O Que Todo Revolucionário Deve Saber Sobre a  Repressom

Victor Serge

2. O Problema da Ilegalidade


I. Nunca ser ingénuo

Sem umha visom clara deste problema, o conhecimento dos métodos e procedimentos policiais nom teria nengumha utilidade prática.

O fetichismo da legalidade foi e continua a ser um dos traços característicos do socialismo favorável à colaboraçom de classes. O qual implica a crença na possiblidade de transformar a ordem capitalista sem entrar em conflito com os seus privilegiados. Mas isto, mais do que um indício de um candor pouco compatível com a mentalidade dos políticos, é indício da corrupçom dos líderes. Instalados numha sociedade que fingem combater, recomendam respeito polas regras do jogo. A classe operária nom pode respeitar a legalidade burguesa, nom sendo que ignore o verdadeiro papel do Estado, o carácter enganoso da democracia; em poucas palavras, os princípios básicos da luita de classes.

Se o trabalhador sabe que o Estado é um feixe de instituiçons rumadas à defesa dos interesses dos proprietários contra os nom proprietários, quer dizer, à manutençom da exploraçom do trabalho; que a lei, sempre promulgada polos ricos em contra dos pobres, é aplicada por magistrados invariavelmente tomados da classe dominante; que invariavelmente a lei é aplicada com um rigoroso espírito de classe; que a coerçom - que começa com a pacífica ordem do agente de polícia e termina com um golpe da guilhotina, passando por presídios e penitenciarias, é o exercício sistemático da violência legal contra os explorados; esse trabalhador nom pode já considerar a legalidade mais do que como um facto, do qual se devem conhecer os diversos aspectos, as suas diversas aplicaçons, as armadilhas, as conseqüências - e também as vantagens - das quais deverá tirar partido algumha vez, mas que nom deve ser fente à sua classe mais do que um obstáculo puramente formal.

É necessário demonstrarmos o carácter antiproletário de toda a legalidade burguesa? Poderia ser. Na nossa desigual luita contra o velho mundo. As devem fazer-se umha e outra vez as demonstraçons mais singelas. Baste lembrar brevemente um número de factos bastante conhecidos. Em todos os países, o movimento operário tivo que conquistar, à força de combates prolongados por mais de meio séculos, o direito de associaçom e greve. Este direito ainda nom é reconhecido, na mesma França, aos trabalhadores do Estado e aos das empresas consideradas de utilidade pública (como senom fossem todas!), tais como a do caminho de ferro. Nos conflitos entre o capital e o trabalho, o exército sempre interviu contra o trabalho; nunca contra o capital. Nos tribunais, a defesa dos pobres é pouco menos que impossível, a causa das despesas de qualquer acçom judiciária; na realidade, um operário nompode nem tentar nem suster um processo. A imensa maioria dos delitos e crimes tem por causa directa a miséria e entra na categoria de atentados à propriedade.

As prisons estám povoadas de umha imensa maioria de pobres. Até a guerra, na Bélgica existia o sufrágio censual: um capalista, um crego, um oficial, frente a um só advogado que contrapesava os votos de dous ou três trabalhadores, segundo o caso. No momento em que escrevemos trata-se de estabelecer o sufrágio censual em Itália.

Respeitar esta legalidade é cousa de parvos.

Porém, desdenhá-la nom seria menos funesto. As suas vantagens para o movimento operário som tanto mais reais quanto menos ingénuo se for. O direito à existência e à acçom legal é, para as organizaçons do proletariado, algo que se deve conquistar e alargar constantemente. Sublinhamo-lo porque a inclinaçom oposta ao fetichismo da legalidade manifesta-se por vezes entre os bons revolucionários, inclinados - por umha espécie de tendência ao menor esforço em política (é mais fácil conspirar que dirigir umha acçom de massas) - a certo desleixo pola acçom legal. Parece-nos que, nos países onde a reacçom ainda nom triunfou destruindo as conquistas democráticas do passado, os trabalhadores deverám defender firmemente a sua situaçom legal, e nos outros países luitar por conquistá-las. Na mesma França, a liberdade de que goza o movimento de operário necessita ser alargada, e será-o só mediante a luita. O direito de associaçom e de greve é ainda negado ou discutido aos funcionários do Estado e a certas categorias de trabalhadores; a liberdade de manifestaçom é muito menor do que nos países anglosaxónicos; as avançadas da defesa operária ainda nom conquistárom a legalidade como na Alemanha ou na Áustria.

