Fidel em Entrevista

Francisco Martins Rodrigues

Janeiro/Fevereiro de 2007


Primeira Edição: Política Operária nº 108, Jan-Fev 2007
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Numa entrevista de mais de cem horas, gravadas em Janeiro de 2003 e completadas em Dezembro de 2005, Fidel dá um testemunho vivo e apaixonante sobre a sua infância e juventude, os primeiros passos na acção política, o assalto ao quartel Moncada, a prisão e o julgamento, o encontro com o Che, a Sierra Maestra, a luta armada e a libertação (Fidel Castro, biografia a dos voces, Ignacio Ramonet. Editorial Debate, Madrid, 2006).

Mais escassas são as informações quanto à vida interna do regime depois da tomada do poder. Fidel prefere falar sobre as questões de defesa e política externa: as primeiras conspirações, o desembarque na baía dos Porcos, a crise dos mísseis, a ida do Che para o Congo e depois para a Bolívia, o envio de forças militares cubanas para Angola e Etiópia, e, nos anos recentes, os atentados terroristas lançados pela máfia de Miami, as prisões, as condenações à morte… (Ramonet quer à viva força que Fidel justifique porquê existe pena de morte em Cuba quando na Europa já foi abolida…). O banditismo da política dos EUA para com Cuba fica abundantemente documentado, em confronto com as realizações do regime cubano em matéria de desenvolvimento humano, na educação e na saúde (extraordinária a política de envio de médicos para países em catástrofe). O que falta é uma apreciação de Fidel sobre as contingências da “construção do socialismo” e as suas perspectivas futuras. Deliberadamente evasivo, fala de “erros de subjectivismo” no passado e afirma a sua confiança nos “jovens talentos criados pela Revolução”, mas praticamente nada diz sobre as relações sociais efectivamente em vigor e a solução política que aponta após o seu desaparecimento é a passagem do poder ao irmão Raul. Uma breve referência final aos “roubos e desvios dos novos-ricos” revela preocupação quanto ao rumo que se vai perfilando.

Surpreendentes pela sua superficialidade e pobreza são também algumas opiniões de Fidel em matéria de política internacional. Ele confessa a sua admiração pela ética de Jimmy Carter, pela inteligência e cultura de Clinton e pela família Kennedy, elogia o “cavalheirismo” do rei de Espanha, e até a firmeza de Franco por se ter recusado a acatar as ordens de Washington para romper relações com Cuba… Pior, afirma a sua convicção de que a união imperialista em curso na Europa será “em benefício do mundo”.

Apesar de, logo no início da entrevista, se declarar “socialista, marxista, leninista”, estas confissões de Fidel Castro revelam um patriota inflexível mas não um anticapitalista. De qualquer modo, este é um livro imprescindível para os apaixonados pela revolução cubana, quando a saída de Fidel da cena política suscita tantas interrogações.


Inclusão 10/06/2018