Trabalho espiritual e corporal
Para a epistemologia da história ocidental

Alfred Sohn-Rethel


Anexos


Exposição sobre a teoria da socialização funcional. Uma carta a Theodor W. Adorno (1936)

O texto que segue é a parte principal de uma carta minha a Th. W. Adorno, de novembro 1936, a qual lhe expunha minha base teórica após longos anos de contacto. A resposta de Adorno à carta era expressão de um acordo espontâneo e estímulo para o debate oral do assunto. Com isso, suas observações não chegaram infelizmente a ser expressas por escrito.

A concepção que tenho o plano de elaborar repousa fundamentalmente em dois juízos essenciais, que se fixaram em mim a partir de longos trabalhos anteriores. A primeira posso talvez resumi-la como segue: o surgimento histórico de toda teoria independente e dotada do signo da autonomia lógica, ou seja, portanto, do "conhecimento" em qualquer sentido idealista, explica-se em última instância somente a partir de uma ruptura na praxis do ser social, ruptura característica e muito profunda. Isso corresponde (em geral) àquele ponto de vista marxista bem fundamental, segundo o qual todos os problemas da teoria humana na realidade remontam a problemas da praxis humana e que por isso a tarefa da crítica marxista da ideologia se resume em reconduzir na praxis os problemas da teoria aos problemas que estão em seu fundamento, ou seja as contradições. Essa recondução possui até finalidade prática: serve à praxis e à mudança prática do ser material. Mas sua mudança em que sentido? E porque é que o ser material do homem deverá ter um "sentido’, uma relação qualquer à "verdade"? Parece-me que seja aqui que se inscreve o problema decisivo para o enfoque do marxismo, juntamente com a questão sobre aquilo que distingue tão fundamentalmente o marxismo de todos os outros métodos. Pois ele não quer colocar esse sentido, essa relação do ser na questão sobre a verdade a partir de si mesmo, nem portanto apresentar ele mesmo uma filosofia ou ontologia. Seu método é totalmente diferente. "Desenvolvemos novos princípios para o mundo a partir dos princípios do mundo." O marxismo se faz colocar a questão da verdade pela história da humanidade; ele a conhece só do fato de que ela aparece na história (e com isso chegou também a ele); ele está na tradição dela e é seu único herdeiro legítimo, porque ele a agarra e toma a iniciativa de levá-la à perfeição crítica. Ele a deixa portanto apresentar-se não para "destruí-la" e lançá-la nas atas como pura "ideologia", mas ao contrário para tornar-se advogado dos projectos que - em seu sinal - se tornaram dependentes dos homens em sua própria história. Ele toma até esses processos (que portanto os próprios homens - não ele - esclareceram para si mesmos) tão mais a sério que os próprios homens, quando ele é seu advogado crítico, a saber por causa da questão da verdade aí levantada. Só na relação dessa crítica o marxismo tem e conhece por sua parte a questão da verdade, portanto sem engolir junto com a questão da verdade uma ideologia a ela ligada. Tudo depende portanto da determinação dessa relação (como nela se encontra o fundamento, porque o marxismo simplesmente não pode ser a colocação de uma nova ontologia e de uma filosofia primeira, mas, como eles dizem, só a "filosofia última"). Na questão sobre essa relação o ponto difícil é porém de novo o problema da validade das ideologias (qual validade lhes cabe): o problema é a relação do caráter de validade da teoria (dito idealisticamente, o "conhecimento") para a praxis do ser humano.

Pode-se entrar nessa colocação dos problemas por diversos ângulos. Um é certamente o seguinte: o marxismo é o método da crítica da verdade das ideologias, enquanto ele porém é pura e simplesmente o método de sua determinação genética. Onde se encontra esta original coincidência revolucionária? Se uma ideologia se descobrir marxisticamente em sua determinação, então ela se transforma (em seus próprios conceitos, de acordo com seu próprio sentido, ao mesmo tempo na cabeça de seu autor e portador) em uma alavanca de reviravolta revolucionária do ser. Se ao contrário se empreender o mesmo sociologicamente, então não se cumpre nada semelhante. E enquanto lá a flama da questão da verdade se acende em fogo da revolução do ser, aqui fica de tudo isso só um deplorável montão de cinzas, que deixa ao sociólogo a questão para ele irrespondível, de onde chegou a flama, que de algum modo pode queimar algo em cinza. Para o marxismo, nisso é também essencial o seguinte: que ele realmente não coloca nada como a determinação genética, ou seja não acrescenta nada às coisas, portanto é pura ciência, e que isso mesmo é a fornalha da crítica revolucionária. Onde se encontra isso? Com a antecipação do conceito da dialética, aqui só se remeteria para adiante o problema com a questão sobre a essência da "dialética". Encontra-se muito mais no fato de que a determinação marxista reconduz ao ser histórico a consciência a respeito de sua questão da verdade, os conceitos sobre seu caráter de validade. E é aqui primeiro que se constitui seu caráter dialético, pois aqui se encontra simplesmente todo o problema da dialética (conjuntamente com a razão de porque ela não se pode efectuar). Eu vejo portanto na explicação genética da validade do conhecimento também a base da distinção do materialismo marxista daquele burguês e do empirismo. Pois ela é de fato a mesma base que do porque na redução burguesa-sociológica o "ser" se torna facticidade crua, enquanto na redução marxista estabelece seu caráter como praxis material, na qual a criticada exigência de verdade se transforma em energia revolucionária.

Como eu atribuo um valor decisivo a esse caráter da crítica marxista da ideologia - ou seja de que ela é essencialmente crítica da verdade da ideologia -, quereria demorar-me ainda um momento adicional, para estabelecer esse nexo tão claro quanto possível. A exigência que eu faço ao marxismo, da qual segundo minha finalidade ele deve fazer justiça, chega ao ponto que as análises de um determinado ser histórico e social devem resultar em um nexo completo de derivação das ideologias que lhe pertencem, até em suas estruturas lógicas e portanto até seu conceito de verdade. As ideologias são, por um lado, falsa consciência, mas por outro lado elas são necessariamente condicionadas como tal falsa consciência em si, bem como também geneticamente. Nesse necessário condicionamento encontram-se o problema da verdade da consciência e o problema da crítica marxista das ideologias. Sim, eu quereria avançar ainda mais e dizer que nesse condicionamento necessário das ideologias está situado o problema todo das logicidade da consciência como conhecimento humano. O problema não está no fato de que a consciência seja sempre em certo sentido invertida, mas no fato de que essa consciência invertida, se ela estiver necessariamente invertida, contem a questão da verdade.

A dedução marxista de uma ideologia a partir do ser social se alcança primeiro satisfatoriamente quando ela leva a discutir imanentemente com a ideologia em questão. Até mesmo por isso o método marxista se distingue do burguês-sociológico. Pois este não argumenta em suas tentativas genéticas com a ideologia tratada como que em qualidade de paciente. Ao contrário, a crítica marxista fala por dentro da cabeça ideológica, não ao lado dela nem por fora dela. Aqui o portador de uma ideologia é emasculado, depois que a crítica de sua ideologia (segundo suas próprias medidas conceituais) legitimou a emasculação. Daí se deduz o direito histórico do marxismo, da "arma da crítica" ao direito da "crítica das armas". Que o portador da ideologia criticada não está em condição de aceitar a crítica ele mesmo, nem de levá-la adiante, porque ele para isso deveria pular por cima de sua própria sombra, isso não constitui objecção nenhuma contra o princípio. Pois o princípio é importante por fundamentos totalmente outros. O postulado da crítica marxista da ideologia como crítica da verdade não tem o sentido de declarar a discussão da ideologia como finalidade máxima do marxismo. A finalidade permanece sempre a transformação prática do ser humano. Mas eu bem argumento que a possibilidade metodológica do esclarecimento crítico da ideologia é o critério para que também a própria análise do ser social seja levada adiante satisfatoriamente, mesmo lá onde não se trata em primeiro lugar de crítica da ideologia, como na economia. Eu penso portanto, que por exemplo a análise das relações capitalistas de produção não se articula suficientemente para ela mesma, enquanto a partir de seus instrumentos conceituais (algo assim como a análise da forma mercadoria e da relação de valor) não se pode sempre alcançar, ao mesmo tempo, a crítica plena da verdade do idealismo burguês. Se a crítica económica do capitalismo não faz justiça a esse critério, então tampouco fará justiça também em qualquer lugar às tarefas da transformação do ser social. No sentido social, ela deixará restos opacos em seu entendimento da história. Ambas as coisas condicionam-se reciprocamente. A economia não pode estar afinada, se em sua construção não estiver à disposição a liquidação crítica do ponto de vista idealista, e esta liquidação não pode ser completa enquanto a análise económica não estiver sobre os pés certos.

Essa oposição é importante, porque ela designa simplesmente a relação, na qual o materialismo dialético da histórias faz seu trabalho de reconhecimento. A relação encontra-se expressa na frase de Marx de que não é a consciência que determina o ser, mas o ser social dos homens que determina sua consciência. Pois esta frase deve-se tomar em seu sentido literal: ela define o "ser social" e a "consciência" pela relação de ambos entre si que ela afirma. O ser social, prescindindo da consciência, não é nada ou, mais precisamente, não é nada senão a aparência fetichística de pura facticidade; e a consciência do ser social não é também nada ou, mais precisamente, é a aparência fetichística correspondente do "sujeito transcendental". Ao contrário, a "consciência" é aquilo, que vem determinado pelo ser social, e o ser social é aquilo, que a consciência dos homens determina. É a partir dessa relação que ambos têm sua realidade histórica e dialética.

Isso determina também a relação do marxismo com o problema da verdade. O marxismo não se dirige por si à história ou ao "ser" com a questão sobre a "verdade". Ainda menos ele forma uma teoria própria da verdade ou simula aos homens uma "visão do mundo". Muito mais, o marxismo conhece rigorosamente sobre a questão da verdade só a partir da história, ele toma conhecimento dela por ocasião das ideologias, que aparecem em seu nome. Eu já expus isso, mas quereria relacioná-lo com a essência do método relacional marxistico, que opera entre ser e consciência, aqui e lá. Enquanto ele reconduz de volta as questões dos homens dirigidas ao "absoluto", de sua relação ideológica para a relação materialista, ao ser social desses homens, ele transforma as questões insolúveis da teoria em questões solúveis da praxis. Isso corresponde precisamente ao princípio marxiano de superar a filosofia, enquanto se realiza, pois se pode superar só pela realização. E essa realização como superação, superação como realização das teorias da verdade que aparecem nas ideologias está sobretudo a relação do marxismo com o problema da verdade. Mas ao contrário também só o problema da verdade é o ponto de apoio, no qual a transformação dos problemas teoréticos em práticos se pode levar adiante, e com a eliminação do problema da verdade ou em sua falta todo o marxismo se tornaria um chato materialismo vulgar.

Pode-se ser de diferente opinião, sobre quanto a elaboração marxiana, sobretudo a análise da mercadoria no começo de O Capital, satisfaz às condições aqui colocadas. Desde meus primeiros tempos de estudante, dei-me muito trabalho por dez anos com as ingentes dificuldades, que nessa análise estão no caminho do real esclarecimento. Não posso aqui entrar nas particularidades. Mas para arrombar o idealismo desde seu próprio centro deve-se examinar, se a identificação marxiana da forma mercadoria é conduzida adiante com precisão. Esse seria o caso, se a forma mercadoria se fizer transparente até os elementos básicos da teoria idealista do conhecimento, de forma que portanto os conceitos da subjetividade, da identidade, do ser-aí [existência], da coisicidade, objetividade e da lógica das formas do juízo se encontrassem completamente reconduzidas a momentos da forma mercadoria dos produtos do trabalho e a sua gênese e dialética. Como eu não julgava ver essa exigência plenamente realizada na análise marxiana, tentei levar essa análise mais adiante. Pois eu estou incondicionadamente convencido que a afinação científica do marxismo depende da possibilidade de continuar a análise da forma mercadoria até este ponto. Nele, descobre-se, através dos fetichismos especificamente capitalísticos, o mecanismo total da fetichização, a saber a gênese das ideologias a respeito de seu caráter de validade, através de toda a assim chamada história da cultura, portanto até os antigos e talvez até mais para trás.

E aqui chego eu agora afinal à segunda de minhas "duas intuições", que bem no começo prometi expor. A assim chamada história da cultura da humanidade coincide de fato - e com fundamento - com a história das relações humanas de exploração. Se portanto o discurso sobre o desenvolvimento da cultura deve ter um sentido - e ele sempre o tem também no marxismo -, então esse sentido deve-se descobrir da análise da relação de exploração e sua dialética, desde os começos até sua forma perfeita capitalista. Mas essa descoberta deve acontecer de tal modo que nela todos os assim chamados caracteres da "cultura" - como a forma-mundo do ser para os homens, o caráter de sujeitos dos homens mesmos, seu estar presos entre "aqui" e "além", o ser-aí [existência] e seu modo de identidade ["ser-aí" traz aqui sempre um acento negativo], as relações de juízo e a razão, a personalidade do indivíduo, a questão da verdade, a idéia do "conhecimento" e do mundo objectivo, o bem, o belo, etc., etc. - em breve tudo aquilo sobre o qual o idealismo conversa - sejam claramente apontados e legitimados como resultado genético da exploração. Porque a exploração é um estado de fato imediatamente prático, e a recondução realmente definitiva de várias formas teóricas aparentemente autônomas de consciência da alienação, sua recondução à exploração transformarias a cultura da humanidade em geral, em todas as formas históricas e formalizações, em uma única problemática da praxis humana e de sua mistificação. Tosas aquelas formas mencionadas de alienação - os esquemas da essência bem como da facticidade - são, dito aqui provisoriamente, fetichizações da praxis do trabalho sobre fundamentos da praxis da exploração, e o conteúdo real de toda problemática teórica da humanidade cultural é uma problemática prática de seu ser material. Se isso se puder demonstrar completa e terminantemente, assim está com isso evidentemente vinculada imediatamente a crítica genética da verdade das ideologias da alienação acima promovida. Se a separação sujeito-objeto, a questão sobre a verdade e o "conhecimento", surgem como resultado da exploração, ou seja como um aprisionamento condicionado da consciência na alienação do ser, como uma praxis pregada nas formas da não-praxis, assim a recondução genética pura dessas formas de alienação à sua causalidade prática, por si e em si, deve ser a crítica das teorias fetichísticas, reconduzidas a sua prática verdade. Portanto, deve-se quebrar a constituição da alienação, para explodir as ideologias da alienação na verdade, encoberta pela própria constituição das ideologias. Mas "verdade" é a praxis descoberta não em si (não como é posta assim pelo marxismo), mas só na relação da crítica de seu encobrimento. Pois a relação à verdade provem somente do fato que a consciência alienada está vinculada com a questão sobre a verdade; a saber, a questão da verdade é ela mesma ainda um produto da alienação. Na última redução chega a tarefa que eu me proponho, sobre isso mais além, de dar solubilidade à problemática insolúvel da "dedução transcendental" - da tentativa de construir o ser a partir do pensar - estabelecendo uma relação inversa: através da construção da lógica a partir do ser social material no caminho da construção dialética da história da relação de exploração.

Eu devo agora introduzir um conceito que é de significação central para levar adiante e realizar esta concepção, o conceito da socialização funcional, que está em oposição histórica e estrutural à socialização de uma "comunidade natural" segundo Marx. Para a introdução desse conceito eu quereria começar um pouco mais longe. A socialização funcional surge por uma quebra com a socialização natural, e esta quebra é a exploração, portanto o estado de coisas em que uma parte da sociedade começa a viver dos produtos de outra parte, enquanto ela se apropria do produto excedente disponível graças à produtividade paulatinamente acrescida. Essa apropriação ocorre primeiro como apropriação unilateral (que pode assumir uma rica escala de formas desde a recepção de presentes feita costume até o roubo brutal); só após uma longa história de tais relações unilaterais de apropriação se chega à exploração nas formas de apropriação recíproca enquanto troca mercantil. Mas em qualquer dessas formas a apropriação ocorra, por qualquer delas a exploração se realize, ela é em cada forma uma praxis, mas uma tal praxis, que nega a praxis da "vida material dos homens em seu processo de intercâmbio material com a natureza", portanto sobretudo a praxis do "trabalho produtivo" (no sentido do processo de trabalho segundo Marx): uma negação prática da praxis, portanto, e isso em relação ao trabalho (que se transforma a si mesmo conjuntamente com as mudanças históricas da relação de exploração e portanto não era sempre aquilo, que ele se tornou no capitalismo atual). Ora a vida em nenhum ponto de sua história é algo diferente que sua vida na troca prática material com a natureza (que por sua parte é também um conceito histórico pelo desenvolvimento das forças produtivas), o que ocorre na produção e no consumo. É dessa realidade, que Marx concebe como "processo de trabalho", se deve sempre partir, como base estabelecida da história humana, correspondendo à concepção marxiana, de que o homem é a espécie animal, que começou com sucesso a produzir seus próprios meios de vida. Em nenhum momento de sua história portanto a vida dos homens é algo diverso desse processo de metabolismo de caráter essencialmente prático, material. Neste sentido os homens são eles mesmos natureza e estão também só em relação com a natureza, uma relação, que tem o mesmo sentido que a própria vida deles. Nisso também a história humana toda, em última instância, é pura "natureza". É de sua série enorme, porém, que o ponto de vista de meu interesse selecciona só o segmento, que está caracterizado pelo fato da exploração. Os caracteres próprios desse segmento da história, sobretudo a separação entre teoria e praxis (como fenômeno de um conhecimento separado, aparentemente autônomo) dizem respeito por fim ao fato que aqui a praxis material da vida humana se realiza através de formas mediadoras, as quais contradizem a essa praxis. A parte da sociedade que explora (indiferentemente se da mesma ou de outra origem étnica que o explorado) vive da produção do trabalho humano, mas não de seu próprio, de modo que aqui a vida do estrato dominante não se baseia em nenhuma relação sua própria com a natureza, mas em vez disso na relação com outros homens e com a relação práctico-productiva deles com a natureza. A relação produtiva Homem-Natureza torna-se nas medidas da exploração objeto e uma relação Homem-Homem, é submetida a essa ordem e a essa lei e com isso "desnaturada" do estado "natural"[nenhum átomo de matéria natural entra, segundo Marx, na objetividade do valor], para a partir daí realizar-se segundo a lei de formas de mediação, que significam a afirmação de sua negação. Esta negação é, como já dissemos, ela mesma de caráter prático, é a prática da apropriação nesta relação homem-homem. Eu sustento que a praxis da apropriação nesta relação é a origem histórica real dos modos da identidade, do ser-aí e da forma-coisa ou coisicidade (de tal modo que em primeiro lugar não é a "reificação", mas já a própria "coisa" que constitui uma modalidade de exploração).

Tomemos como exemplo uma relação de exploração da forma mais primitiva. Um povo submete um outro, para viver do produto excedente desse outro povo. O resultado é que na parte explorada surge uma produção sem consumo, e na parte exploradora um consumo sem produção, portanto o nexo material necessário entre produção e consumo em sua forma de até então é rasgado. Mas a parte exploradora não pode viver da apropriação, se seu consumo não for produzido. O nexo rasgado precisa portanto ser recomposto em outra forma, exatamente na forma de um nexo entre as duas partes humanas da relação de domínio. A exploração transforma o nexo vital necessário entre produção e consumo em outro entre homens, portanto nexo social. Ela produz o nexo entre produção e consumo na esteira de uma articulação do ser-aí [existência] dos homens entre si. Esta articulação do ser-aí operada pela exploração dos homens é aquilo que eu denomino socialização funcional, e distingo de todas as formas de comunidade natural. A socialização funcional é negação da natural, rasga-a até sua dissolução completa, de modo que a seguir domina só a socialização funcional e assume a forma da produção de mercadorias, que transforma em apropriação recíproca a apropriação unilateral vigente até então. O trabalho é despojado de seu caráter social original, natural, e em seu lugar entra o nexo da troca dos produtos do trabalho como mercadorias. No caminho dessa socialização funcional feita pelos homens, no caminho de sua origem, do lento aprofundamento persistente até ao domínio final exclusivo, deve-se buscar a origem dos caracteres fundamentais da forma mercadoria - identidade, ser-aí e coisicidade.