II. Experiência de posguerra: nom se deixar surpreender

Durante a guerra viu-se como todos os governos dos países beligerantes substituiam as instituiçons democráticas pola ditadura militar (estado de sítio, supressom prática do direito de greve, prórroga e recesso dos parlamentos, omnipotência dos generais, regime de conselhos de guerra). As necessidades excepcionais da defesa nacional proporcionavam-lhes umha justificaçom plausível. Desde que, ao acabar a guerra, a marulhada vermelha surgida da Rússia desbordou pola Europa toda, quase que todos os estados capitalistas -combatentes desta vez na guerra de classes-, ameaçados polo movimento operário, tratárom como papelinhos inservíveis os textos antes sagrados das suas próprias legislaçons.

Os estados bálticos (Finlándia, Estónia, Lituánia, Letónia) e Polónia, Roménia, Jugoslávia, fraguárom contra a classe operária leis pérfidas nom disfarçadas por nengumha hipocrisia democrática. A Bulgária aperfeiçoou os efeitos da sua legislaçom canalhesca com violências extralegais. Hungria, Itália, Espanha contentárom-se com abolir, no que atinge a operários e camponeses, todo o tipo de legalidade. Mais cultivada, melhor organizada, a Alemanha estabeleceu, sem recorrer a leis de excepçom, um regime que poderíamos chamar de terrorismo judiciário e policial [1] . Os Estados Unidos aplicam brutalmente as suas leis sobre o "sindicalismo criminoso", a sabotagem e... a espionagem!: milhares de operários fôrom detidos em virtude de um espionnage act promulgado durante a guerra contra os súbditos alemáns que moravam nos EEUU.

Nom restam na Europa mais do que os países escandinavos, Inglaterra, França e alguns pequenos países onde o movimento operário goza do benefício da legalidade democrática. Pode-se afirmar, sem temermos ser desmentidos polso acontecimentos, que com a primeira crise social realmente perigosa este benefício lhes há de ser retirado irrestrita e vigorosamente. Indícios muito precisos reclamam a nossa atençom. Em Novembro de 1924, as eleiçons británicas figérom-se sobre a base de umha campanha anticomunista, em que umha falsa carta de Zinóviev, pretendidamente dirigida ao partido laborista inglês e interceptada por um gabinete preto, proporcionava a prova de conviçom principal. Em França tratou-se por várias oportunidades de dissolver a CGT. Se nom nos enganamos, esta dissoluçom chegou a ser formalmente aprovada. Briand, no seu tempo, para romper a greve de caminhos de ferro chegou mesmo a militarizar - ilegalmente - o sector. O clemencismo [2] nom pertence a um passado suficientemente longínquo; e Poincaré tem demonstrado, desde a ocupaçom do Ruhr, umha evidente veleidade por imitá-lo.

Ora bem, para um partido revolucionário, deixar-se surpreender por ser posto fora da lei seria tanto como desaparecer. Polo contrário, preparar o funcionamento ilegal é ter a certeza de sobreviver a todas as medidas de repressom. Três exemplos impressionantes, tomados da história recente, ilustram esta verdade.

1. Um grande partido comunista que se deixa surpreender ao ser ilegalizado:

O PC da Jugoslávia, partido de massas, que contava em 1920 com mais de 120 mil membros e com 60 deputados na Skúpchina, é dissolvido em 1921, em cumprimento da Lei de Defesa do Estado. A sua derrota é instantánea e total. Desaparece da cena política [3].

