História da Comuna de Paris

L'Encyclopédie Anarchiste

1934


Fonte: Revista Verve - L'Encyclopédie Anarchiste, Tome 1, Paris, La Librairie, 1934 - https://livrozilla.com/doc/293987/vers%C3%A3o-completa-em-pdf.---n%C3%BAcleo-de-sociabilidade-libert%C3%A1ria

Tradução: do francês por Martha Gambini

HTML: Fernando Araújo.


A Comuna (História da), 18 de março - 29 de maio de 1871

Mesmo na França, a história da "Comuna" é pouco conhecida.

Em princípio, e principalmente nas aldeias rurais, a população só possui a respeito da "Comuna" uma vaga impressão de insurreição, de pilhagem, de incêndio e violência assassina. Nos centros importantes e nas aglomerações operárias, onde a propaganda socialista, sindical e anarquista penetrou mais ou menos profundamente, fala-se da "Comuna" com certo respeito e a opinião pública, durante tanto tempo extraviada pela imprensa conservadora, chegou a uma apreciação mais saudável desse grande fato histórico.

Em Paris, com exceção dos meios que, sistematicamente e por um instinto de classe, condenam e odeiam tudo que vem do povo, da democracia ou das classes operárias, a lembrança da Comuna provoca as mais ardentes simpatias e, no mundo socialista e revolucionário, o mais vivo entusiasmo.

Todo ano, na segunda quinzena de maio, a lembrança da "Semana Sangrenta" é comemorada, e são dezenas e dezenas de milhares que desfilam diante do Muro contra o qual, encostados, acuados, queimando seus últimos cartuchos, caíram heroicamente os últimos combatentes da "Comuna".

No estrangeiro, esse acontecimento de grande importância é ainda menos conhecido, não evocando qualquer interesse ou suscitando qualquer emoção, salvo nas cidades muito grandes, onde os partidos socialistas, as organizações sindicais e os agrupamentos anarquistas possuem numerosos adeptos.

A existência da Comuna foi extremamente breve: ela nasceu em 18 de março de 1871 e morreu em 29 de maio do mesmo ano; portanto, viveu apenas dois meses. Na origem, ela não era um movimento revolucionário. O povo de Paris acabara de sofrer um longo e doloroso sítio. Todas as privações, todos os lutos, todas as angústias, todos os sofrimentos passíveis de serem vividos por uma população aprisionada durante vários meses num círculo de ferro e fogo, tinham-lhe sido impostos por um governo militar, cuja imperícia fora tão manifesta que, por diversas vezes, os sitiados tiveram a impressão de que haviam sido traídos.

Profundamente patriotas, os habitantes de Paris ficaram extremamente mortificados com a derrocada do exército francês durante a guerra de 1870-71, que não passou de uma série de derrotas massacrantes; além disso, os mesmos indivíduos — generais, diplomatas, membros do governo — que haviam solenemente jurado preferir morrer a se render, acabavam de assinar uma paz que os patriotas consideravam vergonhosa: em suma, era visível que o governo encabeçado pelo execrável Thiers, antigo ministro da Monarquia de julho, urdia intrigas para restaurar o Império que, em 4 de setembro de 1870, desmoronara sob o desprezo público.

Foi nessas circunstâncias que Thiers, chefe do poder executivo, resolveu e deu ordem para desarmar esse povo de Paris, que parecia determinado a defender a República e cuja irritação lhe suscitava vivas inquietações.

Ordenou que fossem retomados da Guarda Nacional alguns canhões que ela ainda possuía na colina de Montmartre. Essa ordem teve efeito explosivo, levando à exasperação do descontentamento popular. Em 18 de março, inicia-se o combate entre a Guarda Nacional e as tropas regulares. Amedrontado, o Governo deixa Paris e refugia-se em Versalhes, levando com ele as tropas regulares e colocando-se sob sua proteção. Imediatamente, o Comitê Central da Guarda Nacional proclama a independência da Comuna de Paris e lança uma proclamação convocando as outras cidades da França a fazerem o mesmo.