O modo de identidade de quem é lá, portanto, é originalmente unidade na relação de exploração, para ela indispensável e constitutivo; pois o ato de apropriação do explorador "abstrai" o produto do produtor, "reifica" assim o produto humano, neutraliza-o em coisa, fixa-o como algo acabado, ser tomado da mão do produtor, que agora é produto na mão do explorador, prescindindo de sua produção, puro dado (respectivamente tomado), natureza assim feita como quantitativa e qualitativamente, e contudo acentuadamente produto não da natureza, mas do trabalho humano (mas trabalho de outros). Portanto, o que dá identidade às mercadorias ou objetos de apropriação, é o papel que elas jogam como membros do nexo social entre o explorador e o explorado. Embora um objeto tenha uma significação totalmente diferente para cada um deles, ele é entre eles, na ação na qual ele passa de um ao outro, a mesma coisa, possui uma existência independente deles, válida para ambos, um ser-aí [existência] objectivo; e na ação não se desfaz, mas se mantém e é uma coisa. Só muito tempo depois que esses caracteres formais começaram a jogar seu papel indispensável e silencioso para a socialização funcional, a reflexão os agarra e os eleva a conceitos. E com isso agora ela deturpou tudo, pois agora todos esses mesmos caracteres tornaram-se formas de pensamento do sujeito em sua relação com os objetos dados para ele. Superar essa deturpação é difícil e, sem encontrar as mediações, impossível. Mas com isso já se ganhou algo: que se sabe o que se está buscando, ou seja mediações entre a situação da exploração e a relação teorética do conhecimento. Este é um insight que os teóricos do conhecimento, mas também os marxistas vulgares, nunca teriam imaginado.

Para restringir-me porém então à sociedade de exploração na forma avançada da sociedade de produção de mercadorias: corresponde portanto a "forma mercadoria" à função socializadora da exploração. Sua estrutura determina-se cada vez segundo as funções da unidade dessa socialização, da qual ela é constituinte formal. A socialização funcional consuma-se assim só em virtude da exploração, portanto como um nexo da apropriação, o qual sempre bem se refere à produção, mas não é ele mesmo um nexo da produção. Ele é um nexo em formas do puro ser-aí dos homens e de suas coisas, não da produção desse ser-aí. Nas formas unilaterais da apropriação isso é ainda bastante evidente (Marx sublinha frequentemente esta distinção), mas nas formas da exploração generalizada e da socialização funcional a relação de apropriação da produção torna-se uma relação de encobrimento completo e impenetrável da realidade do ser material.

[Aqui poderia eu facilmente continuar de modo a apontar claramente minha concordância com Adorno, bem como minha divergência. Algo assim, como segue: "Encobrimento e verdade estão aqui igualmente garantidos. Aqui, manifestar a verdade exige um método, que eu denomino identificação dialética (sobre isso confer ulteriormente abaixo nesta mesma carta). O modo de proceder desse método está expresso em Marx (na Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1843): "Devem-se levar a dançar essas relações petrificadas tocando-lhes sua própria melodia." Todo O Capital está construído de acordo com esse princípio. Os encobrimentos não podem suportar sua identificação dialética: nisso eles se traem. Eles se traem também, porém, a partir de outra forma de experiência: quando não alcançam nenhuma construção da síntese ("síntese" aqui no sentido de Kant e Hegel; onde o capital empreende a confirmar a plenitude de seu domínio do ser) construída a partir do material (material de encobrimento fetichisticamente mágico, aliás conceitos de reflexão filosófica) próprio deles. Aqui se descobre sua desordem: do falhar de todas e cada tentativas de simular a essência. Nessas tentativas de evocação da sorte o capital não pode nunca falhar, mas contudo também nunca pode levá-las a bom resultado. Será que eu entendo bem a intenção de seu trabalho sobre Husserl, quando suponho que é exatamente este o ponto de onde você parte?

[A isso Adorno teria bem respondido com um "sim"]

Portanto com uma crítica que por caminhos imanentes quer tornar-se transcendente?

["Sim" - quase certamente]

A esse falhar filosófico da síntese correspondem na realidade econômica do capitalismo as suas crises.

[Com isso ele teria bem concordado; ver abaixo]

Você o ultrapassa dentro e através de sua imanência, até que ele malogra; então acabou-se com sua imanência [uma concepção que aproximava muito às experiências dos anos trinta]. Contudo eu não estou inclinado a ter só este paralelo econômico como aquele real, e o paralelo filosófico (que você persegue), ao contrário, por puramente simbólico. Nesse caminho filosófico, de fato, não se podem transcender as muralhas da imanência, nem que seja em palavras, no papel, mas esses são mesmo instrumentos da imanência. Transcendente é só a mudança real do ser, portanto a ação, e então não se deixa alcançar em seu caminho.

[Com isso ele não teria concordado; sua resposta podem imaginá-la os leitores de seus trabalhos."

O fato de eu não ter levado adiante dessa maneira minha carta dependeu de que eu não tinha alcançado ainda clareza com meus próprios pensamentos, e isso ainda por muito tempo. Devo esclarecer sobretudo que minha autocompreensão foi um processo incrivelmente lento. As coisas aceitáveis nessa carta não são conhecimentos aos quais eu tinha já chegado, e sim conhecimentos que eu estava ainda buscando. A descoberta do sujeito transcendental na forma mercadoria ou, melhor, a certeza de que o sujeito de conhecimento estava oculta na forma mercadoria, me teria colhido ao tempo de meus estudos como uma "inspiração", que eu nunca perderia de novo, mas que teria levado meu pensamento a um estado permanente de confusão impetuosa, se me se quer perdoar esta autocaracterização. Foi nesse estado que me encontrei perante esses dois espíritos brilhantes, sabe Deus, Adorno e Benjamin, em inferioridade sem palavras, e em insegurança precária, e contudo com a absoluta certeza, que o esclarecimento dessa confusão deveria levar-me a um lugar, que mesmo para eles se encontrava mais adiante. Portanto esta carta deve-se avaliar, como todas as minhas elaborações daquele tempo, simplesmente como estágio do autodesenredo; a medida para o julgamento desses trabalhos não está neles mesmos, e sim no esclarecimento ao qual eles final e definitivamente me levaram; o que está exposto em meu livro de 1970 (Trabalho espiritual e corporal. Para a teoria da síntese social, Frankfurt). Todo o meu caminho está calçado com tais elaborações, que correram sob o nome de "Exposições" e em sua maioria ainda apodrecem em minhas gavetas. Aqueles dos anos trinta indicam só exatamente minha ligação com a "Escola de Frankfurt", pela qual então era bem Adorno que respondia mais ou menos (meu contacto com Horkheimer foi sempre estabelecido por ele). Nesse ponto ainda não me tinha tornado claro que minha ocupação com a crítica da ideologia não se dirigia a ela mesma, mas somente através dela visada a crítica do ser, portanto o melhor entendimento dos desenvolvimentos econômicos ocultos do tempo atual, porque ela não alcançava a "metacrítica do conhecimento", nem instituía nenhuma teoria do trabalho da cabeça e das mãos. Deduzi este esclarecimento só nos anos quarenta e cinquenta.]

Na construção filosófica da "síntese" trata-se não de uma síntese da matéria, que o capital tem que dominar na realidade. O não alcançar a síntese no sentido real mostra-se nas crises, e a teoria das crises é a critica apropriada de todos os postulados idealistas da "síntese" [Adorno exigia que eu "elaborasse" isso - como está anotado na margem deste ponto]. Na verdade a teoria das crises é também a peça mais difícil em toda a teoria marxista; a solução do problema das crises implica que em suas condições ao mesmo tempo se torna transparente toda a história, que leva às crises, portanto toda a história da exploração, recuando até a saída do "comunismo primitivo".

Aqui portanto deveria ser anexada uma exposição histórica geral da socialização funcional desde sua primeira formação até o resultado hodierno. Só algumas indicações rudimentares. Primeiro metodicamente: poder-se-ia passar pelo processo da relação de exploração como processo dialético de reflexão [e incluiria, se apropriadamente executado, algo assim como uma fenomenologia materialista das formas de ser]. Visar-se-ia uma descrição da gênese dialética das formas humanas de ser (como subjetividade, personalidade, etc.) a partir do ser material. Essas formas de ser surgem historicamente como resultado da exploração, e a mediação dessa gênese encontra-se na socialização funcional (todas as formas humanas de ser têm relação constitutiva com o ser prático material dos homens, superada porém em sua negação afirmativa). Por conseguinte, a dialética histórica da socialização funcional é normativa para a concepção das formas de ser: de suas etapas principais eu levo em consideração o Egipto antigo, os Antigos [Gregos e Romanos - C.G.G.] e a mais recente produção mercantil europeia. Geneticamente, a primeira forma de ser (Wesensform) é o "estado", a forma de socialização da "relação primária de exploração". No estado a função socializadora da exploração limita-se a conferir as características de unidade à relação de dominação da exploração (soberania, domínio do território, etc.), características que constituem a essência do estado, tornam a relação fatual de domínio da exploração essência do "estado", respectivamente, se fetichizam. A socialização funcional não difere aqui ainda em parte alguma do fato bruto da dominação para a exploração e não contem ainda nenhuma expressão-valor distinta da forma natural dos objetos de apropriação (produtos, produtores [escravos], terras, meios de trabalho, gado, etc.). Sua contradição com a forma natural esgota-se na magia ou na mitologização. O passo decisivo para a preparação da forma social do valor da riqueza se leva adiante primeiro na antiguidade. A relação antiga de exploração constitui-se como a forma dialética de reflexão do egípcio antigo e em geral antigo oriental, como aquilo que antes era o estado como um todo; agora é (dito a grosso modo) a relação privada dos cidadãos individuais (kalokagathos, civis romanus) perante seu governo familiar e sua produção de riqueza; e a sociedade antiga (uma sociedade de pura exploração) é a sociedade desses cidadãos uns com os outros. A formação primária de riqueza (como exploração) é aqui reflexa, a riqueza produzida é trocada entre os exploradores e as cidades e alcança assim pela primeira vez sua forma social adequada, a forma-valor da moeda. Ao contrário, o produtor explorado permanece aqui ainda na forma natural do escravo: o que se torna funcional não é a produção, e sim tão somente sua valorização. A reflexão da riqueza tem lugar meramente do lado do explorador. A funcionalização da produção mesma e a reflexão da exploração do lado dos produtores explorados são contudo a característica fundamental do desenvolvimento ocidental. No Ocidente a relação de exploração chega portanto a seu desenvolvimento completo e universal. Esta parte dever-se-ia naturalmente desenvolver mais profundamente: nela, deve-se dar particular valor à exposição da Idade Média - por causa da posterior construção da gênese da propriedade privada (como produto próprio!) que lhe pertence, como também da personalidade dos produtores e da relação econômica mundial. Para mim é também importante a maneira de conceber a relação de conjunto do desenvolvimento ocidental (sobretudo da relação dialética de desenvolvimento entre Idade Média e capitalismo, mediada pela "produção mercantil simples"). Deixo de mencionar numerosos outros momentos, aos quais se deveria dar importância.

Ao contrário, quero abordar brevemente a teoria do conhecimento em sentido estrito. Com a compreensão de que a exploração condiciona a "socialização funcional" de acordo com princípios da identidade do ser-aí dos objetos de apropriação, toda a problemática das formas do conhecimento e a relação dos conceitos com os objetos volta da esfera do pensamento para aquela da socialização dos homens. A constituição da forma do conhecimento dos objetos decide-se na prática na socialização funcional pela relação de exploração, porque ela determina a estrutura do objeto, ao qual o pensar dos homens se refere, tão lodo eles são "sujeitos". A forma do conhecimento é portanto sempre determinada pelo objeto, a forma do objeto por sua parte, porém, pelo processo da socialização funcional. Nesse processo ocorre a síntese constitutiva do conhecimento (eu emprego aqui o conceito de síntese no sentido transcendental, que é um sentido formal, porque é só uma síntese formal no racional, respectivamente só-teorético [até então eu não tinha ainda chegado à significação disso como trabalho separado, divorciado daquele manual, pelo menos não em qualquer sentido temático que fosse]), não porém, ao contrário, a síntese material, pois esta realiza-se como síntese da sociedade e pertinente ao nexo do ser-aí [existencial] dos homens. Pode-se permanecer bem agarrado ao modo, como o idealismo clássico elaborou o problema da constituição da forma; certamente, em algum sentido, deve-se agarrar-se a ele, para ter um ponto de partida e indicador de caminho para o conhecimento materialista do ser, que o marxismo empreende não por sua própria espontaneidade, mas sim só no caminho da crítica de uma consciência dada, a qual decerto necessariamente deve ser consciência falsa e conter o conceito de verdade (vocês se lembram do que dizia no começo, que o marxismo se deixa sempre colocar de antemão a questão da verdade).Portanto, partindo do problema da síntese em sua versão idealista dada, o marxismo leva o problema não resolvido à solução; pois assim, no próprio sentido desta colocação do problema, a tarefa idealisticamente pensada da reconstrução da síntese conceptual transforma-se na tarefa materialista da reconstrução da história do ser social (transformando a justificativa da sociedade burguesa em seu juízo condenatório). Da fato, desenvolve-se (e assim até "tem sucesso") no ser social a síntese, que o idealismo postula na subjetividade e nunca pode levar à solução. Só com essa verificação do problema da síntese está ligada também a obtenção legítima da dialética, ou seja a verificação dos problemas lógicos como problemas do ser, com o que se inverte toda a relação de pensar e ser. Para folmulá-lo bem agudamente: por causa da solução dos problemas por ele mesmo colocados, o idealismo transcendental transmuda-se no materialismo dialético.

Com isso, expressa-se o modo geral do condicionamento do pensamento ao ser social na história da relação de exploração, chegando ele assim às origens do surgimento da subjetividade para a gênese histórica desse conhecimento racional conceptual. Concedo que este é o cerne mais duro, que se deve quebrar, mas não duvido que minha teoria do ser social (mais precisamente: da socialização funcional) ofereça motivo para isso. Base principal nessa gênese poderia ser que os próprios exploradores humanos entram no modo de ser da identidade das mercadorias baseados na dialética da socialização funcional, se percebem eles mesmos como "sujeitos" identicamente existentes, forçados por uma constituição totalmente distinta de seu próprio ser social. Esta constituição prende-se muito estreitamente com a preparação da forma-valor social da relação de exploração (a forma dinheiro do valor amoeda-se pela primeira vez por volta do ano 700 antes de Cristo na Iônia); eu vejo mesmo o surgimento da forma-sujeito do homem como correlativo inseparável para a forma dinheiro do valor. A significação dialética da gênese da subjetividade é som isso essencialmente a seguinte:

A identidade do ser-aí (lembro que "ser-aí" para mim comporta um acento de valor negativo) é originalmente o modo dos produtos no ato de apropriação da exploração e é, colocado afirmativamente, negação da praxis. Mas não só os produtos como coisas, mas os homens mesmos, e especialmente os exploradores, portanto os autores reais históricos da relação de exploração e da socialização funcional, entram aqui nesse modo de identidade do ser-aí, identificam-se como "sujeitos". Nisso, que portanto aqui cabe ao homem o que é do homem na história da constituição da sociedade de exploração, nisso está o verdadeiro (o verdadeiro maldito) do surgimento da forma-sujeito do homem. Esta relação da subjetividade com a praxis (mas na relação do encobrimento da praxis que se tornou constitutivo nela mesma) determina a constelação da questão (como questão da "verdade") [esta concepção foi estimulada por diálogos com Benjamin nos anos vinte em Capri, e precisamente através de sua significação do mito da imagem em Sais]. E esta dialética é sobretudo a relação fundamental da teoria isolada contra a praxis ["trabalho"] e que prossegue só em sua própria autonomia aparentemente lógica (no sentido de racional, ou seja conhecimento reflexivo que se questiona sobre seus fundamentos de validade). Este conhecimento teórico coloca-se sempre ele mesmo em foco, por força das condições de sua gênese, para sua questão (inevitável) sobre a verdade.

Para o homem como sujeito a realidade tem sempre a forma de "mundo" no qual o ser (como puro dado) existe segundo princípios da unidade, ou seja como objeto. Quais são esses princípios, determina-se pela estrutura da socialização funcional e da posição do sujeito dentro dela. Pois é tão somente a partir dessa origem da relação de exploração e da socialização funcional que surge a relação teorética sujeito-objeto. Por isso também para mim, ao lugar da questão vexativa da teoria do conhecimento, como o sujeito e o objeto chegam um ao outro, coloca-se a questão inversa, como eles se separaram (não vejo portanto também nenhum lugar para a teoria da imagem), e só esta questão pode ser respondida. - Para a subjetividade, só o mundo do ser-aí dos objetos forma a imanência do ser, enquanto ela exclui a realidade prática do ser, visada em sua questão da verdade, como transcendência insolúvel sobre o ser cognoscível. O mundo real está portanto na relação teorética do conhecimento exatamente sobre sua própria cabeça, e a praxis real pode encontrar o homem tão somente desde fora do mundo. Esse encontro, um encontro desse tipo, realiza-se no fim da antiguidade como cristianismo, no qual pela primeira vez coloca-se dentro desse mundo invertido o problema da praxis para o homem (como possibilidade de união do trabalho com o ser homem [= ser explorador]). O problema da praxis é o da superação desse mesmo mundo invertido, contudo por sua vez concebido às avessas, colocando o mundo invertido sobre os pés, postulando a superação da exploração, mas deslocando-a fora do mundo para o além. - Eu resumo a temática dialética da "história da cultura" como exploração, de forma geral, no ditado de que cada passo da realização da relação de exploração ao mesmo tempo é um passo da realização de sua superação. Na história da relação de exploração amadurece na negatividade o fato que sua realidade se esconde aos homens em sua própria essência e se supera, mas o homem amadurece contudo para a essência que pode postular e realizar ela mesma a superação prática da exploração. -

Ainda uma observação final sobre o método, e para evitar a suspeita de que no fundo aqui se construa uma prima philosophia. Meu ponto de vista metodológico pode-se expor brevemente dizendo que nada absolutamente se pode elaborar sobre o ser histórico em geral, mas tudo o que pode acontecer sempre deve restringir-se só à crítica de seus encobrimentos. A crítica da forma mercadoria, ou, em minha nomenclatura, da "socialização funcional", é portanto meu caminho metódico total e único. O princípio competente de meu método é portanto aquele da identificação dialética, como eu o denomino, ou seja de confrontar a essência consigo mesma em sua contraditoriedade. Mas sobre isso haveria mais a dizer do que eu possa ainda forçar nesta "carta".

Para a liquidação crítica do apriorismo. Uma pesquisa materialista (Março-abril 1937)(*)

1. Intenção da pesquisa

De acordo com a nossa opinião, compete ao apriorismo e a seu aperfeiçoamento na forma de filosofia transcendental o sentido da formulação sistemática final do idealismo filosófico. A refutação crítica do apriorismo deveria portanto atingir o ponto de vista do idealismo em seu centro de fundamentação. Tal refutação exige a prova, de que o pensamento é socialmente condicionado e surgiu historicamente exatamente no mesmo sentido, segundo o qual o idealismo afirma sua aprioridade perante o ser e sua transcendentalidade. Deve-se tentar contrapor à interpretação idealista do pensamento racional a sua explicação materialista;(i) pois a fetichização da razão estará despachada, quando for comprovada a origem da razão a partir do ser social. Com isso deve-se explicar o pensamento racional surgindo ao ser social no sentido que o pensar propicia conhecimento efectivo; e conhecimento aqui significa poder julgar sobre verdade e falsidade de proposições. O conteúdo da fetichização idealista da razão é a absolutização do conceito de verdade. Portanto, no sentido mais próprio, a tarefa de uma explicação materialista do pensamento racional consiste e que o surgimento histórico do conceito de verdade se comprova porvir do ser social. Essa tarefa pode ser também formulada de outro modo: que a gênese do conhecimento deve ser explicada enquanto ele possui validade objectiva.(II) Se as condições da validade do conhecimento forem mostradas como genéticas em vez de transcendentais, assim a verdade seria com isso condicionada historicamente ou ligada ao tempo em vez de ser comprovada como atemporal e absoluta.