2. Um partido comunista que é destruído a médias:

O Partido Comunista italiano estava obrigado, desde antes do ascenso de Mussolini ao poder, a umha existência mais do que semi-ilegal por conseqüência da perseguiçom fascista. A furiosa repressom - 4.000 detençons de operários na primeira semana de 1923 - nom deu quebrado em nengum momento o PCI, que, polo contrário, fortificado e alargado, passou de ter 10.000 membros em 1923 a quase 30.000 membros em começos de 1925.

3. Um grande partido comunista que nom é surpreendido em absoluto:

Em finais de 1923, apos os aprestos revolucionários de Outubro e da insurreiçom de Hamburgo, o PC alemám é dissolvido polo general Von Seeckt. Provisto desde havia muito de flexíveis organizaçons ilegais, consegue continuar, no entanto, a sua existência normal. O governo deve bem pouco depois reconsiderar umha medida cuja inanidade resulta evidente. O PC alemám sai da ilegalidade com os seus efectivos tam pouco golpeados, que atinge nas eleiçons de 1924 mais de três milhons e meio de votos.

III. Os limites da acçom revolucionária legal

A legalidade, de resto, tem, nas democracias capitalistas mais "avançadas", limites que o proletariado nom pode respeitar sem se condenar à derrota. A propaganda no exército, necessidade vital, nom é legalmente tolerada. Sem a defecçom de polo menos umha parte do exército, nom há revoluçom vitoriosa. Esta é a lei da história. Em qualquer exército burguês, o partido do proletariado deve fazer nascer e cultivar tradiçons revolucionárias, possuir organizaçons ramificadas, tenazes no trabalho, mais vigilantes do que o inimigo. A mais democrática das legalidades nom aturará em absoluto a existência de comités de acçom onde precisamente som necessários: nos nós ferroviários, nos portos, nos arsenais, nos aeroportos. A mais democrática das legalidades nom aturará a propaganda comunista nas colónias: como prova, a perseguiçom dos militantes hindus e egípcios polas autoridades inglesas; e igualmente o regime de provocaçons policiais instituido polas autoridades francesas na Tunísia. Enfim, nom cumpre dizer que os serviços internacionais de ligaçom devem sempre ser substraídos à curiosidade da espionagem estatal.

Ninguém defendeu com mais firmeza do que Lenine - na época da fundaçom do partido bolchevique russo e mais tarde, durante a fundaçom dos partidos comunistas europeus - a necessidade da organizaçom revolucionária ilegal. Ninguém combateu mais o fetichismo da legalidade. No II Congresso da Social-demcracia Russa (Bruxelas-Londres, 1903) a divisom de mencheviques e bolcheviques assentou principalmente sobre a questom da organizaçom ilegal. A discussom do primeiro parágrafo dos estatutos foi o motivo.

L. Mártov, quem seria durante 20 anos o líder do mencheviquismo, queria conceder a qualidade de Membro do partido a qualquer que emprestasse serviços a este (sob o controlo do partido), quer dizer, na realidade aos simpatizantes, numerosos sobretodo nos meios intelectuais, que nom chegariam a comprometer-se até o ponto de colaborarem na acçom ilegal. Com brusquidade, Lenine defendeu que para pertencer ao partido cumpria "participar no trabalho de umha das suas organizaçons" (ilegais). A discussom semelhava excessivamente pontilhosa. Mas Lenine tinha umha imensa razom. Nom se pode ser a metade ou a terça parte de um revolucionário. O partido da revoluçom deve aproveitar, é certo, qualquer contributo; mas nom pode contentar-se com receber, de parte dos seus membros umha vaga simpatia, discreta, verbal, inactiva. Aqueles que nom consentem em arriscar pola classe operária umha situaçom material privilegiada, nom devem estar em situaçom de exercerem umha influência determinante no interior do partido. A atitude a respeito da ilegalidade foi para Lenine a pedra de toque que lhe serviu para diferenciar os verdadeiros revolucionários dos... outros [4].