Em 26 de março, o governo da Comuna foi eleito e decidiu sustentar uma luta sem trégua contra o governo sediado em Versalhes.

Do outro lado, o governo de Versalhes tomou suas providências para sufocar a insurreição. De início, solicitou e obteve do estado-maior prussiano a autorização de elevar a cem mil homens, e depois a duzentos e cinquenta mil, seus efetivos militares. E, a partir de 2 de abril, as hostilidades começaram e prosseguiram entre Paris e Versalhes. Apesar de um heroísmo realmente incomparável, as tropas parisienses foram inapelavelmente dissolvidas e dizimadas.

Em 21 de maio, o exército de Versalhes entrava em Paris, graças à traição. Bairro por bairro, rua por rua e, pode-se dizer, a cada metro quadrado de terreno, os Federados resistiram à invasão. Mas, esmagados pelo número, o equipamento bélico e as forças que lhes eram opostas, acabaram vencidos, a despeito de uma extraordinária valentia e de um combate grandioso.

Foi esse o ponto de partida para os vencedores exercerem a mais cruel repressão, a mais implacável registrada pela história. Os documentos oficiais acusam trinta e cinco mil pessoas fuziladas sumariamente. Crianças, mulheres, velhos, foram selvagemente maltratados, sem interrogatório, sob uma simples suspeita, uma denúncia, uma palavra, um gesto, um olhar, pela abominável satisfação de se ver o sangue correr, de se exterminar uma raça de revoltados e para se dar o exemplo. Ocorre uma inacreditável orgia de assassinato, cujo relato é impossível ler sem estremecer.

É esta, resumida em suas grandes linhas a história da "Comuna".

A opinião mais difundida e que tentaram atribuir aos historiadores do Movimento Comunalista de março-maio 1871 é de que esta insurreição sucumbiu sob o peso de seus próprios excessos.

Entre todas as apreciações suscitadas pela "Comuna" esta é, incontestavelmente, a mais inadmissível.

Não! Muito pelo contrário, não foram seus excessos, mas sim a timidez, a moderação, a falta de resolução, firmeza e audácia que fizeram morrer a "Comuna".

O Governo da "Comuna" quis ser um governo como todos os outros: legal, regular, respeitando a si próprio e forçando o povo a respeitar as instituições estabelecidas. Ele deu mostras de generosidade, de humanismo, de probidade. Assim, fez levar até Versalhes, ou seja, para o inimigo, o dinheiro do Banco da França. Assim, ele manifestou em todas as circunstâncias um respeito inimaginável pela Propriedade e por todos os privilégios capitalistas. Ele se vangloriava de, com essa atitude, tranquilizar o governo de Versalhes, favorecendo desta forma a composição.

É justo reconhecer que o governo da "Comuna" era composto dos mais diversos elementos e que, com exceção de uma pequena minoria, representando o blanquismo e o espírito da Internacional dos Trabalhadores, os membros desse governo encontravam-se imbuídos dos princípios de Autoridade e de Propriedade e que, além disso, não tinham qualquer programa inspirado numa ideia mestra, uma Doutrina diretora.

Em suma, os chefes da "Comuna" — todos dotados de um patriotismo ardente, na maioria profundamente republicanos e apenas alguns socialistas — não tiveram consciência do que deveriam ter feito para enfrentar a ralé governamental que, de Versalhes, comandava toda a França, depois de ter tido o cuidado de isolar Paris.

De um lado, os insurgentes de 18 de março perderam um tempo precioso com o jogo pueril de eleições regulares, quando deveriam ter organizado, sem perder nenhum dia, a vida econômica da capital cuja população já se encontrava esgotada pelos rigores de um sítio prolongado.

De outro, deveriam ter se apossado do tesouro guardado nos porões e cofres do Banco da França, confiscado os bens mobiliários e imobiliários dos rentistas, proprietários, industriais, comerciantes e outros parasitas, sendo que esse confisco teria sido facilitado pelo fato de que a maioria deles, cedendo a um enorme pânico, havia fugido precipitadamente de Paris, submetido ao poder dos insurgentes.