Levar adiante uma tal anti-investigação do edifício sistemático da filosofia transcendental não deveria ser considerado como procedimento predominantemente acadêmico. Pois ela torna-se necessária, porque a tendência obrigatoriamente necessária à sistematização própria do pensar idealista é a expressão da concatenação de uma dívida, fechada em si, da sociedade burguesa. O impulso sistêmico do idealismo corresponde de fato a uma totalidade, mas não a uma totalidade proveniente de uma síntese transcendental do sujeito autônomo ou da liberdade, e sim a seu oposto, a exploração. Correspondentemente procede-se com o caráter formalístico, que deve ter uma pesquisa como a nossa e pelo qual ela, por sua vez, poderia suscitar uma impressão idealista. O formalismo do pensamento idealista é condicionado pela alienação, que opera a exploração nas relações sociais dos homens. A reificação é neste sentido pura determinação de forma, quando ela serve à formalização da exploração. Reconduzir geneticamente o formalismo do pensamento idealista à exploração serve para sua invalidação. Uma tal redução materialista do formalismo deve no entanto compreendê-lo em seu próprio meio, deve perseguí-lo através de sua formação interna, ou enovelá-lo segundo suas próprias regras. Se a pretendida superação vai resultar bem sucedida para o pensamento próprio, isso pode-se por certo mostrar somente no uso do método em objetos concretos.

A pesquisa projectada a seguir em suas linhas fundamentais está baseada pela convicção de que a pesquisa histórica materialista precisa da análise precedente da reificação. Para cada um, pelo ser social no qual ele vive, mediante o grau e o molde das coisificações, seu próprio pensamento está ligado a formas, que são indispensáveis para se comportar pragmaticamente de forma correcta, de acordo com as relações dominantes de produção. Cada um vive dentro e conforme a medida da relação dominante de deslumbramento. Dentre as formas assim dadas de pensamento, nenhuma pode ser postulada ingénua e acriticamente na pesquisa histórica materialista, sob pena de tornar-se forma de encobrimento ideológico do ser social, a cuja manutenção ela serve. O comportamento crítico perante as próprias categorias é porém tanto mais difícil, quanto mais elevado o grau de generalidade das categorias, quanto mais formais e "puras" elas são. Pois tanto mais ampla e inevitavelmente elas estão na base da lógica de nosso pensamento. Considerada geneticamente, tanto mais antiga é em geral também sua idade histórica. Da tais conceitos - como, por exemplo, daquele de unidade - não nos é mais possível prescindir imediatamente.(III) Contudo seriam fetichizadas também, em seu uso acrítico, determinadas formas sociais de ser e relações de produção, que se condicionaram primeiro geneticamente: embora muito antigas, elas são hoje ainda activamente efectivas. A essência do método materialista exige(IV) que nele não se empreguem categorias nenhumas, das quais não se sabe correctamente por que relações de produção elas são condicionadas. O método materialista tem portanto em comum com o método "crítico" do idealismo, que ele para cada categoria coloca a questão prévia sobre aquilo que nela é pressuposto como condições de sua própria "possibilidade" e com ela se leva junto. Mas no idealismo a razão se coloca em questão sempre em seu próprio terreno, o terreno de sua hipostatização. Por isso em Kant a pura questão inicial atrofia-se no desenvolvimento em tarefa de pura interna "dissecação de nossa capacidade de conhecer"; e Hegel desenvolve sob a mesma bandeira da imanência (enquanto ele considera as relações lógicas preliminares dentro da estrutura do pensamento simultaneamente válidas para o nexo de constituição do pensar e com isso simula para si e para nós a questão original abandonada como existência da imanência) a dialética dedutiva como o sistema absoluto da verdade.

No materialismo entra aqui no lugar da teoria do conhecimento a análise crítica da coisificação. Esta deve ser levada adiante sistematicamente, não só para cuidar dos controles apropriados sobre o condicionamento genético de nossas categorias mentais até seus últimos supostos lógicos, mas também por causa da significação metodológica positiva, que compete a essa análise da coisificação para a pesquisa histórica materialista. Ou seja, a análise da coisificação oferece - na forma das articulações genéticas entre forma mercadoria e forma de pensamento - as colocações críticas de questões como hipóteses, com as quais se deve aproximar-se ao material disponível para a pesquisa materialista empírica da história.(V) A análise crítica preliminar da coisificação desvela, por um lado, a aparência de validade atemporal para as categorias de nosso pensamento e, por outro lado, o caráter da facticidade da empiria histórica. Segundo ambos os inseparáveis lados, vemos na análise da coisificação uma preparação indispensável para a pesquisa histórica materialista. Só a tal trabalho prévio, quereria servir a pesquisa aqui esboçada preliminarmente. Nela não se desenvolve ainda nenhuma análise histórica materialista, nem se coloca ela no lugar da mesma - com o que ela recairia na trilha do idealismo e da construção histórico-filosófica -, e sim a análise empírica da história deve lhe vir só depois dela. Isso não exclui, que nela opere um certo contacto indutivo com o material histórico.

Talvez, caiba ainda uma palavra sobre a suspeita de irracionalismo, à qual se expõe uma pesquisa ao visar uma redução da "ratio". Contudo, não se trata com isso de uma negação da "ratio", mas, tudo ao contrário, de sua própria realização. Isso aparece a partir da tomada de posição sobre o problema da coisificação. Temos em comum com Georg Lukács a aplicação do conceito marxiano do fetichismo à lógica e à teoria do conhecimento. Por outro lado, distinguimo-nos dele, em que nós, partindo do condicionamento do pensamento racional pela coisificação e a exploração, não concluímos que tal pensamento é simplesmente falso. Nem a lógica nem a coisificação - conforme nossa opinião - desaparecerão pela eliminação da exploração, portanto em uma sociedade sem classes,(VI) se elas não se modificarem em algum modo que não podemos antecipar. A codificação e a "ratio", não menos que a exploração, devem-se entender em sua natureza dialética. A coisificação [objetificação] é escoadouro da exploração, mas a coisificação traz ao mesmo tempo a autodescoberta do homem consigo mesmo, a qual forma a pressuposição para que os homens possam superar a exploração.

O materialismo contesta que se deva considerar a natureza da razão (ratio) como transcendental, se não se quiser até mesmo negá-la. Como o idealismo transcendental crê no a priori da razão, assim o pensamento teológico medieval acreditou (antes de que se encontrasse o método indutivo de pesquisa da lei natural) que se deva renunciar ao pensamento da lei natural, caso se queira negar sua origem da vontade divina. O pensamento materialista começa lá onde o idealismo termina com o pensamento de usar a razão na pesquisa de seu próprio condicionamento.(VII) O pensamento materialista é racional e cientificamente crítico, porque e enquanto esse uso é possível, portanto a explicação do surgimento histórico da razão pode ser obtido racionalmente a partir do próprio ser social. Essa possibilidade não se postula dogmaticamente, para daí desfazer um sistema dedutivo; ela é uma questão da pesquisa a ser desenvolvida praticamente. O materialismo não é, de acordo com esse ponto de vista, nenhuma visão do mundo (Weltanschauung), e sim um postulado metodológico. Em sua efectivação - de novo: não a priori - o comportamento racional torna-se algo materialmente diferente do idealista. Às características distintivas pertence certamente a renúncia ao ideal definitivo da verdade e por conseguinte evitar as antinomias do pensamento idealista conexas com a absolutização do conceito da verdade.

Objeto da pesquisa é a questão: se o ensinamento do apriorismo é verdadeiro ou não verdadeiro. Portanto ela não tem nada a ver com a explicação do apriorismo como uma determinada ideologia da burguesia. Contudo se deve começar com uma tentativa de interpretação da teoria kantiana do conhecimento, para conduzir indutivamente à tese básica, que se tentará fundamentar analiticamente a seguir.

2. Analogia ou conexão de fundamentação?

A interpretação apriorística do conhecimento entre historicamente naquele momento em que o mecanismo da concorrência do modo capitalístico de produção ganha sua formação em um sistema conexo em si, aparentemente autônomo, portanto não funciona mais só intermitentemente e apoiado na ajuda estatal, mas começa a realizar plenamente sua própria normalidade específica através da determinação dos preços desenvolvida nos mercados pelos meios bursáteis e a subsunção do trabalho sob a maquinaria nas instalações da produção. Conquistando assim sua autonomia econômica, resulta também a emancipação externa, política, da burguesia, a cuja fundamentação ideológica serve a filosofia kantiana.

A sociedade capitalista distingue-se de outras formas sociais, fundadas igualmente na troca mercantil, porque nela a troca mercantil não é somente necessária para transferir os produtos das mão dos produtores às dos consumidores, mas muito mais, além disso, ela constitui a condição para que a própria produção de qualquer objeto de uso seja realizada. Pois enquanto antes os homens estavam separados dos produtos, que usavam, só como consumidores, agora eles estão separados até como produtores dos meios para ter a possibilidade de produzir um produto. No capitalismo portanto a possibilidade da produção depende ela mesma do fato que seus fatores básicos, portanto a força humana de trabalho, os meios materiais de produção, matérias primas e terra, se reunam como mercadorias e a produção possa processar-se segundo leis mercantis. Forma mercadoria e lei da troca das mercadorias, ou seja forma e lei da reificação, tornam-se no capitalismo o a priori da produção, portanto lei constitutiva fundamental para a existência da sociedade,(VIII) que se desintegra em um caos da variedade informal, se (nas crises) o nexo da troca das mercadorias não funcionar mais. Mas da produção depende o ser (Dasein) das mercadorias, e as condições da possibilidade da produção são portanto as leis: só segundo elas o ser das mercadorias se torna possível na sociedade. O ser das mercadorias tornou-se seu ser segundo leis, e o ser das mercadorias aparece como a existência total da sociedade, que em si não possui mais substância nenhuma.

A ordem social da produção e do consumo no capitalismo não se realiza nem por condução planejada nem por cooperação direta, nem por regulação tradicional, mas muito mais só como função de ações individuais reciprocamente independentes de pessoas privadas autônomas. Essa é portanto uma ordem totalmente funcional. Só a ordem funcional da troca de mercadorias decide aqui também sobre a realidade objectiva do valor de uso e a validade social do valor das mercadorias. Uma mercadoria não vendível é igual a uma impressão sensível subjectiva e no sentido social não chega mais a ser algo. Se o vendedor voltar a encontrar compradores, então atribui-se valor social atual. à impressão sensível com um valor de uso objectivo, real e o trabalho há muito tempo já depreciado. Uma coisa não é o que se produz, mas primeiramente o que se troca. Sua constituição real é funcional.

Portanto é realmente uma "revolução copernicana" que ocorre para a existência da sociedade, desde a produção simples de mercadorias até a formação completa do modo capitalístico de produção. Na produção simples de mercadorias a distribuição dos produtos é função da produção que ocorre por si, ou seja da produção possível independentemente da troca de mercadorias, portanto é função também do ser-aí (Dasein) dado das mercadorias. No capitalismo, ao contrário, a produção e o ser-aí [existência] das mercadorias é função das relações anteriormente dadas de propriedade dos meios de produção.

Mas como é que são as leis da troca das mercadorias, que aqui constituem o a priori da produção, que criam em si a regularidade do ser (Dasein) das mercadorias e a ordem constitutiva da sociedade? São as leis da reificação puramente como tal, sobre a qual Marx provou que ela é centrada completamente na função de unidade da forma equivalente. As mercadorias, incomensuráveis em sua qualidade de valores de uso, experimentam no ato da troca a comensuração como valores, onde elas são igualadas no que se refere à forma, para diferir ainda somente como quantos. É portanto uma "síntese", no sentido kantiano preciso, aquela, que está por baixo da troca social desenvolvida de acordo com sua constituição formal, e esta síntese fundamenta-se na unidade superior, que as mercadorias possuem na (até mesmo em força da) relação geral relativa com sua forma equivalente, a elas comum, socialmente válida em geral - com o dinheiro. As leis fundamentais da troca de mercadorias, que no capitalismo formam o a priori da possibilidade da produção, derivam assim de uma síntese puramente formal (fundada primeiro na troca) de todas as mercadorias segundo funções da unidade idêntica da relação com o dinheiro que as perpassa.

Esta síntese é constitutiva para a produção e dita lei para o ser-aí [existência] das mercadorias, enquanto o dinheiro faz função de capital, ou seja compra no mercado os fatores produtivos (respectivamente os portadores objectivos dos mesmos) e reúne cada um segundo a lei de sua natureza específica em um todo que processa autonomamente a produção. A esta função constitutiva, porém, acrescenta-se em seguida aquela regulativa do dinheiro como meio de circulação das mercadorias a ser assim produzidas, portanto aquela função, a qual serve, em virtude das leis das mercadorias, à realização dos valores já nelas situados, e, através da correcção dos mesmos, à regulação proporcional da atividade do capital. Das determinações formais da síntese ocorre aqui o uso quase derivado e só crítico (rectificador): este contudo pressupõe o outro, constitutivo na produção, o qual por sua vez é pressuposição para que as consequências do modo capitalístico de produção se possam encontrar naquela coincidência, que é necessária para a continuada produção da sociedade, portanto quase lógica. "Possam", se esse sistema formal puramente funcional ao mesmo tempo fosse a realidade da ordem nele determinada em si mesma; o que exatamente ela não é, ou seja a realidade histórica, e não só a lei de reificação da produção mercantil capitalista. Mas aqui começam agora as contradições. A produção capitalista de mercadorias é, como tal, possível exclusivamente dentro das leis da reificação, pois o trabalho está contido na mercadoria força de trabalho como pura causalidade da produção de mercadorias, como a lei de necessidade do mundo das mercadorias em sua imanência, e nada mais. Enquanto, nessa causalidade, ele cria só valor mercantil, ele produz ao mesmo tempo o próprio capital, que ele torna sua própria causalidade. Consequentemennte, o capital é originalmente trabalho de uma praxis tal, que ela só serve para reproduzir seu oposto, a reificação e portanto aquela causalidade. A partir desta contradição (entre o trabalho como praxis original, "inteligível", por um lado, e o trabalho como causalidade da imanência completamente reificada, por outro lado), a qual se prende, pela problemática interna da própria reificação, à sua instância suprema aparentemente absoluta, o capital, é só um passo para colocar o próprio capital como sua realidade prática e pensar o mundo real como o autodesenvolvimento dialético do capital fetichizado em "espírito do mundo".

Esta descrição muito resumida do sistema reificador capitalista é totalmente exacta em toda a orientação para a finalidade demonstrativa perseguida. Mas precisa inserir nela a "unidade da autoconsciência" para a idêntica unidade do dinheiro, a "unidade originalmente sintética da apercepção" para a função sintética do dinheiro para a sociedade das trocas, a "razão pura" para sua significação constitutiva para a produção capitalista, a "razão" para o próprio capital, a experiência para o mundo das mercadorias e o "ser-aí das coisas segundo leis", portanto a "natureza", para a troca das mercadorias segundo leis da produção capitalista. Isso tudo, para poder reconstruir da análise da reificação capitalista toda a filosofia de Kant conjuntamente com suas necessárias contradições; enquanto ao mesmo tempo se tomar em consideração o postulado correspondente ao harmonismo de Adam Smith, de que a "síntese a priori" deva desfazer-se sem crise. De fato, , se quisermos dar-nos o trabalho, pode-se levar adiante a analogia até nos detalhes e tornar materialisticamente de todo transparentes a metafísica de Kant, bem como seu desenvolvimento ulterior através do assim chamado idealismo transcendental até aquele absoluto de Hegel. Contudo, aquilo que nos custa aqui, é a questão se sobretudo se trata de uma analogia, e não talvez de um puro nexo de fundamentação! Não são talvez a unidade da autoconsciência e o sujeito do conhecimento, na realidade, desde a origem só um reflexo intelectual inevitável da unidade do dinheiro, o pensamento discursivo uma forma da consciência condicionada pela função do dinheiro para a sociedade mediada pelas mercadorias, e o conhecimento racional do objeto só a reprodução ideal da maneira e modo, como numa tal sociedade se realiza a produção de acordo com as leis da troca mercantil?(VIIIbis) Esta suposição parece à primeira vista uma hipótese ousada, que leva a consequências muito graves. Queremos mesmo assim colocá-la, pois cremos que ela se pode demonstrar. A hipótese a propósito chega a dizer, que as formas de consciência, que nós denominamos formas do conhecimento no sentido racional, surgiram da reificação presente na troca mercantil. Portanto, para a fundamentação de nossa hipótese temos que ater-nos à reificação e a sua análise.

Uma pesquisa, contudo, que queira contrapor-se à absolutização idealista do conhecimento, não tem também mais a ver com o conhecimento no sentido a-histórico de "conhecimento em geral". A questão das condições sociais do surgimento do modo racional de conhecimento, em outros termos do pensamento discursivo, a propósito desta forma do espírito pode referir-se só ao grau histórico de desenvolvimento, no qual ela apareceu primeiro na antiguidade grega.

3. As condições sociais de surgimento do conhecimento racional

Para as teses sustentadas a seguir, pressupomos conhecida a análise desenvolvida por Marx nos capítulos iniciais de O Capital e no escrito anterior Para a crítica da economia política.

Na troca simples de mercadoria contra mercadoria, a forma relativa e equivalente são conexas com uma mercadoria somente pela posição respectiva na expressão de valor, portanto não se podem distinguir empiricamente. O carretar social da equivalência das mercadorias não se evidencia como algo distinto de seu valor de uso. Isso sucede só pela duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro, portanto pela separação polar de uma mercadoria como forma socialmente equivalente geralmente válida com respeito às outras mercadorias, que se encontram na forma de valor relativa a ela. "Uma mercadoria, o linho [respectivamente o ouro - S.-R.], encontra-se na forma de permutabilidade imediata com todas as outras mercadorias ou em forma imediatamente social, porque e enquanto todas as outras mercadorias não se encontram nela."(43) No dinheiro aparece o caráter social da troca de mercadorias.

Cereais podem servir para a alimentação de homens como de animais, ouro pode significar dinheiro só para homens. No dinheiro o carretar humano é distinto do natural dos seres vivos, a conexão social entre homens está caracterizada como oposto ao processo de metabolismo material com a natureza na produção e no consumo. O dinheiro vale só entre homem e homem, não entre homem e natureza, e a relação entre homem e homem tem assumido no dinheiro um carretar irredutivelmente contraditório à relação do homem com a natureza. Na entrega e recepção de dinheiro o homem não age mais como ser natural.(44) Nossa afirmação chega a dizer que a formação e o nascimento do pensamento conceptual ou discursivo têm a ver com esta separação das relações sociais de equivalência das mercadorias perante o condicionamento prático material da vida.

Mais adiante veremos que a formação da forma dinheiro do valor das mercadorias, portanto do dinheiro na forma de moeda, pressupõe a exploração, e até mesmo em uma forma avançada. Partindo de uma análise formal aprofundada da troca de mercadorias ganhamos o convencimento que a formação da forma dinheiro - algo assim como 680 anos antes de Cristo na Iônia - pressupõe uma espécie de produção de mercadorias, na qual os possuidores de mercadorias que as trocam não têm mais nenhuma relação prática e pessoal com a produção de suas mercadorias, não põem mais mão em nenhum processo de produção. Sustentamos a hipótese, que a cunhagem da forma dinheiro deve ter estar ligada com s formação do trabalho profissional escravo. Com o dinheiro teriam sido portanto primeiro comprados escravos,(X) que teriam tido que produzir produtos para o mercado, ou seja mercadorias. O escravo é um objeto de uso, que tem a característica inata de estar lá para o trabalho. Onde se desenvolve a produção com trabalho escravo, a relação do possuidor de dinheiro-mercadorias à produção é mediada por puras relações de troca.

Esta forma de mediação da produção condiciona uma reflexão teorética separadamente da praxis à qual ela se refere. O processo de produção deve ser reconstruído no pensamento como conexão em si concludente, a fim de que a sua praxis se possa organizar de forma correspondente à finalidade, ou seja como produção de um valor socialmente válido. A racionalidade da produção está fora dela, na esfera puramente social, na qual os produtos possuem valor e o ouro significa dinheiro; em sua praxis, a produção não tem racionalidade nenhuma, nem para o escravo que trabalha, para o qual ela não tem finalidade, nem para o senhor que coloca a finalidade, para o qual ela não é trabalho. Para organizar a produção como geração de mercadorias que valem dinheiro, sua conexão deve primeiro ser construída teoricamente. Esta construção a ser feita puramente em pensamentos, separada da praxis, exige a reflexão sobre o pensamento como tal e sobre a fundamentação interna de sua consequência. Ela está sob controles lógicos (em vez de práticos) de sua verdade e é a primeira a ter o conceito de uma verdade atemporal fundada em si. A teoria deve ser racional, porque a produção em sua praxis não o é mais. O pensamento logicamente reflexo para a construção racional da produção, ou seja o conhecimento racional da natureza, seria de acordo com isso um meio socialmente indispensável para a organização da produção com o trabalho escravo.(XI)

O nexo entre o modo racional de conhecimento e a troca mercadorias-dinheiro(45) interessa-nos porém em um primeiro momento só de um ponto de vista formal, sem considerar seu conteúdo histórico, a exploração. Cremos de poder tornar evidente, que a determinação lógico-formal do pensamento racional está condicionada de forma direta da determinação formal da troca mercadorias-dinheiro. Comum desenvolvimento passo a passo dessa determinação formal de acordo com suas mediações aqui não é possível, resumimos seus caracteres mais importantes para nosso tema com toda brevidade em sua forma completamente manifesta no dinheiro, para em seguida introduzir mais de perto só o ponto central.

