As Tarefas Imediatas do Partido no Campo(1)

J. V. Stálin

22 de Outubro de 1924


Primeira Edição: Jornal «Pravda» («A Verdade»), nº. 242, 23 de outubro de 1924.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 6º vol., Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo, Fevereiro 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

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Defeitos dos Informes apresentados pelas organizações locais

Camaradas:

Desejaria, antes de tudo, deter-me sobre as deficiências dos informes que ouvimos aqui. Creio que os defeitos essenciais são dois.

O primeiro consiste no fato de que os delegados falaram todo o tempo dos êxitos e quase não mencionaram as deficiências do nosso trabalho no campo, e estas são numerosíssimas. Fizeram o cálculo dos anos de antiguidade no Partido, da idade dos membros das células, do seu número, etc., etc., mas quase nada disseram das deficiências do nosso trabalho. Todavia, o problema das deficiências do nosso trabalho no campo é fundamental para a nossa atividade prática. Por isso os informes tinham, perdoai-me a expressão, certa ferrugem de burocratismo. Qualquer espectador estranho teria sido levado a pensar que os delegados vieram para prestar contas do seu trabalho ao C.C. dizendo: "O trabalho marcha satisfatoriamente", ou, "tudo vai bem". Não está certo, camaradas, porque todos sabemos, nós e vós, que nem tudo vai inteiramente bem no trabalho, nem entre vós, nas organizações locais, nem entre nós, no C.C.

O segundo defeito revelado nos informes consiste no fato de que neles se fala, sobretudo, das células, do seu estado de espírito, perdendo-se de vista, não sei por que, o estado de espírito de milhões de camponeses sem partido. Resulta que os comunistas se ocupam sobretudo de si mesmos: como se desenrola a sua vida interna, quantas conferências se realizaram, qual a propaganda que se faz, etc.. Resulta que os comunistas olham cada vez mais para si e se esquecem de que estão rodeados por um oceano de sem-partido, sem cujo apoio todo o trabalho das células corre o perigo de se tornar um embrulho inútil. Nada ou quase nada se disse das relações entre as organizações do Partido e as massas de sem-partido. Ninguém pode olhar somente para si mesmo. É necessário olhar sobretudo para os milhões de camponeses sem partido, estudar as suas necessidades e as suas aspirações. Daí a aridez e certo burocratismo dos informes que ouvimos. Tais são os dois defeitos principais que eu desejava salientar para que os camaradas os levem em consideração.

Peço perdão outra vez, camaradas, pela verdade que vos disse, mas peço com insistência que também vós nos digais a verdade sobre as deficiências e erros no trabalho do C.C.

E agora, aos fatos.

A debilidade do trabalho do Partido no campo, deficiência principal do Partido

Em que consiste a deficiência principal do nosso Partido, no momento atual, nas condições da N.E.P., agora, quando a atividade política dos camponeses cresceu e quando se exige do Partido muito mais do que, por exemplo, se exigia há dois anos?

O nosso trabalho no campo é débil, é lastimável, ainda não está bem organizado: eis o defeito principal do nosso Partido. Qual a origem dessa debilidade? De que modo se explica o fato de que o trabalho do Partido na cidade avança a todo vapor, enquanto no campo claudica dos dois pés? Por acaso a agricultura não se desenvolve? Não melhoraram as condições de vida dos camponeses nos últimos dois anos, depois da abolição do sistema de entrega obrigatória dos excedentes de gêneros alimentícios? Será que o desenvolvimento da indústria e o fornecimento ao campo de artigos fabricados na cidade não melhoram as condições de vida dos camponeses? Porventura a moeda estável não melhorou as condições dos camponeses? De onde vem, então, semelhante debilidade ao nosso trabalho de partido no campo? Para responder a esta questão é necessário sobretudo responder a outra: qual a origem da força do nosso Partido nas cidades?

Em que consiste a força do nosso Partido nas cidades?

Assim, pois, em que consiste a força do nosso Partido nas cidades? A força essencial do nosso Partido consiste no fato de que nas cidades o Partido tem em torno de si um amplo ativo, constituído de operários sem partido, e que conta com algumas centenas de milhares de pessoas, ativo que representa uma ponte entre o Partido e a massa de milhões de homens da classe operária. A força do nosso Partido nas cidades consiste no fato de que entre o Partido e a massa de muitos milhões de operários não existe um muro, mas uma ponte de ligação, que é representada pelo ativo da massa operária sem partido, constituído de algumas centenas de milhares de pessoas. O Partido extrai força desse ativo, forja a confiança que as massas nele depositam através desse ativo. Sabeis que há seis meses afluíram ao nosso Partido mais de duzentos mil operários. De onde vieram? Do ativo dos sem-partido, que rodeia o nosso Partido de uma atmosfera de confiança, ligando-o à restante massa sem partido. O ativo dos sem-partido é, por conseguinte, não somente uma ponte de ligação, mas também um riquíssimo reservatório de que o nosso Partido extrai novas forças. Sem este ativo o desenvolvimento do nosso Partido seria impossível. O Partido se desenvolve e se reforça se se desenvolve e se reforça em torno dele uma ampla camada de ativistas sem partido. O Partido se enfraquece e definha se esse ativo não existe.