IV. Polícias privadas

Deverá levar-se em conta um outro factor: a existência de polícias privadas, extralegais, capazes de proporcionarem à burguesia excelentes maos armadas a soldo.

Durante o conflito mundial, os serviços de informaçom da Action Francaise atingírom um notável desempenho como provedores dos conselhos de guerra de Clemenceau. Sabe-se que Marius Plateau estivo à cabeça da polícia privada da Ah. De outra parte, um tal Jean Maxe, compilador e divagador intemperante dos Cahiers de L'antifrance, consagrou-se à espionagem dos movimentos da avançada [5].

É muito pouco provável que todas as funçons reaccionárias inspiradas no fascio italiano possuam serviços de espionagem e de polícia.

Na Alemanha, as forças vitais da reacçom concentram-se, desde o desarme oficial do país, em organizaçons mais do que semi-secretas. A reacçom compreendeu que, inclusive nos partidos secundados polo Estado, a clandestinidade é um recurso precioso. Compreende-se que todas estas organizaçons assumem contra o proletariado mais ou menos as funçons de umha polícia oculta.

Em Itália, o partido fascista nom se contentou com dispor da polícia oficial. Tem os seus próprios serviços de espionagem e contra-espionagem. Por toda a parte espalhou os seus delatores, os seus agentes secretos, os seus provocadores, os seus esbirros. E foi esta mafia, à vez policial e terrorista, a que "suprimiu" a Matteoti, além de muitos outros.

Nos Estados Unidos, a participaçom das polícias privadas nos conflitos entre o capital e o trabalho tomou umhas dimensons temíveis. Os escritórios de célebres detectives privados proporcionavam aos capitalistas delatores discretos, peritos provocadores, riflemen (atiradores de elite), guardas, capatazes e também "militantes de trade unions" prazenteiramente corrompidos. As companhias de detectives Pinkerton, Burns e Thiele possuem 100 escritórios e por volta de 10.000 sucursais; empregam, segundo se di, 135.000 pessoas. O seu orçamento anual calcula-se em 65 milhons de dólares. Estas firmas som as criadoras da espionagem industrial, da espionagem na fábrica, na oficina operária, nos estaleiros, nos escritórios, em todo o lugar onde trabalharem assalariados. Criárom o protótipo do operário delator [6].

Um sistema análogo, denunciado por Upton Sinclair, funciona nas universidades e nas escolas da grande democracia cantada por Walt Whitman.

V. Conclusons

Resumindo: o estudo do mecanismo da Okhrana revela-nos que o fim imediato da polícia é mais conhecer do que reprimir. Conhecer para poder reprimir na hora certa, na medida desejada, se nom totalmente. Face a este sagaz adversário, poderoso e dissimulado, um partido operário carente de organizaçons clandestinas, um partido que nom oculta nada, fai pensar num homem desarmado, sem abrigo, colocado no alvo de um atirador bem parapeitado. A seriedade do trabalho revolucionário nom pode habitar umha casa de cristal. O partido da revoluçom deve organizar-se para evitar o mais possível a vigiláncia inimiga; com o fim de ocultar absolutamente os seus recursos mais importantes; com o fim, nos países ainda democráticos, de nom ficar dependente de um solavanco para a direita da burguesia ou de umha declaraçom de guerra [7]; com o fim de incutir aos nossos camaradas hábitos de acordo às tais necessidades.

3. Conselhos Singelos ao Militante

Os grandes bolcheviques russos qualificam-se com gosto de "revolucionários profissionais". Esta qualificaçom define perfeitamente todos os verdadeiros artífices da transformaçom social. Exclui da actividade revolucionária o diletantismo, o amadorismo, o desporto, a posse; situa de vez o militante no mundo do trabalho, onde nom se trata de "atitudes", nem da natureza mais ou menos interessante das tarefas, nem do prazer espiritual e moral de ter ideias "avançadas". O ofício (ou a profissom) enche a maior parte da vida dos que trabalham. Sabem que é cousa séria, da qual depende o pam quotidiano; sabem também, mais ou menos conscientemente, que deles depende toda a vida social o destino do ser humano.