4. Para a análise da forma mercadoria

O dinheiro é uma mercadoria, que está marcada para servir só como equivalente para outra mercadoria sendo assim puro meio de troca. Em seu carretar como dinheiro fica explicitamente excluído qualquer uso de seu material para a produção ou o consumo, pois ela com tal uso deixaria logo de ser dinheiro. No dinheiro portanto aquilo que faz com que o ouro seja dinheiro manifesta-se como contraposição àquilo que é seu material, o ouro, mas também o material de qualquer outra mercadoria, ou qualquer material de uma mercadoria. No dinheiro fica assim estabelecido que a equivalência das mercadorias tem um carretar puramente funcional.

A expressão da equivalência das mercadorias ao dinheiro fixa a ação da troca como oposto às ações da produção e do consumo. A troca das mercadorias exclui pelo tempo de sua duração qualquer mudança material das mercadorias, que possa afectar suas relações de valor. Só para a identidade material imutada das mercadorias é possível sua relação de equivalência. Esta identidade é forma de negação da produção e do consumo. Ela significa que no mercado as mercadorias só mudam de mãos e a produção e o consumo no entanto param.

Por outro lado, a ação da troca exige essa parada da praxis de produção e consumo com as mercadorias, porque ela medeia entre produção e consumo. Ela nega-os portanto não realmente, mas ao contrário pressupõe e cuida que elas aconteçam. A identidade da determinação formal das mercadorias, enquanto elas passam através da troca da produção ao consumo (consuntivo ou produtivo), e produção e consumo valem enquanto ligados às mercadorias. A troca positivamente inclui que a mesma coisa, tal e qual ela foi produzida, passa a outra mão para seu consumo. A identidade é a forma de ligação da coisa entre produção e consumo, e vice-versa a mercadoria, o portador por identidade dessa ligação, é coisa na mesma medida. A "coisicidade" é a determinação formal da mercadoria e a forma base da "reificação".

Como as mercadorias em sua troca só passam de sua produção a seu consumo, na troca ou para a função de equivalência do dinheiro elas valem sempre enquanto dadas. esta é a realidade das mercadorias segundo a medida da realidade da ação da troca, que acontece com elas. Ela é o puro ser-aí (Dasein) das coisas entre homens, à diferença da produção, na qual elas devem primeiro ser trazidas à sua existência na troca, e do consumo, no qual entra seu ser-aí (Dasein) a partir da troca. O ser-aí é determinação da forma das mercadorias e é o modo da realidade do coisificado. No ser aí sempre toma parte uma maioria de homens, tanto quanto na reflexão sobre o ser-aí é o contrário que ocorre.

A mercadoria é por identidade coisa existente. No dinheiro esta determinação da forma é fixada definitivamente. O dinheiro relaciona-se às mercadorias por identidade na forma de sua existência real. Identidade, coisicidade e ser-aí (Dasein) são de acordo com sua gênese caracteres formais sociais da mercadoria e são formas de ligação dos homens. - A identidade é a forma da ligação entre homens distintos, da produção e do consumo de uma mesma mercadoria. Do mesmo modo, a coisicidade é ligação de produção e consumo das mercadorias, porque a conexão prática entre produção e consumo entre os homens é socialmente dilacerada. Coisa é um produto, do qual por razões sociais um só tem a produção, o outro só o consumo. Sua identidade é a superfície de colagem de uma fissão social entre produção e consumo.(XIII) Uma coisa tem ser-aí (Dasein) se nela produção e consumo estão parados, sendo fundamento disso sua separação social. O ser-aí tem a medida de sua realidade na realidade dessa fissão. Portanto é o ser-aí de coisas entre homens, socialmente válidas, socialmente condicionadas e realidade limitada das coisas. Identidade, coisicidade e ser-aí constituem-se primeiro sobre a base de uma fissão social determinada entre produção e consumo, como forma de ligação do separado. De que forma seja essa fissão, à qual a coisificação remete, será indicado mais adiante.(XIV)

As coisas mercadorias que existem identicamente estão sob a ordem espacial e temporal da ação da troca em vez das ações produtivas ou consuntivas, as quais não podem absolutamente acontecer devido à relação de equivalência das mercadorias com elas. É a ordem-espaço-tempo da facticidade em oposição àquela da "atividade humana sensível, praxis".(46) Temporalmente a equivalência das mercadorias da troca pressupõe a produção dentro do passado fechado nas mercadorias e o consumo num futuro nelas ainda não começado: entre eles, as mercadorias em troca têm sua presença idêntica como coisas. Produção e consumo são ligados na ação da troca (tendo como consequência a presença idêntica das mercadorias nesse ponto de referência) como passado e futuro, portanto como aquilo que não é mais, e aquilo que ainda não é real. A medida da realidade de produção e consumo é aqui a presença das mercadorias na troca, enquanto esta presença é a ausência de produção e de consumo. O dinheiro refere-se à praxis material de consumo e produção só com a medida da facticidade, como ocorrido ou não ocorrido, ocorrendo ou não ocorrendo, entrando ou não entrando.

Por outro lado, na mercadoria a produção, da qual ela provem, e o consumo, no qual ela entra, estão ligadas à idêntica coisicidade da mercadoria, são portanto aquilo que na troca é presente das mercadorias e de sua realidade. Mas reais e presentes são a produção e o consumo para a ação da troca em sua suspensão, ou seja em supressão temporal, como a identidade material imutada das coisas mercadorias no espaço puro. Como ocorrer temporal a ação da troca suspende produção e consumo temporariamente, respectivamente ela remete-os no tempo para o passado não mais real e para o futuro ainda não real, em função da única realidade presente dela mesma, da ação da troca. Realidade no acontecer temporal da troca têm a produção e o consumo na forma coisificada da realidade material das coisas mercadorias no espaço. O dinheiro refere-se às mercadorias como coisas, as quais medeiam entre produção e consumo na realidade espaço-material segundo funções de sua identidade imutada no tempo. No dinheiro está fixado que a realidade da troca no tempo e a função da equivalência das mercadorias na realidade da matéria no espaço estão vinculadas. A matéria(XV) é a forma de coisificação da praxis da produção passada, pela qual esta medeia a praxis socialmente separada do futuro consumo. - A idéia de que todo espaço seja cheio de matéria poderia, como primeiro ocorre em Thales, ocorrer somente lá onde a produção está sob a lei das mercadorias. A proposição: tudo é água, significa tanto quanto: tudo é matéria, ou: de tudo se pode fazer mercadoria - ou seja enquanto o trabalho for característica de escravos comprados e nessa forma tudo o que ele produz, o produz como mercadoria.(XVI)

Devo limitar-me a essas breves alusões ao modo de considerar que defendo para a análise formal da reificação. Mas acrescente-se explicitamente que não se pode determinar total e inequivocamente nenhum momento da reificação, enquanto se considera a reificação fora de sua conexão com a exploração.

O ponto central para nosso tema é a afirmação de que a identidade é uma característica formal da mercadoria e uma forma social de ligação dos homens. É com essa afirmação que - se ela se puder demonstrar - se tira de suas dobradiças o apriorismo do conhecimento. Portanto precisa de ulteriores comentários.

As características básicas da reificação, identidade, forma material e ser-aí das mercadorias, são ligadas de modo necessário com a relação de equivalência das mercadorias na troca. A partir de nossa experiência atual, mais e mais reificada, essas características poderiam aparecer igualmente em cada outra conexão, mesmo naquela entre produção e consumo, ligada originalmente com as coisas. Mas é necessário compreender a distinção específica da ação da troca perante outras ações. Certo, as coisas têm certa consistência mesmo quando se deixam dentro de um processo de produção ou de consumo, para voltar a dirigir-se depois a elas, e nós não afirmamos de forma nenhuma, que a identidade das mercadorias seja o único gênero da identidade ou de consistência análoga à identidade.(XVII) Mas ela é a forma de identidade determinante para o modo racional de conhecimento(47) e sua constituição lógica.

Coisas deixadas de lado, depositadas, afastadas, guardadas para uso próprio, são deixadas a si mesmas, e enquanto tiverem alguma consistência, a possuem enquanto não nos ocupamos com elas. Na troca, porém, as coisas são idênticas, enquanto elas são exatamente objeto da ocupação dos e situam-se no ponto focal da atenção, e essa mesma ocupação e atenção as fixam na relação de equivalência como imutavelmente idênticas.(48) Na troca se faz materialmente algo com as coisas, mas esse fazer prende-se contraditoriamente à condição de que nada ocorra nelas materialmente. A ação da troca é uma atividade física e material e constitui nessa característica uma negação exercida positivamente de qualquer manipulação que mude os objetos da troca, portanto os use produtiva ou consumptivamente, enquanto a equivalência tiver que valer. A existência material idêntica das mercadorias na equivalência é uma colocação exercida pela ação da troca activamente, não é de forma nenhuma uma pura ausência de alteração das coisas, consistente nos vácuos entre ações humanas de forma meramente passiva. Ela vale também contra toda falsidade material de sua pressuposição, como no caso de transações, que se estendem por lapsos de tempo mais longos, durante os quais os objetos inevitavelmente se alteram se não houver intervenção humana. Ela vale, em poucas palavras, não com base nas coisas ou nos homens ou na natureza geral da ação humana, e sim ela é uma ficção necessariamente condicionada por motivos sociais.

Mas quais são esses motivos? Da troca, pode-se a propósito deduzir que produção e consumo (pois ela é a ação que medeia entre eles) devem ter sido separados de certa forma para os homens. De que tipo é essa separação, e sobre o que ela se baseia, não se pode deduzir da troca pela referência geral à divisão do trabalho. Pois já a própria troca de mercadorias (e exatamente através da equivalência que a caracteriza) é forma de encobrimento de seu conteúdo histórico real. Detenhamo-nos contudo primeiro no reflexo de sombras, que se espelha daí na troca de mercadorias e em sua relação de equivalência.

Primeiro, é evidente que se deve estabelecer uma distinção fundamental entre a troca desenvolvida de mercadorias, ou seja a troca baseada na produção de mercadorias e portanto troca de "valores", do intercâmbio primitivo no sentido de um movimento de troca com objetos de uso, sobretudo entre comunidades naturais.(49) O caráter definidor da troca desenvolvida de mercadorias é a equivalência dos objetos trocados, e ela pressupõe uma separação social determinada entre produção e consumo, cuja origem e conteúdo real devem-se encontrar na exploração (cf. abaixo). Só a troca desenvolvida de mercadorias é ligada com a identidade, forma material e ser-aí que caracterizam a reificação. Ao contrário, não podemos decidir como se possa definir a troca primitiva, e se o conceito de troca é de todo defensável para o intercâmbio pensado no caso dela. Este modo ou modos de "troca" situam-se fora de nossa vista.(50)

Segundo, se estabelece a afirmação de que os caracteres formais específicos da mercadoria não se podem abranger suficientemente, se a eles se coloque como fundamento somente o fato de que os homens devem ganhar seus meios de vida pelo trabalho, portanto esses meios de vida são objetos de consumo o produto e somente por isso são "valor de uso" e "valor". Não o condicionamento natural dado aos homens pelo trabalho, nem a pura distinção entre atividades consuntivas e produtivas, e sim o fato de que entre esses dois lados inevitavelmente correspondentes do ser-aí (Dasein) se inseriu uma contradição de carretar social, de forma que os objetos trocados para uma parte dos homens se tornaram somente produtos e para uma outra parte só objetos de consumo: isso forma a pressuposição fundamental para a troca desses objetos como "valores" e portanto a própria ambiguidade da mercadoria. A pressuposição da sociedade de troca de mercadorias não é uma característica natural, e sim uma forma de sociedade historicamente alterada.

A partir deste fundamento histórico, a troca de mercadorias é somente a forma dialética de reflexão. Seus pressupostos estão encobertos sob a aparência de sua imediatez. "O movimento mediador desaparece em seu resultado e deixa seu rasto atrás."(51) A reificação se pode constatar na troca mercantil e em suas formas, mas é impossível explicá-la a partir dela. Sua origem e sua fonte encontram-se na exploração, e só a partir dessa é que a própria troca de mercadorias [a síntese interna da sociedade pela troca de mercadorias - Sohn-Rethel, 1970] precisa ter explicação.

5. Troca de mercadorias e exploração

Na fase da separação entre produção e consumo pressuposta pela troca de mercadorias(52) encontra-se o fato de que é dividida em uma parte que só consome sem produzir e uma outra, que pro tanto só produz sem consumir. Em outras palavras, a exploração deve ter surgido antes que uma troca de meios de subsistência como valores, portanto troca de mercadorias, possa tornar-se interrelação social. A troca de mercadorias desenvolveu-se a partir de exploração, não vice-versa - a exploração a partir da troca.(XVIII)

Anotação de 1937: Com esta tese afastamo-nos em um ponto importante de Marx e Engels. "É bem verdade que a tese deles não era de que a exploração tivesse surgido da troca de mercadorias em todas as formas e em todas as circunstâncias. Mas se nos atermos à análise marxiana da mercadoria - e só ela pode servir teoreticamente de norma nessa questão -, então na base de seu enfoque só se pode pensar ou relações de exploração, que foram introduzidas ou até dissolvidas pela troca de mercadorias, ou então "relações diretas de domínio - e servidão" (K. Marx, O Capital, I, p.93), cuja conexão ou falta de conexão com a troca de mercadorias está completamente perdida. Nossa crítica à exposição marxiana do desenvolvimento da forma mercadoria dirige-se antes contra o fato de que ela não deixa nenhum espaço para o papel determinante da exploração no surgimento da troca de mercadorias. O desenvolvimento da expressão valor está representado como se ela fosse conceptível como um desenvolvimento contínuo e uma expansão das formas primitivas de troca, até a formação completa da forma dinheiro do valor.

Quanto às conexões teoréticas de troca mercantil e exploração em Marx e Engels, referimo-nos sobretudo a três elementos. Primeiro à teoria (que leva até o centro da obra de Marx) da transformação do dinheiro em capital e da compra e venda da mercadoria força de trabalho. Aqui está evidente que a troca de mercadorias se representa como precedente ao sistema capitalístico de exploração. E isso com razão; pois a produção capitalista de mercadorias é da fato aquele sistema de exploração, que se desenvolveu primeiro sobre a base da troca de mercadorias, e que caso historicamente único de uma exploração segundo as puras leis da troca de mercadorias, ou seja segundo leis econômicas. Como segundo leis da completa equivalência mercantil, a exploração (segundo as leis da paridade da troca de mercadorias, a imparidade da mais valia pode ser o resultado) constitui o ponto angular da economia política e de sua crítica. Mas em Marx a transformação da troca simples de mercadorias em capitalista é apresentada de tal modo, como se não fosse historicamente necessário pressupor nenhuma outra forma de exploração. Em contraposição a isso, temos a convicção de que a troca de mercadorias só pode servir de forma a um sistema de exploração, porque ela mesma é forma dialética de reflexão e de superação da exploração, portanto nela já antes penetraram outras formas de exploração. A exploração capitalista é a realização plena e final da troca de mercadorias e da reificação - tal como o idealismo filosófico da burguesia é a teoria final da questão da verdade -, porque a lei da troca de mercadorias e da reificação por sua parte é aquela da exploração. A troca de mercadorias não pode ser tratada teoreticamente como fenômeno histórico autônomo. Se isso ocorrer, então por fim a determinação formal da mercadoria, a reificação (e, enquanto se entender uma recondução da forma racional de pensamento a ela, ela mesma também) é reconduzida a um elemento formal, à forma de interrelação da troca. A aparência fetichística da autonomia formal desloca-se da consciência à forma mercadoria e dela à troca, mas nesta ela permanece grudada e deixa decorrer à sua margem toda a redução, contudo de novo sobre a base mística de uma forma formans que não resultou.

É verdade que esta não foi opinião de Marx, mas a aparência, que a versão teorética de sua análise espalha, é de que basicamente a interação cooperativa dos indivíduos em uma comunidade natural e o relacionamento da sociedade burguesa mediado pela troca de mercadorias se distinguem somente pela falta ou presença da propriedade privada. Pois o trabalho humano é sempre entendido como "trabalho social", hoje como em todos os tempos anteriores; o que mudou, podem ser somente os modos de articulação do trabalho social. A cooperação natural e a conexão reificada entre os proprietários privados aparecem substancialmente como a mesma coisa - como relações sociais de trabalho.

Isso prende-se também ao segundo elemento, à pura indicação da determinação da conexão entre troca de mercadorias e exploração na análise marxiana da mercadoria. Ela diz respeito ao surgimento histórico da relação de troca. "De fato, o processo de troca de mercadorias aparece originalmente não no seio das comunidades naturais, e sim lá onde elas acabam, em seus limites, nos poucos pontos onde elas entram em contacto com outras comunidades. Aqui começa o negócio da troca, e ricocheteia daí de volta no interior da comunidade, no qual ela opera desagregando." (K. Marx, Para a crítica da economia política, MEW, 13, p.35s.). Em O Capital encontra-se também a propósito (p.102): "O primeiro modo em que um valor de uso tem a possibilidade de ser valor de troca, é seu ser-aí como não-valor-de-troca, como um quanto que ultrapassa as necessidades imediatas de seu possessor." Também aqui, portanto, a exploração, a "desagregação da comunidade", é representada como consequência do "processo de troca de mercadorias". Isso repousa no fato que Marx não estabelece nenhuma distinção fundamental entre como a troca pode ter precedido a exploração (?), e como a troca surgiu da exploração, embora a diferença entre as duas coisas se anuncie bastante claramente na oscilação das expressões - "processo de troca das mercadorias" e "negócio de troca" - no lugar citado. De fato vale contudo a análise marxiana só para o negócio da troca no segundo sentido, portanto para aquela que nós denominamos exclusivamente "troca de mercadorias", pois ela supõe sempre a equivalência das mercadorias como ponto de partida. Mas enquanto Marx reivindica a equivalência também para o "intercâmbio primitivo", a reificação parece ter surgido sem quebra das relações naturais.

Enfim Engels em seu estudo sobre a Origem da família, da propriedade privada e do estado tentou de pesquisar historicamente a gênese da forma mercadoria que Marx tratou só formalmente. O escrito, com o qual uma discussão crítica aqui seria impossível por razões de espaço, quer preencher o vácuo, que Marx em sua análise da mercadoria tinha deixado aberto, ou seja de que ele não explica a propriedade privada, a característica para ele decisiva da troca mercantil desenvolvida. Engels persegue a formação da propriedade privada especialmente nos antigos e coloca com isso como fundamento de sua análise a suposição da prioridade da troca de mercadorias e do desenvolvimento do dinheiro antes da exploração. Com isso, porém, segundo nosso parecer, esta suposição, que é pertinente ao capitalismo (e aqui mesmo não sem restrições) emprega-se para relações de produção, para as quais ela não possui nenhuma exactidão. Com o enfoque de Engels, compare-se aquele de Rosa Luxemburg em sua Introdução à economia nacional, da qual o nosso foi muito influenciado.

Quando e onde por vez primeira na história ocorreu a exploração? em que formas e de que modo? qual papel jogou a "relação primitiva de troca"? Em tais perguntas não entramos aqui. Elas nos desviariam do tema para um campo de dificuldades no momento insuperáveis, do qual não se pode prever a volta.(XIX) Mas não cremos que a pesquisa dessas questões seja indispensável para nossa finalidade. Já a conclusão da troca de mercadorias à exploração é, ou pelo menos parece-nos, impossível por um caminho puramente analítico. A indução a partir de história que é necessária para isso, parece porém atestar que a troca de mercadorias em forma completamente desenvolvida e as formas de reflexão que lhe correspondem ocorreram somente no Ocidente - e por primeira vez na antiguidade grega -, conforme anuncia a cunhagem originária daqui do dinheiro em forma de moeda. Não foi porém por acaso que à formação da troca de mercadorias nessa forma amadurecida precedeu historicamente a exploração na manifestação oriental antiga do Egipto, da Mesopotâmia e suas ramificações. Para nossa pesquisa das condições de surgimento da reflexão racional interessa-nos só aquele desenvolvimento, de cuja raça genuína surgiu o capitalismo, portanto só o desenvolvimento ocidental. Seria grande a vantagem se se esclarecessem em geral os fundamentos do surgimento da exploração, portanto também dentro da economia primitiva; mas achamos contudo possível, entrar na análise, sem inaguentáveis perdas de conhecimento, primeiro nos reinos egípcios e mesopotâmicos antigos de exploração e assegurar as costas da pesquisa com determinadas delimitações conceituais.