Em que consiste a debilidade do nosso trabalho no campo?

Assim, pois, em que consiste a debilidade do nosso trabalho de partido no campo?

No fato de que o Partido não possui no campo uma ampla camada de ativistas camponeses sem partido, que o liguem às dezenas de milhões de camponeses trabalhadores do nosso país.

Como está organizado o trabalho no campo? Há o fio delgado das células do Partido nas aldeias. Depois, vem outro fio, igualmente delgado, dos camponeses sem partido que simpatizam com o nosso Partido. Além, fica o oceano dos sem-partido, dezenas de milhões de camponeses que não estão ligados nem podem estar ligados ao Partido pelo fio sutil do ativo sem partido. Isso explica, em essência, porque esse fio não resiste, porque com freqüência se parte e porque, ao invés de uma ponte de ligação, se ergue às vezes um muro impenetrável entre o Partido e as massas sem partido no campo.

A tarefa fundamental é criar em tomo do Partido um ativo de camponeses

Por isso, a tarefa fundamental do nosso Partido no campo consiste em criar um numeroso ativo de sem-partido, de algumas centenas de milhares de camponeses, o qual possa ligar o Partido a dezenas de milhões de camponeses trabalhadores. Camaradas, ou criamos esse ativo, e assim elevaremos a situação do nosso Partido no campo ao nível da situação existente nas cidades, e nesse caso nenhum problema, nenhuma dificuldade nos causarão temor; ou não criaremos esse ativo, e então todo o nosso trabalho no campo coxeará dos dois pés. Aqui reside no momento o centro de gravidade de todo o nosso trabalho. Sem semelhante ativo, necessariamente numeroso e necessariamente composto de autênticos camponeses, o nosso Partido está condenado a um mal-estar crônico. Naturalmente, trabalho árduo, e não se pode num só ano criar semelhante ativo. Mas é necessário criá-lo, e quanto mais cedo melhor será.

É preciso vivificar os Soviets

Mas como criar esse ativo? Como dar solução a esse problema? Supor que se pode solucioná-lo mediante a propaganda oral, com o livro nas mãos, é enganar-se profundamente. Só se pode criar em torno do Partido uma vasta camada de ativistas camponeses sem partido no curso do trabalho de massas em torno das necessidades práticas do campo, no curso de uma edificação soviética em larga escala no campo, mediante a participação dos camponeses na administração dos sub-distritos, dos distritos e das províncias: Vivificar os Soviets, fortalece-los, fazer com que participem do trabalho dos Soviets todos os melhores elementos camponeses: eis o caminho que é preciso seguir para se poder forjar um vasto ativo de camponeses sem partido.

Lênin dizia que os Soviets são o órgão da aliança entre os operários e os camponeses, o órgão através do qual os operários dirigem os camponeses. Por conseguinte, se quisermos que a atividade política dos camponeses trabalhadores não escape à direção dos operários, será necessário tomar todas as medidas para fazer com que os camponeses participou doa trabalho dos Soviets, para que os Soviets se reanimem e se ponham, de pé, para que a atividade política das massas camponesas encontre uma saída na sua indispensável participação na direção do país. Somente no curso desse trabalho os camponeses poderão produzir numerosos quadros de ativistas sem partido. Somente entre esses ativistas o Partido poderá recrutar dezenas de milhares de membros no campo.

É preciso mudar a maneira de trabalhar com os camponeses

É necessária, no entanto, para reanimar os Soviets, além de outras, a seguinte condição: torna-se indispensável modificar radicalmente a maneira de trabalhar com os camponeses. De que modo? Todo comunista deve aprender a tratar os sem-partido como iguais. Não deve dar ordens, mas ouvir atentamente a voz dos sem-partido. Não só ensinar aos sem-partido, mas também aprender com eles. E há coisas que nós devemos aprender com os sem-partido. O problema das relações entre os membros do Partido e os sem-partido é uma das questões mais importantes da nossa atividade prática. Lênin define essas relações com apenas duas palavras: confiança recíproca. Mas não pode haver confiança de parte do camponês sem partido onde ele não for tratado como igual. Nesses casos, ao invés da confiança, se cria a desconfiança, e às vezes a coisa termina fazendo surgir um muro impenetrável entre o Partido e os sem-partido, o Partido se desliga das massas e a aliança entre os operários e os camponeses se arma em divórcio.

