marxismo revolucionário, para a hegemonia do proletariado, a revolução socialista, a ditadura do proletariado.

É cedo ainda para saber por que vias chegará o proletariado a recuperar a independência política e ideológica e a apropriar-se de novo do marxismo. Vai ser preciso encontrar respostas novas para tudo, como única forma de reatar com o caminho aberto pelo leninismo e pela revolução russa.

Uma coisa, porém, é certa. O ressurgimento do comunismo passa por uma luta implacável contra o centrismo.

Longe de desviar esforços do combate ao imperialismo, à social-democracia e ao revisionismo, só essa luta permitirá o seu pleno desenvolvimento. Foi a ausência de crítica ao centrismo que bloqueou nos últimos 25 anos a reconstituição do movimento comunista. A derrota do centrismo é pois, hoje como em 1919, uma questão-chave para o renascimento do marxismo revolucionário e da Internacional Comunista.

E podem prever-se já alguns dos terrenos em que a ruptura com o centrismo rasgará caminhos novos ao marxismo:

★ ★ ★

Depois de ter chegado ao ponto mais baixo, a revolução vai ser obrigada a retomar a marcha ascensional, porque a acumulação de forças explosivas, de contradições insolúveis, não cessou de se multiplicar neste período de pausa. O capitalismo tem conseguido retardar o pagamento da sua dívida histórica ao proletariado e aos povos; mas os juros não param de aumentar.

Agora, o movimento comunista pode tirar partido da massa enorme de experiência acumulada neste meio século. As receitas dimitrovistas da “unidade de classe operária” em vez da hegemonia do proletariado, da “democracia popular” em vez da ditadura do proletariado, da “democracia nacional” em vez da ditadura revolucionária dos operários e camponeses, do “partido operário único” em vez do partido leninista, do combate ao “sectarismo” em vez do combate ao oportunismo, da subordinação à pequena burguesia em vez da sua neutralização, do governo de transição em vez da insurreição popular armada — essas receitas pseudoleninistas têm de ser desmascaradas e mandadas para o museu como velharias oportunistas metidas de contrabando no marxismo, focos sempre presentes de revisionismo e de colaboração de classes.

O destino histórico da classe operária não mudou. O do marxismo também não. Juntos, acabarão por enterrar o capitalismo.


Notas de rodapé:

(1) Lenine, 4,217-218. (retornar ao texto)

Inclusão: 26/10/2021