A essas delimitações pertence sobretudo uma determinação do conceito da "comunidade natural". Marx usa esse conceito em contrastes variados com a produção mercantil e a sociedade reificada, sem defini-lo contudo explicitamente. Para nós sua definição é indispensável, porque colocamos a exploração em lugar da troca no começo; e o conceito da exploração torna-se metodologicamente utilizável somente se for concebido como rigoroso afastamento das características de uma comunidade livre de exploração quer interna quer externamente. A construção conceptual de uma comunidade natural a seguir apresentada - no sentido de uma que seja livre de exploração - não representa nenhuma afirmação de existência histórica, mas é só um apoio conceptual para a compreensão da situação de exploração. Com isso, compreende-se por si mesmo que o "natural" não se deve equiparar a uma comunidade original.(XX)

Uma comunidade natural, livre de exploração, deve ser concebida como um grupo humano reunido por parentesco, o qual obtém seus meios de subsistência exclusivamente de seu próprio trabalho. Este enfoque inicial corresponde totalmente à definição marxiana na Ideologia Alemã (p.11[Landshut/Mayer]), segundo a qual os homens mesmos começam "a distinguir-se dos animais, tão logo eles começam a produzir seus meios de vida". Ao trabalho - em uma comunidade sem exploração - só podem ser subtraídos, prescindindo dos doentes, os inábeis por causa da idade, de maneira que o grupo forma um todo na medida em que não no momento atual, mas através da sucessão das gerações o consumo para cada indivíduo está vinculado à sua produção. Com isso, produção e consumo, para o indivíduo, separam-se materialmente na medida da divisão existente do trabalho - ele consome também dos produtos do trabalho dos outros, os outros também dos seus -, mas não humanamente, porque aqui os indivíduos existem só em virtude da identidade que liga as gerações, identidade do conjunto consuntivo com o produtivo: eles são seres capazes de viver só na medida dessa identidade. Percebe-se que o conceito de "trabalho próprio" e a identidade individual dos homens em uma comunidade natural, se essa deve ser livre de exploração, se resolvem no coletivístico e no genealógico, e esses só segundo o fio condutor do condicionamento vital generacional e material de uma tal comunidade e cada indivíduo nela. - O rasgo essencial para nós decisivo dessa constituição natural é que a conexão de produção e consumo, necessária para a vida aos homens em todas as formações sociais aqui possui seu enlace na identidade dos indivíduos consumidores e trabalhadores, trabalhadores e consumidores. Só se pode falar então dos indivíduos não em consideração isolada, e sim somente como membros do grupo parental de sua conexão de nascimento real ou suposta. Mais: ocorre na produção dos meios de vida uma certa divisão do trabalho para todos entre adultos e aptos ao trabalho. Mas através de sucessão das gerações e considerando as articulações da divisão do trabalho, os mesmos homens que produzem são aqueles que consomem, os consumidores são os mesmos que os produtores. De acordo com essa identidade o ser da comunidade é um todo, que nela tem a lei de sua capacidade de vida e de sua organização. Para realizar essa identidade (enquanto a exploração não deve penetrar na comunidade), o único sentido das normas deve ser de dividir o trabalho entre os capazes e de acordo com as mesmas de novo distribuir os produtos individuais obtidos pela divisão do trabalho entre os vários consumidores. Sua identidade individual não a têm os homens aqui para si, mas no todo da tribo, porque a ordem dela medeia para cada um sua identidade como produtor e consumidor; mas ela é a conexão da produção e do consumo de seus meios de vida em sua pessoa física. - Se produção e consumo, como aqui, são conexos na identidade física do produtor e do consumidor, então sua conexão é imediatamente prática; elas são vinculadas como distintas atividades corporais-sensíveis da vida dos mesmos homens. Sobre a base dessa vinculação sua produção e consumo são para os homens relação reciproca de medida, a qual se realiza para cada indivíduo nas regras da divisão do trabalho e do consumo entre membros de tribo.

A partir daí, a "separação social de produção e consumo", que encontramos na base da equivalência mercantil e da reificação, aparece em sua luz própria. Essa separação repousa sobre a destruição da identidade natural do produtor e do consumidor, e a reificação explica-se do fato que a conexão entre produção e consumo necessária à vida, quando ela não se encontra mais na identidade dos mesmos homens, deve encontrar sua conexão na identidade das mesmas coisas, em outras palavras na mercadoria. Mas a origem daquela destruição é a exploração.

Contudo deve-se aqui distinguir entre exploração e exploração. Nossa construção da comunidade sem exploração dirige o pensamento primeiro a uma formação de exploração no interior da mesma, como produto de sua "desagregação", mesmo se ela pode ter sido provocada, no processo do desenvolvimento ulterior das forças produtivas, através de relações externas de troca ou por contatos violentos com outras tribos. Também com o surgimento de tais relações internas de exploração no seio da comunidade natural articula-se necessariamente uma reificação da conexão entre produção e consumo e portanto também da conexão do homem produtor e do consumidor. De acordo com nossa visão, isso porém não é aquele modo de reificação, que em sua formação ulterior leva ao tráfico de mercadorias e de dinheiro, como ele nos encontra nos povos antigos e enfim desemboca no capitalismo. A ele não pertencem ainda as formas racionais de consciência, que são características do ocidente. O desenvolvimento ocidental tem uma relação de exploração de outro tipo como raiz.

De acordo com indícios arqueológicos, os reinos de exploração de longa vida surgiram no vale do Nilo e na planície da Mesopotâmia da maneira seguinte: tribos do interior da Ásia, expulsas talvez por mutações climáticas de suas sedes, vagando irromperam naqueles territórios fluviais; submeteram os povos ali sediados, instalaram-se sobre as costas dos mesmos e começaram a viver do produto excedente desses povos. A exploração que ocorreu no começo do desenvolvimento ocidental teria sido, de acordo com isso, exploração interétnica na forma clássica, exploração entre distintas comunidades como tais. Mesmo que nelas se tenha desenvolvido, antes dos embates entre elas, alguma exploração interna (o que em todo caso se deve supor para a tribo conquistadora), elas tinham todavia como um todo até então (não importa com qual distribuição interna) suas necessidades vitais cobertas por elas mesmas e consumidas internamente. A relação direta de domínio e de servidão, que surgiu do encontro entre elas, tem como conteúdo que aparte dominante deixou de produzir seus meios de vida, e com isso consumia sem produzir, e a parte dominada perdeu na mesma medida o consumo de seus produtos. Foi possível que essa superprodução dos explorados repousasse somente sobre um aumento notável da produtividade de seu trabalho; e a durabilidade desses reinos de exploração repousou sobretudo sobre a canalização dos rios construída e controlada pelos explorados. Isso mal precisa ser sublinhado explicitamente.

A distinção essencial entre aquela exploração de gênese interna e esta externa, o fundamento para sua distinção, é que, no caminho interno, a colectividade da comunidade natural se teria dialeticamente dissolvido em desenvolvimento contínuo em uma produção individual, enquanto, no caminho da gênese externa, a parte subjugada vem sendo explorada sobretudo e ainda por muito tempo como um colectivo (sem contar a inevitável modificação em sua conexão). A dissolução da colectividade, a ruptura da produção em seus elementos - terra, meios de trabalho e forças de trabalho - e a transformação desses elementos em mercadoria passam aqui por processos essencialmente diferentes do que em uma linha de desenvolvimento concebida endogenamente. O que temos que fazer, em toda essa discussão, é só a descoberta dos supostos metodológicos correctos, que se devem formular, para possibilitar o domínio conceptual do desenvolvimento ocidental ocorrido.

Pela exploração interétnica que supusemos, portanto, a conexão necessária entre produção e consumo torna-se uma conexão entre exploradores só-consumidores e os explorados que pro tanto são somente produtores. A conexão de consumo e produção torna-se com isso lei de uma ligação totalmente nova dos homens entre si, que está em contraposição com o modo da conexão humana na comunidade natural, ou seja tem sua origem na divisão da identidade humana em separação de classes entre produtores e consumidores. Afirmamos quer a ligação classista dos homens através dessa forma de exploração é a forma inicial daquela socialização, que, por diferenciação e aprofundamento progressivo, determinou e caracterizou a civilização ocidental em sempre nova penetração de seus pressupostos, desde o oriente antigo, através do mundo antigo, até sua plena concretização no capitalismo europeu. Essa civilização não cresceu continuamente desde a tribo da conexão natural dos homens, mas a partir de uma quebra significativa e violenta com essa constituição. Se hoje se perseguem em sua descendência suas primeiras raízes, a linha leva de volta não ao membro individual da comunidade natural, mas muito mais à parte dominante de relação ocidental de exploração.

A praxis dessa exploração é porém a apropriação direta, unilateral do produto excedente. A circulação da troca jogou para o começo e fundação desses reinos do mundo antigo papel tão pequeno, quanto presumivelmente [? - Sohn-Rethel, 1970] para seu surgimento. É bem verdade que, depois de uma formação mais adiantada de sua ordem e do surgimento de várias indústrias de luxo para sua classe dominante, sobre o terreno segurado e inabalado da exploração primária e direta, surgiu uma circulação de troca; e foi mesmo uma circulação de troca para atender às necessidades do senhor, mas com partes do mais produto apropriado do explorado. Essa é uma circulação de troca, que tem como base a relação primária de exploração, dela cresceu primeiro e cujos objetos são de uma constelação totalmente outra que os objetos de uma troca primitiva, promovida pelos próprios produtores. O comércio faraônico é promovido por exploradores com produtos apropriados dos produtores que eles despojaram, produtos excedentes, que são "entregues" para aquisição e "pagamento" de necessidades de luxo dos exploradores e que foram recolhidos e pagos para essa finalidade, conservados em depósitos e contabilizados. A propósito desses objetos de troca está certo que eles são "valores" e que são tratados como "mercadorias" desde o ponto de vista do valor oposto como "equivalente". A esse comércio - comércio estatal na troca exterior com outros corpos políticos - aplica-se o conceito da "troca de mercadorias" no sentido aqui empregado. Mercadorias, nesse sentido, são assim sempre produtos de produtores explorados. A "duplicidade da mercadoria como valor de uso e valor", é "não valor de uso para seus possuidores, valor de uso para seus não possuidores", e com isso ao mesmo tempo o "caráter duplo do trabalho representado nas mercadorias", que Marx denomina o "ponto de partida", "ao redor do qual se move o entendimento da economia política", têm de acordo com isso sua origem na exploração, não na troca em si e por si. O caracter duplo do trabalho como produtor de valores de uso e como criador de valor coincide com a dupla significação, que o trabalho tem na relação de exploração, o trabalho dos explorados, por um lado produzir meio de subsistência (alimento, habitação, vestimenta) para si e outros, ao mesmo tempo porém produzir riqueza para os exploradores, riqueza no sentido puramente social, no qual ela significa que a riqueza de um é o espelho da pobreza do outro.

O surgimento da troca de mercadorias como fruto de relações primárias de exploração ("primário" ou seja relativo à troca) não significa, que a troca deva ter ficado limitada a esse nível, ou seja da troca externa com outros estados. Também internamente no reino egípcio se desenvolve uma relação de troca, não somente por parte dos oficiais faraônicos superiores que se tornaram poderosos, mas até por parte dos produtores explorados mesmo. Mas isso é incipiente, tal como entre os servos da Idade Média, é só uma troca com produtos próprios sujeitos à entrega - para compensar certos desajustes surgidos com o tempo no sistema da divisão do trabalho perante a organização do fornecimento -, portanto igualmente um fluxo de trocas com produtos caracterizados por valor, mas valor como reflexo da relação de exploração pré-organizada. Também aqui portanto o caracter valor não surge autonomamente da troca, mas ao contrário a troca mesma como de equivalentes só é possível sobre a base da relação preexistente de exploração e de acordo com suas condições superiores. Para a generalização do caracter do valor dos produtos joga com isso um papel sobretudo a medida crescente, na qual os explorados se tornam dependentes dos depósitos fiscais do faraó para sua própria subsistência e seus meios de subsistência devem ser ganhos de volta através de produtos adicionais ou de "crédito". Com isso o trabalho deixa de se dividir claramente no tempo em trabalho para os exploradores e trabalho para si mesmo; além disso, seu produto volta aos produtores em parcelas do produto conjunto dos trabalhadores todos, como corporificação particular do trabalho comum. Também a "abstração valor" dos produtos, a transformação do trabalho concreto útil em trabalho comum criador de valor, consuma-se em sua forma primária sobre o chão da relação de exploração direta e em seu quadro. Avançando a generalização do valor, que se encontra em relação recíproca com o desenvolvimento das forças produtivas, difundem-se entre topo e base do reino relações secundárias de exploração, com especialização correspondente da produção e sua técnica e com troca mercantil regular. Tudo isso já tem caracter de mercadoria e esgota-se com a decomposição do colectivo da ordem de produção submetida, em elementos individuais; esses são capazes de autonomização, portanto da reificação separada e da unificação material nas combinações de uma produção de riqueza mais elevada. Mas também isso ocorre em conjunto sobre a base da exploração primária e de acordo com sua condição imprescindível e não leva à formação autônoma do caracter valor da riqueza. A emancipação daquele da exploração direta e a formação da forma valor no dinheiro acontece por primeira vez na antiguidade.

A civilização antiga cresceu a partir da assimilação dos resultados finais do Mundo Antigo através aqueles que imigraram em seus territórios marginais: Gregos e respectivamente Fenícios, respectivamente Etruscos, etc. O resultado dessa apropriação, que com isso foi de antemão apropriação de riqueza e de formas e técnicas de geração da riqueza, é um novo sistema de exploração e de geração de riqueza, que superou o sistema do mundo antigo como pressuposto. A formação antiga da riqueza repousa portanto sobre as costas dos antigos ou, mais precisamente, no sentido dialético é a forma de reflexão da produção de riqueza do mundo antigo. Os Gregos não submeteram produção estrangeira colectivamente, e reorganizaram seu modo de trabalho, para consumir seu produto excedente em sua forma dada. Na formação grega da riqueza, sobretudo industrial, a exploração de ordens estrangeiras, "bárbaras" de produção, que teve lugar através de roubo, da troca ou em forma de tributos, significou só uma etapa preliminar - só em tempos tardios ela se torna condicionamento vital para a existência da polis -, na qual se obtinham os produtos, quase criações humanas da natureza, e deles então se gera primeiro a riqueza entre os próprios Gregos na polis, pelos artesãos gregos, mais adiante pelos escravos. Nesses produtos, o valor da riqueza é reificado em sua forma de valor de uso e a exploração em sua técnica de produção, na qual os escravos são só um instrumento ao lado de outros. Estes produtos obtidos segundo as normas da formação da riqueza são, dentro do mundo grego, mercadorias já de antemão comutáveis, eles estão em relação de equação-valor com outros produtos obtidos. Só através desse modo já reflexo da exploração, que ele tem como fundamento do conteúdo prático, a troca antiga de mercadorias pode levar à formação da forma pura de equivalente, ou seja do dinheiro, que portanto é basicamente forma equivalente de produtos do trabalho explorado. Ao mesmo tempo na forma dinheiro do valor completa-se a reificação e o encobrimento do pressuposto do caracter valor tout court, da exploração. Na relação de equivalência das mercadorias ao dinheiro o valor aparece só como uma propriedade pertinente às mercadorias como tais para os homens em geral, em cuja realização os homens exercem só como homens sua essência separada de tudo o que é "natural". Primeiro simultaneamente com o fechamento e o escurecimento de seu conteúdo material real recai aqui de fato sobre os homens a autoria puramente humana da exploração, na forma de sua essência humana puramente abstrata, "espiritual", ou pensada, como homem, na qual ele ao mesmo tempo se desintegra com a materialidade de seu próprio corpo.(No item seguinte, consideraremos mais detalhadamente esta dialética do conhecimento puramente teórico ligado ao dinheiro, da "ratio", e seu questionamento sobre a verdade.)(XXI) - Também para a produção antiga de mercadorias aparece comisso evidente, que a troca de mercadorias tem por base a exploração e é a troca de produtos de trabalhadores explorados entre seus exploradores.

Contudo, a forma da economia mercantil, que obscureceu sobretudo esse estado das coisas e cuja explicação suficiente gera de fato notáveis dificuldades, é a economia mercantil da cidade medieval, à qual se pensa de preferência sob o título da "produção simples de mercadorias". Nela não há dúvida de que os produtos são trocados por seus próprios produtores e apesar disso em forma monetária, portanto como valores. A aparência está portanto perto de mostrar que o caracter-valor desses produtos (pois ele não é nenhuma propriedade natural do produto) deva surgir primeiramente da troca. Mas essa produção medieval de mercadorias em sua aparente "simplicidade" é de fato um resultado tardio amplamente mediado do desenvolvimento ocidental da exploração e a tem como base em uma forma tal que ela é mesmo a forma da reflexão dialética do modo antigo de exploração, tal como este já era a forma reflexa do sistema de exploração do mundo antigo. Esse encadeamento genético das relações de produção dos antigos reinos, da Antiguidade e da Idade Média europeia é o fundamento, porque nós cremos dever remontar até à exploração em sua forma ocidental original para a explicação do capitalismo (e para sua análise econômica).

A reflexão da exploração, que está na base da formação da riqueza antiga, distingue-se da reflexão, sobre a qual repousa o desenvolvimento europeu, pelo fato que aquela é a reflexão da exploração por parte do explorador, enquanto esta ao contrário é a reflexão por parte do explorado. O produtor medieval é o antigo dependente e servo do senhor da terra [e só desfazendo-se de seus vínculos feudais chega à produção de mercadorias].(53) Sua liberdade burguesa ou, mais precisamente, sua propriedade privada burguesa do produto de seu trabalho, portanto a liberdade de valorizá-lo por conta própria, é o resultado da emancipação do produtor explorado do domínio da terra, o resultado da dissolução desse sistema de exploração da economia natural. [Nesse resultado da dissolução o terreno se coloca como uma alternativa, portanto como substituição desse sistema. O trabalhador produtor, pela primeira vez na história, torna-se sócio da sociedade "humana", ou seja da sociedade de apropriação (a libertação dos escravos no reino dos Romanos era, perante isso, puro resultado negativo da dissolução dele e não continha em si nenhuma alternativa a ele; a humanização do trabalho aqui era tão somente um pálido antegosto, uma promessa de um puro além, como no cristianismo).] Segundo sua origem, portanto, a propriedade privada burguesa é propriedade de produtores. Mas que o produtor aqui se torne proprietário, e mesmo proprietário na forma individual, autônoma, da propriedade privada, isso depende da identificação da produção com a geração de riqueza. O artesão medieval produz seu produto como valor, valor de venda, e enquanto for valor, ele é proprietário. Em sua produção o trabalho gera valor, porque a relação feudal de exploração nele está superada e dessa maneira tornou-se ela mesma ordem de produção. [O produtor medieval ganhou a liberdade de se explorar a si mesmo.] Ele forma sua força de trabalho como maestria, porque ela lhe serve como poder de gerar valor, e assim torna a exploração base de sua própria autonomia, como o luterano de acordo com Marx torna o clero romano seu "padreco interior". [De fato, a cidade possui sua liberdade também, no começo, só como privilégio principesco e como corporação de seus burgueses tem que pagar ao príncipe os tributos feudais, que antes os súditos individuais do feudo deviam pagar in natura.] A tendência à emancipação das cidades perante os príncipes começa primeiro com a passagem a formas protocapitalistas de exploração, formas de exploração portanto, nas quais o burguês autoexplorador se desenvolve ulteriormente em explorador de outros. [O caminho vai do explorado da economia natural feudal, através do autoexplorador na produção "simples" de mercadorias da economia urbana da primeira fase, até o explorador de força de trabalho alheia no capitalismo inicial.] Nessa transformação dos explorados em exploradores cumpre-se aquela inversão decisiva para o capitalismo - da relação condicionante entre troca de mercadoria e exploração. Enquanto em todas as formas anteriores de produção de mercadorias, a troca de mercadorias era troca sobre a base e segundo as leis da exploração, dessa inversão surge uma exploração baseada e de acordo com as leis da troca de mercadorias. A exploração que daqui surge, "economicamente" condicionada, não é mais encoberta só na determinação formal, ela ocorre também ainda só nas formas da troca de mercadorias [e é portanto o fenômeno único de uma exploração de acordo com as leis paritárias da não exploração]. A explicação desse fenômeno que Marx encontrou é que, segundo as leis da propriedade privada burguesa desenvolvida, a relação entre explorador e produtor transforma-se ela mesma em relação de troca, na compra e venda da mercadoria força de trabalho. [A conexão social da troca desenrola-se como separação plena de propriedade e trabalho.] A conexão da troca abarca a sociedade em conjunto e torna-a um único sistema de apropriação. Nele o trabalhador explorado, como vendedor de sua própria força de trabalho, torna-se ele mesmo homem segundo as normas da apropriação e o trabalho se torna trabalho humano abstrato, trabalho humano em geral.(XXII) (54) Com a plena realização da forma mercadoria e sua coisicidade, ao mesmo tempo o seu oposto, a praxis material, torna-se humanizada, com a completude da subjetividade teorética da parte do explorador, a classe explorada torna-se sujeito prático. [Ou seja o desenvolvimento da classe capitalista e o desenvolvimento do proletariado são conexos dialecticamente, não só pragmaticamente.]