O ofício de revolucionário exige umha longa aprendizagem, conhecimentos puramente técnicos, amor à tarefa, bem como entendimento da causa, dos fins e dos meios. Se, como é freqüente, se sobrepom a um outro ofício para viver, é o de revolucionário que enche a vida e o outro é apenas algo acessório. A Revoluçom Russa pudo vencer porque em vinte e cinco anos de actividade política tinha formado fortes equipas de revolucionários profissionais, prontos para efectivar umha obra quase que sobre-humana.

Esta experiência e esta verdade deveriam estar presentes sempre no espírito de todo revolucionário digno de tal nome. Na complexidade actual da guerra de classes, necessitam-se anos de esforço para formar um militante, provas, estudo, preparaçom consciente. Todo operário animado polo desejo de nom passar como um ser insignificante entre a massa explorada, senom de servir à sua classe e viver umha vida mais plena participando no combate pola transformaçom social, deverá esforçar-se por ser também, na medida do possível, por pequena que ela for, um revolucionário profissional... E no trabalho de partido, de sindicato ou de grupo, deverá mostrar-se -é o que agora nos ocupa-suficientemente à espreita da vigiláncia policial, mesmo da invisível, incluso da inofensiva, como semelha ser nos períodos de calmaria, e descobri-la.

As recomendaçons seguintes poderám servir-lhe de muito.

Nom som, por certo, um código completo das regras da clandestinidade, nem sequer da precauçom revolucionária. Nom contenhem nengumha receita sensacional. Som somente regras elementares. O bom senso bastaria em rigor para sugeri-las. Mas, infelizmente, experiências amargas demonstram que a sua enumeraçom nom é supérflua. A imprudência dos revolucionários é sempre o melhor auxiliar da polícia.

I. Seguir os passos

A vigiláncia secreta, passo a passo, fundamento de toda a vigiláncia, é quase sempre fácil de descobrir. Todo militante deverá considerar-se seguido permanentemente; por princípio, nunca deixará de tomar as precauçons precisas para impedir que o sigam. Nas cidades grandes onde o tránsito é intenso, onde os meios de locomoçom som variados, o êxito da polícia deve-se exclusivamente a umha culpável negligência dos camaradas.

As regras mais simples som: nom dirigir-se directamente a onde se vai; dar umha volta por umha rua pouco freqüentada, para assegurar-se de que nom se está a ser seguido; em caso de dúvida, voltar sobre os próprias passos; em caso de advertir que se está a ser seguido, usar um meio de locomoçom e transbordar.

É um bocado difícil "perder" os agentes numha cidade pequena; mas ao tornar ostensível, tal vigiláncia perde umha grande parte do seu valor.

Desconfiar da imagem preconcebida do "agente à paisana". Este tem freqüentemente umha fisionamia bastante característica. Mas o bons polícias sabem adaptar-se à variedade das suas tarefas. O transeunte mais corrente, o operário de mangas de camisa, o vendedor ambulante, o motorista, o soldado, podem ser polícias. Prever a utilizaçom de mulheres, de jovens e de crianças entre eles. Sabemos de umha circular da polícia russa recomendando empregar escolares em missons que os agentes nom poderiam cumprir sem dar nas vistas.

Acautelar-se também da enfadonha teima de ver um delator em todo o vemos passar.

II. A correspondência e os apontamentos

Escrever o menos possível. Melhor nom escrever. Nom tomar apontamentos sobre temas delicados: é preferível memorizar certas cousas e nom apontá-las. Para isso, exercitar-se em reter por procedimentos mnemotécnicos os endereços e particularmente os números das ruas.