Finalmente, eles deveriam ter respondido golpe a golpe aos ataques dos versalheses, tentado o impossível para quebrar o círculo infernal no qual Thiers esforçava por aprisioná-los; deveriam ter tomado e aplicado medidas que semeassem o pânico nas fileiras da reação versalhesa, o que entusiasmaria e faria crescer a confiança na consciência dos deserdados.

Apesar de seus erros e falhas, a "Comuna" deixou na história revolucionária da humanidade uma página luminosa, cheia de promessas e ensinamentos.

Várias decisões e várias tentativas são notáveis e exemplares, tanto em razão do pensamento que as inspirou, quanto das indicações que podem delas ser retiradas.

Citarei duas dessas tentativas, marcadas de um caráter revolucionário.

A primeira é de 20 de março de 1871: é o ato pelo qual Paris afirma-se como comuna livre e convida as outras cidades da França para que também se constituam como comunas independentes. Deve-se ver aí um primeiro marco da futura Revolução: a abolição do Estado centralizador e onipotente, com a Comuna tornando-se a base da organização federalista que substitui o centralismo do Estado.

A segunda é de 16 de abril. É um decreto com o seguinte texto: "Considerando que uma grande quantidade de oficinas foi abandonada por aqueles que as dirigiam, para escapar das obrigações cívicas, sem levar em conta interesses dos trabalhadores, e que, em seguida a este covarde abandono, numerosos trabalhos essenciais à vida comunal encontram-se interrompidos, e a existência dos trabalhadores comprometida, a 'Comuna' decreta que as Câmaras sindicais levantarão uma estatística das oficinas abandonadas, assim como um inventário dos instrumentos de trabalho que elas contêm, para conhecer as condições práticas para a imediata exploração dessas oficinas pela associação cooperativa dos trabalhadores nelas empregados."

Um bom caminho já foi percorrido desde este 16 de abril de 1871, e é permitido taxar esse decreto de excessivamente tímido e moderado. É evidente que em nossos dias uma insurreição vitoriosa, ou melhor dizendo, a Revolução social, não terá a ingênua fraqueza de agir através de decretos. Ela irá se apossar, brutalmente e sem formalidades, dos instrumentos de trabalho, das matérias-primas e de todos os modos de produção de que tiverem sido despossuídos os detentores capitalistas ou que estes tiverem a "covardia" de abandonar.

Mas é preciso notar que nesse decreto — por mais moderado e tímido que seja considerado e que, de fato, seja — há a proclamação do direito, e diria mesmo do dever, que os produtores têm de se apossar, sem qualquer outra forma de processo, da terra, da fábrica, do canteiro de obras, da manufatura, das estações, do escritório, da loja, em uma palavra, de tudo que representa, sob qualquer título, a vida econômica da qual são a alma, os agentes e os auxiliares indispensáveis e soberanos.

Organização política tendo como base o núcleo comunal e como método o federalismo.

Organização econômica repousando inteiramente sobre a produção garantida e assegurada pelos próprios trabalhadores, que se apossaram de todos os meios de produção, de transporte e de distribuição.

É verdade que "A Comuna" não realizou esses dois pontos fundamentais de qualquer verdadeira transformação social; mas ela forneceu sua preciosa indicação essencial e desta maneira um esboço do que deve ser, do que será a Revolução social de amanhã.

Não quero terminar esta exposição excessivamente curta sem prestar homenagem à valentia heroica com a qual, até o último minuto, lutaram os defensores da "Comuna". Mesmo na hora em que toda a esperança de vitória estava perdida, mesmo no trágico minuto em que sabiam que só lhes restava sucumbir, eles sacrificaram suas vidas, sem hesitação e com a cabeça erguida, lamentando mais a morte da "Comuna" que a sua própria.

Se no dia da Revolução os revolucionários e anarquistas lançarem-se ao coração da batalha com o mesmo ardor e a mesma feroz resolução, com a mesma inquebrantável determinação de vencer ou de morrer, é certo que nada lhes resistirá.


Inclusão: 20/03/2021