6. A exploração como origem da reificação

A troca de mercadorias é forma de reflexão da exploração. Qual que seja sua determinação formal(55) em cada caso, depende das relações de exploração, que a fundamentam, ou que ela superou assumindo em si, ou aquelas que ela opera por sua vez. Portanto o ponto de partida não é a troca de mercadorias, mas a exploração. - Para o que segue devemos restringir-nos ainda mais que até aqui a uma exposição abreviada em forma de teses.

A origem histórica da reificação é a exploração. Não como mercadoria, mas como objeto de apropriação direta, unilateral o produto do trabalho é originariamente uma coisa. As primeiras coisas idênticas historicamente existentes foram - entendendo o exemplo em princípio - os produtos dos súditos egípcios depositados nos silos fiscais dos faraós. A identidade material do objeto de apropriação em um outro produto, produzido pelos explorados, é o mesmo que o objeto consumido pelo explorador. Ele é transferido do produtor ao consumidor como coisa idêntica através da apropriação. A apropriação é tão estranha à produção, que ela é dominada somente pela preocupação de que a coisa, para ela, não vá estragada ou perdida. A identidade material do objeto de apropriação(56) é á contrapartida precisa à identidade dos indivíduos em uma comunidade natural, que tenha por conteúdo que, através da ordenação distributiva de trabalho e uso na tribo,(XXIII) o indivíduo produtor é o mesmo que o consumidor. A reificação é a operação da divisão da identidade humana, que ocorre pela exploração, em sociedade de produtores e sociedade de consumidores. Em sua dialética histórica ela leva enfim à constituição da classe trabalhadora como sujeito, que pode superar essa cisão e estabelecer planejadamente a unidade social de produtores e consumidores na situação moderna das forças produtivas.

A identificação e reificação dos produtos do trabalho processa-se pela praxis da exploração, como [com base oposta] a identidade individual natural de membros de uma tribo através da praxis da distribuição da raça.(XXIV) O que se deve organizar para instituir duradouramente uma relação de exploração ( à distinção do roubo), é portanto a apropriação através de domínio estável dos exploradores sobre os explorados. A ratio da exploração e de toda articulação e ordem de vida que repousa sobre a exploração é a ratio da apropriação.

As relações da identidade são as relações de apropriação da exploração. Elas mudam com os métodos de apropriação desta. Se, em etapa ulterior, o trabalhador explorado como escravo é trocado e chega à propriedade de seu explorador como mercadoria, a identidade experimenta uma reflexão e obtém uma corporificação empírica como meio da apropriação no dinheiro. No próximo item teremos que advertir, que a identidade, na qual então os exploradores reflectem não só os objetos de sua apropriação, mas reflectem a si mesmos como sujeitos pensantes, é o dinheiro, com o qual eles compram escravos e o corpo se alheia a eles como uma coisa.(XXV) Não que seu corpo coisificado, do qual o homem explorador de escravos se distingue do sujeito pensante, seja o escravo: sua materialidade de coisa é como aquela do ouro, que como dinheiro é o equivalente para escravos, como a função identificadora do sujeito pensante equivale à função de equivalente do ouro como dinheiro.(XXVI) Dado que o próprio trabalho se reificou no escravo, a produção deve ser construída como conexão entre coisas, a fim de que ela possa ter lugar dentro desse sistema de apropriação.

As relações de apropriação da exploração são relações da socialização de classes entre os consumidores exploradores e os produtores explorados. Pois as relações de apropriação da exploração são relações de identidade, porque elas são relações da ligação material da produção e do consumo colocados em pólos humanos separados. Isso significa, que as relações da identidade são a priori relações de ligação social das classes de exploração segundo a lei da conexão entre produção e consumo necessária para a vida.

Essa conexão prática da comunidade natural transforma-se pela exploração em uma causalidade estranha perante os homens, dominando "extra-humanamente" como "segunda natureza" sobre seu ser, a causalidade da lei do valor. Quanto trabalho exigem para ser produzidos os artigos, é uma questão que para os exploradores não tem mais peso nenhum para seu consumo, porque eles ganham esses objetos não pelo trabalho, e sim por um mecanismo social estabelecido de apropriação. A produção não pode mais aqui acontecer de acordo com a medida do consumo, o consumo não mais de acordo com a medida da produção. Em lugar da medida entram relações monetárias, portanto relações de apropriação, e só através delas produção e consumo ainda são mediados de modo cego. Com base e para as finalidades dessa causalidade adere aos produtos do trabalho a vigência enigmática do valor. Com base na exploração produção e consumo podem assim ser ainda organizados só pela racionalidade da apropriação; e essa é sua organização sob o ponto de vista do valor e pelas normas da identidade, da forma reificada e do "ser-aí".

O nexo causal de produção e consumo adquire a forma da equivalência, pela identidade do membro de mediação, do objeto de apropriação e do valor. O consumo apropriado, em seu todo (ou seja no quadro conjunto da sociedade), deve ser igual à produção realizada, não porque consumo e produção em e por si se encontrem em tal relação de igualdade e se meçam quantitativamente, e sim porque sua relação concreta de medida está rasgada. Tampouco subsiste a equação entre produção e consumo diretamente, mas sim como relação de troca pelo valor, no qual elas têm determinação quantitativa, mas como qualidade abstrata, não relacionada. Contra os consumidores exploradores atua a equação de modo que todo valor apropriável deve ser gerado pelo trabalho, é valor de trabalho quantitativamente igual; contra os produtores explorados opera a equação de modo que seu produto só tem valor na medida em que ele lhes facilita o consumo. Ambas as equações são desligadas entre si, embora a vida da sociedade depende de que elas no fim sejam reciprocamente congruentes. Mas sobre isso decide só o fato, cego perante o resultado. Na troca dos valores como mercadorias, entendida em nosso sentido, portanto entre exploradores, a relação de igualamento do valor da produção e do consumo alcança a forma reflexa da equivalência. A equivalência pressupõe, segundo o enfoque aqui defendido, que cada um dos que trocam obtém suas mercadorias de uma relação de exploração. A equivalência é um postulado, o postulado da congruência cruzada da equação de produção e consumo de ambas as mercadorias. Na relação de equivalência de duas mercadorias tomam parte quatro instâncias humanas, os dois exploradores que trocam e os produtores explorados de cada uma, e as relações das quatro instâncias encontram-se em ambas as mercadorias em relação cruzada de forma relativa e de forma equivalente de valor reciprocamente. Isso quer dizer que a equivalência das mercadorias na troca está baseada na exploração e a inclui em si como pressuposto. Ela é a expressão de sua reflexão.

A praxis da apropriação (unilateral ou recíproca) não é a praxis da produção, ela é seu oposto. Na socialização conforme leis da apropriação a equação nelas postulada de produção e consumo não chega nunca à realização. A contradição no terreno da exploração não se pode anular, porque a própria exploração a gera primeiro, e renova isso em cada instante e através de cada método de apropriação. É essa dialética do fracasso constitutivo da socialização da exploração, que a empurra de um sistema de apropriação a outro, porque estes sistemas geram para si mesmos os problemas, a cuja solução eles se voltam, para assim ter que concretizar a exploração, em reflexões sempre renovadas sobre seus pressupostos, enfim até a plena identificação com a própria produção, ou seja até o capitalismo. Neste, porém, a dialética de lei do valor, a contradição de apropriação e trabalho (a qual se consumiu nas ordens anteriores de facticidade da apropriação como lei da fatalidade operando lentamente seu ocaso), assume a forma imediatamente contraditória, de que o trabalho, até mesmo ele como tal, como trabalho humano abstrato, produz a disparidade da mais valia, e a produção de mercadorias através de seu acontecer gera seu não-acontecer, a crise, a conjuntura. A forma cíclica de existência do capitalismo é de fato a existência entre ser e nada, como Hegel a desenvolve como dialética; só que esta não é "a" forma "do" ser.(XXVII)

Se denominarmos de comunidade "natural" a conexão dos homens livre de exploração na divisão do trabalho do grupo de parentesco, então a articulação classista merece o nome de "sintética" a partir do motivo gerador da exploração. Na química se entende como sintético um produto, por exemplo borracha sintética, um material produzido pelo homem com propriedades semelhantes às do "natural", de acordo com a finalidade de uso. A socialização reificada é análoga à síntese química no sentido que ela (à diferença da sociedade natural "ainda não arrancada do cordão umbilical da conexão natural da espécie") é totalmente obra de homens. Ela é puro resultado da exploração, portanto, de manipulação humana, que se refere não a necessidades físicas da vida, como trabalho e consumo, mas a uma relação entre homens, mesmo se em vista de seu trabalho e consumo. Pelo engate entre atividade produtiva e consuntiva nas relações de exploração entre homem e homem é que primeiro começa para os homens a separação entre seu ser "humano" e suas necessidades físicas de vida como pura "natureza"; e vice-versa, esse condicionamento da vida pela produção e consumo como causalidade cega da natureza, começa a dominar seu "ser homem" no sentido contrário a seu agir. A distinção entre esta socialização e a síntese química é que esta se processa de forma escolhida e planejada por seu autor, enquanto a articulação de classes dos homens, ao contrário, acontece de forma não decidida pelos exploradores e não consciente. O essencialmente humano que se forma, é portanto exatamente aquilo que o homem não pode dominar, o ser do homem alheio a ele mesmo. O que os exploradores querem e efectuam planejadamente (inicialmente, pelo menos na relação direta de domínio e sujeição), é a apropriação de produto alheio; mas o resultado que daí decorre, a reificação da socialização segundo leis de uma causalidade natural econômica, é consequência totalmente imprevista de seu agir. Contudo, a distinção não é tão grande como parece; pois tão pouco quanto o explorador também o químico autor da tarefa, que ele desenvolve, é cego a respeito das consequências, e exatamente tanto como outro a respeito das consequências econômicas de sua síntese. A verdadeira distinção é muito mais de que exatamente a síntese do químico é consciente, na socialização ao contrário é cega. Mas isso não é por acaso. Nem a síntese da química ou de uma outra ciência, nem o conceito geral filosófico da síntese teria sido historicamente possível, se já a socialização concreta no sentido íntimo desse conceito não fosse "sintética".(XXVIII) (57)

O uso do conceito de síntese na constituição da socialização classista é um meio estrategicamente eficaz para debelar o idealismo com suas próprias armas. Pois assim, para a explicação de um mesmo fenômeno, que é o método experimental das ciências naturais, pode-se contrapor à substrução idealista de uma síntese transcendental (cujo portador é a autonomia do sujeito), pode-se contrapor a afirmação de que, se de "síntese" se tratar, só uma ocorre, que realmente seja probatória, e que, provindo de autoria humana, tornou primeiro possível todo conhecimento conceptual - ou seja a socialização classista dos homens pela exploração. Esta é "sintética" de acordo com os mesmos critérios, que o apriorismo coloca na base de seu conceito de síntese, ou seja uma ligação segundo relações de identidade, e ela é o modo original de tal ligação, porque a identidade como caracter formal do ser-aí e da coisa surge historicamente primeiro da relação de exploração. A síntese constitutiva, à qual todo conhecimento teorético logicamente bem como geneticamente remonta, é a reificação e a socialização material, que se opera pela exploração. A liquidação crítica do idealismo resume-se na prova dessa proposição, no sentido da liquidação das antinomias, nas quais a própria razão enreda os homens pelo fetichismo da reificação.

É um erro de materialismo vulgar dizer que a explicação genética de uma forma de pensar a partir do ser social negue validade a sua vigência, e remeta o conceito de verdade aos outros fetiches do domínio de classe. Esta crítica materialista dirige-se não contra a validade do pensamento e do conceito de verdade da razão, mas tão somente contra a fetichização de ambos, sua dogmatização em validade atemporal e a verdade absoluta: e isso exatamente porque essa dogmatização falta à razão e é pensamento falso. Pode-se reconhecer, por exemplo, no discurso reitoral de Wilhelm Windelband, na condução lógica dos pensamentos, como a absolutização idealista do conceito de validade acaba na negação da razão e de sua pretensa validade devido à antinomia, na qual ela se enreda na questão da gênese. O idealismo apriorístico está em sua última consequência em concordância com o materialismo vulgar, e vice versa. O ponto de vista racional do pensamento é tão pouco aquele que absolutiza a validade contra a gênese, quanto a gênese contra a validade: ao contrário, ele é o que supera sua antinomia. A superação ocorre no ponto de vista metodológico, e onde o pensamento racional é explicável como pensamento necessariamente condicionado socialmente, de tal modo que uma condição social se mostra como o fundamento de sua validade. Pois com isso mostram-se como historicamente condicionados quer a gênese como medida da validade, quer toda validade e verdade do pensamento.(XXIX)

Exatamente para essa colocação do problema parece-nos porém o conceito da síntese metodologicamente interessante. Ele foi primeiro formulado por Kant, para questionar a realização do conhecimento como conhecimento válido, certo no sentido idealista, para apresentar a síntese da formação do conhecimento como síntese a priori ou, o que é o mesmo, para provar sua deduzibilidade a partir de puros conceitos (não como problema espaço-temporal). Nisso Hegel não se distingue de Kant. Ele entendeu a síntese como gênese do conhecimento e com isso chegou ao modo de pensar dialético, mas esta síntese ele a deduz como pura filosofia, torna assim a dialética sistema da verdade absoluta e a superação da antinomia de validade e gênese puramente formal. Enquanto o materialismo contesta o apriorismo da síntese, ele coloca primeiro a tarefa de pesquisá-la historicamente. Essa pesquisa resume-se para o materialista na análise e fundamentação da reificação, em vez de, como para o idealista, na auto-análise do "conhecimento". Por outro lado, a análise da reificação encontra na tarefa de provar o surgimento histórico do conhecimento sua medida crítica. Pois a reificação torna-se primeiro compreensível como o fundamento histórico do conhecimento válido, se ela por sua parte for reconduzida a sua raiz histórica, humana e prática. Inexplicabilidade genética de formas de conhecimento significa compenetração insuficiente da reificação. À aparência apriorística do conhecimento corresponde sempre uma aparência de facticidade do ser reificado. O idealismo apriorístico é liquidável só conjuntamente com o materialismo vulgar, e vice versa.

Tentamos tornar claro que a reificação nasce da raiz da exploração. Nela a identidade, a forma-coisa e o ser-aí têm sua origem histórica, humana e prática. Ao mesmo tempo são as formas de negação dessa origem: a identidade é a negação de sua origem prática, a forma-coisa a negação de sua origem humana, o ser-aí a negação de sua origem histórica.(XXX) Nesse caracter de negação de sua origem são elas as formas de ligação da socialização de classes dos homens na relação dos consumidores exploradores e dos produtores explorados. Por outro lado, a socialização de classes tem caracter formal sintético através dessas formas de ligação ou por sua mediação reificada. A explicação da gênese histórica do conhecimento racional está portanto na questão, como se chega à reflexão lógica da síntese social ou ao surgimento da subjetividade.

7. O dinheiro e a subjetividade

Entendemos o conceito da subjetividade no sentido do sujeito do conhecimento. O pensamento do sujeito do conhecimento pressupõe uma espécie de autoreflexão, na qual o indivíduo "se" distingue como ser pensante de seu corpo e de tudo o que é material no espaço e se pensa como idêntico através do tempo, independentemente de alterações espaço-temporais, quer de seu corpo quer de outras coisas. A questão se o ser do "Eu" é suposto como substância imaterial ou como puro suporte de funções do pensamento, não joga papel nenhum para o nível de generalidade, na qual se encontra a pesquisa; antecipando nossa explicação da subjetividade, note-se que ela se relaciona com a substituibilidade econômica da função do dinheiro com material monetário.(XXXI) Terminologicamente, pode-se denominar de "sujeito teórico" esse Eu que se distingue do corpo como ser pensante. Nossa explicação para seu surgimento histórico é, que o sujeito teórico surge da identificação do homem com o dinheiro. O sujeito teórico é o possuidor de dinheiro.xxxi

Marx chamou o dinheiro de "mercadoria geral". Apresentemo-nos para onde remonta essa generalização da mercadoria. A forma original da identidade é produto apropriado na relação direta de exploração (ou seja na relação direta de domínio e servidão por apropriação unilateral). A história da origem do dinheiro é a história da origem da autonomização polarizada da forma de identidade perante o produto apropriado. A autonomização da forma de identidade no dinheiro desenvolve-se por graus através de várias reflexões da relação primária de exploração. Já a primeira forma da troca de mercadorias, aquela entre os faraós e os chefes vizinhos (de reinos exploradores em parte surgidos primeiro no impulso dessa troca mercantil), contem a reflexão da relação de exploração como tal, uma equação da exploração aqui e lá. Ela coincide com a primeira separação do produtor explorado com respeito a sua ordem colectiva originalmente pertencente a um todo indivisível, a separação do escravo como componente humana dessa ordem perante seus elementos materiais, não-humanos, apropriáveis separadamente. Já na etapa do comércio estatal egípcio e vétero-oriental escravos tornam-se objetos de troca contra mercadorias materiais (por sua parte, produtos já acumulados de produtores explorados). A "abstração-valor" pela generalização da equivalência é tão somente a expressão formal material da abstração do homem explorado com respeito às condições materiais de trabalho (elementos materiais da ordem da produção) e perante a especialidade de seus produtos. Perguntemo-nos, sem perseguir ulteriormente as etapas genéticas, que grau e que determinação formal assumiu essa abstração na forma dinheiro do valor das mercadorias.(58)

O dinheiro, como corporificação autônoma da materialidade e validade do valor do objeto de apropriação, de acordo com Marx, é a forma-valor "simples e comunitária, portanto geral",(59) a forma de permutabilidade de todos os objetos de apropriação entre si. "Como valores, elas [as mercadorias] são idênticas, materiatur do mesmo trabalho ou a mesma materiatur do trabalho, ouro. Como matéria da mesma forma do mesmo trabalho elas mostram só uma diferença, quantitativa..."(60) Mas o trabalho, cuja representação geral é o dinheiro, é trabalho de trabalhadores explorados. A abstração valor das mercadorias em forma geral, equivalente para todas as mercadorias, inclui em si a abstratificação dos trabalhadores explorados, seu nivelamento como corpos humanos abstratos.(61) O dinheiro relaciona-se ao trabalhador explorado na generalidade, na qual ele produz mercadorias trocáveis entre si, valores transformáveis em dinheiro, portanto vale ele mesmo como trocável com qualquer outro trabalhador explorado para a produção de cada mercadoria e espécie de mercadoria. A permutabilidade geral das mercadorias por dinheiro inclui em si a permutabilidade geral dos trabalhadores na produção das mercadorias, sua forma geral mercantil como coisas humanas homogêneas trabalhando. É na base dessa homogeneidade que eles se diferenciam primeiro.