O caderno

Caso for preciso, fagam-se apontamentos inteligíveis só para um próprio. Cada quem inventará procedimentos de abreviaçom, de inversom e de mudança das cifras (24 por 42; 1 significa g, g significa 1, etc.). Pôr, um mesmo, nome às praças, às ruas, etc.; para diminuir as possibilidades de erro, realizar associaçons de ideias (a rua Lenoir [8] converterá-se em A Negra; a rua Lepica... em ouriço ou espinha, etc.).

As cartas

Com a correspondência, levar em conta os gabinetes pretos. Dizer o mínimo do que cumpra dizer, esforçando-se por nom ser percebido mais que polo destinatário. Nom mencionar terceiros sem necessidade. Em caso de necessidade, lembrar que um nome é melhor do que um apelido, e que umha inicial sobretodo convencional, é melhor do que um nome.
Variar as designaçons convencionais.

Evitar todas as precisons (de lugar, de trabalho, de data, de carácter, etc.).

Saber recorrer, ainda sem entendimento prévio, a estratagemas que sempre deverám ser muito singelos, e trivializar a informaçom. Nom dizer, por exemplo: "o camarada Pedro foi detido", mas "o tio Peter adoeceu repentinamente".
Receber a correspondência através de terceiros.

Selar bem as cartas. Nom julgar os selos de cera como garantia absoluta; fazê-los muito finos; os mais grossos som mais fáceis de descolar.

Um bom método consiste em colar a carta por trás da coberta e recobrir a pestana com um elegante selo de cera.

Lembrar sempre:

"Dá-me três linhas escritas por um homem e farei-cho deter".

Expressom de um axioma familiar de todas as polícias.

III. Conduta geral

Desconfiar dos telefones. Nom há nada mais fácil de controlar.

A conversaçom telefónica entre dous aparelhos públicos (em cafés, telefones automáticos, estaçons) apresenta menos inconvenientes.

Nom combinar telefone mais do que em termos convencionais.

Conhecer bem os locais. Caso de necessidade, estudá-los com antecedência num plano. Reparar nas casas, nas passagens, nos lugares públicos (estaçons, museus, cafés, grandes lojas) que tiverem várias saídas.

Num local público, no comboio, numha visita privada, ter presentes as possibilidades de observaçom e portanto da iluminaçom. Tentar observar bem sem ser observado simultaneamente. É bom sentar de preferência a contra-luz: vê-se bem e a um tempo é-se menos visível. Nom é bom deixar-se ver numha janela.

IV. Entre companheiros

Ter como princípio que, na actividade ilegal, um militante nom deve saber mais do que é útil que saiba; e que freqüentemente é perigoso saber ou dar a conhecer mais.

Quanto menos conhecida for umha tarefa, mais segurança e possibilidades de sucesso oferece.

Acautelar-se do pendor às confidências. Saber calar: calar é um dever com o partido, com a revoluçom.

Saber ignorar voluntariamente aquilo que nom se deve conhecer.

É um erro, que pode chegar a ser grave, confiar ao amigo mais íntimo, à namorada, ao camarada mais seguro, um segredo de partido que nom é indispensável que conheça. Por vezes, é algo que pode daná-los a eles, porque se é responsável polo que se sabe, e essa responsabilidade pode estar carregada de conseqüências.

Nom incomodar-se nem ofender-se polo silêncio de um camarada. Isso nom é índice de falta de confiança, senom mais bem de umha estima fraternal e de umha consciência que deve ser comum do dever revolucionário.

V. Em caso de detençom

Manter absolutamente o sangue frio. Nom deixar-se intimidar nem provocar.

Nom responder a nengum interrogatório sem estar assistido por um defensor e antes de ter-se aconselhado com este que, de ser possível, deverá ser um camarada do partido. Ou, no seu defeito, sem ter reflectido suficientemente. Toda a prensa revolucionária russa publicava outrora, em grandes caracteres, esta constante recomendaçom:

"Camaradas, nom fagam declaraçons!, nom digam nada!"

Em princípio: nom dizer nada.

Explicar-se é perigoso; está-se em maos de profissionais capazes de tirar partido da menor palavra. Toda "explicaçom" proporcionará-lhes informaçom valiosa.