Os ensinamentos da insurreição na Geórgia

Podemos encontrar exemplo vivo desse processo na recente insurreição georgiana.[N131] Os nossos jornais falam-nos de sublevação de opereta na Geórgia. Isto é verdade, porque na sua essência a insurreição na Geórgia foi artificial e não popular. Todavia, em algumas localidades os mencheviques, em virtude dos laços muito débeis entre o Partido Comunista e as massas, conseguiram atrair à insurreição uma parte da massa camponesa. É significativo que entre essas localidades figurem aquelas em que são mais numerosos os comunistas. Nesses lugares o número de comunistas é relativamente muito maior do que nos outros. E justamente ali os comunistas não perceberam, não viram, não notaram o fato de que existia efervescência entre os camponeses, de que os camponeses estavam se preparando para alguma coisa, de que estavam descontentes e de que esse descontentamento se acumulava dia a dia, enquanto o Partido não sabia de nada. Nas localidades em que eram mais numerosos os comunistas se revelou maior desconhecimento do estado de espírito, do modo de pensar e das aspirações dos camponeses sem partido. Eis o nó da questão.

Por que pôde ocorrer essa incongruência? Porque os comunistas não souberam aproximar os camponeses dos leninistas; ao invés de uma atmosfera de confiança criaram uma atmosfera de desconfiança mútua, distanciando desse modo o Partido dos camponeses sem partido. É interessante que um dos dirigentes mais ativos da Geórgia explique essa incongruência lembrando a debilidade dos Soviets locais e o divórcio entre o Partido e os sem-partido.

"É indubitável — diz — que a causa primordial de não termos visto a insurreição em suas origens deve ser procurada na debilidade dos Soviets locais".

Disse Lênin que os Soviets são o barômetro mais seguro, o índice mais seguro do estado de espírito dos camponeses. E foi justamente esse barômetro que veio a faltar ao Partido Comunista em alguns distritos da Geórgia.

Camaradas, os acontecimentos da Geórgia devem servir-nos de ensinamento. O que ocorreu na Geórgia pode repetir-se em toda a Rússia, se não modificarmos radicalmente a nossa atitude para com os camponeses, se não criarmos uma atmosfera de plena confiança entre o Partido e os sem-partido, se não dermos ouvidos à voz dos sem partido e, finalmente, se não reanimarmos os Soviets, com o objetivo de dar saída à atividade política das massas trabalhadoras camponesas.

Das duas, uma: ou saberemos estabelecer uma justa atitude leninista diante dos camponeses sem partido, para levar a crescente atividade política dos camponeses ao leito da edificação soviética e assegurar, desse modo, aos operários a direção dos camponeses; ou não saberemos fazê-lo e então a atividade política das massas marchará à margem dos Soviets, por cima dos Soviets, desembocando em ações de banditismo como a insurreição da Geórgia.

Assim se coloca a questão, camaradas.

É necessária uma atitude compreensiva para com os camponeses

Para dar uma idéia de como é, às vezes, vazia de compreensão a atitude para com os camponeses, é preciso dizer alguma coisa sobre a propaganda anti-religiosa. As vezes, certos camaradas consideram os camponeses como filósofos materialistas, acreditando que basta fazer uma conferência sobre as ciências naturais para convencer o camponês da inexistência de Deus.

Não compreendem com freqüência que o camponês manterá uma atitude utilitarista diante de Deus, isto é, às vezes não seria contrário a voltar as costas a Deus; mas quase sempre deixa-se dominar pelas dúvidas:

"Quem sabe se Deus não existe? Talvez fosse melhor contentar tanto aos comunistas como a Deus, para que a minha propriedade esteja em segurança".

Quem não leva em consideração esta particularidade da psicologia do camponês, não compreendeu nada do problema das relações entre os membros do Partido e os sem-partido, não compreendeu que na propaganda anti-religiosa também é preciso uma atitude prudente em face dos preconceitos do camponês.

Tarefas essenciais do Partido

Assim, pois, chegamos às seguintes conclusões:

  1. O defeito principal do trabalho do Partido no campo consiste na inexistência de um vasto ativo de camponeses sem partido que vincule o Partido a dezenas de milhões de camponeses sem partido.
  2. A tarefa imediata do Partido consiste em criar em torno do Partido, no campo, esse ativo, do qual o Partido possa tirar novas forças.
  3. Só é possível criar esse ativo reanimando os Soviets e fazendo com que os camponeses participem da administração do país.
  4. Para reanimar os Soviets é necessário modificar radicalmente a atitude para com os camponeses sem partido, abandonar o método das ordens de cima e criar uma atmosfera de confiança recíproca entre os membros do Partido e os sem-partido.