Por outro lado, a forma-coisa, em forma do dinheiro, que surge da apropriação, ganha ela mesma a forma existência de ser meio de apropriação. Como dinheiro o ouro, ou qualquer outro material moeda, não tem outra finalidade senão de comprar, alcançar a propriedade de mercadorias a seu possuidor. No dinheiro, a ação de apropriação do explorador alcança caracter funcional. Definimos a função geneticamente como a ação reificada de apropriação do explorador. Sua definição por seu conteúdo depende da fase de reflexão da apropriação (que seja função do dinheiro, função causal, função matemática, etc.), mas deve definir-se sempre no último recurso como variação da relação, na qual se encontra a ação de apropriação do explorador na relação original de exploração, quer seja para a produção do explorado, quer seja para o consumo do explorador. O conceito da função inclui em si a relação de duas ações - reificado: dois fenômenos -, das quais uma provoca o acontecer da outra só pelo fato dela mesma acontecer. Que a provocação ocorra, é o postulado da exploração, na qual a produção acontece por meio da apropriação e segundo a razão da apropriação. O conceito da função postula, originalmente, o funcionamento da exploração. Ele contem a ficção, de que a síntese da apropriação seja a síntese da produção e do consumo, mas elimina o quidproquo pelo fato de que ele expressa esta última síntese, que só pode seu uma síntese humana prática (na comunidade natural ou em uma sociedade socialista), como síntese funcional, ou seja como uma relação entre coisas e fenômenos materiais. A relação funcional é a forma de reificação ou a formalização da coação física, que o explorador exerce sobre o explorado, para que este trabalhe para ele. Como função do dinheiro a relação de apropriação da produção assumiu a forma do postulado, de que a troca mercadorias-dinheiro provoca entre os exploradores a produção de mercadorias com valor monetário. A provocação tem sucesso, porque entre as mercadorias, que só exploradores trocam contra dinheiro, encontra-se a mercadoria-escravo que trabalha.(XXXII) A perfeita relação funcional econômicas ou a exploração funcional perfeitamente econômica ocorre primeiro quando o processo social de troca das mercadorias provoca a prestação "livre" de trabalho dos explorados, ou seja no capitalismo.

O dinheiro é a "mercadoria geral", porque é o meio socialmente válido de apropriação de todas as mercadorias. O dinheiro comporta-se em relação às mercadorias individuais, que ele compra, como a ação do apropriador para com os objetos de apropriação na relação direta de exploração. Na duplicação de formas do reino da exploração, em forma mercadoria e forma dinheiro, a polaridade da relação de exploração se estabelece coisificada como relação das mercadorias entre si, enquanto uma delas, o ouro, torna-se representante exclusivo do valor, que todos os produtos dos produtores explorados contem, mas que se realiza porém só pelo ato da apropriação, pelo qual ele chega às mãos do explorador. O dinheiro é forma de reflexão da apropriação e exige a partir disso a identificação de seu possuidor com ele mesmo. Esse possuidor entre os Antigos, tal como o capitalista do Ocidente, é só o explorador; pois o dinheiro é na antiguidade o instrumento funcional da exploração, o meio de apropriação de escravos. Nossa afirmação é que essa identificação do possuidor do dinheiro com a função do dinheiro, sobre a base única daquilo que o dinheiro é, é o ato de origem da subjetividade teórica. Na incompletude de nossa análise do dinheiro e de sua gênese histórica, essa construção genética da subjetividade é contudo aqui possível só em forma de acenos em seus traços mais gerais.

O dinheiro é a forma de reflexão dialética e o portador concreto da apropriação em sua generalidade abstrata. Para o dinheiro não se deve olhar quem se serviu dele como meio de apropriação, nem o que foi com ele adquirido. Como ele pode comprar todas as mercadorias, pode trocar todas as mãos e é nisso que ele comprova sua identidade. No dinheiro todas as mercadorias se podem trocar e todos os possuidores podem se revezar. Além disso, como vimos, no polo oposto aos possuidores do dinheiro, os produtores explorados de mercadorias que valem dinheiro são intercambiáveis quer entre si, quer entre os possuidores de dinheiro. Enquanto o possuidor de dinheiro se identifica com a função de seu dinheiro, consequentemente ele se identifica com todos os possíveis possuidores de dinheiro. Essa identificação dos possuidores de dinheiro como sujeito simples e comum, portanto geral, da ação de apropriação reificada e funcionalizada refere-se à identidade da função do dinheiro em todas as peças de moeda e do dinheiro em qualquer mão; ela concerne o dinheiro enquanto a validade do ouro como dinheiro está vinculada à unidade idêntica da função do dinheiro em geral. A identidade de todos os sujeitos na subjetividade uniforme e comum refere-se à pura validade da função do dinheiro, que não é nenhuma propriedade do ouro, e sim a propriedade da função do ouro (ou de um pedaço de papel) como dinheiro, portanto algo totalmente imaterial. - Por outro lado, esta função do dinheiro realiza-se só na peça individual de ouro, cuja matéria decide sobre se ele paga ou não paga, se está lá ou não está lá, se é praticamente possível ou não comprar mercadoria. A matéria da peça de ouro, o ouro ou o papel da nota, só serve para a materialização de sua função e lhe dá realidade, a qual é indispensável para relacionar-se a outra mercadoria real. A matéria do dinheiro é o critério do puro ser-aí da função de compra e mede quantitativamente o ser-aí de outra mercadoria material.(XXXIII) Mas esta matéria, que aparece aqui como sinal e medida da realidade do dinheiro e das mercadorias, é tão somente reificação do trabalho, que é o fundamento real da existência das mercadorias, e na verdade do trabalho de trabalhadores explorados, de sua atividade física para a produção de mercadoria. A matéria das mercadorias e seu equivalente, o ouro, é "materiatur" do trabalho de trabalhadores corporais, corporeidade dos escravos transferida e realizada na mercadoria pelo trabalho. Como o possuidor de dinheiro se identifica como sujeito imaterial da validade na função do dinheiro identicamente uniforme e geral, tanto na matéria de seu dinheiro enquanto igualmente puro corpo material, que cria primeiro o ser-aí de sua subjetividade e de seus atos válidos. Pela validade de seu pensamento o possuidor do dinheiro é idêntico com todos os outros possuidores de dinheiro - Ele: portanto também os outros; somente por seu ser-aí corporal: Ele: portanto não os outros. Em relação com o ter e não ter do dinheiro como ouro excluem-se reciprocamente todos os exploradores como particulares ou "concorrentes", enquanto eles, em relação à validade de seu ouro como dinheiro, formam a mesma sociedade de exploradores.(XXXIV) A sociedade de exploradores tem a formação da classe, mas entre os antigos é a classe dos homens pura e simplesmente, porque só o explorador é "homem", sujeito legítimo e reflexo da posse de dinheiro, enquanto ao contrário o explorado é a privação de ser homem, a coisa humana puramente física, o "objeto" do "sujeito". A realidade material do corpo do explorador é aquela dos corpos humanos abstratos dos escravos, mas medida não segundo o trabalho, e sim pela realidade concreta do material monetário, o ouro, com a qual todo trabalho se abstrai, porque ele vive só dos produtos do trabalho, com o qual o corpo dos escravos de identifica. O possuidor de dinheiro como sujeito tem só a teoria do trabalho, do qual o escravo tem a prática. Teoria e praxis do trabalho são distribuídas entre os pólos classistas da relação de exploração. Esses pólos não se reconhecem mais. Como se apresenta então a teoria do trabalho, a teoria do explorador coisificado em possuidor de dinheiro?

Ela é a teoria do "sujeito em geral", ao qual nenhum outro sujeito encontra no campo de seu conhecimento, porque ele mesmo é a identidade da validade de todos os sujeitos possíveis. Mas por parte da composição de sua percepção e da realidade atual. do pensar ela é, ao contrário, a teoria do indivíduo isolado, porque seu corpo tornou-se fundamento de alheamento perante todos os outros indivíduos. A teoria do sujeito é a pura teoria do trabalho, cuja praxis se apresenta como técnica construída teoreticamente; mas o objeto do pensamento dessa teoria não é o trabalho, e sim a matéria, na qual o trabalho se reificou nas mercadorias, e o ser-aí das coisas determinado pela matéria. Para quem explora, a partir de quando ele é sujeito, o trabalho alienou-se em "natureza", a qual forma o oposto do "humano"; pois sua relação com a produção das mercadorias é contudo mediada somente através do processo social de troca das mercadorias e de sua ordem funcional. Para organizar o trabalho como produção de valor mercantil, ele deve reproduzir toda a conexão funcional dessa mediação, e deve reproduzir isso enquanto esta conexão é conexão fechada da reificação de acordo com a função unificadora do dinheiro. Esta reprodução mental (baseada na identificação do explorador com a função do dinheiro, portanto emanando do princípio da unidade do pensamento) esta reprodução da conexão da exploração fechada em si, refere-se à produção ou é "conhecimento" válido, enquanto ela reproduz aquela conexão como nexo existencial das coisas de acordo com seus fundamentos íntimos, ou seja racionalmente. O conhecimento racional da natureza será com isso a reprodução da conexão da produção fechada em si segundo as leis sociais da apropriação, funcionalizadas pelo dinheiro.

Sohn-Rethel - 1970: Eu

Ho* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * o segundo o modelo europeu, portanto é mal-entendido. O explorador grego não tinha necessidade de formar uma teoria da produção, porque ele podia adquirir escravos como a devida capacidade ou fazê-los treinar, portanto dispunha da técnica da produção, por assim dizer, como uma qualidade humana natural. E a filosofia grega não conhece o conceito de sujeito, com o qual aqui se opera. Meu modo de ler então a ordem da sociedade e da exploração antiga estava equivocada. A ratio teorética na antiguidade, ou seja fundamentalmente na filosofia grega, não era meio científico para possibilitar a produção, e sim instrumento ideológico das classes utilizadoras do dinheiro para a conquista e manutenção do domínio social, um domínio que no começo abarcava a polis em seu conjunto e podia ser democrático, mas que tendia - mais e mais - à oligarquia dos grandes possuidores de dinheiro e de escravos. A base de produção da antiga democracia ("a base econômica da clássica comunidade em seu melhor tempo") eram, de acordo com o famoso rodapé em O Capital (I, p.299 da ed. de 1903), "a pequena economia camponesa e o artesanato independente". Isso era no começo da antiga produção mercantil, portanto "antes que a escravatura se [tivesse] apoderado seriamente da produção". Só no tempo helenístico os grandes possuidores de dinheiro, de donos de escravos se tornaram também proprietários de meios técnicos de produção em escala social crescente. Só aqui desenvolvem-se as condições para um surgimento de um pensamento científico no sentido posterior europeu. É uma questão fascinante, mas irrespondível: como o desenvolvimento helenístico teria progredido, sem a expansão imperial romana e sem a intervenção das migrações dos povos, ou seja se ele, por si, porventura teria podido levar até ao capitalismo produtivo; em outras palavras a questão de se o capitalismo, de acordo com sua natureza, é resultado lógico da dialética histórica ou produto pragmático casual.

A determinação lógica desse conhecimento, sua "estrutura categorial", é a conexão sintética da sociedade da troca mercantil traduzida em "lógica", enquanto ela (de acordo com suas funções, portanto funções da apropriação) deve desencadear a produção das mercadorias. A "tradução" da conexão social mediadora da produção em lógica ocorre em força da identificação do explorador com a função do dinheiro, na gênese da própria subjetividade. As categorias lógicas do conhecimento teorético da natureza podem-se deduzir através de uma análise econômica precisa da conexão social vigente da produção de mercadorias.(XXXV)

O materialismo liquida a teoria idealista do conhecimento através da análise da reificação e refuta a afirmação da síntese transcendental pela prova da deductibibidade das "categorias" a partir do ser social. A síntese constitutiva é o processo de reificação da exploração em forma do processo concreto de socialização dos homens gerado pela exploração. A conexão sistêmica do pensamento racional é a conexão reflexa do sistema da reificação, tão logo esta (com o surgimento da forma dinheiro do valor das mercadorias) se tornou conexão mediadora da produção mercantil fechada em si, ou seja da exploração por pura troca.

Na subjetividade ocorre a identificação do explorador com a autoria humana da exploração. Mas ela ocorre como resultado da reificação realizada essa autoria. A autoidentificação do homem como sujeito, a descoberta do homem, realiza-se como humanização do reificado.(XXXVI) O membro, no qual a reificação se encerra, opera a identificação do homem consigo e de sua autodeterminação como sujeito humano. Esse "ser sujeito" é o homem mesmo nos caracteres formais da reificação, na identidade como unidade de si mesmo no pensamento, na forma-coisa de seu corpo e no ser-aí como pessoa autônoma individual (apesar de uma divisão do trabalho, na qual o indivíduo perdeu toda autonomia). É por isso que o encobrimento de sua própria origem e ser histórico se tornou opaco. O selo dessa relação constitutiva de encobrimento, que ela é, é o conceito de verdade da subjetividade. O conceito de verdade é próprio somente ao pensamento racional que reflecte sobre os fundamentos de si mesmo e as origens do objeto, e é o conceito do fundamento baseado em si mesmo e idêntico com o ser. A constituição da questão da verdade como expressão da constituição do encobrimento do homem como sujeito teorético encontrou sua formulação mitológica na imagem do quadro da deusa encontrado em Sais coberto de um véu. Essa imagem encontra sua significação pela interpretação de que não é o descobrimento da verdade que mata os homens, e sim, melhor, que o mundo, do qual vem o homem com a questão de verdade perante a deusa, é um mundo de morte para o homem.

A luz da razão se desfaz com o obscurecimento do próprio ser para os homens. Ela surge como o meio social indispensável,(XXXVII) para organizar a produção segundo as condições da plena alienação. Quando a produção precisa da razão teorética para tornar-se possível, as relações sociais vitais entre os homens tornaram-se incontroláveis, resultado cego da causalidade econômica da lei do valor. Das condições de sua gênese explica-se a natureza dialética da razão. Por um lado, ela, como resultado do obscurecimento e alienação do ser humano, é o meio para orientar-se no escuro, para tornar a terra alheia coisa do homem. Por outro lado, ela possui este conteúdo racional no terreno dado de suas condições de surgimento, portanto no terreno da exploração, a saber como meio de possibilitar a produção dentro da conexão de apropriação reificada e funcionalizada. Portanto, tão importante quanto a circunstância de que a subjetividade é a humanização do estranho e a razão é poder ver no escuro, igualmente importante é que o homem teorético é a forma-coisa como sujeito e seu conhecimento é a simulação desfigurada da exploração.(XXXVIII)

De repente, o dinheiro, a função sintética de ligação social dos homens em sociedade, constitui seu exato oposto, a forma individual do homem como pessoa, a unicidade do Eu para seu ser-aí (!) e a pura identidade de validade de todos os Eus para seu pensamento (!). O nexo de validade desses Eus, porém, constitui para esses Eus a estrutura objectiva das coisas como "natureza". O próprio nexo existencial social dos homens, segundo as relações de identidade da apropriação funcionalizadas no campo, coloca-se "na cabeça dos homens" para (no nexo das leis das coisas como natureza) [representar?] a sociedade, na qual todos os homens, para viver, devem existir, na representação de um mundo, no qual todas as coisas devem relacionar-se mutuamente para existir. O Eu racional está em seu pensamento como sujeito único perante o "mundo", para pensar o mundo em concordância com a lei fundamental, de que um pedaço de pão que alguém come não sacia o outro. Este pensamento é válido, porque necessário em uma sociedade, na qual todos os homens se devem comportar reciprocamente de acordo com seu ponto de vista privativo do Eu, para chegar até seu pão.

Por outro lado, com a transformação da síntese funcional na razão teorética e do nexo social objectivo na representação da natureza, é inevitavelmente conexa a absolutização da exploração em necessidade natural e em norma da verdade do ser puro e simples. A razão teorética é, de acordo com sua gênese, reflexão lógica da síntese social. Esta é a síntese da exploração de acordo com a relação de identidade da apropriação; além disso, ela é contraditória em si e leva, com concretização progressiva, à crescente contraditoriedade entre apropriação e produção e à crescente anarquização da sociedade. Com isso, medida pelo nexo vital de produção e consumo, a síntese da exploração é síntese falsa. A pura síntese desse nexo só pode ser aquela humanamente prática na sociedade socialista; ou, em nível primitivo, de acordo com nossa construção, a "comunidade primitiva". Na relação de conhecimento da razão teorética porém, a síntese funcional concreta da exploração constitui a norma da "natureza" e deve, do ponto de vista da subjetividade, aparecer como síntese da produção e consumo. Essa aparência torna-se necessária pela constituição cega da subjetividade contrariamente à sua gênese, e torna inevitável a fetichização da razão e de seu conceito de verdade. Pois é primeiro nessa interpretação da falsa síntese como verdadeira que o conceito de verdade adquire sua significação metafísica e as categorias sintéticas da exploração obtêm o sentido de encobrir a exploração e de simular de ser essencialidades que elas não são. Destarte, porém, entram na filosofia as contradições, que determinam realmente a dialética entre apropriação e produção da socialização efetiva,(XXXIX) para reflexo ideológico, contudo na forma de antinomias sem saída, as quais parecem ser absolutamente próprias "do homem", "do mundo", "do conhecimento", ou "da razão", etc..

No desenvolvimento europeu ocorre, em comparação com o antigo, algo novo, ou seja que a razão passa dos exploradores aos explorados, primeiro à burguesia, que se emancipa da exploração feudal, baseada no domínio da terra - com mudança correspondente da constituição lógica da razão - e em seguida, no capitalismo, também ao proletariado. O trabalhador assalariado no capitalismo é trabalhador explorado mas contudo possuidor de dinheiro, parceiro das trocas de seu explorador, vendedor da sua força de trabalho, portanto tanto "sujeito". No proletariado, portanto, a razão ganha historicamente o ponto de vista dirigido, fundamentalmente contra a exploração, o materialista.

O materialismo é, tanto quanto o idealismo, ponto de vista classista da razão; mas enquanto a temática do idealismo é a fetichização da exploração, a temática da razão materialista é a critica da exploração. Inclinamo-nos a definir o conhecimento materialista conforme seu tema como a critica racional da exploração. O campo de seu método critico parece-nos restringir-se à história da exploração, respectivamente à história do surgimento do proletariado. Só para a história da exploração as categorias da actualidade do interesse classista proletário têm valor de conhecimento legítimo. O caracter crítico-racional do método materialista repousa sobre o facto que nele a critica racional se aplica à própria razão, a seu surgimento e ao ponto de vista da subjectividade. Com isso, a razão se realiza, enquanto ele se amplia de meio para transformar o alheio em negócio próprio do homem, amplia-se e passa a ser meio a origem da alienação e tornar a superação da alienação negócio do homem. A aplicação do método materialista torna necessária a acima mencionada critica das categorias e do ponto de vista da razão burguesa, presa na alienação, pela análise da reificação. Dessa análise o método materialista ganha simultaneamente as hipóteses críticas para sua pesquisa empírica.

Notícias de um diálogo entre Th. W. Adorno e A. Sohn-Rethel a 16 de abril de 1965(62)

Abstração da troca: nenhuma [abstração] adicional à troca, mas imanente à troca, inconscientemente.

A abstratividade da troca e de suas categorias não se torna de nenhuma forma consciente espontaneamente, mas pode tornar-se só por meio do dinheiro, como aquilo que sintetiza uma infinidade de trocas, representa uma totalidade da mediatividade do nexo dos indivíduos entre si e com a natureza.

Dinheiro é condição necessária da conscientização da abstração da troca, pois nele a abstração da troca entra em manifestação.

Parmênides é impressionado pela natureza do objeto de troca, substância; Heráclito pelo equilíbrio no movimento contínuo que tem ligar no troca, a unidade do caótico e do regulado; Pitágoras, pelas relações de medida, etc.

A filosofia desenvolve-se segundo consequência interna sistemática, possui relações sociais provocadoras, principal dentre elas a classe, que precisa da filosofia para sua luta de classe, para ter direito tem que reivindicar.

Mas porque a abstração é contraditória, força a filosofia ao desenvolvimento, e porque leva ela à idéia da verdade? Será que na consciência filosófica há categorias, as quais (e em contrapartida tais que) não têm origem da abstração da troca?

Debate, como forma de produção da filosofia, unilateralidade de cada posição filosófica - porque?