Mentir é extremamente perigoso; é difícil construir umha história sem defeitos evidentes de mais. É quase impossível improvisá-la.

Nom tratar de fazer-se o mais astuto: a desproporçom de forças é grande de mais.

Os reincidentes escrevem nos muros das prisons esta enérgica recomendaçom que pode ser aproveita da polos revolucionários: "Nom confessar nunca!"

Quando se nega algo, negá-lo sem duvidar. Saber que o adversário é capaz de tudo [9].

Nom deixar-se surpreender nem desconcertar polo clássico:

- Sabemo-lo tudo!

Tal nunca é certo. É um truque impúdico usado por todas as polícias e por todos os juízes de instruçom com todos os detidos.

Nom deixar-se intimidar pola sempiterna ameaça:

- Custará-lhe caro!

As confissons, as más justificaçons, a crença em batotas, os momentos de pánico é que podem custar caros; mas qualquer que for a situaçom de um acusado, umha defesa firme e hermética, construída de muitos silêncios e de poucas afirmaçons e negaçons, sólidas, nom pode mais que melhorá-la.

Nom acreditar em nada: é também um argumento clássico quando se nos di:

- Já sabemos tudo por boca do seu companheiro tal e tal!

Nom acreditar nada, nem mesmo que tratem de o provar. Com uns poucos indícios habilmente reunidos, o inimigo é capaz de fingir um conhecimento profundo das cousas. Inclusive se algum Tal "já o dixo tudo", isto deve ser mais umha razom para redobrar a circunspecçom.

Nom saber ou saber o menos possível sobre aqueles por quem nos estám perguntar.

Nos confrontos: conservar o sangue frio. Nom manifestar assombro. Insistamos: nom dizer nada.

Nunca assinar um documento sem tê-lo lido bem e percebido completamente. Perante a menor dúvida, recusar assiná-lo.

Se a acusaçom se basear numha falsidade - o qual é freqüente - nom indignar-se: deixá-la passar antes de combatê-la. Nom fazer nada mais sem ajuda do defensor, que deve ser um camarada.

VI. Frente a juízes e polícias

Nom ceder à inclinaçom, inculcada pola educaçom idealista burguesa, de estabeleer ou restabelecer "a verdade".

No conflito social nom há verdade comum para as classes exploradas e para as classes exploradoras.

Nom há verdade - nem pequena nem grande - impessoal, suprema, imperante que esteja por cima da luita de classes.

Para a classe proprietária, a verdade é um direito: o seu direito a explorar, a espoliar, a legislar, a encurralar os que querem um futuro melhor, a espancar sem piedade os difusores da consciência de classe do proletariado: chama verdade ao engano útil. Verdade científica, dim os seus sociólogos, a eternidade da propriedade individual (abolida polos soviets). Verdade legal é umha irritante falsidade: a igualdade de pobres e ricos ante a lei! Verdade oficial, a imparcialidade da justiça, arma de umha classe contra as outras.

A verdade deles nom é a nossa.

Aos juízes da classe burguesa, o militante nom tem por quê dar-lhes conta dos seus actos nem tem por quê ter respeito a nengumha pretensa verdade. Chega coaccionado frente a eles. Sofre violência. A sua única meta deve ser servir também aqui a classe operária. Por ela, pode falar, fazer do banco dos acusados umha tribuna, se converter de argüido em acusador. Por ela deve saber calar. Ou defender-se inteligentemente para reconquistar com a liberdade as suas possibilidades de acçom.

A verdade nom a devemos mais que aos nossos camaradas, à nossa classe, ao nosso partido.

Frente a juízes e polícias, nom esquecer que som serventes dos ricos, encarregados das mais mesquinhas tarefas.

Que se som os mais fortes, somos nós entom quem, necessariamente, temos razom contra eles; que eles defendem servilmente umha ordem iníqua, malvada, condenada polo mesmo desenvolvimento histórico, enquanto nós trabalhamos pola única causa nobre do nosso tempo: a transformaçom do mundo pola libertaçom do trabalho.