Tais são as tarefas do Partido.

Condições de trabalho

Existem condições favoráveis para a realização dessas tarefas? Sim, indiscutivelmente. Essas condições — refiro-me às essenciais – são três.

Primeira. A crescente atividade política, dos camponeses pobres. é preciso dispensar atenção a algumas particularidades do desenvolvimento da agricultura. Enquanto o desenvolvimento da indústria une os operários, impedindo que venham a perder as características de classe e reconstituindo a classe operária como um todo único, no campo, ao contrário, o desenvolvimento da agricultura leva à desagregação, à diferenciação dos camponeses, à formação de dois campos: o dos kulaks, que procuram ocupar os postos de comando no campo, e o dos camponeses pobres, que procuram aliados contra. Não há dúvida de que, se os Soviets se reanimarem, a crescente atividade dos camponeses pobres descobrirá saída e facilitará a criação de uma frente única, tendo à frente os operários, contra a preponderância do kulak, do especulador e do usurário.

Segunda. A preparação dos orçamentos locais, como base material para reanimar os Soviets. É desnecessário dizer que os problemas orçamentários, da arrecadação dos impostos e da aplicação das verbas têm importância primordial para os camponeses. Por isso adquire importância mais atual do que nunca a participação dos camponeses na edificação soviética.

Terceiro. A ajuda oportuna dada pelo Poder Soviético às regiões do nosso país mais afetadas pela fome. Não há dúvida de que essa ajuda criou entre os camponeses uma atmosfera de confiança para com o Poder Soviético. Não creio que seja necessário demonstrar que essa atmosfera facilitará a obra de reanimação dos Soviets.

O essencial é manter os laços com milhões de sem-partido

Encontramo-nos, por conseguinte, diante não só de determinadas tarefas imediatas do Partido, no campo, mas também de uma série de condições favoráveis, que facilitam a execução dessas tarefas. Trata-se, agora, de que todos se lancem com a maior energia à realização dessas tarefas.

No curso do trabalho é necessário lembrar as palavras imortais de Lênin, de que a força do nosso Partido consiste em contato vivo entre o Partido e as massas de milhões de sem-partido; de que quanto mais efetivo for esse contato mais firmes serão os nossos êxitos. Lênin pronunciou estas palavras diante do XI Congresso do nosso Partido:

"Na massa do povo nós (os comunistas, J. St.) somos apenas uma gota d’água no oceano e podemos governar quando expressamos de modo justo a consciência do povo. De outro modo o Partido Comunista não guiará o proletariado, e o proletariado não arrastará atrás de si as massas, e toda a máquina se esfacelará"(2) [N132]


Notas:

(1) Discurso pronunciado na Conferência de secretários de células rurais, realizada junto ao C.C. do P.C. (b) da Rússia[N130]

(2) O grifo é meu (J. St.) (retornar ao texto)

[N130] A Conferência de secretários de células rurais, promovida pelo C.C. do P.C. (b) da Rússia, realizou-se de 21 a 24 de outubro de 1924, com a participação de 62 delegados, entre os quais 4 representantes das regiões centrais e dos comitês provinciais, 15 dos comitês distritais e de comarca, 17 dos comitês de volost, 11 de células rurais e 11 de células da União da Juventude, e de 4 organizadores de camponeses nos volost. Molótov apresentou o Informe «As tarefas imediatas das células rurais», Kalínin falou do «Novo regulamento dos comitês camponeses de ajuda mútua», Kaganóvitch sobre o «Aparelho soviético de base», Krupskaia sobre «O trabalho de educação política no campo». Numerosos dirigentes locais falaram sobre questões relacionadas ao seu trabalho. (retornar ao texto)

[N131] Em fins de agosto de 1924 verificou-se na Geórgia uma insurreição contra-revolucionária, organizada pelos mencheviques e pelos nacionalistas burgueses georgianos, apoiados pelos dirigentes da II Internacional e por agentes de potências estrangeiras. A insurreição foi rapidamente sufocada graças ao apoio ativo dos operários e das massas trabalhadoras camponesas da Geórgia. (retornar ao texto)

[N132] Vide «Obras Completas», IV ed. cit., vol. XXXIII, pág. 273. (retornar ao texto)

pcr
Inclusão 17/07/2008