A abstração da troca é contraditória em si mesma, unidade de opostos, por exemplo substância-movimento; ao mesmo tempo as posições de classe são motivadoras para a unilateralidade de cada desenvolvimento filosófico e para a forma da contraditoriedade. O que torna filosofia a filosofia, não é que as categorias estejam à disposição em sua abstração, e sim que elas são problema, e só assim estão à disposição - portanto também a forma de movimento da contraditoriedade. A abstração da troca em si não é problemática, enquanto ela ocorre puramente na troca com sua condição e estrutura. As categorias são problemáticas por sua contradição com a consciência tradicional e comum. Elas não são conceitos genéricos, mas têm uma abstratividade específicas perante eles, são puramente ideais; elas não contradizem só a consciência especificamente mitológica, mas também (em especial) aquela empírica normal.

As categorias tornam-se conscientes isoladamente; cada uma possui extensão absoluta, exclui cada outra, mas tem raízes comuns com cada outra, não pode portanto liquidar de forma absoluta nenhuma outra, e sim deve mediar-se com cada uma. Esse mediar-se é um conteúdo essencial da filosofia.

A troca contem as categorias contraditórias, mas é sua unidade; só enquanto elas se tornam conscientes, tornam-se abstrata e explicitamente reciprocamente contraditórias.

O valor é a unidade dos muitos, das coisas sensivelmente diferentes, dos valores de uso. A categoria de valor é um pretexto para as contradições nela contidas. A insistência na verdade é a unidade das categorias reciprocamente contraditórias, e este postulado de verdade força a mediação das categorias entre si, pois ela é a verdade em primeira instância. A categoria verdade é aquela da diferença do ser da troca e do conceito de suas categorias.

Da possibilidade de representar a abstração da troca como verdade dependem: 1) a justificação da nova classe perante a antiga, 2) a possibilidade da inteligência de confiar em si mesma perante a pura empiria do instrumento manual, condição da possibilidade da ciência. Ambas as relações coincidem nos antigos: domínio teorético-organizativo da produção e autofundamentação ideológica da dominação da classe comercial.

O debate das categorias entre si não se realiza porém em sua pureza, mas no objeto. A constituição das categorias, a reflexão da abstração da troca como filosofia, exige prescindir de (esquecer) sua gênese social, da gênese em geral. O materialismo histórico é anamnmese da gênese.

Enquanto contraditórias à empiria, mas afirmadoras de verdade, as categorias devem ser mediadas com a empiria. Unicamente sua contradição à empiria torna-as categorias, descobríveis em sua especificidade. Só com a empiria pode o categorial tornar-se explícito. - As categorias são pragmatico-funcionais, elas procedem da disputa dos homens com a natureza como algo especificamente mediado socialmente, e a função social das categorias é uma função dentro dessa disputa, elas devem servir ao existir da sociedade, e seu objeto fundamental é a natureza, são as formas da relação da sociedade com a natureza; elas alcançam a natureza como tal, como unidade, e são a condição da sociabilidade sintética, são categorias da sociabilidade sintética.

As categorias contradizem à consciência empírica primária da disputa dos homens com a natureza não mediada pela troca, mas podem ser socialmente funcionais somente como consciência das disputas dos homens com a natureza, portanto devem debater-se elas mesmas com a consciência tradicional. - Porque, porém, esta substituição da magia pelo pensamento racional se tornou socialmente necessária? porque é que a ineficiência da magia se pode descobrir exatamente com a mediação da troca? porque é que na produção do valor de troca se chega à efectividade do produzir, em contraste com a produção primária de valores de uso? Em virtude do valor? Porque o trabalho humano se tornou medível, trocável, valorizável, valor? O que é que a verdade tem a ver com a efectividade?

Magia é originalmente prática imediata da mímese e como tal absolutamente efectiva de produção. Ela torna-se inefectiva com a separação da magia da produção como rito, com sua autonomização, na qual a magia é meio de domínio aristocrático. É portanto no interesse da classe oposta de combater a magia.

O nobre afirma de realizar a justiça (dikh) por sua sentença e sobretudo em sua existência. O demos (dhmoV) contesta isso e exige a instalação de sua justiça contra o nobre que dela abusa. O povo experimente a função do direito do nobre como não efectivo no sentido do povo, portanto não no efectivo sentido do direito, e exige efectividade da função do direito. Como o povo apela ao direito, assim a crítica racional da magia apela ao sentido próprio da efectividade da magia. A inefectividade da magia pode-se descobrir enquanto, por exemplo, apesar de toda a execução dos ritos o direito não se observa, funcionários rituais têm sucesso com a injustiça, o povo empobrece apesar de sua fé na magia ou até se expropria. Por outro lado, a reprodução da consciência magico-religiosa pelo povo torna-se possível exatamente pelo fato de que ele pode se impor contra o nobre, realiza seu direito efectivo e ele mesmo aproveita as funções rituais. Contudo, as funções rituais não se mostram capazes de conduzir sozinhas a sociedade, e são criticáveis como inefectivas e não verdadeiras.

Para afirmar-se contra o nobre, teria porém sido possível para o povo (em vez de criticar a magia em seu todo) encenar a contra-magia, e de fato o povo apela em seu estabelecimento contra o nobre não raro ao oráculo mágico, para legitimar seu próprio desligamento das antigas formas mágicas sociais.

A troca medeia as relações dos homens com a natureza, separa-as daquelas com a sociedade, é sociabilidade como puro meio da relação com a natureza, da apropriação do valor de uso para consumo não social.

Que caracter assume a relação com a natureza, aceita seu sujeito e seu objeto, se essa relação é mediada pela troca? Como a abstratatividade da troca determina a relação, cujo momento ela constitui? Como aparece ao sujeito o objeto, como aparece ele a si mesmo? Como se constitui pela troca o sujeito como tal, e que papel joga nisso a abstração da troca?

Pensamento correcto do sujeito independente é pensamento nas categorias da abstração da troca, categoria da troca; pensar de indivíduos. Só por isso os filósofos podem ter um público, a filosofia pode ser acessível aos indivíduos.

Em que modo pensa a consciência política democrática em categorias da abstração da troca? Por exemplo, quantificação solônica dos direitos políticos, idéia de igualdade?

A igualdade é primariamente aquela de todos os indivíduos perante o dinheiro. O dinheiro não faz nenhuma distinção pessoal qualitativa entre as coisas. Com isso, todos os indivíduos participantes do mercado têm um interesse de ver a sociedade organizada não segundo os princípios da tradição, e sim segundo necessidades da produção mercantil. - Abstração da troca contem momentos, que não são nenhumas categorias. A reciprocidade da troca implica igualdade formal dos indivíduos. A idéia política da igualdade implica a idéia da reciprocidade política. A reciprocidade das pessoas corresponde àquela dos objetos na troca. Reciprocidade dos objetos, substituibilidade dos mesmos entre si, é a forma básica da lei natural, faltando só ser eliminado disso o valor concreto de uso como tal.

Análise sistemática enciclopédica da abstração da troca: necessária.

Em que medida é necessário que a consciência vulgar dos sujeitos das trocas seja determinada pela abstração da troca, para que a troca seja possível como relação normal?

ALGUMAS INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ADICIONAIS

BARTHOLO JR., Roberto S. Os labirintos do silêncio. Cosmovisão e tecnologia na modernidade. São Paulo, Rio de Janeiro, Marco Zero/Coppe/UFRJ, 1986. 139p.

GREIFF, Bodo von. Gesellschaftsform und Erkenntnisform: Zum Zusamenhang von wissenschaftlicher Erfahrung und gesellschaftlicher Entwicklung (Forma da sociedade e forma do conhecimento: Sobre a conexão entre experiência científica e desenvolvimento social). Frankfurt/M e New York, Campus Verlag, 1977. 102p.

KUBY, Thomas. Vom Handwerksinstrument zum Machinensystem. Nachforschungen über die Formierung der Produktiv-kräfte. Ein Beitrag zur Techniklehre. (Do instrumento manual ao sistema de máquinas. Pesquisas sobre a formação das forças produtivas. Uma contribuição ao estudo da técnica). Berlin, Institut für Bildungs- und Gesellschaftswissenschaften, Technische Universität, 1980. (Bildung und Gesellschaft, Band 5). 218p.

MÜLLER, Rudolf Wolfgang. Geld und Geist: Zur Entstehungsgeschichte von Identitätsbewußtsein und Rationalität seit der Antike. (Dinheiro e espírito: Sobre a história da origem da consciência da identidade e da racionalidade desde os antigos). Frankfurt/M e New York, Campus Verlag, 1977. 423p.

POLANYI, Karl. The great transformation: Politische und ökonomische Ursprünge von Gesellschaften und Wirtscaftssystemen. Wien, Europaverlag, 1977. 379p. (I ed. em inglês 1957; direitos autorais 1944. Existe tradução brasileira).tradução brasileira).

SOHN-RETHEL, Alfred. Warenform und Denkform. Frankfurt/M, 1978.

SOHN-RETHEL, Alfred. Soziologische Theorie der Erkenntnis. Vorw. Jochem Hörisch. Frankfurt/M, Surkamp, 1985 (edition surkamp 1218; Neue Folge Band 218). 269p.


Notas de rodapé:

(*) Walter Benjamin examinou este manuscrito como parecerista do Instituto para a Pesquisa Social. Seus grifos e observações serão aqui reproduzidos em notas com números romanos. (retornar ao texto)

(I) Frase sublinhada por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(II) As tres linhas precedentes foram grifadas popr W. Benjamin. (retornar ao texto)

(III) Idade dos conceitos ou das formas de conhecimento, às quais esses conceitos se referem? Contudo, não seria melhor o segundo? [W.Benjamin]. (retornar ao texto)

(IV) Torna desejável [W. Benjamin]. (retornar ao texto)

(V) Linhas sublinhadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(VI) Linhas sublinhadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(VII) Aqui há dois conceitos distintos da ratio [W. Benjamin]. (retornar ao texto)

(VIII) Linhas sublinhadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(VIIIbis) Linhas sublinhadas por W. Benjamin e marcadas com ? (retornar ao texto)

(43) O Capital, I, MEW 23, p.82. (retornar ao texto)

(44) "Em oposição direta à objetividade sensível dos corpos das mercadorias, nenhum átomo de matéria natural entra na objetividade de seu valor." (Ibid., p.62) (retornar ao texto)

(X) Linhas sublinhadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XI) Em si e por si poder-se-ia imaginar o nascimento da ciência natural sem escravatura [nota de W. Benjamin]. (retornar ao texto)

(45) Empregamos a expressão "determinação formal" no sentido de Marx, Para a crítica da economia política, MEW 13, passim. (retornar ao texto)

(XIII) A separação não se deixa determinar, sem recorrer ao conceito exploração. (retornar ao texto)

(XIV) Frase sublinhada por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(46) Marx, primeira Tese sobre Feuerbach. (retornar ao texto)

(XV) Como se coloca este conceito de matéria contrariamente ao conceito mágico? [W. Benjamin] (retornar ao texto)

(XVI) Ou seja o conceito "tudo" seja socialmente um sinônimo para dinheiro - uma afirmação ousada. [W. Benjamin] (retornar ao texto)

(XVII) Frase sublinhada por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(47) Sohn-Rethel - 1970: O que aqui se denomina de "forma racional de conhecimento", é parte daquele trabalho intelectual que ocorre somente entre possuidores de dinheiro, separado do trabalho manual de modo intransponível. (retornar ao texto)

(48) Sohn-Rethel - 1970: A distinção normativa aqui falha, a saber: se a conservação da identidade intacta do objeto de uso corresponde a uma vontade individual ou a um postulado social coagível policialmente. À objeção de Benjamin dever-se-ia responder com a pergunta: onde leio eu este livro, na livraria ou em casa? A identidade material mostra-se lá sem dificuldade como uma função da prorpiedade. (retornar ao texto)

(49) Cf. Marx, O Capital, L.I, MEW, 23, p.102. (retornar ao texto)

(50) Sohn-Rethel - 1970: A distinção entre duas maneiras de troca é um dos traços essenciais da análise de então e também continua vigente. Mas a base da distinção tornou-se explícita aos poucos e àquele tempo estava para mim ainda obscura. Ela consiste no seguinte: se a troca mercantil é o veículo da síntese interna da sociedade ou não; não consiste em uma distinção dos caracteres formais da troca mercantil, os quais permaneceram inalterados nos estágios diferentes do desenvolvimento da sociedade. Esses caracteres formais , sem dúvida (e isso significa sobretudo a forma equivalente), não aparecem, enquanto a troca for ainda essencialmente interrelação extraeconômica; nesses estágios ela não mostra ainda a forma dinheiro do valor. O surgimento da forma dinheiro significa o ponto de mutação para a função sintética sócio-interna da troca. E só primeiro a partir do momento em que os caracteres formais da troca mercantil aparecem, torna-se possível, que eles se comuniquem à consciência. Só a partir desse ponto de mudança será portanto possível que a abstração real da "forma mercadoria" se converta na abstração pensada da forma conceitual. - É verdade que eu me adiantava então o caminho certo, mas não estava em condições de responder às objeções, que foram levantadas por Benjamin e Adorno. Certamente também não me deixei desviar do meu caminho por essas repreensões. (Um esclarecimento mais preciso do problema será tentado no Posfácio deste texto). (retornar ao texto)

(51) Marx, O Capital, I, MEW, 23, p.107. (retornar ao texto)

(52) Sohn-Rethel - 1970: A expressão "troca de mercadorias" deve-se entender, aqui e em todo o texto a seguir, no sentido especial de interação interna da sociedade, portanto portadora da síntese social. (retornar ao texto)

(XVIII) Que a troca de mercadorias se caracterize por essa fissão, pode-se somente demonstrar comparando-o com a troca primitiva [Nota de W. Benjamin]. (retornar ao texto)

(XIX) Frase sublinhada por W. Benjamin com um ! (retornar ao texto)

(XX) W. Benjamin coloca uma interrogação nesta afirmação. (retornar ao texto)

(XXI) Os dois períodos que precedem foram sublinhados por W. Bennjamin. (retornar ao texto)

(53) A propósito desses [] e dos seguintes, cf. Nota 12. Trata-se de complementos ao Manuscrito acrescentados em 1970. (retornar ao texto)

(XXII) W. Benjamin marcou um ponto de interrogação ao lado dessa última oração. (retornar ao texto)

(54) Sohn-Rethel - 1970: Essa oração críptica (marcada com razão por Benjamin com um ponto de interrogação) deveria tornar-se mais inteligível através dos textos aqui introduzidos entre []. O sentido está em que eu reconduzo a consciência do ser humano em sentido antitético à "natureza", reconduzo-a à praxis de apropriação dentro da sociedade - não ao trabalho -. O trabalho assume ele mesmo primeiro carater "humano" lá onde ele se encontra em relações desenvolvidas de apropriação, portanto é trabalho produtor de mercadorias e trabalho explorado. Esse deslocamento importante de acento encontra-se em articulação indivisível com a redução da universalização à abstração da troca. - Em 1937, tais coisas estavam ainda demais obscuras para mim, para chegar mais claramente às consequências de meu enfoque. (retornar ao texto)

(55) Sohn-Rethel - 1970. Deveria ser "expansão". A determinação formal da troca de mercadorias é, em sentido rigoroso, imutável. O que muda, é o grau, em que ela penetra as conexões existenciais dos homens, por exemplo, se ela contribui somente para a multiplicação do consumo, ou se como puro consumo de luxo ou também como consumo de massa, ou se ela penetra também a produção e em que medida. Do grau de sua expansão neste sentido depende a forma distinta, a qual assume a determinação formal da troca, em e por si imutável, por exmeplo se a forma valor assuma a forma de dinheiro ou não, se o dinheiro tem já também a função de capital e em que maneira, etc. Aquilo que se entende com a expressão "determinação formal", na frase acima, é esta forma da troca de mercadorias. (retornar ao texto)

(56) Sohn-Rethel - 1970: deveria dizer: oposto antitético. Bem pode ter sido só minha maneira errada de me expressar neste trecho aquilo que levou Benjamin a sua glosa marginal; pois de fato a oração afirma o mesmo que já tinha sido dito na p.183, no segundo parágrafo. (retornar ao texto)

(XXIII) W. Benjamin grifa essas frases e acrescenta: "Mas isso não é exatamente identidade?" (retornar ao texto)

(XXIV) W. Benjamin coloca uma interrogação (?) na margem. (retornar ao texto)

(XXV) Frase sublinhada por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXVI) Frase sublinhada por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXVII) Essas últimas seis linhas foram grifadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXVIII) Linhas grifadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(57) Sohn-Rethel, 1970: Walter Benjamin, em conversação, tinha saudado como uma "idéia excelente" o uso do conceito de síntese para a sociedade mercantil, cuja designação como "sociedade sintética no sentido da borracha sintética, portanto, por esse caminho, também a articulação da síntese kantiana com a química". (retornar ao texto)

(XXIX) W. Benjamin grifou o que precede e acrescentou a glosa: "Seria grandioso se ele tivesse razão". (retornar ao texto)

(XXX) W. Benjamin grifou o que precede e acrescentou um "!" (retornar ao texto)

(XXXI) W. Benjamin grifou o que precede. (retornar ao texto)

(58) Note-se que aqui se passa por cima de todo um aspecto do desenvolvimento. A primeira forma da "socialização" de classe pela relação de exploração é o estado. A reificação da relação imediata de domínio (Herrschaft) da apropriação unilateral em estado é a primeira forma de reificação da exploração: a unidade do poder estatal é a primeira relação social de identidade da apropriação. Aqui tem início o profundo deslocamento da espaço-temporalidade da praxe humana de consumo e de produção, para a ordem espaço-temporal do coisificado, da facticidade; o carater de lei da ordem estatal é o primeiro carater de validade "teórico", o estado é a primeira "entidade" fetichística sobressaindo da "aparição". Mas, na forma dessa exploração ainda plenamente inserida em uma economia natural [as linhas que precedem foram grifadas por W. Benjamin] o ser está ainda mesclado com a aparência de maneira indistinguível, o carater de valor dos produtos apropriados não está separado de sua forma-coisa de valor de uso. A única organização planificada (por ser imediata) da apropriação, na qual primeiro começa a dialética da lei do valor (uma apropriação que começa primeiro a exercer suas contradições sobre a produção) tem portanto para os homens mesmos não um carater racional, mas mágico ou mitológico. A razão da apropriação torna-se primeiro razão humana quando as contradições da exploração já destruiram a planificabilidade e a controlabilidade social da formação da riqueza. (A expressão "riqueza" neste escrito é empregada constantemente em sentido oposto a "pobreza", portanto para designar posse classista em contraste com não-posse classista.) (retornar ao texto)

(59) K.Marx, O Capital, I, MEW 23, p.79. (retornar ao texto)

(60) K. Marx. Para a crítica da economia política, MEW 13, p.50. (retornar ao texto)

(61) Assim, no nível europeu da reflexão sobre a exploração, que assume a forma dinheiro do valor dos Antigos, a transformação do dinheiro em capital inclui em si o vinelamento dos trabalhadores explorados como forças humanas abstratas, trabalhadores assalariados médios. A separação do trabalho em criador de valores de uso e formador de valor surge, como vimos acima, junto com o caráter valor dos produtos pela exploração e é próprio a todas as formas de exploração; mas as distintas formas da exploração se caracterizam por distintas formas de reificação e de mercadorias dos homens explorados. (retornar ao texto)

(XXXII) Linhas grifadas por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXXIII) Período grifado por W. Benjamin e marcado com "?" (retornar ao texto)

(XXXIV) Período grifado por W. Benjamin e marcado com "?" (retornar ao texto)

(XXXV) Período grifado por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXXVI) Período grifado por W. Benjamin e marcado com tres !!! (retornar ao texto)

(XXXVII) Período grifado por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXXVIII) Período grifado por W. Benjamin. (retornar ao texto)

(XXXIX) Walter Banjamin grifou os dois períodos precedentes e acrescentou um !(retornar ao texto)

(62) A propósito destas notícias do diálogo com Adorno, que reencontrei recentemente em meus papeis, deve-se levar em consideração que antes de minha visita em Frankfurt, em abril de 1965, eu tinha enviado a Adorno o manuscrito do trabalho escrito em setembro de 1964:Historic-materialist Theory of Knowledge. An Outline (uma versão alemã desse texto apareceu no Internationale Marxistische Diskussion, 19). Ele tinha marcado o texto com glosas marginais e evidentemente leu-o escrupulosamente. Apesar disso acho bom notar até que ponto ele (a tirar conclusões dessas notícias profundas) fez próprio o conteudo fundamental. Bem que eu poderia ter feito um bom uso, se me tivesse lembrado delas. A. Sohn-Rethel - 1977.(retornar ao texto)

Inclusão: 03/05/2021