VII. Talento

A aplicaçom destas poucas regras exige umha qualidade que todo militante deveria tentar cultivar: a engenhosidade.

... Um camarada chega a umha casa vigiada, vai ao departamento sito no quarto andar. Logo que chega às escadas, três sujeitos de aspecto patibular seguem-no. Vam na mesma direcçom. No segundo andar, o camarada detém-se, bate à porta de um médico e pergunta polas horas de consulta. Os polícias continuam a caminhar e vam embora.

Perseguido numha rua de Petrogado e a ponto de ser apreendido polos seus seguidores, um revolucionário resguarda-se por surpresa no gonzo de umha porta. A brandir na mao um objecto preto. "Cuidado com a bomba!" Os perseguidore fam um gesto de retirada. O perseguido desaparece por um corredor: a casa tem duas saídas. Lisca. A bomba nom era mais do que um chapéu enrolado!

Num país em que toda a literatura comunista é proibida, um livreiro introduz por junto as memórias de John Rockefeller. Como me figem milionário. A partir da quarta página, o texto é de Lenine: a via da insurreiçom.

VIII. Umha recomendaçom fundamental

Acautelar-se das manias conspiradoras, da posse de iniciado, dos ares de mistério, de dramatizar os casos simples, da atitude "conspiradora". A maior virtude de um revolucionário é a singeleza, o desprezo de toda posse, mesmo... "revolucionária", e nomeadamente conspiradora.


Notas:

[1] Umha circular do ministro Jarres prescrevia às autoridades locais, em 1925, o arresto e a perseguiçom de todos os militantes operários revolucionários. Sabe-se que isso implicou a detençom de quase que 7.000 comunistas.

[2] Por Clemenceaou, o chamado "estadista de ferro". [E.]

[3] O PC jugoslavo reorganizou-se na ilegalidade. Conta actualmente com vários milhares de membros.

[4] Consulte-se, ao respeito, V. I. Lenin, ¿Que fazer?

[5] Jean Maxe foi identificado pola revista Les Humbles. É um tal Jean Didier, residente em Paris (XVIIIe). Para dizer a verdade, as suas laboriosas compilaçons sobre "o complot clartista-jedeu-germano-bolchevique" (uf!) e mais semelham lieteratura para malucos do que trabalho policial. Contudo, a burguesia francesa estima-os.

[6] Veja-se S. Howard e Robert W. Dunn, "The Labour Spy" (O operário espiom), in The New Republic, Nova Iorque; e o romance, de Upton Sinclair, 100%.

[7] No sucessivo, nos grandes países capitalistas, toda guerra tenderá para se desdobrar mais cada vez numha guerra de classes interior. A mobilizaçom industrial e o colocar a naçom inteira em estado de guerra precisam do esmagamento prévio do movimento operário revolucionário. Tenho-me dedicado a demonstrar, numha série de artigos sobre a futura guerra, que a mobilizaçom será o estrangulamento, tam repentino quanto possível, do movimento operário. Nom darám resistido o golp mais do que aqueles partidos, sindicatos e organizaçons que se tiverem preparado. Seria útil examinar a fundo essas questons.

[8] Em francês, ao pronunciar este apelido, soa como le noir (o negro). [E.]

[9] Quando Egor Sazónov colocou a sua bomba abaixo da carroça de Von Plehve (Petersburgo, 1905), o ministro ficou morto e o terrorista gravemente ferido. Ao transferi-lo para o hospital, o ferido foi rodeado por hábeis delatores, aos quais se deu a ordem de taquigrafar qualquer palabra que pronunciasse durante o seu delírio. Logo que Sazónov recuperou a consciência, foi interrogado com rudeza. Desde a prisom, escreveu para os seus camaradas: "Lembrem que o inimigo é infinitamente vil!" A Okhrana chegou à impudícia de enviar advogados falsos aos argüidos.

Inclusão 24/12/2005
Última atualização 19/04/2009